Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2288/17.9T8STS-F.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: RESTITUIÇÃO E SEPARAÇÃO DE BENS
MASSA INSOLVENTE
NULIDADE POR SIMULAÇÃO
Nº do Documento: RP201911182288/17.9T8STS-F.P1
Data do Acordão: 11/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 605º do C.C. veio tornar expresso que os credores têm legitimidade para invocar a nulidade dos atos praticados pelo devedor, mas não lhes atribui a exclusividade, pois, a mesma faculdade também pertence, nos termos do artigo 286º do C.C., a qualquer pessoa interessada na declaração de nulidade.
II - O administrador de insolvência pode pedir em juízo a declaração de nulidade, por simulação, como pode qualquer simulador.
III - A massa insolvente não pode ser considerada terceiro num negócio em que a devedora foi simuladora adquirente. A massa insolvente não adquire nada do insolvente, sendo um mero mecanismo jurídico cuja finalidade é a de liquidar o património daquele.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 2288/17.9T8STS-F.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B…, Lda., intentou a presente ação de restituição e separação de bens contra a Massa Insolvente de C…, Lda., pedindo a separação da Massa Insolvente dos bens móveis identificados e constantes do auto de apreensão sob as verbas nºs 1 a 44 e, em consequência, a restituição dos mesmos à requerente.

A fundamentar aquele pedido, alega que as verbas identificadas sob os nºs 4, 8, 11, 15, 23 a 27, 29 a 32 do auto de apreensão são propriedade da requerente e constam do seu inventário oficial.
No que se refere aos bens constantes dos nºs 1, 2, 7, 33, 38, 39 e 40, os mesmos são propriedade da requerente e, apesar de não constarem do seu inventário, certamente também não integrarão o inventário da requerida, uma vez que os mesmos nunca lhe foram cedidos por qualquer forma. Pertencem à requerente há mais de 30 anos, motivo pelo qual já não possui faturas comprovativas da aquisição das mesmas.
Por outro lado, os bens referidos no artigo anterior também não integram o elenco de bens mencionados na fatura junta como documento 1 à providência cautelar de restituição provisória da posse.
No que respeita à verba 42, esta faz parte integrante do prédio sito na Travessa …, nº …, em …, Gondomar, que se encontra emprestado à requerente por força do contrato de comodato.
Relativamente às verbas 1.1, 2.1, 3, 5, 6, 9, 10, 12 a 14, 16 a 22, 28, 33.1 a 37, 38.1, 39.1, 40.1, 41, 43 é um facto que as referidas verbas estão indicadas na fatura junta como doc. 1 à providência cautelar de restituição provisória da posse, que, de acordo com a argumentação aí apresentada, tem por base um trespasse.
Sucede que, considerando-se a hipótese de trespasse, o que a requerente rejeita totalmente, o referido negócio é nulo por falta de forma escrita, de acordo com o disposto nos artigos 1112º, nº 3, e 220º do C.C. A consequência da nulidade é a restituição de tudo o quanto foi prestado.
Por outro lado, apesar de emitida, a fatura nunca foi paga, nem os bens foram entregues à requerida, já que nunca saíram das instalações da requerente, que sempre os manteve na sua posse até ocorrer a restituição provisória no processo que identifica.
A requerente encontrou, juntamente com a requerida insolvente, soluções concertadas para viabilizar a continuidade da C…, Lda., e, por via indireta, também a sua continuidade, e não um trespasse, já que este não foi possível e não era o que se pretendia.
Com efeito as partes acordaram que a autora suspenderia a produção de mobiliário, que passaria a ser assumida pela ora insolvente, tendo a autora apenas permitido que todo o seu equipamento, nomeadamente as máquinas, fosse utilizado pela ora insolvente, na expetativa da concretização e formalização futura da incorporação/fusão.
No entanto, a requerente nunca entregou as máquinas, salvaguardando assim a sua posse e propriedade, tendo apenas ficado acordado que a insolvente assumiria a produção do mobiliário, nas instalações da requerida, sitas na Rua …, nº …., …. - … Gondomar, pagando apenas o custo da renda mensal e custos de fornecimento de água e luz correspondente à sua utilização.
A insolvente poderia assim utilizar, juntamente com a requerente, as instalações arrendadas a esta, na Rua …, …., …. - …, …, Gondomar, cujo arrendamento a requerente manteve em seu nome, suportando a Insolvente o custo mensal da renda correspondente à utilização do mesmo e os custos de água e luz. Poderia ainda utilizar, juntamente com a requerente, as instalações emprestadas a esta por contrato de comodato, sitas na Travessa …, nº …, …, Gondomar. Na verdade, o contrato de arrendamento das instalações referidas no artigo 35º sempre se manteve no nome da requerente, a quem sempre foi emitido o respectivo recibo de renda.
O mesmo sucedeu no que se refere às instalações emprestadas à requerente por via do comodato, referidas no artigo 36º, que continuou a utilizar, que lhe foram emprestadas a si e que apenas permitiu que a insolvente utilizasse gratuitamente, apesar de inicialmente ter sido estabelecido um valor mensal, que nunca foi pago, nem tão-pouco faturado.
Em virtude da cedência de instalações referidas no artigo 35º e de trabalhadores, a requerente faturava à insolvente os custos respetivos, sem nunca ter colocado um cêntimo a mais e sem ter tido qualquer vantagem financeira.
No que se refere às máquinas, as mesmas nunca foram objeto de venda. Tanto mais que a fatura emitida nunca foi paga, apenas se tendo pretendido criar a aparência junto do Banco da viabilidade financeira da requerida e da parceria entre esta e a requerente. Ora, como é bom de ver, a requerente não obteve qualquer ganho com os negócios realizados, uma vez que não recebia mais pela renda do que o que pagava, nem tão-pouco pela cedência dos trabalhadores, ou pela “cedência” nunca concretizada das máquinas.
Note-se ainda que foram sempre os trabalhadores que se mantiveram a trabalhar para a requerente que sempre manusearam as máquinas aqui em questão e não os que foram transmitidos para a requerida.
No que respeita à verba 44, trata-se matéria-prima adquirida pela requerente.
Por tudo o quanto aqui ficou exposto, as verbas 1 a 44 do Auto de Apreensão de Bens Móveis pertencem exclusivamente à requerente.
A requerente é proprietária dos bens, por os ter adquirido por usucapião.

A Massa Insolvente contestou, alegando que, na sequência da insolvência da sociedade C…, Lda., foram apreendidos a favor da massa insolvente os bens constantes do auto de apreensão cuja cópia juntou aos autos.
Em relação aos bens objeto da presente ação existiu, conforme atesta a autora, a restituição provisória da posse decretada judicialmente no âmbito do processo nº 2558/17.6T8GMD, pelo que, verificou o tribunal o preenchimento de todos os pressupostos jurídicos para decretamento da providência, nomeadamente a prova dos factos que constituem a posse dos alegados bens.
Os bens apreendidos encontravam-se a ser utilizados pela insolvente, pelos seus trabalhadores, nas instalações onde esta laborava, e constam expressamente identificados de uma fatura, desconhecendo a requerida a existência de qualquer outro negócio jurídico (nomeadamente um trespasse), que tenha estado na génese da emissão da referida fatura, a não ser a sua respetiva compra e venda.
Se a fatura foi, ou não, liquidada, a requerida tal desconhece. Todavia, mesmo que tal fatura não tenha sido liquidada, bem sabia a autora que podia recorrer a vários meios jurídicos com vista ao ambicionado pagamento do valor em dívida e eventual cobrança coerciva, mas nada fez.
Por outro lado, a aquisição do equipamento que veio a ser apreendido a favor da massa insolvente mais não foi do que, eventualmente, uma forma de aliviar o passivo da autora que, pelo que afirma, estava com grandes dificuldades financeiras. Assim, o equipamento apreendido a favor da massa insolvente é da insolvente, era utilizado pelos trabalhadores desta e encontravam-se onde a mesma laborava, local onde, inclusivamente, até pagava a renda, como a autora refere no artigo 35º da PI.
Assim, e estando a apreensão de bens em nome da insolvente, suportada pela localização e utilização dos mesmos, assim como pela existência de uma fatura (portanto, existindo inclusivamente prova documental), não existe fundamento legítimo para a separação dos bens móveis apreendidos do acervo da massa insolvente.

Procedeu-se a julgamento e, a final, proferida sentença, na qual a ação foi julgada improcedente.

Inconformada, a autora recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
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A apelada apresentou contra-alegações, concluindo pela confirmação da sentença.

Cumpre decidir.

Fundamentação de facto:
1. Em 12/7/2017, D…, S.A., intentou uma ação de insolvência peticionando a declaração de insolvência da sociedade C…, Lda.
2. Por sentença proferida em 1/9/2017, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de C…, Lda.
3. Nessa sentença foi nomeada administradora da insolvência a Sra. Dra. E….
4. A mesma, nessa qualidade, em 24/10/2017, apreendeu para a massa insolvente, entre outros, os seguintes bens nos seguintes locais:
a) Na Rua …, nº …., …, Gondomar:
- Verba 1: Lote composto por dezasseis mesas de apoio em madeira; onze bancadas de trabalho em madeira; uma bancada de trabalho em madeira, com torno; três mesas de trabalho em madeira; uma secretária em madeira; uma cadeira rotativa revestida a napa de cor preta; três estantes em madeira; oito estantes metálicas, com diversas dimensões e níveis de prateleiras; um armário em madeira, com três portas de abrir e três gavetas; um módulo em madeira com sete gavetas; um suporte em madeira para rolos; um suporte metálico contendo diversos rolos de ferro; um bidão de 70 Kg de cola branca.
- Verba 2: Lote composto por oito bancos em madeira; uma mesa de refeições longa em madeira; um banco longo em madeira; dez cacifos metálicos; um esquentador da marca "FAGOR", modelo "SUPER COMPACT AQUATRONIC"; um microoondas; um frigorífico da marca "ZANUSSI"; um lavatório em INOX; uma secretária em madeira com cinco gavetas de cor castanha; um armário/expositor em madeira com três portas de abrir, três gavetas e dois níveis de prateleiras, de cor castanha; um armário/expositor em madeira com duas portas de abrir, duas gavetas e um nível de prateleira, de cor castanha; uma mesa de apoio em madeira; duas mesas de madeira com tampo em fórmica de cor branca; cinco estantes em madeira com diversas dimensões e níveis de prateleiras; uma estante baixa em madeira; uma cadeira de pé-alto rotativa revestida a napa de cor preta; diversas peças e acessórios em madeira de mobiliário.
- Verba 3: Uma máquina traçadora de prancha da marca "MZ", modelo "LC 3500", do ano 2001.
- Verba 4: Uma máquina de corte com serra circular, da marca "PINHEIRO", modelo "SC12- 300".
- Verba 5: Uma tupia da marca "PINHEIRO", modelo "T6".
- Verba 6: Uma malhetadeira da marca "PINHEIRO", modelo "LV3T"
- Verba 7: Um esmeril de duas cabeças sem marca visível.
- Verba 8: Uma máquina de serra de fita sem marca visível.
- Verba 9: Uma malhetadeira da marca "OMEC", modelo "750"
- Verba 10: Uma máquina desengrossadora, da marca "SCM
- Verba 11: Uma máquina de furar da marca "FRAMA".
- Verba 12: Uma máquina modeladora sem marca visível
- Verba 13: Uma tupia sem marca visível.
- Verba 14: Uma plaina da marca "PINHEIRO", modelo "G4-530", nº 7831 do ano 1989.
- Verba 15: Uma máquina de corte radial sem marca visível.
- Verba 16: Uma esquadrejadora da marca "SCM", modelo "SI 16 N 3200".
- Verba 17: Uma máquina calibradora da marca "SCM", modelo "SANDYA 10".
- Verba 18: Uma máquina orladora sem marca visível.
- Verba 19: Uma prensa de caldeira da marca "FRAMA", com caldeira.
- Verba 20: Uma máquina de dar cola, sem marca visível.
- Verba 21: Uma máquina de coser folha de madeira, da marca "CASATI".
- Verba 22: Uma guilhotina da marca "TAGLIABLUE".
- Verba 23: Uma lixadeira de cinta sem marca visível.
- Verba 24: Uma máquina de corte da marca "RADIAL", modelo "800".
- Verba 25: Uma máquina de corte/recorte de disco, sem marca visível.
- Verba 26: Uma máquina de furar dobradiças de porta, da marca "BLUM", modelo "MINIPRESS".
- Verba 27: Uma máquina de furar de coluna da marca "SADY".
- Verba 28: Um esmeril de duas cabeças da marca "CREUSEN".
- Verba 29: Lote composto por duas lixadeiras de cinta sem marca visível.
- Verba 30: Uma serra radial da marca "Compa".
- Verba 31: Uma máquina de aspiração de três sacos, sem marca visível.
- Verba 32: Lote composto por dois ventiladores de parede, sem marca visível.
- Verba 33: Lote composto por sete lixadeiras eléctricas e manuais, de diversas marcas e modelos; duas máquinas de furar elétricas e manuais, de diversas marcas e modelos; uma aparafusadora eléctrica e manual, da marca "AEG"; uma tupia eléctrica e manual, da marca "RYOBY"; seis pistolas de pregos a pressão de ar, sem marca visível.
- Verba 34: Um elevador de carga sem marca visível.
- Verba 35: Um compressor da marca "Disol".
- Verba 36: Lote composto por um compressor de parafuso; uma máquina de secar a ar; um depósito de ar de 1.000 Lts.
- Verba 37: Um silo metálico para serradura.
- Verba 44: Lote composto por diversas peças em madeira para mobiliário, tais como: MDF folheado, placas em aglomerado, peças rectangulares transformadas, placas rectangulares em aglomerado, peças transformadas para componentes de mobiliário, tábuas de pinho, tábuas em aglomerado e folheado, barrotes em aglomerado e folheado, ripas em aglomerado.
b) Na Travessa …, nº …, …, Gondomar:
- Verba 38: Lote composto por seis mesas de trabalho em madeira; um módulo em madeira com cinco arrumos; duas mesas de apoio em madeira; duas mesas metálicas com dois níveis de prateleiras cada; três cadeiras em madeira; uma cadeira rotativa revestida a tecido de cor verde; uma cadeira rotativa com braços revestida a tecido de cor cinza; uma estante metálica com três níveis de prateleiras; uma bancada em madeira com diversos arrumos; um armário expositor em madeira com três portas de abrir em vidro, de cor castanha; um suporte para rolos de tecido com dois módulos e capacidade para catorze rolos, contendo rolos de tecido; um armário/cacifo metálico com três portas de abrir; uma máquina de costura de ponto corrido da marca "CONSEW"; uma máquina de costura de corte e cose da marca "JANOME", modelo "MA4-J713-06"; uma máquina de costura sem marca visível; um frigobar da marca "PHILIPS"; uma caldeira de passar a ferro; uma tábua de passar a ferro; duas máquinas de aplicar tinta; diversos rolos de tecido.
- Verba 39: Lote composto por dois depósitos de gasóleo.
- Verba 40: Lote composto por uma bancada de trabalho em madeira; cinco bancadas de polimento; uma estante metálica industrial com quatro níveis de prateleiras, de cor azul; três armários/cacifos metálicos; uma impressora multifunções; uma ventoinha de mesa; um microondas da marca "LG"; seis lixadeiras elétricas e manuais; dois aspiradores industriais; cinco máquinas de aplicar tinta; uma serra elétrica da marca "RYOBI", modelo "EMS2026"; um esmeril de duas cabeças; dois porta-paletes sem marca visível; diversos colchões de cama; diversos carrinhos de movimentação de cargas.
- Verba 41: Um empilhador elétrico apeado, sem marca visível.
- Verba 42: Um elevador de carga sem marca visível.
- Verba 43: Lote composto por duas estufas de polimento, uma sem marca visível e uma da marca "Ventilinha", com um sistema de exaustão cada.
- Verba 45: Lote composto por diverso mobiliário em madeira sem polimento, tal como: armários, camiseiros, cómodas, cadeiras, cadeirões, aparadores, móveis TV, estantes, mesas, mesas de cabeceira, camas; diversos colchões; diversas placas de espuma para enchimento.
Verba 46: Lote composto por diverso mobiliário em madeira, tal como: mesas, cómodas, camas, aparadores, móveis TV, armários, camiseiros e cadeiras.
c) Na Rua …, …, Gondomar:
- Verba 47: Lote composto por doze mesas de pés cruzados em madeira; quatro mesas redondas em madeira; duas mesas de consola em madeira; dois móveis TV em madeira; duas cómodas em madeira.
- Verba 49: Uma viatura pesada de mercadorias, com contentor, com matrícula .. - .. - QC, da marca Mercedes-Benz, modelo …, a gasóleo, de cor …, do ano 2000, com 644916 km e 3 lugares.
d) Na Rua …, .., Paços de Ferreira:
- Verba 48: Lote composto por dois móveis TV em madeira; seis mesas de pés cruzados em madeira, uma das quais sem acabamento; uma mesa de apoio em madeira; uma secretária em madeira; diversas mesas em madeira desmontadas e sem polimento; diversas peças e componentes de móveis em madeira.
e) Na Rua …, .., …, Gondomar:
- Verba 50: Uma viatura ligeira de mercadorias, com contentor, caixa de velocidades desmontada, com matrícula .. - .. - ZM, da marca Mercedes-Benz, modelo …, a gasóleo, de cor …, do ano 2005, com 450000 km.
f) Na Rua …, … :
- Verba 51: Uma viatura ligeira de mercadorias de caixa fechada, com avaria, com matrícula .. - .. - RV, da marca Peugeot, modelo …, a gasóleo, de cor …, do ano 2001 e 3 lugares.
g) Na Rua …, nº …, Lisboa:
- Verba 52: Uma viatura ligeira de mercadorias de caixa fechada, com avaria no eixo de transmissão, com matrícula .. - .. - ZV, da marca Iveco, modelo …, a gasóleo, de cor …, do ano 2005, com 500.000 km e 3 lugares.
- Verba 53: Uma viatura ligeira de mercadorias de caixa fechada, com avaria no eixo de transmissão, com matrícula .. - .. - ZV, da marca Iveco, modelo …, a gasóleo, de cor ..., do ano 2005, com 400.000 km e 3 lugares.
- Verba 54: Uma viatura ligeira de mercadorias de caixa fechada, com matrícula .. – IZ - .., da marca Iveco, modelo …, a gasóleo, de cor ..., do ano 2007, com 300.000 km e 3 lugares.
5. A “C…, Lda.” intentou contra a, aqui, autora um procedimento cautelar de restituição provisória da posse que correu termos sob o n.º 2558/17.6T8GDM, no J3 do juízo cível de Gondomar nos termos constantes de fls. 11 e seguintes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, alegando no mesmo, entre outras coisas, que:
“Por via da celebração de um contrato de trespasse, no ano de 2012, foram cedidas pela requerida à requerente, as instalações, mão-de-obra e maquinaria existente no armazém da primeira sito na Rua …, …., …, Gondomar (doravante “Estabelecimento”).
Não sendo exigida para a celebração de qualquer escritura pública para que o negócio de trespasse seja válido, promove a requerente à junção da fatura emitida pela requerida, datada de 24/10/2012, por via da qual esta reconhece ter recebido a quantia de €195.825,45 pelo trespasse da maquinaria melhor descrita na fatura que se junta como Documento n.º 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos”.
6. Até Outubro de 2012, a autora exercia a sua atividade de fabricação de mobiliário de madeira, quase em exclusividade para a C….
7. A autora tinha, até 31 de Julho de 2012, 16 trabalhadores a seu cargo.
8. A autora tinha também dívidas de cerca de €150.000,00 a Bancos (letras aceites pela requerida) e a fornecedores, cujo pagamento não poderia garantir, caso se verificasse a insolvência da C….
9. As partes acordaram, então, efetuar uma série de negócios que, futuramente, se iriam traduzir numa “espécie” de incorporação da sociedade autora na C….
10. As partes acordaram também que a autora suspenderia a produção de mobiliário, que passaria a ser assumida pela ora Insolvente.
11. Em consequência do acordo celebrado entre as duas empresas, a autora permitiu que todo o seu equipamento, nomeadamente as máquinas, fosse utilizado pela ora insolvente, na expetativa da concretização e formalização futura da incorporação/fusão.
12. Na sequência do acordado entre a autora e a insolvente, em 28/9/2012, a autora emitiu a favor da C… as faturas juntas a fls. 277 a 283 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13. E em 24/10/2014, a aqui autora emitiu a favor da C…., Lda., a fatura nº ……….., com o valor de €195.825,46, cuja cópia se encontra junta a fls. 22/24 cujo teor se dá por integralmente reproduzido, da qual consta diversa maquinaria.
14. Não obstante a emissão dessas faturas, em momento algum a autora quis vender à insolvente, nem esta quis comprar, tais equipamentos.
15. Essas faturas foram emitidas pela autora em nome da insolvente como forma de esta passar a ter no seu ativo esse equipamento e, dessa forma, poder continuar a ter crédito, designadamente, da banca que ao analisar as contas da insolvente veria na contabilidade a existência desse equipamento como sendo seu ativo.
16. A partir da data da emissão das faturas referidas em 12 e 13 a insolvente passou a ocupar, conjuntamente com a autora, as instalações fabris desta, sitas na Rua …, nº …., …. - … Gondomar, assumindo a produção do mobiliário, pagando o custo da renda mensal e custos de fornecimento de água e luz correspondente à sua utilização.
17. A partir dessa altura as máquinas que estavam no interior dessa instalação fabril foram sendo utilizadas, simultaneamente, por trabalhadores da autora e da insolvente.
18. A insolvente assumiu, mediante cessão da posição contratual, 10 contratos de trabalho referentes a 10 trabalhadores, até então da autora, assumindo os seus direitos, nomeadamente a antiguidade.
19. No que respeita aos restantes trabalhadores, manter-se-ia a autora como entidade patronal, que imputaria à ora Insolvente todos os custos a estes inerentes mediante fatura a emitir mensalmente.
20. A insolvente passou ainda, a utilizar, juntamente com a autora, as instalações emprestadas a esta por contrato de comodato, sitas na Travessa …, nº …, …, Gondomar.
21. O contrato de arrendamento das instalações referidas em 16 sempre se manteve no nome da autora, a quem sempre foi emitido o respetivo recibo de renda.
22. Em 28/6/2017 na Travessa …, nº …, …, foram penhorados, no âmbito do processo executivo 13822/17.1TBPRT do juízo de execução do Porto à, aqui, insolvente C… os bens descritos no auto de penhora cuja cópia se encontra junta a fls. 43 verso a 45 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
23. A autora apresentou à Senhora administradora da insolvência nomeada no processo referido em 1 a reclamação de créditos junta a fls. 264 e seguintes cujo teor se dá por integralmente reproduzido através da qual reclamou sobre a insolvente um crédito no montante de €649.396,87, acrescido de juros, classificado como comum.
24. A Senhora administradora da insolvência reconheceu à, aqui, autora no apenso de reclamação de créditos um crédito no valor de €453.571,41 que classificou como comum e um crédito comum condicional no valor de €195.825,46 (condicionado ao desfecho da providência cautelar).
25. A verba 42 apreendida para a massa faz parte integrante do prédio sito na Travessa …, ….
Não resultaram provados quaisquer outros factos e, designadamente, não se provou que:
26. Os bens apreendidos para a massa insolvente pela Sra. Administradora da insolvência na Rua …, nº …., … e na Travessa …., nº …, …., Gondomar, nunca foram entregues pela autora à insolvente, nem nunca estiveram na posse desta.
27. A verba 44 apreendida para a massa é matéria-prima propriedade da autora.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do C.P.C.
A questão a decidir consiste em saber se, sendo a simulação arguida pela própria simuladora contra a outra alegada simuladora, tal simulação é inoponível à massa insolvente, por se ter de considerar que esta é terceiro de boa-fé.

I. Em 28 de Setembro de 2012, a autora emitiu a favor da sociedade C…, Lda., e, em 24 de outubro de 2014, também emitiu a favor da mesma sociedade a fatura nº …………, com o valor de €195.825,46.
De acordo com a factualidade provada, não obstante a emissão dessas faturas, em momento algum a autora quis vender à insolvente, nem esta quis comprar, os respetivos equipamentos.
Essas faturas foram emitidas pela autora em nome da insolvente como forma de esta passar a ter no seu ativo esse equipamento e, dessa forma, poder continuar a ter crédito, designadamente, da banca que, ao analisar as contas da insolvente, veria na contabilidade a existência desse equipamento, como sendo seu ativo.
Apesar de ter resultado provada a simulação absoluta da compra e venda das verbas constantes da fatura emitida a 24 de outubro de 2014, considerou-se na sentença recorrida que a correspetiva nulidade era inoponível à massa insolvente, visto ser terceiro de boa-fé.
Pelo contrário, sustentando-se no Acórdão da Relação de Coimbra, de 25.10.2016, refere a autora que a transformação dos bens do insolvente em massa insolvente não configura qualquer ato jurídico, mediante o qual tal património adquira nova identidade própria e diversa da do insolvente.
Cremos que a autora/apelante terá razão.
A massa insolvente, nos termos do nº 1 do artigo 46º do CIRE, destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas dívidas e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração da insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.
Por sua vez, o nº 1 do artigo 81º do mesmo diploma dispõe que a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.
Por força deste preceito, no que se refere aos bens englobados na massa insolvente, o devedor fica privado dos poderes de administração e de disposição, que são atribuídos ao administrador da insolvência.
Mas, a autora/apelante questiona que a massa insolvente possa ser considerada, com vista ao afastamento da arguição da nulidade do negócio simulado, terceiro de boa-fé.
A nulidade proveniente da simulação não pode, nos termos do nº 1 do artigo 243º do C.C., ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa-fé.
Terceiros para este efeito, como diz Manuel de Andrade, são aquelas pessoas cujos direitos seriam prejudicados pela invalidação do negócio simulado; as que com isso sofreriam uma perda. Não aquelas que apenas lucrariam com a validade do mesmo negócio. Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 207.
A boa-fé, de acordo com o nº 2 do citado preceito, consiste na ignorância da simulação ao tempo em que se adquiriram os respetivos direitos.
Do citado artigo 81º, nº 1, do CIRE, resulta que o administrador da insolvência tem o poder de administrar todos os bens que integram a massa em defesa dos créditos dos credores da insolvência, não sendo um mero representante que vai ocupar a posição do próprio insolvente.
O artigo 605º do C.C. estabelece que os credores têm legitimidade para invocar a nulidade dos atos praticados pelo devedor, quer estes sejam anteriores, quer sejam posteriores à constituição do crédito, desde que tenham interesse na declaração de nulidade, não sendo necessário que o ato produza ou agrave a insolvência do devedor.
Este preceito veio tornar expresso que os credores têm legitimidade para invocar a nulidade dos atos praticados pelo devedor, mas não lhes atribui a exclusividade, pois, a mesma faculdade também pertence, nos termos do artigo 286º do C.C., a qualquer pessoa interessada na declaração de nulidade.
Como referem Pires de Lima e A. Varela, «se forem beneficiados com a nulidade, claro que os terceiros de boa-fé, como interessados, podem propor a ação nos termos do artigo anterior». Código Civil Anotado, volume I, pág. 230.
O administrador de insolvência pode pedir em juízo a declaração de nulidade, por simulação, como pode qualquer simulador.
No acórdão do STJ, de 3.7.2018, citado na sentença recorrida, refere-se que «a ré, massa insolvente, é terceiro, e claramente que agiu, pela pessoa do respetivo Administrador, de boa-fé. É terceiro, porque no exercício do direito de resolução o Administrador da Insolvência atuou no interesse da satisfação dos créditos dos credores da insolvência, logo, atuou no interesse dos credores. E não no interesse dos insolventes e da pessoa (a autora) com quem este negociou. E agiu de boa-fé porque não se mostra (ninguém o alegou ou sugeriu) que o Administrador conhecesse a simulação do preço, ou que só por culpa sua a não conheceu.
Donde, não é oponível à massa insolvente a nulidade do negócio simulado em causa. Tudo se passa, quanto a ela, como se a simulação (e a consequente nulidade) não existisse. E isto independentemente da massa insolvente sair prejudicada com a nulidade (como se afigura ser o caso) ou de ficar beneficiada com a manutenção do negócio». in www.dgsi.pt.
Porém, em sentido contrário, entendemos que a massa insolvente não pode ser considerada terceiro num negócio em que a devedora foi simuladora adquirente. A massa insolvente não adquire nada do insolvente, sendo um mero mecanismo jurídico cuja finalidade é a de liquidar o património daquele.
Afigura-se-nos, com o devido respeito, que o conceito de terceiro adotado no citado acórdão do STJ, não terá apoio legal, pois, assume tal qualidade aquele que, não sendo parte no negócio simulado, adquire um direito que seria afetado pela declaração de nulidade por simulação. O facto de o Administrador da Insolvência ser um substituto processual e, por isso, agir no interesse dos credores, não lhe confere o estatuto de terceiro.
Daí que, ao contrário do decidido, entendemos que a nulidade por simulação arguida pela autora/apelante é oponível à massa insolvente e aos credores.
Não se pode deixar de estranhar ter sido dada como provada a simulação absoluta de uma simuladora contra a outra simuladora com base no depoimento de uma testemunha (F… (ex-gerente da autora), sem se ter em conta o disposto no artigo 394º do C.C., pois não se vislumbra princípio de prova suscetível de legitimar o recurso à prova testemunhal.
De todo o modo, da matéria de facto (não impugnada) resulta, como já se referiu, demonstrada a simulação absoluta da compra e venda das verbas constantes da fatura emitida a 24 de outubro de 2014, o que acarreta a nulidade de tal negócio e consequente restituição à autora dos equipamentos constantes das verbas 1 a 41 e 43. Quanto às verbas 42 e 44, foi decidido que a autora não era sua proprietária e, não tendo a sentença, nessa parte, sido impugnada, os respetivos equipamentos não devem ser restituídos.
Procede, deste modo, o recurso da autora B…, Lda.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogando a sentença recorrida, ordenam a separação da massa insolvente dos bens móveis identificados no auto de apreensão sob as verbas 1 a 41 e 43, bem como a restituição dos mesmos à autora B…, Lda.

Custas pela massa insolvente.

Porto, 18.11.2019
Augusto de Carvalho
José Eusébio Almeida
Carlos Gil