Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00024713 | ||
Relator: | ALVES VELHO | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA TERRITORIAL AGRAVO ACÇÃO DE CONDENAÇÃO RADIOTELEVISÃO INDEMNIZAÇÃO OFENSAS AO BOM NOME ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA | ||
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Nº do Documento: | RP199903189831155 | ||
Data do Acordão: | 03/18/1999 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | CJ T2 ANOXXIV PAG185 | ||
Tribunal Recorrido: | T CIV PORTO 9J | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 779-A/97 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | PROVIDO. DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA. | ||
Indicações Eventuais: | O PROCESSO RECORRIDO É DA PRIMEIRA SECÇÃO. | ||
Área Temática: | DIR JUDIC - ORG COMP TRIB. | ||
Legislação Nacional: | CPC67 ART74 N2. | ||
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Sumário: | I - Para a acção de condenação em indemnização por ofensas ao bom nome de uma associação desportiva, difundidas num programa televisivo, é territorialmente competente o tribunal da comarca em cuja área teve lugar a emissão. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: 1.- Na acção que, no Tribunal Cível da Comarca do Porto, " Futebol Clube do ..." moveu a " ... - Sociedade ..., S.A. ", Emídio... e Jorge... para efectivação de responsabilidade civil extracontratual emergente da prática de facto ilícito, deduziram os RR. a excepção da incompetência territorial daquele tribunal por caber tal competência ao da comarca de Oeiras, que é o local onde o facto ocorreu. No despacho saneador, a excepção foi julgada improcedente e declarado competente o Juízo Cível do Porto. Pedindo a revogação do despacho que assim decidiu e a atribuição da competência ao Tribunal de Oeiras, agravaram os RR., que terminaram a alegação concluindo, em síntese: O Cód. Proc. Civil prevê expressamente todos os casos em que pode haver mais do que um tribunal competente e não prevê a prática de " factos ubíquos "; O n.2 do art.74 do C.P.C. consagra um único tribunal competente e nunca pode ser interpretado no sentido de que " todo o país " pode ser considerado como lugar da ocorrência do facto ilícito e que qualquer tribunal do país é territorialmente competente; O lugar onde o facto ocorreu situa-se na comarca de Oeiras e é também o tribunal da sede da R. ... e do domicílio profissional dos restantes RR.. Agravado respondeu, defendendo que o conceito " ocorreu " utilizado no art.74, n.2 do C.P.C. ( local onde o facto ocorreu ), a não ser interpretado segundo o regime do art.7 do C.Penal, poderia levar a desarmonia do sistema, designadamente com os artigos 71 e 72 do C.P.Penal, nos casos em que o resultado típico se veio a verificar em área geográfica diversa daquela em que o facto ilícito " se praticou ". Assim, embora o art.74, n.2 do C.P.C. não acolha um conceito de ubiquidade tout court remete para a noção de ubiquidade, tal como definida na legislação aplicável. Ex.mo juiz sustentou doutamente a decisão impugnada. Ambas as partes fizeram juntar aos autos doutos pareceres. 2.- Em sede de matéria de facto, relevam os seguintes elementos: O A. intentou esta acção alegando que os RR., em programa televisivo emitido pela R. ..., difundiram factos ofensivos do seu bom nome, pedindo a respectiva condenação no pagamento de indemnização pelos danos causados com tais ofensas; A acção foi proposta na comarca do Porto; O programa televisivo foi emitido dos estúdios da R. ... em ..., área da comarca de Oeiras. 3.1- Estão as partes acordadas, neste recurso, em que à resolução da suscitada questão da competência é aplicável a norma do art.74, n.2 C.P.C., que dispõe sobre o foro delitual, ambas aceitando como tribunal competente « o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu :. A divergência surge na determinação desse local. Assim, enquanto os Agravantes sustentam que esse lugar é apenas um, o do lugar onde o facto ocorreu prescindindo-se de qualquer relevância do elemento dano, já, segundo o Agravado o preceito admite " reenvio ", para as normas que definem essa " ocorrência ", designadamente as contidas na legislação penal aplicável. A questão reconduz-se, deste modo, à interpretação da norma do n.2 do art.74 referido. As normas de direito processual civil não estão sujeitas a regras de interpretação diferentes das aplicáveis a outros ramos de direito. Obedecem ao mesmo método e regras de qualquer outra interpretação ( vd. ANSELMO DE CASTRO, " Lições ..., I", 1970, 62 e ss. e M. ANDRADE, " Manual ...", 39 ). Rege, por isso, o art.9 do C.Civil e há-de ser à luz dos critérios de orientação interpretativa nele acolhidos que tem de ser determinado o sentido prevalente com que deve valer o texto da lei. No caso, a nosso ver, a questão não é tanto de ambiguidade do texto, mas de saber qual a significação que a um dos seus conceitos " pretendeu infundir a autoridade legiferante " ( ANDRADE, ob. cit., 25 ). Com efeito, o que importa saber é se a norma processual civil que nos ocupa contém um conceito - « local onde o facto ocorreu : - a ser preenchido por uma norma de Direito Penal, ou seja, se como expediente de técnica legislativa utilizado pelo legislador a norma do art.74, n.2 indica aquele seu elemento constitutivo mediante referência ( implícita ) a outra norma, esta de Direito Penal. Nisto se traduz o reenvio. Tal sucede quando na hipótese da norma pressuponente se inserem pressupostos normativos, isto é, referências ( explícitas ou implícitas ) na hipótese da norma ao resultado da aplicação de outras normas o que se verifica, como escreveu o Prof. BAPTISTA MACHADO ( " Âmbito de Eficácia ... ", 301 ), " quando a norma remetente estabelecer como um dos pressupostos da sua consequência de direito a existência duma situação jurídica ou duma qualidade jurídica ( pressuposto normativo ), que é já o produto da aplicação doutra norma ou doutras normas jurídicas a outros factos. Neste caso podemos falar de remissão pressuponente ou referência de pressuposição ". Ainda na figura do reenvio, em geral, cabe o que este Ilustre Professor designa por « remissão devolutiva :, com remissão referida também à norma " ad quam ", que, a final, vem a redundar numa relação de paralelismo analógico de regulamentação, através da criação duma norma analógica. Então, " pode esta relação de analogia entre normas ( ou entre problemas jurídicos ) servir para aclarar uma disposição legal de sentido obscuro ou duvidoso, quando num instituto aparentado o mesmo problema jurídico ( lugar paralelo ) tenha sido tratado com mais detalhe e clareza. Será preciso então ter o cuidado de indagar em que medida as particularidades e o específico contexto teleológico de cada instituto podem influir sobre o sentido das normas entre as quais se vai estabelecer o paralelo " ( id., ibid., 303 ). Em qualquer dos casos a norma de remissão não é susceptível de aplicação directa aos factos da vida que contempla, sendo que no último os seus elementos relevantes só podem alcançar-se através duma aplicação analógica da norma " ad quam ". Pois bem. Perante os enunciados conceitos afigura-se-nos que a norma do art.74, n.2 não é de qualificar como norma pressuponente ( norma directa que insere um pressuposto normativo ), nem como norma remissiva ( indirecta ) para norma análoga à paralela de Direito Penal. Pensamos, antes, que a norma em causa se refere, nas suas hipóteses, directamente a factos da vida - aos factos da vida real que o demandado praticou ou omitiu, determinando a respectiva ocorrência, em certo local. Desde logo, como é sabido, a introdução da actual redacção do n.2 do art.74 teve lugar na reforma de 1967 ( D.L. n.47690 ), substituindo a que vinha já do Código de 39, e fora mantida pelo Cód. de 61, em que se aludia ao " lugar onde o facto foi praticado ". E, se as normas penais do C.Penal de 1982, do C.P.Penal de 1988, da Lei da Imprensa ( 1975 ) e da Lei da Televisão ( 1988 ) são cronologicamente posteriores não logra o pressuposto normativo resultante da aplicação de tais preceitos de natureza penal integrar a hipótese daquela norma do processo civil, nem esta pode remeter para elas, porque desconhecidas, então do sistema jurídico. Depois, nas sucessivas reformas do C.P.C. o legislador deixou intacto o texto do n.2 em referência, sendo certo que não podia desconhecer preceitos como os contidos nos arts.7 C.P., 71 e 72 C.P.P., 37, n.5 do D.L. 85-C/75, 40, n.1 da L. 87/88 e 68, n.2 da L. 31-A/98 e, apesar disso, não acolheu o conceito de lugar da prática do facto vertido naquele art.7, ignorou as disparidades resultantes da aplicação dos arts.71 e 72 do C.P.P., designadamente as decorrentes do funcionamento do princípio da opção, bem como as soluções das ditas Leis especiais. Aliás, de idêntica ignorância fez uso o legislador processual penal que, se o pretendesse, bem poderia ter formulado uma regra de coincidência de foro territorial para as situações previstas naquele art.72. Porém, deixou ao processo civil a determinação do tribunal competente segundo as regras próprias deste ramo de direito adjectivo. Significativo, a este propósito que, quer com a reforma do C.P.C. de 1996 ( D.L. 329-A/95 e 180/96 ) pela qual se alterou o n.1 do art.74, quer com a do C.P.P. de 1998 ( Lei 59/98 ), tudo se tenha mantido imutável. Ora, " um legislador razoável, quer na escolha da substância legal, quer na sua formulação técnica, que depois de ter editado ( a lei ) no tempo da sua publicação, a fosse sempre mantendo de pé, e renovando a cada momento, em todo o período da sua vigência " ( ANDRADE, " Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 103 ), conhecedor do sentido que sempre foi sendo atribuído à norma, se o quisesse alterar haveria já de ter intervindo. Crê-se que se estará perante um daqueles casos em que a segurança e a certeza do direito prevalecem sobre o que parece emergir como uma quebra da unidade do sistema ao permitir que o conhecimento do mesmo pedido indemnizatório seja da competência de tribunais territorialmente distintos consoante seja accionado em processo criminal ou cível. Dessa ideia de certeza do direito e segurança jurídica - interesses primaciais visados pelo método de interpretação - não será dissociável a introdução da regra do conhecimento oficioso da competência territorial regulada pelo n.2 do art.74 pelo D.L. 242/85, bem como a proibição de pactos de aforamento sobre a mesma - arts.100, n.1 e 109, n.2 ( agora 110, 1, a) )-, o que tudo aponta para a necessidade de utilização de um critério único, como postulado pelos mencionados interesses. De referir, ainda, que na própria Lei n.31-A/98 ( Lei da Televisão ) se tratam expressamente as formas de responsabilidade civil e criminal. É ela uma lei especial. O seu art.59 refere-se à responsabilidade civil e aí se estabelece que " na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos através da televisão observam-se os princípios gerais "; diferentemente, quanto à responsabilidade criminal, dispõe-se que os actos lesivos de interesses jurídico-penalmente protegidos perpetrados por meio de televisão são punidos nos termos da lei penal e do disposto no diploma ( art.60, n.1 ), que no já aludido art.68 estabelece como regra de competência territorial o tribunal da sede do operador e, como excepção, a comarca do domicílio do ofendido relativamente à ofensa de direitos de personalidade. Quer dizer, o legislador foi exaustivo na regulamentação da competência territorial penal sem tomar idêntica atitude quanto à cível, limitando-se a remeter para os princípios gerais, tudo apesar da norma do art.74, n.2 e da interpretação que, ao que se sabe pacificamente, lhe vinha sendo atribuída. 3.2- De quanto se foi dizendo resulta já que se propende para o entendimento que a letra e o espírito da norma em questão - que consagra um critério especial de competência - aponta para o deferimento da competência ao tribunal da sede do estúdio donde proveio a difusão dos factos. O legislador elegeu, de entre os pressupostos da responsabilidade civil enunciados no art.483, n.1 C.Civil, apenas o facto como factor relevante, em desfavor do dano a que não atribuiu qualquer importância. Ao fazê-lo eliminou qualquer foro alternativo e tornou obrigatório o resultante da aplicação do critério que elegeu. A interpretação que se adopta é a que, em nosso entender, mais respeita o elemento literal do preceito, o elemento histórico e os princípios da teoria da interpretação a que se fez referência. Reconhece-se que, quanto ao elemento sistemático, a « unidade intrínseca de todo o sistema : de modo a « formar um todo coerente : não sai integralmente contemplada. Porém, não pode olvidar-se que este elemento é apenas um dos que devem ser tomados em conta, sem qualquer prevalência sobre os outros, que estamos no campo dos direitos adjectivos e perante uma norma especial e que o Direito Penal, pela sua natureza eminentemente punitiva, prossegue fins diferentes do Direito Civil. O tribunal competente há-de ser, conclui-se, o do local em que foi produzido e emitido o programa, irrelevando o lugar onde se verificaram os danos decorrentes do respectivo visionamento. O douto despacho recorrido não pode, consequentemente, manter-se. 4.- Pelo exposto, decide-se: Conceder provimento ao agravo; Revogar o douto despacho recorrido; Declarar territorialmente competente para o conhecimento da causa o tribunal da comarca de Oeiras; e, Condenar nas custas do incidente ( na 1ª instância ) e do recurso o A.- agravado. Porto, 18 de Março de 1999. António Alberto Moreira Alves Velho. Camilo Moreira Camilo. António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha. |