Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5924/21.9T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: CONTRATAÇÃO A TERMO
DESEMPREGADO DE LONGA DURAÇÃO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO
COMUNICAÇÃO INICIAL DE NÃO RENOVAÇÃO
Nº do Documento: RP202307125924/21.9T8VNG.P1
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - A lei permite a contratação a termo fundada em razões de política de emprego motivada por uma iniciativa económica e com um objectivo social, como ocorre no caso de trabalhador em situação de desemprego de longa duração, nos termos do nº 4, do art. 140º, do CT, sendo as situações previstas neste nº 4, um afastamento à cláusula geral contida no n° 1 do mesmo normativo.
II - A motivação nos termos daquele nº 4, não tem a ver com o carácter temporário ou permanente das funções, mas sim com a necessidade de combater o desemprego, nas situações ali previstas, permitindo a contratação a termo de trabalhadores que podem vir a ser afectados à realização de actividades permanentes e por conseguinte não temporárias.
III - Em contratos celebrados com a justificação de o trabalhador ser desempregado de longa duração, o facto, eventualmente, das funções desempenhadas pelo trabalhador serem de necessidade permanente da empregadora, não permite concluir que a aposição de termo no contrato e a sua invocação para efeito da cessação do contrato de trabalho viola o espírito da lei, que permite a contratação dos desempregados de longa duração, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
IV – Referindo o art. 149º do CT, como refere, que as partes podem, desde logo, acordar que o contrato de trabalho a termo certo não fica sujeito a renovação, nada impede que a empregadora, logo aquando da celebração do contrato de trabalho, comunique por escrito à trabalhadora que não pretende renovar o contrato.
V - Assim, a existência daquela realidade não materializa uma situação de abuso do direito, nos termos do art. 334° do Código Civil, por parte da empregadora.
VI - O instituto do “abuso de direito”, enunciado naquele art. 334º, serve de válvula de segurança do sistema, para os casos de pressão violenta da nossa consciência jurídica contra a rígida estruturação, geral e abstracta, de normas legais, obstando a injustiças clamorosas, que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 5924/21.9T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de V.N.Gaia - Juiz 1

Recorrente: AA
Recorrida: APPACDM de ...



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
A A., AA, residente na Rua ..., ... ..., Gondomar, intentou acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum contra APPACDM de ... – Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental, IPSS, Pessoa Colectiva de Utilidade Pública com sede na Rua ..., ... ..., pedindo que, “deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência:
A) Ser declarada a nulidade do despedimento da A., por ilícito, dada a ausência de processo disciplinar, dada a nulidade da estipulação do termo no seu contrato de trabalho, declarando-se que subsiste o vínculo laboral e condenando-se a Ré a reintegrá-la no seu posto e local de trabalho, com a categoria, antiguidade e retribuição que lhe caberia se não tivesse sido despedida, isto sem prejuízo de optar, em sua substituição e até à data da sentença que transite em julgado, pela indemnização de antiguidade prevista no artigo 391º do Código do Trabalho;
B) Ser a Ré condenada a reconhecer a ilicitude da sua actuação, e condenada a pagar à A. as quantias já vencidas e indicadas em 21º desta PI nos seus pontos I, II, III e IV, tudo acrescido de juros legais desde a data da citação até integral pagamento;
C) Ser a Ré condenada no pagamento da compensação por antiguidade indicada no art. 21º desta PI no seu ponto V, a qual deverá ser paga caso a trabalhadora não opte pela reintegração;
D) Ser a Ré condenada a uma justa indemnização por danos não patrimoniais, a fixar equitativamente pelo Tribunal, e no pagamento de todas as custas do processo e dos demais encargos legais.”.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que trabalhou por conta da ré desde 21/03/2020, com a categoria profissional de Ajudante de Acção Directa de 3.ª e ao abrigo de um contrato de trabalho a termo certo, celebrado nos termos do art. 140º, nº 1, alínea b), do Código do Trabalho.
Mais, alega que, na fundamentação do contrato do termo consta que, “O presente contrato é celebrado ao abrigo do artigo 140º nº 1 alínea b) do Código do Trabalho, declarando o trabalhador se encontrar em situação de desemprego de muito longa duração” e que, tal estipulação de termo é nula, por manifesta falta de fundamento e justificação.
Alega, também, que a ré só lhe permitiu que assinasse o contrato de trabalho se antes assinasse um documento que se tratava do conhecimento da caducidade desse mesmo contrato de trabalho, sendo que ao longo da execução do contrato, os responsáveis da ré foram-lhe criando a expectativa de efectivar na empresa, pois iam-lhe dizendo que estavam satisfeitos com o seu desempenho profissional, dando-lhe a entender que o documento de cessação era mero documento “pró-forma”.
Alega, ainda que, como contrapartida da sua prestação de trabalho, auferia mensalmente o valor de € 665,00, acrescido de €3,50 diários, a título de subsídio de alimentação, encontrando-se obrigada à prestação de um período semanal de trabalho de 37 horas.
Por fim, alega que, de acordo com o Código do Trabalho, impor-se-ia uma verdadeira justificação do termo do contrato e não uma mera remissão para um dos seus artigos, sendo que foi despedida pela ré sem justa causa invocada e sem precedência de qualquer processo disciplinar, tendo-se limitado a empregadora a alegar aquando da outorga do contrato de trabalho a termo, a caducidade do mesmo com efeitos a 20/03/2021, opondo-se à sua renovação. Assim, não fundamentou a sua decisão de despedir a trabalhadora, o que se traduz em actuação ilícita, na medida em que não havia qualquer justificação do termo. E que, o despedimento lhe causou um sentimento de frustração, o qual foi vivenciado pelos restantes familiares e amigos, estando em constante ansiedade e tendo agora dificuldade em dormir e não tendo alegria em conviver com os amigos e familiares.
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Realizada a audiência de partes sem acordo, conforme consta da acta datada de 28.10.2021, foi a R. notificada para contestar, o que fez, alegando, em síntese, ser verdade que celebrou com a autora um contrato de trabalho a termo certo, em 21.03.2020, caducando no dia 20.03.2021, sendo também verdade que no mesmo dia da celebração do contrato comunicou à autora a sua intenção de o fazer caducar, na data prevista.
Alega que, na data da caducidade do contrato de trabalho a termo certo, emitiu uma declaração na qual constava o período em que a autora lhe prestou serviço, bem como a respectiva categoria profissional, sendo que a emissão e entrega do certificado de trabalho, nos termos que dele constam não cria qualquer “expectativa” na manutenção do contrato de trabalho, mas pelo contrário a certeza da sua caducidade. E que, comunicou à autora a sua vontade de não renovar o contrato para evitar a sua renovação automática, também no cumprimento de uma obrigação legal, podendo fazê-lo quando entender desde que cumpra o prazo mínimo estipulado por lei.
Mais, referiu que o contrato em causa foi celebrado ao abrigo de medida excepcional de incentivo à contratação de desempregados de muito longa duração, que não depende dos requisitos previstos no art. 140º. n.º 1 do Código do Trabalho, pelo que a exigência da suficiência da fundamentação do motivo justificativo é substancialmente reduzida, comparativamente com todas as outras situações, sendo que o motivo da celebração do contrato de trabalho a termo certo consta expressamente do contrato: a trabalhadora encontrava-se na situação de desempregada de muito longa duração.
Por fim, alega que não há qualquer fundamento legal para a pretendida ilicitude do despedimento da autora e impugna os créditos reclamados visto que o contrato de trabalho cessou em 20.03.2021 e a presente acção deu entrada em 29.07.2021, devendo ser deduzido o montante por ela recebido a título de subsídio de desemprego e atendendo, ainda, que a trabalhadora não prestou serviço no período peticionado, não lhe assiste o direito a receber o subsídio de turno e de refeição. Por outro lado, encontrando-se os proporcionais de férias correctamente calculados, ao valor em que eventualmente a ré fosse condenada a pagar à autora haveria que deduzir o montante por esta já recebido a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo certo, no montante de €399,00.
Conclui que, “Deve a presente acção ser julgada improcedente por não provada e, em consequência, ser a R. absolvida do pedido.”.
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Oportunamente, foi dispensada a convocação de audiência prévia e a enunciação dos temas da prova, atenta a simplicidade da matéria de facto em discussão, fixado o valor da acção em €6.347,64 e proferido saneador tabelar.
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Realizada a audiência de julgamento, nos termos documentados na acta de 28.03.2022, foi proferida sentença que terminou com a seguinte DECISÃO:
Pelo exposto, julgo improcedente e não provada, a presente acção, intentada por AA contra APPACDM de ... – Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental, IPSS, Pessoa Colectiva de Utilidade Pública e, em consequência, absolvo a ré dos pedidos contra a mesma deduzidos.
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Custas a cargo da autora, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza – art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código do Processo Civil ex vi art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho.
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Registe e notifique.”.
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Inconformada com esta, a A. apresentou recurso, nos termos das alegações juntas, que finalizou com as seguintes “CONCLUSÕES
A) Com a decisão recorrida – a permanecer válida – sai a lei violada e contornada, por deturpação à sua finalidade, quer o disposto no art. 140º, nº 1, alínea b), do Código do Trabalho, quer o desiderato preconizado pelo Decreto-lei nº 72/2017, de 21 de junho, pois haveria cobertura de uma decisão judicial a uma empresa que contrata um trabalhador em situação de desemprego de muito longa duração e no mesmo dia lhe exige que assine a tomada de conhecimento da denúncia do mesmo;
B) Como se deixou exposto, a Ré actuou em manifesto abuso de direito e violação de normas por esse excesso;
C) Por seu turno, a decisão recorrida faz uma errada subsunção da situação de facto dos autos, naquilo que dispõe o artigo 140.º do Código do Trabalho, razão pela qual deverá ser revogada e ser declarada a nulidade da estipulação de termo aposto no contrato de trabalho celebrado com a A., pugnando-se pela existência de um contrato de trabalho sem termo, condenando-se a Ré no pedido, tudo com as legais consequências.
Termos em que, nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer total provimento e consequentemente revogada a sentença recorrida, condenando-se a ré no pedido, tudo com as legais consequências, como é de inteira e sã JUSTIÇA!
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A R., respondeu nos termos das contra-alegações juntas, que finalizou com as seguintes “CONCLUSÕES
I. Bem decidiu a Mma Juiz a quo, absolvendo a R. de todos os pedidos formulados pela A., ora Recorrente.
II. A A. foi admitida ao serviço da R. por contrato de trabalho a termo certo com o motivo/fundamento desta ser desempregada de muito longa duração, previsto no art. 140º, n.º 4, b) do Código do Trabalho;
III. A A. era desempregada de muito longa duração;
IV. O empregador pode comunicar a caducidade do contrato de trabalho a termo certo na data da sua celebração, designadamente quando o fundamento/motivo é a situação do trabalhador: desempregado de muito longa duração.
V. Assim, o contrato de trabalho a termo certo caducou na data constante da comunicação,
VI. Tendo sido entregues à A. todas as quantias de que era credora.
VII. O comportamento da R. não consubstancia qualquer abuso de direito.
Termos em que:
Negando-se provimento ao presente recurso e, em consequência, mantendo a douta sentença absolutória, Se fará como, sempre JUSTIÇA”.
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Admitido o recurso como apelação e com efeito meramente devolutivo foi ordenada a subida dos autos a esta Relação.
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O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do art. 87º nº 3, do CPT, no sentido de que deverá ser confirmada a sentença em recurso, com os seguintes argumentos: “Como referido, e corrigido a disposição legal que deveria constar do contrato seria a do art.º 140º, 4, b) do CT, e não 140º, 1, b) do CT, que se refere à contratação a termo de trabalhadores em situação de desemprego de muito longa duração, a questão a decidir é a de saber se o motivo invocado é suficiente para justificar este contrato a termo.
Como refere o Prof. Pedro Romano Martinez, “nos casos do n.º 4, os motivos que justificam a contratação a termo não fornecem prazo para esta. Com efeito, subjacentes a estas possibilidades de contratação a termo estão os referidos motivos de diminuição do risco empresarial e de politica de emprego, pelo que a limitação temporal da contratação decorre não da natureza dos motivos, mas de juízo do legislador quanto à duração máxima de um vinculo precário, no caso, dois anos”…
Parece, pois, que tanto basta que seja contratado um trabalhador em situação de desemprego de muito longa duração, nos termos do art.º 140º, 4, b), para justificar este contrato.
E, sendo possível acordar logo de inicio que o contrato não vai ser renovado, nada impedirá que a entidade empregadora comunique logo a sua vontade de o não renovar.”.
Notificadas deste, A. e R. vieram pronunciar-se.
A A., nos termos do requerimento junto em 30.11.2022, discordando do mesmo e pugnando pelo provimento do recurso.
A R., nos termos do requerimento junto em 16.12.2022, aderindo integralmente ao parecer do Ministério Público.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvo as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, as questões suscitadas e a apreciar consistem em saber, se:
- não existe motivo justificativo para a celebração de um contrato de trabalho a termo certo;
- a empregadora actuou, em manifesto abuso de direito, ao exigir que a A. assinasse no dia da contratação o conhecimento da denúncia do contrato, como defende a recorrente.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS:
A 1ª instância considerou, o seguinte:
Factos Provados
1. A autora trabalhou por conta da ré, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, desde 21 de Março de 2020, com a categoria profissional de Ajudante de Acção Directa de 3.ª e ao abrigo de um contrato de trabalho a termo certo em 20/03/2021.
2. Da cláusula 9.ª do respectivo contrato de trabalho consta: “O presente contrato é celebrado ao abrigo do artigo 140º nº 1 alínea b) do Código do Trabalho, declarando o trabalhador se encontrar em situação de desemprego de muito longa duração”.
3. No mesmo dia da celebração do contrato a ré fez saber à autora, por escrito, que não pretendia renovar o contrato de trabalho com a autora e que o mesmo “caducará a 20 de março de 2021, data a partir da qual deixará de estar vinculada para connosco no que tange ao exercício de qualquer actividade laboral”, tendo a autora assinado tal escrito.
4. No dia 19/03/2021 a ré emitiu o certificado de trabalho que consta de fls. 9 do processo físico de onde consta, além do mais, que a ré assumiu a posição de entidade empregadora da autora e que esta “foi contratada para desempenhar as funções de Ajudante de Acção Directa, desde 21 de Março de 2020, função que desempenhou até 20 de Março de 2021, momento em que cessou a relação contratual existente entre ambas”.
5. Como contrapartida da sua prestação de trabalho, a autora auferia, mensalmente o montante de €665,00 (seiscentos e sessenta e cinco euros), acrescido de €3,50 (três euros e cinquenta cêntimos) diários, a título de subsídio de alimentação.
6. A autora encontrava-se obrigada à prestação de um período semanal de trabalho de 37 horas.
7. A autora não foi alvo de qualquer processo disciplinar.
8. A autora sabia, no momento da celebração do contrato, que o mesmo tinha termo certo e que tal contrato tinha como motivo justificativo o desemprego de muito longa duração.
9. A autora nasceu no dia .../.../1973.
10. Antes da sua admissão, a autora prestou diversas informações à ré referentes à sua identificação, designadamente à data do seu nascimento.
11. Na altura da sua candidatura ao trabalho a autora apresentou à ré uma declaração emitida IEFP de onde consta que se encontrava inscrita como candidata a emprego, desde 13/05/2009, na situação de desempregada à procura de novo emprego.
12. A autora entregou tal declaração do IEFP porque a ré lhe exigiu, informando-a que seria celebrado um contrato de trabalho a termo certo com o fundamento desta ser desempregada de muito longa duração.
13. A ré explicou à autora em que consistia esta situação.
14. A autora obteve a declaração do IEFP, por sua iniciativa, para a entregar à ré, bem sabendo o fim a que se destinava.
15. A ré assinou o contrato de trabalho a termo certo, depois de a ré a informar sobre o respectivo conteúdo.
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Factos não provados:
1. A ré só permitiu que a autora assinasse o contrato de trabalho se antes assinasse o documento referido em III. 4.
2. Ao longo da execução do contrato, os responsáveis da ré foram criando na autora a expectativa de efectivar na empresa, pois iam-lhe dizendo que estavam satisfeitos com o seu desempenho profissional, dando-lhe a entender que o documento de cessação era mero documento “pró-forma”.
3. A ré deve à autora as seguintes quantias:
- Dois mil oitocentos e treze euros e cinquenta e cinco cêntimos (€2.813,55) relativa aos vencimentos de 21 de março de 2021 a 26 de julho de 2021;
- Setecentos e três euros e trinta e nove cêntimos (€703,39) relativa a subsídio de turno (25%) sobre o valor vindo de mencionar;
- Trezentos e vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos (€325,50) relativa aos subsídios de refeição em dívida;
- Quinhentos e dez euros e vinte cêntimos (€510,20) relativa a remanescente em dívida de proporcionais de subsídio de férias;
- Mil novecentos e noventa e cinco euros (€1.995,00) relativa a compensação por antiguidade, a qual deverá ser paga caso a trabalhadora não opte pela reintegração.
4. Do despedimento decorreu para a autora um sentimento de frustração, o qual foi vivenciado pelos restantes familiares e amigos, estando em constante ansiedade e tendo agora dificuldade em dormir e não tendo alegria em conviver com os amigos e familiares.
5. A autora tenha lido atentamente o contrato de trabalho antes de o assinar..”.
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B) - O DIREITO
Através do presente recurso, insurge-se a recorrente, apenas, contra a decisão de direito, (pois, como se verifica, há total incumprimento do disposto no art. 640ª do CPC) pretendendo a revogação da sentença e a condenação da Ré no pedido.
Sem qualquer discussão está, também, a questão do regime legal aplicável, ou seja, o CT de 2009, aprovado pela Lei 7/2009 de 12/2, com as alterações introduzidas pela Lei nº93/2019 de 04.09.2019, atenta a data (21.03.2020) em que foi celebrado o contrato em causa.
Analisemos, então, a questão de saber sobre a:
- Falta de motivo justificativo para a celebração de um contrato de trabalho a termo certo.
Comecemos, por ver como o Tribunal “a quo” fundamentou a decisão a este propósito, transcrevendo o seguinte: «(…).
A questão que cumpre analisar prende-se com a validade do motivo invocado no contrato a termo celebrado em 21/03/2020, (…).
Tal como resulta dos citados preceitos e é sobejamente sabido apenas é admitida a celebração de contratos de trabalho a termo em situações excepcionais, todas elas tipificadas na lei, podendo por isso afirmar-se, tendo presente o princípio constitucional da segurança no emprego (cfr. art. 53.º da CRP), do qual resulta que a regra é a da contratação por tempo indeterminado, que a contratação a termo tem carácter excepcional, impondo a verificação obrigatória de requisitos quer de ordem formal, quer de ordem material.
No que respeita aos requisitos de ordem material, estão previstos no art.º 140.º do C.T. e daí resulta que o contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade. Do seu n.º 2 consta a enumeração exemplificativa de situações que ali podem caber, as quais se encontram restringidas pelo n.º 3 para as situações de contratação a termo incerto, resultando ainda do seu n.º 4 que pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo em duas situações de satisfação de necessidades permanentes de trabalho.
(…)
Como se referiu já, a legal contratação a termo é, em regra, excecional, apenas sendo admissível para satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade (art. 140.º/1 do CT).
A exceção a este apertado regime encontra-se no número 4 do Artº 140º que claramente admite a contratação a termo certo fora daquele condicionalismo sempre que se trate de contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego, em situação de desemprego de longa duração ou noutra prevista em legislação especial de política de emprego (alínea b)).
Trata-se, como é sumamente reconhecido, de uma exceção tendo em vista políticas de criação e fomento de emprego.
(…).
O conceito de desempregado de longa duração não vindo definido no Código do Trabalho, manteve-se constante ao longo dos anos e advindo de quanto se dispunha inicialmente, no art. 4.º/1 do DL n.º 64-C/89, de 27 de Fevereiro, transitou para diplomas posteriores (artº 4.º/1 e 2 do Decreto-Lei n.º 89/95, de 6 de Maio, art. 3.º/1do Decreto-Lei n.º 34/96, de 18 de Abril, art. 6.º/4 da Portaria nº 196-A/2001, de 10 de Março).
À data da celebração do contrato em causa encontrava-se já em vigor o DL n.º 72/2017, de 21/06 defendendo “que as políticas ativas de emprego devem ser dirigidas aos segmentos e aos grupos mais atingidos nos anos de austeridade, como os jovens e os desempregados de longa duração.”
Nos termos do art. 4.º/1, b) e c) daquele DL, consideram-se desempregados de longa duração, sendo como tal consideradas as pessoas que se encontrem inscritas no Instituto de Emprego e Formação Profissional, I. P. (IEFP, I. P.), há 12 meses ou mais e desempregados de muito longa duração, sendo como tal consideradas as pessoas com 45 anos de idade ou mais e que se encontrem inscritas no IEFP, I. P., há 25 meses ou mais.
Preceitua o n.º 4 da mencionada norma que para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1 a idade do trabalhador é aferida na data de celebração do contrato de trabalho.
Assim, como refere a ré, a Lei define os dois requisitos da definição de desempregados de muito longa duração, reportando-se a pessoas:
- Com 45 anos de idade ou mais, aferidos na data da admissão;
- Que se encontrem inscritas no IEFP, IP há 25 meses ou mais.
No caso dos autos ficou provado que a autora trabalhou por conta da ré, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, desde 21 de Março de 2020, com a categoria profissional de Ajudante de Acção Directa de 3.ª e ao abrigo de um contrato de trabalho a termo certo em 20/03/2021.
Da cláusula 9.ª do respectivo contrato de trabalho consta: “O presente contrato é celebrado ao abrigo do artigo 140º nº 1 alínea b) do Código do Trabalho, declarando o trabalhador se encontrar em situação de desemprego de muito longa duração”.
Nos termos do art. 249.º do Código Civil, é simples erro de cálculo ou de escrita aquele que é revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita. Cremos não restarem dúvidas que no contrato de trabalho em causa houve lapso manifesto ao fazer-se remissão para o “nº 1” do art. 140.º do C.T., tendo pretendido antes escrever-se “nº 4” do mesmo preceito, já que se fez constar que o trabalhador declarou que se encontrava em situação de desemprego de muito longa duração nada constando do contrato relativamente à “Substituição directa ou indirecta de trabalhador em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude de despedimento” – art. 140.º/1, b) do C.T. – nem nada tendo sido alegado pela autora a tal respeito.
Como se escreveu no Ac. TRLx. 23-02-2022 (proc. n.º 22527/20.8T8LSB-4, www.dsgi.pt) por referência a uma situação de “desemprego de longa duração” mas que julgamos ter plena aplicação no caso concreto, até por maioria de razão, sendo este o termo utilizado no art. 140.º/4, b) do C.T., “mostra-se, assim, claramente enunciado o motivo que fundamenta a contratação a termo, exigência que dá cumprimento ao disposto no art. 141.º/1, e) e 3 do C.T.
Sendo este o motivo invocado, não vemos que outros factos devessem ser exarados na justificação não se podendo dizer, como faz a autora, que o contrato se limita a remeter para as disposições legais. Na verdade, o texto em referência menciona a disposição legal (é certo tendo aqui ocorrido um manifesto lapso e escrita) e os factos que estão subjacentes à contratação.
Não se vislumbra, pois, que requisitos deixaram de ser cumpridos, sendo certo que não se invoca a falsidade do motivo. E, além disso, provou-se que a autora nasceu no dia .../.../1973, pelo que à data da celebração do contrato de trabalho (21/03/2021) tinha 47 anos de idade e que, na altura da sua candidatura ao trabalho, apresentou à ré uma declaração emitida IEFP de onde consta que se encontrava inscrita como candidata a emprego, desde 13/05/2009, na situação de desempregada à procura de novo emprego. Assim à data da celebração do dito contrato, a autora encontrava-se inscritas no IEFP, IP há 25 meses ou mais. Assim, encontram-se verificados, no caso concreto, os supramencionados requisitos estipulados no art. 4.º/1, c) do DL n.º 72/2017, de 21/06, tanto que a autora declarou no referido contrato encontrar-se em situação de desemprego de muito longa duração.
Concluímos, pois, que a indicação do motivo justificativo da estipulação do termo relativo ao desemprego de longa duração se revela devidamente concretizada com a referência no clausulado do contrato a essa situação de desemprego de muito longa duração, complementada com a declaração do trabalhador que se encontra nessa situação – neste sentido cf. ainda o Ac.de 04-10-2018 do TRG, proc. n.º 1324/17.3T8VRL.G1, www.dgsi.pt).
(…)».
Discordando desta, diz e alega a recorrente que, “No artigo 140.º n.º 1 do Código do Trabalho dispõe-se que “ O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para satisfação das necessidades temporárias, objectivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”, seguindo-se o n.º 4 que refere: “Além das situações previstas no n.º 1, pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para [...] b) contratação de trabalhador em situação de desemprego de muito longa duração”.
Ora, de uma análise perfunctória e genérica ao caso sub judicio, poderia desde logo concluir-se – como aliás resulta de alguma Jurisprudência neste conspecto – que não é mandatório que a actividade exercida pelo trabalhador diga respeito à satisfação de necessidades temporárias e/ou transitórias (exº Ac. do TRL nº 22527/20.8T8LSB-4, disponível em www.dgsi.pt). E, assim sendo, o termo estaria suficientemente justificado caso resultasse do articulado do contrato a situação de desemprego de longa duração da A..
Porém, o caso vertente, diverge de toda a Jurisprudência no sentido acima referido, na medida em que encerra uma manifesta deturpação, por ostensivo abuso de direito e má fé da Ré, quanto às normas que criaram incentivos a favor das empresas que contratem trabalhadores em situação de desemprego de longa ou muito longa duração.
Isto porque, no caso concreto, basta atentar na data de celebração do contrato e na data (a mesma) em que é comunicada à trabalhadora a denúncia do seu contrato de trabalho.
Esta actuação da Ré, sem a menor tergiversação, desvirtua o sentido da lei e da estabilidade de emprego procurada pelo legislador, quer pelo previsto no art. 140º, nº 1, alínea b) do Código do Trabalho, quer da legislação específica de incentivos (arts. 6º a 11º do Decreto-lei nº 72/2017, de 21 de junho).
Significa que a Ré, escapou no crivo do Tribunal a quo, que a legitima a continuar a contratar desta mesma forma (quiçá todos os seus trabalhadores), que passa a ser comummente aceite como legal, dando a conhecer a denúncia do contrato ao trabalhador no mesmo dia em que o contrata, ou seja, já em reserva mental quanto à certeza de que aquele trabalhador nunca efectivará.
Igualmente grave, é o facto de todos os nossos impostos suportarem a parte de benefícios colhidos por empresas que assim actuam...
Sai a lei violada e contornada, por deturpação à sua finalidade. Afinal, de que serve o desiderato preconizado pelo Decreto-lei nº 72/2017, de 21 de junho, se uma decisão judicial dá cobertura a uma empresa que contrata um trabalhador em situação de desemprego de muito longa duração e no mesmo dia lhe exige que assine a tomada de conhecimento da denúncia do mesmo?!
Se o legislador pretendeu permitir a contratação a termo fundada em razões de política de emprego motivada por uma iniciativa económica e com um objectivo social, como ocorre no caso de trabalhador em situação de desemprego de longa duração (caso da A.), nos termos do nº 4, do art. 140º, do CT, tal significa que a motivação nos termos daquele nº 4, não tem a ver com o carácter temporário ou permanente das funções, mas sim com a necessidade de combater o desemprego, nas situações ali previstas, permitindo a contratação a termo de trabalhadores que podem vir a ser afectados à realização de actividades permanentes e por conseguinte não temporárias.
Porém, a actuação da Ré mostra que pretende estar em antinomia com tal desiderato e excede o fim social e económico desse direito, configurando precisamente um abuso de direito nos termos do artigo 334.° do Código Civil.
Com a sua decisão, o Tribunal a quo, inviabiliza por um lado a possibilidade de uma decisão justa no caso concreto, e por outro, legitima o uso e abuso de direito para todas e quaisquer contratações baseadas no mesmo art. 140º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho, em favor da instabilidade de emprego (bastando denunciar o contrato no seu 1º dia), contrariamente ao desiderato do legislador, que era incentivar à estabilidade de emprego.
Aliás, que motivação para trabalhar terá um trabalhador que assina no mesmo dia um contrato de trabalho de um ano e a denúncia do mesmo?!
A acrescer a isto, saber-se que a necessidade se caracteriza por ser permanente e não temporária.
Para ser feita justiça no caso concreto, impor-se-ia que a Ré devolvesse os incentivos que indevidamente recebeu, comunicando-se ao Instituto da Segurança Social, I.P. e ao IEFP, I.P., e bem assim, ser declarado manifesto o uso abusivo do direito de contratação a termo constante do art. 140º nº 1 b), do Código do Trabalho e Decreto-lei nº 72/2017, de 21 de junho, com a consequente declaração de nulidade no termo aposto ao contrato.
A Ré sabe que, agindo do modo que agiu e quiçá continua a agir, atentou, notoriamente, contra um dos direitos mais elementares da recorrente: o direito à segurança no emprego.
(…).
Ora, é evidente que o tribunal a quo errou nos pressupostos de facto, tendo fundamentado de forma errada a sua decisão, quer de facto, quer de direito.
Ou seja, para o Tribunal a quo, no caso sub judicio (que como vimos é de manifesto abuso de direito e diferente dos demais jurisprudencialmente tratados), está suficientemente fundamentado o contrato a termo celebrado com a Autora quando simplesmente neste se pode ler que “O presente contrato é celebrado ao abrigo do artigo 140.º alínea b) do Código do Trabalho, declarando o trabalhador se encontrar em situação de desemprego de muito longa duração.”, conforme o conteúdo disposto na cláusula 9.ª do mesmo.
Remissão para a lei essa, aliás, erroneamente formulada, conforme alegou a Ré na cláusula 19.ª da sua Contestação e concluiu o Tribunal a quo,
E que, por esse facto, faz da declaração contratual da Ré uma declaração insuficientemente formulada e potenciadora de equívocos quanto ao verdadeiro fundamento do contrato.
Daí que se entenda, e bem, que “ocorre a invalidade do termo se o documento escrito omite ou transcreve de forma insuficiente as referências respeitantes ao termo e ao seu motivo justificativo, face à prescrição do artigo 147º, nº 1, alínea c). Assim, e conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 2/12/2013, Processo n.273/12.6T4AVR.C1.S1, 4ª Secção, consultável em www.dgsi.pt, a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade “ad substantiam”, tendo que integrar, forçosamente, o texto do contrato, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-02-2017 acessível em www.dgsi.pt)
E quanto a este entendimento do tribunal a quo de que o contrato de trabalho celebrado a termo certo se encontra devidamente fundamentado “com a referência no clausulado do contrato a essa situação de desemprego de muito longa duração, complementada com a declaração do trabalhador que se encontra nessa situação” entende a autora que este não deverá prevalecer, face a um melhor entendimento das normas jurídicas.
Neste sentido, leia-se ainda que “o tribunal só pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida “os factos” e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, o que é uma operação intelectual bem distinta.” Neste sentido ver Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-10-2018 disponível em www.dgsi.pt
E, em boa verdade, não pode a autora aceitar que se dê como provado o fundamento ou o motivo justificativo aposto ao contrato de trabalho a termo resolutivo sustentado na simples declaração contratual da trabalhadora, fazendo referência à sua situação de desemprego de muito longa duração.
(…).
Tendo ocorrido por isso a invalidade do termo do contrato, justificada pela omissão de fundamento e justificação como, de resto, vem alegado pela Autora na P.I.
(…).”.
Que dizer?
Desde logo, que a recorrente não tem razão.
Justificando.
Basta atentar nos dispositivos citados pela Mª Juíza “a quo” para fundamentar a decisão a que chegou, ou seja, os preceitos legais relevantes para apreciação da validade do termo justificativo da celebração do contrato de trabalho a termo certo, os constantes do Código do Trabalho.
Assim, o art. 140º que, sob a epígrafe “Admissibilidade de contrato de trabalho a termo resolutivo”, dispõe:
1 - O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades
2 - Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa:
a) Substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar;
b) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude de despedimento;
c) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em situação de licença sem retribuição;
d) Substituição de trabalhador a tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo parcial por período determinado;
e) Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima;
f) Acréscimo excepcional de actividade da empresa;
g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro;
h) Execução de obra, projecto ou outra actividade definida e temporária, incluindo a execução, direcção ou fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de empreitada ou em administração directa, bem como os respectivos projectos ou outra actividade complementar de controlo e acompanhamento.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, só pode ser celebrado contrato de trabalho a termo incerto em situação referida em qualquer das alíneas a) a c) ou e) a h) do número anterior.
4 - Além das situações previstas no n.º 1, pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para:
a) Lançamento de nova atividade de duração incerta, bem como início do funcionamento de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 250 trabalhadores, nos dois anos posteriores a qualquer um desses factos;
b) Contratação de trabalhador em situação de desemprego de muito longa duração.
…”
O art. 141º que, dispõe, sob a epígrafe, “Forma e conteúdo de contrato de trabalho a termo”, o seguinte:
1 - O contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita e deve conter:
a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
b) Actividade do trabalhador e correspondente retribuição;
c) Local e período normal de trabalho;
d) Data de início do trabalho;
e) Indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo;
f) Datas de celebração do contrato e, sendo a termo certo, da respectiva cessação.
2 - Na falta da referência exigida pela alínea d) do número anterior, considera-se que o contrato tem início na data da sua celebração.
3 - Para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.

O art. 147º que, sob a epígrafe “Contrato de trabalho sem termo”, dispõe:
1 - Considera-se sem termo o contrato de trabalho:
a) Em que a estipulação de termo tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo;
b) Celebrado fora dos casos previstos nos n.ºs 1, 3 ou 4 do artigo 140.º;
c) Em que falte a redução a escrito, a identificação ou a assinatura das partes, ou, simultaneamente, as datas de celebração do contrato e de início do trabalho, bem como aquele em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo;
d) Celebrado em violação do disposto no n.º 1 do artigo 143.º
2 - Converte-se em contrato de trabalho sem termo:
a) Aquele cuja renovação tenha sido feita em violação do disposto no artigo 149.º;
b) Aquele em que seja excedido o prazo de duração ou o número de renovações a que se refere o artigo seguinte;
c) O celebrado a termo incerto, quando o trabalhador permaneça em actividade após a data de caducidade indicada na comunicação do empregador ou, na falta desta, decorridos 15 dias após a verificação do termo.
3 - Em situação referida no n.º 1 ou 2, a antiguidade do trabalhador conta-se desde o início da prestação de trabalho, excepto em situação a que se refere a alínea d) do n.º 1, em que compreende o tempo de trabalho prestado em cumprimento dos contratos sucessivos.”
Ora, transpondo para o caso e atenta a factualidade que se apurou, a qual não foi impugnada de modo algum, pela recorrente, pese embora, o que em sede de alegações, referiu, que, (E, em boa verdade, não pode a autora aceitar que se dê como provado o fundamento ou o motivo justificativo aposto ao contrato de trabalho a termo resolutivo sustentado na simples declaração contratual da trabalhadora, fazendo referência à sua situação de desemprego de muito longa duração. Muito menos aceita que se dê como provado, como se deu pelo tribunal no n.º 8 da douta sentença, que “A autora sabia, no momento da celebração do contrato [...]que o mesmo tinha termo certo e que tal contrato tinha como motivo justificativo o desemprego de muito longa duração.”), o certo é que não deduziu a mesma qualquer impugnação quanto à decisão de facto, pelo menos de modo a que este Tribunal pudesse proceder à sua reapreciação, como supra referimos, por incumprimento dos ónus que se lhe impõem, nos termos do art. 640º, do CPC.
Assim, a factualidade a considerar é a que se encontra supra transcrita
E como já defendemos anteriormente, (Acórdão de 09.03.2020, Proc. nº 337/18.2T8MAI.P1 desta Secção Social, relatado pela aqui relatora e subscrito pela aqui 1ª adjunta, in www.dgsi.pt), “(...) A lei permite a contratação a termo fundada em razões de política de emprego motivada por uma iniciativa económica e com um objectivo social, como ocorre no caso de trabalhador em situação de desemprego de longa duração, nos termos do nº 4, do art. 140º, do CT, sendo as situações previstas neste nº 4, um afastamento à cláusula geral contida no n° 1 do mesmo normativo. A motivação nos termos daquele nº 4, não tem a ver com o carácter temporário ou permanente das funções, mas sim com a necessidade de combater o desemprego, nas situações ali previstas, permitindo a contratação a termo de trabalhadores que podem vir a ser afectados à realização de actividades permanentes e por conseguinte não temporárias.
(…) Na verdade, como vem sendo entendimento maioritário na nossa jurisprudência, a indicação do motivo justificativo da estipulação do termo relativo ao desemprego de longa duração fica devidamente concretizada com a referência no clausulado a essa situação de desemprego de longa duração, complementada pela declaração do trabalhador de que se encontra nessa situação”.
Deste modo, concluímos que o termo aposto no contrato celebrado entre as partes – ao abrigo da al. b) do nº4 do art. 140º do CT - é válido e, consequentemente, como dissemos, desde início, a recorrente não tem razão.
*
Passemos, agora, à questão de saber se, como a recorrente considera:
- a empregadora actuou, em manifesto abuso de direito, ao exigir que a A. assinasse no dia da contratação o conhecimento da denúncia do contrato.
Comecemos, novamente, por ver como o Tribunal “a quo” fundamentou a decisão a este propósito, transcrevendo o seguinte: «(…).
No caso dos autos, provou-se que no mesmo dia da celebração do contrato a ré fez saber à autora, por escrito, que não pretendia renovar o contrato de trabalho com a autora e que o mesmo “caducará a 20 de março de 2021, data a partir da qual deixará de estar vinculada para connosco no que tange ao exercício de qualquer actividade laboral”, tendo a autora assinado tal escrito.
Em face do exposto desde logo cumpre concluir que a intenção da empregadora de não renovar o contrato de trabalho foi efectuada por escrito, observando-se, pois, a forma prevista na lei. Conforme refere Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª edição, Principia, Parede, p. 45.) “No contrato a termo certo a comunicação de caducidade do contrato está sujeita a forma escrita. Tudo indica que se trata de uma formalidade ad substantiam, de onde decorre a nulidade da comunicação sempre que não seja observada a forma legal (artigo 220.º do CC) e a insusceptibilidade da sua substituição por outro meio de prova ou por documento que não seja de força probatória superior (artigo 364.º, 1, do CC).”
Por outro lado, cumpre ter presente que nos termos do citado n.º 1 do art. 224.º do Código Civil a declaração de não renovação do contrato a termo apenas se torna eficaz quando chega ao poder do trabalhador, visto tratar-se de uma declaração receptícia. Isto é, a declaração é reptícia no sentido em que só opera os seus efeitos quando chega ao conhecimento do destinatário.
A consubstanciar os argumentos supra mencionados, cita-se o sumário do acórdão proferido pela Relação de Lisboa, em 13-12-2011, no âmbito do processo n.º 830/10.5TTSTB.E1, consultável em www.dgsi.pt:
“I – A declaração de não renovação do contrato a termo é receptícia e só produz efeitos depois de chegar ao poder do destinatário, nos termos do art. 224.º, n.º 1, Cód. Civil.” Dispõe o art. 149.º do Código do Trabalho que:
“1 - As partes podem acordar que o contrato de trabalho a termo certo não fica sujeito a renovação.
2 - Na ausência de estipulação a que se refere o número anterior e de declaração de qualquer das partes que o faça cessar, o contrato renova-se no final do termo, por igual período se outro não for acordado pelas partes.
3 - A renovação do contrato está sujeita à verificação da sua admissibilidade, nos termos previstos para a sua celebração, bem como a iguais requisitos de forma no caso de se estipular período diferente.
4 - O contrato de trabalho a termo certo pode ser renovado até três vezes e a duração total das renovações não pode exceder a do período inicial daquele.
5 - Considera-se como único contrato aquele que seja objecto de renovação.”
Do exposto resulta que nada impede que a empregadora, logo aquando da celebração do cotrato de trabalho, comunique por escrito à trabalhadora que não pretende renovar o contrato, até porque, como refere a ré, as partes, ao abrigo do art. 149.º do C.T., podem, desde logo, acordar que o contrato de trabalho a termo certo não fica sujeito a renovação.
A dita comunicação tem, como efeito imediato, o conhecimento, por parte do trabalhador, de que não é intenção do empregador proceder à renovação do contrato de trabalho a termo certo, evitando-se, desde logo, que o primeiro não crie ou mantenha qualquer expectativa no sentido da renovação do contrato ou eventual passagem do contrato de trabalho a termo certo a contrato de trabalho sem termo.
De resto, não alegou a autora qualquer desconhecimento ou vício na formação da sua vontade ao assinar a declaração de não intenção de renovação do contrato emitida pela ré. Ao invés, alega ter tido conhecimento dessa intenção apenas se insurgindo quanto ao momento em que foi declarada tal intenção, não avançando com qualquer fundamento legal susceptível que colocar em crise a bondade de tal declaração.
E se teve conhecimento de tal intenção logo no momento da celebração do contrato, como alega a própria, não se vislumbra como pode a mesma ter criado a expectativa (o que de resto não se provou) de que “ficaria a trabalhar na ré”.
Cumpre não olvidar que, nos termos do art. 341.º do C.T. que
“1 - Cessando o contrato de trabalho, o empregador deve entregar ao trabalhador:
a) Um certificado de trabalho, indicando as datas de admissão e de cessação, bem como o cargo ou cargos desempenhados;
b) Outros documentos destinados a fins oficiais, designadamente os previstos na legislação de segurança social, que deva emitir mediante solicitação.
2 - O certificado de trabalho só pode conter outras referências a pedido do trabalhador.
…”
Ficou provado que a ré no dia 19/03/2021 a ré emitiu o certificado de trabalho referido da disposição legal supra citada, assim dando cumprimento à obrigação legal que sobre a mesma impendia, não se vislumbrando que a emissão desse documento possa, a qualquer título, ter criado na autora a expectativa de não caducidade do contrato de trabalho, o que de resto a mesma não alegou, antes traduzindo a não manutenção do vinculo laboral, sendo tal documento necessário para, nomeadamente, obtenção de eventual subsídio de desemprego.
Em face do exposto, não se vislumbrando qualquer vício quer do contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ré quer da declaração da intenção de não renovação do mesmo cumpre concluir que dito contrato caducou no dia 20/03/2021, caducidade esta que fez cessar licitamente o contrato de trabalho, nos termos do art. 340.º/a) do C.T. e, consequentemente, não assistir razão à autora, naufragando as respectivas pretensões.».
Para fundamentar a sua discordância quanto a esta, além do já referido supra, diz a recorrente, em síntese, que, “(…).
Decidindo-se dar razão à ré e legitimando-se o manifesto abuso de direito por esta praticado contra a autora aquando da sua imediata e imposta manifestação de desejo de por fim ao contrato de trabalho, mesmo antes deste se iniciar.
Uma clara demonstração de subversão dos preceitos jurídicos normativos, revelou a ré quando impeliu a autora a assinar, no mesmo dia da celebração do contrato, o seu igual término.
E como melhor deverá entender-se, “O abuso do direito, como resulta da norma do art. 334º do C. Civil, ocorre quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Haverá "abuso do direito quando um comportamento, aparentando ser um exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem". (vide em www.dgsi.pt acórdão do STJ de 04-04-2002)
Daí que não se possa dar razão à ré quando esta alega no n.º18 da Contestação que “bem sabia a A., no momento da celebração do contrato de trabalho a termo certo, qual era o motivo da sua contratação.”
Nem que se considere válida a afirmação que expressa no n.º 11 onde faz constar que “Quando celebra o contrato de trabalho a termo certo e na sua duração, não é legítimo ao trabalhador ter qualquer “expectativa” quanto à renovação ou até à passagem a contrato de trabalho por tempo indeterminado."
Esta poderá ser a pretensão da ré revelada através do documento que incitou a Autora a assinar, estabelecendo termo imediato ao contrato;
Mas não será de certeza o princípio vislumbrado pelo legislador, sobejamente entendido como uma medida de promoção da segurança do trabalho.
Tendo assim, a recorrente a segura convicção de que V. Exas., avaliando os fundamentos que supra se deixaram expendidos, não deixarão de acolher a sua pretensão, determinando a correcção da decisão nos termos aqui propugnados.”.
Vejamos, então.
E, novamente, importa dizer, desde já, que a recorrente, também, não tem razão no que toca a esta questão.
Justificando e passando à sua apreciação, citamos, de novo, o (Acórdão desta Secção Social, de 09.03.2020, já referido), onde refere: “(…).
Nos termos do artigo 334° do Código Civil é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
O abuso do direito traduz-se num ato ilegítimo, consistindo a sua ilegitimidade num excesso de exercício de um certo e determinado direito subjetivo: hão-de ser ultrapassados os limites que ao mesmo são impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo próprio fim social ou económico do direito exercido (Vide por todos o Acórdão do STJ de 09-10-2001, disponível na citada base de dados).
O instituto em análise tem como objetivo primordial – funcionando como que uma "válvula de segurança" do sistema - obstar à consumação de certos direitos que, embora válidos em tese, na abstração da hipótese legal, acabam por constituir, quando concretizados, uma clamorosa ofensa da Justiça, entendida enquanto expressão do sentimento jurídico socialmente dominante. Esta figura representa, em substância, o controlo institucional da ordem jurídica quanto ao exercício dos direitos subjetivos privados, garantindo a autenticidade das suas funções.
(…)
Em síntese, poderemos dizer que se configurará uma situação de abuso do direito quando alguém, embora legítimo detentor de um determinado direito, formal e substancialmente válido, o exercita circunstancialmente fora do seu objetivo ou da finalidade que justifica a sua existência, em termos que ofendam, de modo gritante, o sentimento jurídico, seja criando uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito e as consequências a suportar por aquele contra quem é invocado, seja prejudicando ou comprometendo o gozo do direito de outrem.
Isto posto, importa salientar que consideramos que, na situação de desemprego de longa duração, prevista na alínea b) do n° 4, do artigo 141°, a admissibilidade da celebração de contrato de trabalho a termo resolutivo não está dependente do preenchimento dos requisitos previstos na cláusula geral constante do n° 1, podendo, pois, os trabalhadores na situação de desemprego de longa duração ser contratados para a satisfação de necessidades permanentes da empresa.
(...).”.
Voltando ao caso dos autos, diremos que a matéria de facto provada não nos permite concluir que a aposição de termo no contrato e a sua invocação para efeitos de cessação, comunicada na data da sua celebração, viola o espírito da lei que permite a contratação dos desempregados de longa duração, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Aliás, e como referido na sentença recorrida, nada impede que a Ré na data da celebração do contrato a termo logo comunicasse que, findo o prazo de duração do mesmo não pretendia renová-lo, devendo a trabalhadora considerar que a caducidade do mesmo ocorreria no termo da sua vigência, de um ano.
Consideramos, pois, que não estão verificados os pressupostos do abuso do direito, não podendo afirmar-se o exercício abusivo de qualquer direito por parte da ré, e concretamente não se mostrando deslegitimada à luz do postulado axiológico-normativo plasmado no art. 334° do Código Civil, a aposição do termo no contrato dos autos e a sua invocação para efeito da cessação do contrato operada pela ré por caducidade, como defende a recorrente.
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III - DECISÃO
Nestes termos, acorda-se nesta Secção, da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo da A./recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
*
Porto, 12 de Julho de 2023
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão