Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO RAMOS LOPES | ||
Descritores: | NULIDADES DA SENTENÇA EXCESSO DE PRONÚNCIA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO CONDIÇÃO SUSPENSIVA INEXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202309121086/22.2T8PRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A valorização de fundamento não alegado pelas partes em vista de fundar a decisão traduz violação dos limites da sentença, viciando-a – porque o juiz não pode conhecer de causas de pedir não invocadas nem de excepções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608º, nº 2 do CPC), é nula a sentença que o faça (art. 615º, nº1, d) do CPC). II - A apreciação e conhecimento de questão relativamente à qual à parte não foi facultada pronúncia importa a nulidade da decisão, por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, d), do CPC), a invocar no recurso dela interposto. III - Não alegando o exequente matéria de facto que a lei lhe impõe alegar no requerimento executivo (arts. 715º, nº 1 e 724º, nº 1, h) do CPC e 343º, nº 3 do CC), precludida fica a possibilidade de a alegar nos embargos que venham a ser deduzidos pelos executados. IV - A oposição à execução é o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa perante o pedido do exequente – no plano do objecto caracteriza-se pela sua estrita função de defesa de oposição à execução –, sendo que a inadmissibilidade de outros articulados para lá da contestação (art. 732º, nº 2 do CPC) é outro argumento que conduz (sob pena de se ter de admitir que o regime convive com a violação do contraditório e despreza o declarado princípio do processo justo e equitativo) à conclusão que neles não pode o exequente vir suprir as deficiências de que padeça o requerimento executivo, alegando matéria que a lei lhe impunha que aí tivesse alegado. V - Mostrando-se a obrigação exequenda subordinada a condição suspensiva, cabe ao exequente, no requerimento executivo, alegar a verificação da condição (e juntar os pertinentes elementos probatórios de tal demonstrativos). VI - Não alegando (muito menos demonstrando) o exequente a verificação da condição, tem de afirmar-se a inexigibilidade da obrigação. VII - Não podendo concluir-se, ponderando os elementos probatórios produzidos nos autos, que a matéria alegada pela embargante não tem correspondência com a realidade, tem de arredar-se, como consequência, que dolosamente ou com grave negligência, alterou a verdade dos factos e/ou deduziu pretensão que sabia infundamentada, não se justificando a sua condenação como litigante de má fé. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 1086/22.2T8PRT-A.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Fernando Vilares Ferreira João Proença * Acordam no Tribunal da Relação do PortoApelante: AA (embargado). Apelados: BB e CC (embargantes). Juízo de execução do Porto (lugar de provimento de Juiz 7) - T. J. Comarca do Porto. * Na apensa execução para pagamento de quantia certa, AA demanda BB e CC para destes haver coercivamente o montante de 14.499,49€, dando à execução contrato promessa de alienação de quinhão hereditário e meação conjugal, celebrado em 2/07/2008, alegando que nele a entretanto falecida DD, mãe dos executados, declarou obrigar-se a abdicar do saldo de conta bancária existente no património do casal formado por si e pelo seu falecido marido, no valor de 9.351,01€, e a entregar-lhe tal quantia, no prazo de 30 dias após lhe ser facultada a possibilidade de movimentar a mencionada conta, obrigação que não cumpriu, tendo tido tal possibilidade (de movimentação da conta em questão).Embargaram os exequentes alegando, além do mais (compensação e prescrição dos juros vencidos há mais de cinco anos), não lhes poder ser exigida a prestação (a entrega do saldo da conta a que alude o contrato promessa junto com o requerimento executivo) por se não ter verificado a condição a que ficou submetida a obrigação – a prestação ficou dependente da possibilidade da promitente alienante movimentar a conta bancária em questão, condição que se não verificou (no inventário para partilha da herança aberta por óbito de AA, marido da entretanto falecida DD, discutia-se se a referida conta bancária pertencia ou não ao acervo hereditário a partilhar, pelo que a sua movimentação estava dependente do que aí fosse decidido e, celebrado o contrato definitivo, assumiu o embargado a posição da DD no inventário e a qualidade de interessado, deixando aquela de ter intervenção no processo, nunca aquela condição se verificando), sendo certo que no requerimento executivo o embargado nada alega de concreto quanto a tal possibilidade (possibilidade da DD - ou dos embargantes, seus herdeiros -, poderem movimentar a conta bancária em questão). Contestou o embargado, concluindo pela improcedência dos embargos, alegando que a falecida não era mera herdeira do titular da conta bancária (seu falecido marido), mas antes co-titular da mesma, exercendo, após a morte do marido, as funções de cabeça-de-casal na herança aberta por óbito daquele, podendo, por isso, movimentar (como movimentou) aquela conta, que nunca esteve bloqueada ou teve o saldo cativo. Pediu a condenação da embargante como litigante de má fé, por fazer uso reprovável do processo, alegando factos que sabe não corresponderem à verdade, apenas para obter vantagem ilegítima e eximir-se a cumprimento de obrigação que sabe ser devida. Na diligência de audiência prévia agendada para os ‘fins previstos no art. 591º, nº 1 do CPC’, as partes requereram a suspensão da instância, suspensão que foi deferida por despacho em que as partes foram também advertidas de que não seria agendada nova data para audiência caso não fosse celebrado acordo. Decorrido o prazo da suspensão, foi proferido despacho com o seguinte teor: ‘O tribunal entende que os autos reúnem condições para decisão imediata da causa, face ao suscitado/discutido pelas partes e suas implicações jurídicas. Assim sendo, notifique-se as partes para, em 10 dias, se pronunciarem, querendo, quanto à perspetiva do tribunal.’ Mantiveram-se silentes as partes, tendo o tribunal a quo, dispensando a continuação da audiência prévia, ‘nos termos do art. 597º do NCPC, conforme anunciado às partes’, conhecido do mérito dos embargos, julgando-os procedentes, com a inerente extinção da execução, considerando não se verificar litigância de má fé da embargante. Irresignado, apela o embargado, pretendendo a revogação da sentença e substituição por outra que julgue os embargos improcedentes, determinando o prosseguimento da execução e, ainda, condene a embargante CC como litigante de má fé, terminado as alegações formulando as seguintes conclusões: 1. O douto despacho ora em crise, ao julgar procedentes os presentes embargos de executado e ao absolver os executados da instância executiva, com a inerente extinção da execução, julgando ainda improcedentes os pedidos de condenação dos Executados/Embargantes como litigantes de má-fé, viola: o artigo 3º, nº 3, o artigo 413º e o artigo 703º, nº 1, b) todos do Código de Processo Civil e o artigo 342º, nº 1 e 2 do Código Civil; 2. A douta decisão é ainda nula: nos termos do disposto no artigo 195º, nº 1 do Código de Processo Civil e nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil; 3. A 11.01.2023 foi proferido douto despacho com o seguinte teor: (cfr. folhas (…) destes autos): “O tribunal entende que os autos reúnem condições para decisão imediata da causa, face ao suscitado/discutido pelas partes e suas implicações jurídicas. Assim sendo, notifique-se as partes para, em 10 dias, se pronunciarem, querendo, quanto à perspetiva do tribunal.”; 4. Na sequência deste douto despacho e decorrido o concedido prazo de 10 (dez) dias sem que nenhum dos sujeitos processuais se tivesse pronunciado; 5. Com data de 06.02.2023 foi proferido o douto despacho saneador que julga os embargos procedentes, absolve os Executados/Embargantes da instância com a inerente extinção da execução. Fê-lo com o seguinte fundamento: “Revertendo ao caso dos autos, entende o tribunal que a obrigação exequenda constante do título executivo, ainda que complementada pelo alegado no requerimento executivo, não se mostra imediatamente exigível, o que significa a falta de um pressuposto da exequibilidade do título, com a inerente procedência dos embargos como incidente tendente à extinção da execução.”; “Por conseguinte, a pretensão do exequente estava necessariamente dependente da alegação e prova no requerimento executivo de que a devedora tinha já possibilidade, de Direito de movimentar a conta bancária, com a inerente verificação da condição nos termos do art. 715, nº 1 e 2, do NCPC, de modo a demonstrar a exigibilidade imediata da obrigação, no quadro do ónus da prova também previsto no art. 343º, nº3 do CC.”; “Sucede que o exequente na alegou factos que traduzam a verificação da condição suspensiva referida, limitando-se a invocar situações em que a movimentação da conta ocorreu, situações estas que, nomeadamente pelo infra exposto, não traduzem a possibilidade de movimentação da conta a que as partes atribuíram relevância.”; “Em suma, a execução mostra-se destinada a improceder, pela inexequibilidade do título e por falta de um dos requisitos da obrigação exequenda, no caso, a sua exigibilidade, o que reitera-se, determina a procedência dos embargos, com a inerente extinção.”; 6. Ora, o que aqui vem exposto não foi, nestes concretos moldes, alegado pelos Executados/Embargantes nos embargos apresentados. Antes, conforme descrito na douta decisão ora em crise: “Os executados vieram, por apenso à execução, deduzir embargos de executado, alegando, em síntese, a inexigibilidade da obrigação exequenda, uma vez que o saldo da conta bancária era um bem que se encontrava sujeito ao processo de inventário aberto por óbito do marido da entretanto falecida contraente e, como tal, não podia ser movimentado. Mais alegam os executados que, tendo sido celebrado o contrato definitivo e tendo falecido a referida contraente, o exequente assumiu a qualidade de interessado no inventário, deixando aquela de ter intervenção no processo. Continuam os executados a alegar que a obrigação exequenda estava dependente da verificação de condição que não se veio a verificar, ou seja, a possibilidade de movimentação da conta bancária por parte da falecida contraente. Os executados invocam ainda a prescrição dos juros vencidos há mais de 5 anos.”; 7. Ou seja, não obstante terem os Executados/Embargantes alegado a inexequibilidade da obrigação, o certo é que o fizeram com um fundamento diferente daquele a que veio a ser considerado para a procedência da dos referidos embargos; 8. Veja-se que, ambos os Executados/Embargantes referem que, nem os próprios nem a mãe de ambos, alguma vez chegaram a saber da possibilidade de movimentação da conta bancária em causa; 9. Sendo até à Executada/Embargante, CC mais audaz ao referir, que não só o Exequente/Embargado não cumpriu as obrigações a que estava adstrito, como também, a conta bancária em discussão nestes autos foi adjudicada ao mesmo em sede judicial; 10. Sucede que, o Exequente/Embargado juntou aos autos documentos bancários comprovativos da movimentação da referida conta bancária, na data por si indicada no requerimento executivo, 11. Sendo que, tais movimentos tiveram como destino uma conta bancária da Executada/Embargante, CC; 12. Tais documentos nunca foram impugnados e fazem cair por terra a tese apresentada nos autos pelos Executados/Embargantes; 13. Nestes termos, quando no passado mês de janeiro de 2023, o aqui Exequente/Embargado foi notificado “para, em 10 dias, se pronunciarem, querendo, quanto à perspetiva do tribunal.”, o mesmo desconhecia a “perspetiva do tribunal” e apenas poderia fazer uma previsão quanto à procedência ou não dos factos alegados pelos Executados/Embargantes que entendia, tinha conseguido desmentir, com a junção aos autos dos referidos documentos bancários; 14. Assim sendo, aquele douto despacho, apesar de convidar as partes para se pronunciarem relativamente à decisão a proferir não desvendou a sua perspetiva sobre os factos, nem aventou a possibilidade da procedência dos embargos e da consequente extinção da execução; 15. Nestes termos, e por desconhecer a referida “perspetiva do tribunal”, o Exequente/Embargado não pôde de forma cabal e eficaz, exercer o direito ao contraditório para o qual estava a ser convidado; 16. Ou seja, apesar do cumprimento “formal” do convite ao exercício do contraditório, o certo é que, tal convite se esvaziou perante a ausência de informação quanto à matéria sobre a qual deveria recair tal contraditório; 17. A decisão ora em crise trata-se, pelo exposto, de uma verdadeira decisão surpresa. A decisão-surpresa é, assim, a solução dada a uma questão que, tal como sucede no caso em apreço, embora possível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever; 18. Com efeito, o Exequente/Embargado nunca poderia pensar que, não obstante a junção aos autos de documentos comprovativos da movimentação da conta em causa, na data por si indicada no requerimento executivo, a execução em causa acabasse por ser julgada extinta, dada a falta de alegação e prova de que a devedora tinha já possibilidade, de Direito, de movimentar aquela mesma consta bancária; 19. Veja-se quanto ao exposto, o entendimento vertido no acórdão proferido por este douto tribunal a 02.12.2019 em www.dgsi.pt: “Com o aditamento do nº 3, do art. 3º, do CPC, e a proibição de decisões-surpresa, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios.”; “A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, mesmo que adjetivo.”; 20. Nestes termos e por tudo o que aqui se expôs deve a decisão em causa ser declara nula nos termos do disposto no nº 1, do artigo 195º do Código de Processo Civil que determina que: “1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”; 21. A decisão ora em crise é nula porquanto conheceu de questões das quais não podia tomar conhecimento. Desde logo, a decisão ora em crise vem fazer uma interpretação sobre redação dada ao título executivo, da seguinte forma: “(…) o contrato não contém um prazo certo e incondicional, pois subordinou a exigibilidade/vencimento da obrigação a uma condição suspensiva (artigo 270º do CC), mais concretamente à possibilidade de a devedora movimentar a conta bancária, sendo que a referência a possibilidade tem necessariamente subjacente a “possibilidade de Direito” e não apenas a “ possibilidade de facto”, quanto mais não seja considerado que o que estava em causa era a integração da conta nos bens do processo de inventário pendente por óbito do co-titular.”; 22. Mas, a questão sobre a possibilidade de movimentação da conta em causa sempre foi uma “possibilidade de facto” conforme introduzido agora na discussão pela douta sentença ora em crise; 23. Veja-se que esta questão nunca foi levantada pelas partes, sendo que, os Executados/Embargantes se limitaram a deduzir oposição à execução que lhes era movida perante a simples alegação de nem os próprios nem a mãe de ambos, alguma vez ter movimentado a referida conta; 24. Nunca estes referiram que a mãe podia movimentar “de facto” a conta não o podendo fazer por questões de direito… 25. Mais, atentos ao teor do título executivo reproduzido parcialmente na douta decisão ora em crise, temos que, a devedora, aqui mãe dos Executados/Embargantes, à data da assinatura daquele contrato promessa, a 02.07.2008 referiu o seguinte no nº 4, da Cláusula 5ª do referido contrato: “Na eventualidade de o segundo outorgante pagar à primeira a totalidade das quantias referidas nas alíneas a) e b) da cláusula terceira, a Primeira Outorgante abdicará do saldo da conta nº ... da agência de Braga do Banco 1..., S.A. no valor de Eur: 9.351,01€ que passará a ser propriedade do segundo, comprometendo-se a primeira a entregar-lhe a referida quantia no prazo de 30 dias após lhe ser possível a movimentação da referida conta.”. (Sublinhado nosso); 26. Ora, pela análise do teor do contrato em causa verifica-se que, naquela data, a 02.07.2008, a devedora, mãe dos Executados/Embargantes intitulava-se já “dona” daquele saldo e afirmava que ia “abdicar” do mesmo; 27. Do contrato promessa em causa, aqui título executivo não consta o motivo do “alegado” impedimento da movimentação da conta e na realidade não existia qualquer motivo para que a ali devedora não pudesse movimentar a conta. E através da junção aos autos do Documento nº 2 junto com o articulado de contestação apresentado a 02.05.2022 – não impugnado pelos Executados/Embargantes – provou que a já identificada, DD podia movimentar, aliás como movimentou, sozinha, a conta bancária nº ... desde a data do falecimento do referido, AA, a 14.05.2004 e até à data do seu próprio falecimento, a 30.08.2016; 28. Não obstante a prova constante dos autos, veio a douta decisão ora em crise lançar matéria nova em discussão, não alegada pelas partes e perante a prova da movimentação da conta em causa vem dizer que ao Exequente/Embargado cabia provar a possibilidade de “Direito” de movimentação da conta em causa. Ora, ao fazê-lo, a douta decisão ora em crise, não só lança matéria nova em discussão, como decide sobre tal matéria e com fundamento na mesma opta pela inexistência da verificação da condição suspensiva referida, o que faz com que a obrigação exequenda constante do título não se mostre imediatamente exigível, o que leva à procedência dos embargos e à extinção da execução; 29. A douta sentença ora em crise é assim nula, pelo facto de conhecer de questões das quais não podia conhecer, conforme dispõe a alínea d), do nº 1, do artigo 615º do Código de Processo Civil; 30. E o mesmo se diga relativamente à discussão lançada pela douta decisão ora em crise, sobre a conta em causa ser ou não um bem controvertido nos autos de processo de inventário nº 6158/04.2TBBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível de Cascais, Juiz 4; 31. Dos autos não resulta qualquer prova relativamente ao exposto. Conforme alegado pelo Exequente/Embargado, o motivo da inclusão da referida cláusula suspensiva no referido contrato promessa de compra e venda prendeu-se com o facto de a devedora, mãe dos Executados/Embargantes ter alegado que naquela data a conta em causa estava penhorada, facto que se veio a revelar ser falso, conforme Documento nº 3, junto aos autos pelo Exequente/Embargado com o articulado de contestação apresentado a 07.04.2022; 32. Não obstante esta alegação, a douta sentença ora em crise não a apreciou nem a deu como provado os factos alegados pelo Exequente/Embargado, sendo que, optou, mais uma vez indagar da legalidade ou não da movimentação da conta em causa pela promitente vendedora. 33. O que fez da seguinte forma: “Destarte, a “possibilidade” de a promitente vendedora dispor do saldo bancário, a título pessoal, estava dependente da partilha e, em rigor, da sua adjudicação à promitente vendedora, ou, pelo menos da exclusão da conta dos bens a partilhar. Assim sendo, não tendo ocorrido a partilha antes do falecimento da promitente vendedora e não constando que o saldo da conta tenha sido excluído do inventário, a condição não se verificou, (…).”; 34. Mais refere aquela decisão: “Por outro lado, é irrelevante o facto de a promitente vendedora ter feito movimentos da conta bancária, pois, se o fez contra a lei, tal não significa que o pudesse fazer e, portanto, que a condição da obrigação exequenda se pudesse ter por verificada; se o fez na qualidade de cabeça – de - casal, tal é suscetível de traduzir mera administração dos bens em partilha.”; 35. Ora mais uma vez, vem a douta sentença ora em crise indagar sobre a legalidade da movimentação da conta ou, sobre a movimentação da mesma na qualidade de cabeça de casal; 36. Mais, chama à colação o processo de inventário em causa sem que haja nos autos qualquer prova quanto à inclusão da referida conta naquele processo; 37. Ao Exequente/Embargado cabia apenas e só fazer a prova da possibilidade de promitente vendedora movimentar aquela conta, o que logrou fazer mas a douta decisão ora em crise, exige ainda que o Exequente/Embargado venha provar que a devedora poderia legalmente fazê-lo, tecendo considerações sobre factos não alegados pelas partes, o que mais uma vez faz com que se encontre ferida de nulidade por conhecer de questões das quais não podia tomar conhecimento, nos termos da alínea d), do nº 1, do artigo 615º do Código de Processo Civil; 38. Nestes termos devem as nulidades invocadas ser julgadas procedentes por provadas e por conseguinte deve a sentença em causa ser revogada e substituída por outra que julgue improcedentes os embargos apresentados com o necessário prosseguimento da ação executiva; 39. Na sequência do que aqui se disse quanto à prova exigida ao Exequente/Embargado, pela douta decisão ora em crise, sempre se dirá que a imposição ali constante viola as regras da repartição do ónus da prova. Veja-se quanto ao exposto os números 1 e 2 do artigo 715º do Código de Processo Civil: “1 - Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição ou que efetuou ou ofereceu a prestação. 2 - Quando a prova não possa ser feita por documentos, o credor, ao requerer a execução, oferece de imediato as respetivas provas.”; 40. No caso em apreciação nos autos, o Exequente/Embargado alegou e juntou aos autos prova documental comprovativa do cumprimento da obrigação e indicou ainda prova testemunhal para tal efeito; 41. No que respeita à prova da verificação da condição suspensiva, os documentos originais que a comprovam foram juntos aos autos, a 06.06.2022, pela instituição bancária onde se encontra domiciliada a referida conta após solicitação do Exequente/Embargado para tal efeito; 42. O Exequente/Embargado provou assim, a inexistência de qualquer condição suspensiva, ou seja, a possibilidade de movimentação daquela conta bancária pela devedora, desde 14.05.2004 e até à data do seu próprio falecimento, a 30.08.2016; 43. Impõe a douta decisão ora em crise que além da prova da possibilidade de movimentação de tal conta, o Exequente/Embargado provasse ainda a legalidade de tal movimentação, através da adjudicação do saldo à promitente vendedora, ou, pelo menos da exclusão daquela conta dos bens a partilhar; 44. Sucede que, salvo melhor opinião, a alegação de tais factos relativos à legalidade/ilegalidade da movimentação da conta em causa sempre caberiam aos Executados/Embargantes por se tratarem de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado; 45. A douta decisão ora em crise impõe ao Exequente/Embargado um duplo grau de prova, a saber: a verificação da condição suspensiva e a sua legalidade e ao fazê-lo viola o disposto no nº 1 e do nº 2 do artigo 342º do Código Civil; 46. Por outro lado, a douta sentença ora em crise ignora a prova da movimentação daquela conta bancária trazida aos autos pela instituição bancária onde tal conta está domiciliada, a 06.06.2022; 47. E por outro lado, através de uma interpretação literal do artigo 716º do Código de Processo Civil, impõe ao Exequente/Embargado, o ónus de juntar ao seu requerimento executivo documentos bancários oficiais aos quais este nunca teria acesso fora do âmbito judicial; 48. Nos termos do disposto no artigo 413º do Código de Processo Civil: “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las (…).”; 49. O princípio da aquisição processual indicia que a atividade instrutória realizada no processo visa, essencialmente, determinar quais os factos que estão provados, independentemente da distribuição de ónus da prova entre as partes. Assim, o tribunal, no julgamento da matéria de facto, deveria ter em consideração todas as provas produzidas no processo, independentemente da origem das mesmas, não o fazendo violou, a douta decisão ora em crise, o disposto naquele artigo 413º do Código de Processo Civil; 50. São os seguintes os factos constantes da douta sentença proferida: “Para apreciação dos embargos importa ter presente os seguintes factos assentes por acordo ou decorrentes de documento com força probatória plena: 1. O exequente apresentou à execução, como título executivo, o documento intitulado “Contrato Promessa de Alienação de Quinhão Hereditário e da Meação Conjugal”, datado de 02.07.2008, no qual a entretanto falecida DD figura como promitente vendedora e primeira outorgante e o exequente figura como promitente comprador e segundo outorgante, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando do mesmo, entre o mais, que: “(…)”; 2. DD, como primeira outorgante, e o exequente, como segundo outorgante, outorgaram a escritura pública de “compra e venda”, datada de 31.10.2008, a qual se mostra junta como documento 2 do requerimento executivo, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando da mesma, entre o mais, que: “(…)”; 3. O exequente pagou as prestações referidas na escritura pública; 4. Os titulares da conta bancária nº ..., do Banco 1..., mencionada no nº 4, da cláusula 5ª do título executivo, eram DD, mãe dos aqui Executados/Embargantes, e AA, pai do aqui Exequente/Embargado; 5. Após o falecimento do referido AA, a 14.05.2004 e até, pelo menos, 15.01.2016 (data da nomeação do aqui Exequente/Embargado como cabeça de casal) foi a referida DD quem desempenhou as referidas funções de Cabeça de Casal da Herança aberta por óbito do referido AA; 6. Por escritura pública de 27.10.2016, os ora executados embargantes foram habilitados como herdeiros de DD, falecida em 30.08.2016, conforme escritura junta como documento 6 do requerimento executivo, com o teor que aqui se dá por reproduzido;”; 51. Sucede que, da prova produzida nos autos deve ainda constar, porque não impugnado pelos Executados/Embargantes e ainda por resultarem de documentos bancários oficiais, os seguintes: FACTOS PROVADOS: a) A 02.07.2008, data da celebração do contrato promessa que serve de título executivo a estes autos, a referida, DD, ali promitente vendedora, podia movimentar como movimentou a conta nº ... da agência de Braga do Banco 1... S.A.; b) A 30.10.2008 na data da celebração da escritura pública do contrato prometido de compra e venda, aquela DD, fez duas transferências bancárias para conta bancária nº ... domiciliada na mesma instituição bancária e titulada por si e pela sua filha CC (aqui Executada), uma no valor de 3.000,00€ (três mil euros) e outra no valor de 125,00€ (cento e vinte e cinco euros); c) A 02.12.2008 aquela DD fez uma nova transferência bancária no valor de 3.562,90€ (três mil quinhentos e sessenta e dois euros e noventa cêntimos) e mais uma vez, para a conta nº ... titulada por si e pela sua filha CC (aqui Executada); 52. A prova de tais factos consta dos documentos juntos aos autos com as contestações apresentada pelo Exequente/Embragado a 07.04.2022 e a 02.05.2022. Mais resultam dos documentos juntos aos autos a 06.06.2022 pelo Banco 1... (Portugal), S.A. e nenhum destes documentos foi impugnado pelos Executados/Embargantes; 53. Os factos provados por tais documentos são essenciais para prova da inexistência de qualquer condição suspensiva necessária à exequibilidade da obrigação, porquanto sempre a referida, DD pôde movimentar a conta em causa e ao desconsiderar a prova ali mencionada e produzida por tais documentos a douta sentença ora em crise padece de erro de julgamento; 54. Do título executivo que serviu de base a esta execução, consta que, a devedora ali identificada irá abdicar do saldo bancário da conta identificada, que passará a ser propriedade do Exequente/Embargado, comprometendo-se aquela devedora a entregar-lhe a referida quantia no prazo de 30 dias após lhe ser possível a movimentação da conta; 55. Da prova junta aos autos torna-se claro que à data da assinatura daquele contrato promessa – aqui título executivo – a devedora podia movimentar livremente a referida conta; 56. Aliás, conforme consta do Documento nº 2 e 3 junto aos autos com os articulados de contestação do Exequente/Embargado apresentado a 07.04.2022 e a 02.05.2022 e dos documentos juntos aos autos a 06.06.2022 pelo Banco 1... (Portugal), S.A.. Torna-se claro que a mencionada condição suspensiva nunca existiu, pois que, a já identificada, DD podia movimentar, aliás como movimentou, sozinha, a conta bancária nº ... desde a data do falecimento do referido, AA, a 14.05.2004 e até à data do seu próprio falecimento, a 30.08.2016; a referida conta bancária nº ..., do Banco 1... nunca esteve impossibilitada de ser movimentada, pelo facto, de ter sido relacionada no processo de inventário aberto por óbito do referido, AA; - a conta em causa, no período entre 02.01.2008 e até 26.04.2010, foi movimentada com regularidade, pela referida DD;- na data da celebração da escritura pública do contrato prometido de compra e venda, a 30.10.2008 aquela DD, em vez de pagar a referida quantia de 9.351,01€ (nove mil trezentos e cinquenta e um euros e um cêntimos) ao Exequente/Embargado, aliás como era sua obrigação, preferiu antes fazer duas transferências bancárias para conta bancária domiciliada na mesma instituição bancária e titulada por si e pela sua filha CC aqui Executada/Embargante; 57. Assim sendo, perante a prova cabal de inexistência de qualquer impossibilidade de movimentação da conta bancária em causa para a promitente vendedora, verifica-se a inexistência de qualquer condição suspensiva do cumprimento da obrigação aqui reclamada pelo Exequente/Embargado; 58. Assim e pelo exposto, deve dar-se como provado o vencimento da obrigação e a sua exigibilidade imediata à data da entrada em juízo deste processo executivo, 59. Deve ainda dar-se como provada a exequibilidade do contrato promessa em análise e que serve de título executivo a estes autos, com a necessária improcedência dos embargos de executado apresentados e o consequente prosseguimento da ação executiva. Outra não pode ser a solução dada aos autos, mediante a prova cabal a estes carreada. Sendo certo, que a douta sentença ora em crise ao admitir a movimentação da conta bancária em causa, pela devedora (promitente – vende- dora) mas ao decidir pela não verificação da condição suspensiva, com a consequente inexequibilidade do título, cria um sentimento de injustiça, pois premeia, com a procedência dos embargos, o comportamento de quem nunca quis cumprir a obrigação assumida naquele contrato promessa; 60. Nestes termos deve considerar-se incorretamente julgada a matéria de facto dada como provada na douta decisão ora em crise, acrescentando-se as alíneas a), b) e c) aqui transcritas como factos provados; 61. Com a necessária improcedência dos embargos de executado apresentados e o consequente prosseguimento da ação executiva; não podemos ainda aceitar o entendimento vertido na douta sentença ora em crise e que coloca o contrato promessa agora dado à execução na dependência da celebração do contrato prometido; pois que, aquele contrato promessa contém uma declaração de confissão de dívida da referida, DD ao aqui Exequente/Embargado; 62. Declaração essa, certa, líquida e exigível e incluída no título executivo que é o contrato promessa ora em análise sucedâneas das obrigações que constituem o seu objeto e autónoma em relação às demais obrigações constantes daquele contrato; 63. Veja-se a redação do artigo 46º do Código de Processo Civil (hoje artigo 703º) em vigor à data da assinatura daquele contrato promessa e o qual determina que: 1 - À execução apenas podem servir de base: (…) c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto; 64. A declaração de confissão de dívida feita pela promitente vendedora naquele contrato agora dado à execução tem força executiva e qualquer outra interpretação que não a reconheça viola o disposto no artigo 703º, nº 1 b) do Código de Processo Civil (com a redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, artigo 406, nº 1 c)); 65. A Executada/Embargante, CC com o articulado de Oposição que apresentou fez um uso reprovável do processo, pois alegou factos que sabe não corresponderem à verdade, apenas e só para obter uma vantagem ilegítima e se furtar ao cumprimento de uma obrigação e ao pagamento de um valor que sabe ser devido; 66. Conforme já mencionado, a aqui Executada/Embargante alega que a conta em causa não foi movimentada pela sua mãe e muito menos por si e chega até a ter a audácia de dizer que o saldo na mesma conta foi adjudicado ao Exequente/Embargado, em sede de processo de inventário; 67. Os documentos juntos aos autos e já sobejamente mencionados provam que tal não sucedeu e que quem recebeu o saldo daquela conta foi a própria Executada/Embargante, CC; 68. Mais refere aquela CC, que o aqui Exequente/Embargado não cumpriu as obrigações assumidas no contrato promessa em causa, vindo agora alegar a falta de entrega do veículo de marca Jaguar, o qual aliás está e sempre esteve quer na posse dos Executados/Embargantes quer na posse da mãe destes; 69. E tendo, ainda aqueles Executados/Embargantes vendido um imóvel que o Exequente/Embargado se comprometeu a excluir do acervo hereditário e de facto excluiu, em cumprimento cabal do contrato promessa celebrado; 70. Esta forma de litigar não pode ser admitida. E ao contrário do que consta na douta sentença ora em crise, os factos contra a verdade aqui alegados não se tratam de meras divergências jurídicas quanto à verificação de pressupostos legais para a execução; 71. Antes representam clara má-fé, devendo a Executada/Embargante ser censurada com a condenação em multa e indemnização em montante não inferior a 5.000,00€ (cinco mil euros), nos termos do disposto no artigo 542º do Código de Processo Civil, nº 1 e 2, alíneas a) e b); 72. Nestes termos, deve a douta decisão proferida ser revogada e substituída por outra que declare a improcedência dos embargos de executado apresentados e o consequente prosseguimento da ação executiva, com a condenação da Executada/Embargante, CC como litigante de má-fé. Contra-alega o embargante, concluindo pela improcedência da apelação e manutenção da sentença apelada. * Colhidos os vistos, cumpre decidir.* Da delimitação do objecto do recursoConsiderando, conjugadamente, a sentença recorrida (que constitui o ponto de partida do recurso) e as conclusões das alegações (por estas se delimita o objecto dos recursos, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 608º, nº 2, 5º, nº 3, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), as questões a decidir reconduzem-se a apreciar: - da nulidade da decisão por excesso de pronúncia – por consideração de fundamento não alegado pelos embargantes e por consubstanciar decisão-surpresa, - da deficiência da decisão sobre a matéria de facto, por desconsideração de matéria alegada na oposição e demonstrada por documentos não impugnados, - da exigibilidade da obrigação exequenda e da exequibilidade do título, - da litigância de má fé da embargada CC. * Fundamentação de factoFUNDAMENTAÇÃO * No saneador-sentença recorrido considerou-se provada (face ao acordo das partes e à força probatória plena do documento) a seguinte materialidade: 1. O exequente apresentou à execução, como título executivo, o documento intitulado ‘Contrato Promessa de Alienação de Quinhão Hereditário e da Meação Conjugal’, datado de 02.07.2008, no qual a entretanto falecida DD figura como promitente vendedora e primeira outorgante e o exequente figura como promitente comprador e segundo outorgante, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando do mesmo, entre o mais, que: “(…) (…) (…) (…) 2. DD, como primeira outorgante, e o exequente, como segundo outorgante, outorgaram a escritura pública de ‘compra e venda’, datada de 31.10.2008, a qual se mostra junta como documento 2 do requerimento executivo, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando da mesma, entre o mais, que: “(…) (…)’ 3. O exequente pagou as prestações referidas na escritura pública. 4. Os titulares da conta bancária nº ..., do Banco 1..., mencionada no nº 4, da cláusula 5ª do título executivo, eram DD, mãe dos aqui executados/embargantes, e AA, pai do aqui exequente/embargado. 5. Após o falecimento do referido AA, a 14.05.2004 e até, pelo menos, 15.01.2016 (data da nomeação do aqui exequente/embargado como cabeça de casal) foi a referida DD quem desempenhou as referidas funções de cabeça de casal da herança aberta por óbito do referido AA. 6. Por escritura pública de 27.10.2016, os ora executados embargantes foram habilitados como herdeiros de DD, falecida em 30.08.2016, conforme escritura junta como documento 6 do requerimento executivo, com o teor que aqui se dá por reproduzido. * Fundamentação de direitoA. Da nulidade da sentença. Invoca o apelante a nulidade da decisão – argumenta, por um lado, que assenta em fundamento não alegado pelos embargantes (e que por isso se lhe estava defeso considerar para fundar a injunção decretada) e, por outro, sustenta que a mesma consubstancia decisão-surpresa por ter sido proferida sem que pelo tribunal a quo lhe fosse dada a possibilidade de se pronunciar sobre a questão que veio a determinar o seu sentido (tratando-se de questão que o apelante não podia prever viesse a ser apreciada). A valorização de fundamento não alegado pelas partes em vista de fundar a decisão traduz violação dos limites da sentença, viciando-a – porque o juiz não pode conhecer de causas de pedir não invocadas nem de excepções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608º, nº 2 do CPC), é nula a sentença que o faça (art. 615º, nº1, d) do CPC)[1]. Não assiste, porém, razão ao apelante, porquanto a decisão apelada respeita os limites que lhe são assinalados pelos articulados apesentados pelos embargantes – melhor, pelos fundamentos alegados como fundamento da deduzida oposição. Não só a decisão atendeu e considerou, exclusivamente, matéria alegada pelas partes, como ponderou fundamentação jurídica suscitada pelos executados embargantes – estes alegaram a ‘inexigibilidade da obrigação exequenda’, sustentando que o saldo da conta bancária a que alude o contrato promessa junto com o requerimento executivo (e que serve de título executivo) era um bem que à data da outorga do contrato estava em discussão em processo de inventário a que se procedia por óbito do pai do exequente e marido da mãe dos embargantes, nele se discutindo se tal conta e respectivo saldo deveria ou não integrar os bens da herança a partilhar, não podendo por isso ser movimentada por qualquer dos herdeiros até tal se apurar, em razão do que o cumprimento da obrigação assumida pela mãe dos embargantes ficou dependente da possibilidade de movimentação da conta em mérito, possibilidade essa de que nem a mãe dos executados nem estes tiveram conhecimento, não tendo o exequente alegado qualquer facto a propósito de tal possibilidade. Esse o fundamento apreciado e valorizado pela decisão apelada para concluir pela procedência dos embargos – considerando ter sido subordinada a exigibilidade/vencimento da obrigação a condição suspensiva, mais ‘concretamente à possibilidade de a devedora movimentar a conta bancária, sendo que a referência a possibilidade tem necessariamente subjacente a «possibilidade de Direito» e não apenas a «possibilidade de facto», quanto mais não seja considerando que o que estava em causa era a integração da conta nos bens do processo de inventário pendente por óbito do co-titular’, ponderando que ao exequente cabia alegar (no requerimento executivo) e demonstrar que a devedora tinha essa possibilidade de movimentação da conta (a ‘inerente verificação da condição’), nos termos do art. 715º, nº 1 e 2 do CPC (e também nos termos do art. 343º, nº 3 do CC), alegação que não fez (não alegou factos que traduzam a verificação da condição suspensiva aludida, limitando-se a alegar, na contestação dos embargos situações em que a conta foi movimentada – e sendo certo que tal alegação/prova teria de ser apresentada no requerimento executivo), concluiu a decisão apelada não ter o exequente embargado alegado factos ‘de onde decorra a verificação da condição’. Não padece, pois, a decisão do imputado vício. De arredar, também, que a situação trazida em apelação consubstancie decisão-surpresa. Reconhece-se que a apreciação e conhecimento de questão relativamente à qual à parte não foi facultada pronúncia importa a nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, a invocar no recurso dela interposto[2] - o cumprimento do contraditório, genericamente plasmado no art. 3º do CPC (onde se prescreve não poder o tribunal decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem) é pressuposto ou condição necessária para que o tribunal possa conhecer qualquer questão que lhe cumpra conhecer (e assim que ao conhecer da questão sem prévia pronúncia das partes estará o tribunal a apreciar questão que não podia, nessas condições, conhecer). O princípio do contraditório, exigência postulada pelo princípio do processo justo e equitativo (art. 20º da CRP), possui conteúdo multifacetado: traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado desses provas[3], tem ínsito o reconhecimento do direito da parte à sua audição antes de ser tomada qualquer decisão[4]; o seu âmbito não está tanto (tal como era tradicionalmente entendido) na garantia de uma discussão dialéctica entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo[5], antes em garantir à parte a possibilidade de influenciar decisão concernente aos seus interesses - o seu escopo principal e enformador deixou ser a ‘defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo’[6] – entendimento amplo do contraditório sufragado pela jurisprudência constitucional, que o reconhece ‘«como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão»’[7]. Reconhecendo-se ao juiz a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica, impõe-se-lhe o dever de facultar às partes prévia pronúncia sobre as questões (de facto e de direito) que se proponha apreciar, conhecer e decidir. Quando a decisão se debruça sobre questão cuja apreciação e sentido decisório as partes não puderam influenciar, está a mesma afectada por nulidade, por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, d) do CPC). Vício que no caso não ocorre – a questão apreciada, conhecida e decidida (que justificou a procedência dos embargos) foi suscitada nos embargos deduzidos pelos executados, tendo ao embargado exequente sido facultada a pronúncia sobre ela na contestação aos embargos. Ao embargante foi facultada a participação efectiva no desenvolvimento dos embargos e de influenciar, em plena igualdade, a decisão a propósito da questão suscitada pelos embargantes (tanto ao nível do facto, quanto na vertente jurídica). Conclusão a que a tramitação da causa nenhuma objecção coloca, contrariamente ao argumentado pelo apelante – o despacho proferido pelo tribunal a quo previamente à prolação da decisão apelada convidou as partes a pronunciar-se sobre o entendimento então aí expresso de que os autos forneciam todos os elementos necessários para a decisão imediata da causa, não já a pronunciar-se sobre qualquer eventual entendimento do tribunal a propósito da (in)concludência ou (im)procedência do fundamento dos embargos; estava em questão a ‘perspectiva’ do tribunal sobre a pertinência do julgamento antecipado da causa (e sobre essa perspectiva foram ouvidas as partes), não já a concludência ou inconcludência da oposição, pois a propósito da sorte desta o contraditório fora já cumprido na fase dos articulados. Não padece, pois, a decisão da imputada nulidade. B. Da censura dirigida pelo apelante à decisão sobre a matéria de facto – sua deficiência por desconsideração de factualidade trazida aos autos nos embargos. Manifesta a improcedência da censura dirigida pelo apelante à matéria de facto, pois pretende ver incluída na decisão factualidade que só releva se se considerar que a obrigação exequenda estava subordinada a condição, sendo que não foi alegada no requerimento inicial, como imposto pelo art. 715º, nº 1, do CPC – sendo que os embargos se não destinam ao (nem comportam o) suprimento de deficiências e irregularidades do requerimento executivo (caso fosse de conceder que a irregularidade em causa era susceptível de sanação). A possibilidade de movimentação da conta bancária a que alude o número 4 da cláusula quinta do contrato promessa que serve de título executivo (facto provado número 1) pela mãe dos embargantes (que traduziria, no caso trazido em apelação, a verificação da condição) – essa a factualidade que o exequente pretende ver acrescentada à fundamentação de facto (veja-se a conclusão 51ª das suas alegações) – constitui matéria de facto que o exequente deveria ter alegado no requerimento executivo, oferecendo a respectiva prova, como resulta do art. 724º, nº 1, h) do CPC (veja-se também o art. 715º do CPC, norma adjectiva que actua o que dispõe o art. 343º, nº 3 do CC) – ao exequente incumbe provar a verificação da condição, alegando os factos correspondentes no requerimento executivo, juntando aí a respectiva prova[8]; apesar de estar munido de título com força executiva, a existência da obrigação depende da prova da verificação da condição, pelo que o credor tem de fornecer essa prova no momento em que inicia a execução[9]. Alegação (e muito menos oferecimento da respectiva prova) que não foi feita naquele articulado que introduziu a execução em juízo, precludindo-se a possibilidade de o fazer no âmbito do presente processo executivo e de a matéria em questão ser apurada – sem prejuízo, claro está, de em novo processo tal ser alegado e provado (a decisão a propósito da condição – sobre a verificação da condição – vale apenas no processo onde é proferida e por isso pode o credor intentar nova execução, caso a anterior seja rejeitada por inexigibilidade[10]). A oposição à execução é o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa perante o pedido do exequente – no plano do objecto caracteriza-se pela sua estrita função de defesa, de oposição à execução (e por isso a recusa de cumulação de objectos processuais, nomeadamente de tipo reconvencional)[11], sendo que a inadmissibilidade de outros articulados para lá da contestação (art. 732º, nº 2 do CPC) é outro argumento que conduz (sob pena de se ter de admitir que o regime convive com a violação do contraditório e despreza o declarado princípio do processo justo e equitativo) à conclusão que neles não pode o exequente vir suprir as deficiências de que padeça o requerimento executivo, alegando matéria que a lei lhe impunha que em tal requerimento tivesse alegado. A matéria em questão não pode, assim, ser considerada no âmbito dos presentes embargos (no âmbito do presente processo executivo), em razão do que não interessa apurar se a mesma se mostra provada, como entende o apelante. Não procede, face ao exposto, a censura dirigida pelo apelante à decisão sobre a matéria de facto. C. Da exigibilidade da obrigação exequenda. Considerou a decisão apelada que a obrigação exequenda estava sujeita a condição suspensiva – à possibilidade de a mãe dos embargantes movimentar a conta bancária aludida no número 4 da cláusula quinta do contrato promessa que serve de título executivo (facto provado número 1) –, não tendo o exequente embargado alegado, no requerimento executivo, como lhe competia, a verificação da condição (o poder, juridicamente tutelado, de movimentar a conta, não apenas o simples poder fáctico de a movimentar – tratava-se de conta em que a mãe dos executados embargantes figurava como co-titular, juntamente com o falecido marido, pai do exequente embargado), o que significava a procedência dos embargos (por inexigibilidade da obrigação), irrelevando que tenha alegado, na contestação dos embargos, que a conta tenha sido efectivamente (de facto) movimentada (pois que além de a alegação da verificação da condição e prova da mesma dever ser feita no requerimento executivo, limitou-se o embargante a alegar situações em que a conta foi pela mãe dos embargantes movimentada, não invocando qualquer facto demonstrativo da «possibilidade de Direito» de realizar tal movimentação). Sustenta o apelante que a obrigação não se mostrava sujeita a qualquer condição suspensiva (vejam-se as conclusões 53ª e seguintes), pois que nunca se verificou, efectivamente, qualquer impossibilidade de movimentação da conta por parte da mãe dos embargantes. A improcedência da argumentação do apelante é, antecipando a conclusão, de manifesta e patente evidência. A questão centra-se na exigibilidade da obrigação (pois que a mesma é certa – está determinado o seu objecto, traduzido em prestação pecuniária – e líquida – o montante da obrigação mostra-se quantitativamente determinado em face do título). A exigibilidade é ‘a qualidade substantiva da obrigação que deva ser cumprida de modo imediato e incondicional após interpelação do devedor’ – traduz-se no facto do qual depende o cumprimento (não uma qualidade processual, antes substantiva da obrigação), seja a interpelação pelo credor, o decurso do prazo do vencimento, a ocorrência de condição, a realização de contraprestação[12]. No âmbito da acção executiva, a exigibilidade tem a natureza de facto complementar, seja nas situações em que o credor é dispensado da sua prova, competindo ao devedor demonstrar uma condição resolutiva ou uma excepção de não cumprimento, seja nas situações em que ao credor se exige a prova sumária de um facto cuja ocorrência não decorre do título executivo, nem constitui um facto notório, como é o caso da verificação da condição suspensiva[13]. A decisão recorrida ponderou que a obrigação exequenda foi sujeita a uma condição suspensiva (art. 270º do CC) – considerou (como já acima se reproduziu, ao apreciar da invocada nulidade da decisão) que a exigibilidade da obrigação foi subordinada à possibilidade de a devedora movimentar a conta bancária, sendo que tal referência se tem de entender (interpretar) como reportada a uma possibilidade normativa (juridicamente tutelada). Argumentação que não merece censura e que acompanhámos. A condição (art. 270º do CC) corresponde a uma cláusula negocial ‘cujo conteúdo específico se traduz em subordinar a eficácia do negócio («a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução») à verificação de um evento dotado das características da colocação no futuro e da incerteza («acontecimento futuro e incerto»)’ – é um mecanismo que se caracteriza ‘por estabelecer uma relação de dependência entre a eficácia de um negócio jurídico, perfeito e válido, e um evento futuro e incerto, originando uma dissociação entre o momento de assunção de um vínculo jurídico-negocial, irrevogável e intangível, e o momento da respectiva eficácia.’[14] Consoante o acontecimento futuro e incerto desencadeie a produção ou a resolução dos efeitos do negócio a condição será suspensiva (primeiro caso – produção de efeitos) ou resolutiva (segundo caso – resolução dos efeitos do negócio) – o modo como a eficácia do negócio é afectada pelo evento condicionante é o critério distintivo das duas modalidades da condição[15], sendo que apurar quando estamos perante uma ou outra modalidade é questão ‘cuja solução reside na interpretação da vontade das partes’: se as partes querem aguardar a verificação do evento futuro e incerto para que o negócio comece a produzir os seus efeitos, a condição é suspensiva; se querem que o negócio produza logo os seus efeitos, subordinando-se, porém, à verificação de certo evento, sob pena de extinção, a condição será resolutiva[16]. Interpretando (de acordo com a teoria da impressão do destinatário - art. 236º e ss. do CC) a vontade das partes expressa no contrato promessa referido no facto provado número 1, facilmente se conclui que os outorgantes no contrato promessa quiseram, num primeiro momento, subordinar a eficácia da obrigação (a obrigação assumida pela mãe dos embargantes de ‘abdicar’ do saldo da conta bancária identificada a favor do exequente embargado, entregando-lhe a quantia nela depositada) ao um evento futuro e incerto – futuro, porque o acontecimento em questão se reporta a momento posterior ao da outorga do negócio; incerto, porque a sua verificação não se apresentava segura (as partes não a tinham como segura, como certa – assim se concluísse, teria de ponderar-se e considerar-se terem as partes subordinado a obrigação a um termo inicial, de acordo com o art. 278º do CC). Não pode descurar-se, na tarefa interpretativa, que as partes eram obrigadas a saber que a referida conta bancária, porque co-titulada pela mãe dos embargantes e pai do embargado, só poderia ficar na inteira disponibilidade (normativa, jurídica) da mãe dos embargantes consoante o que fosse decidido no âmbito da partilha da herança aberta por óbito do pai do embargado – e por isso que tal evento futuro (possibilidade de movimentação da conta) não o tinham (nem podiam razoavelmente ter) por certo e seguro, donde resulta que não estamos perante um termo inicial (em que o acontecimento futuro é certo), antes perante uma verdadeira condição (suspensiva, porque à sua verificação ficou subordinada a eficácia do negócio – a produção dos efeitos do negócio). De concluir, assim, como o fez a decisão apelada, que a obrigação se mostrava subordinada a condição suspensiva – da verificação da condição ficou dependente a obrigação exequenda. Condição suspensiva que se traduzia na possibilidade jurídica, normativa (de direito, como referido na decisão apelada), de movimentação da conta por parte da mãe dos embargados – a referência feita pelas partes à possibilidade de movimentação só tem sentido útil se referido à possibilidade jurídica, pois só essa estava em questão (a questão colocava-se tão só no plano jurídico – a possibilidade de movimentar a conta estava dependente da sorte da partilha da herança aberta por óbito do outro contitular da conta). Cabia, pois, ao exequente, no requerimento executivo, alegar (e juntar os pertinentes elementos probatórios) a verificação da condição – como referido na decisão apelada, ‘a pretensão do exequente estava necessariamente dependente da alegação e prova no requerimento executivo de que a devedora tinha já possibilidade, de Direito, de movimentar a conta bancária, com a inerente verificação da condição, nos termos do art. 715º, nºs 1 e 2, do NCPC, de modo a demonstrar a exigibilidade imediata da obrigação, no quadro do ónus da prova também previsto no art. 343º, nº 3, do CC, a propósito da invocação de direito sujeito a condição suspensiva.’ Porque o exequente não alegou (nem demonstrou) a verificação da condição, tem de concluir-se pela inexigibilidade da obrigação e, consequentemente, pela procedência dos embargos. D. Da exequibilidade do título. Considerando que se concluiu pela inexigibilidade da obrigação (não ter o exequente alegado e demonstrado, no requerimento executivo, a verificação da condição a que se mostra subordinada a obrigação exequente), resulta prejudicada (art. 663º, nº 2 e 608º, nº 2, 1ª parte, do CPC) a apreciação da questão concernente à exequibilidade do título – também por esse fundamento a decisão apelada considerou que os embargos procediam, e também esse fundamento é censurado na apelação, mas porque os embargos são procedentes considerando a inexigibilidade da obrigação, a apreciação deste segundo fundamento fica prejudicada. E. Da litigância de má fé da embargada CC. O instituto da litigância de má fé (artigos 542º e seguintes do CPC), constitui sanção civil para o inadimplemento gravemente culposo ou doloso do dever de cooperação e das regras da boa fé[17] (ou probidade) processual (arts. 7º e 8º do CPC). A condenação de uma parte como litigante de má fé consubstancia um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual, com o marcado intuito de moralizar a actividade judiciária. O instituto acautela um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça (esse o seu fundamento ético), destinando-se a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça – destina-se a combater a específica virtualidade da má fé processual: a de transformar a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial[18]. A litigância de má fé tanto pode ser substancial (dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ser ignorada, alteração da verdade dos factos e/ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa) como instrumental (seja porque se pratica grave omissão do dever de cooperação, seja porque se faz do processo ou dos meios processuais uso manifestamente reprovável, com qualquer das finalidades assinaladas na alínea d) do nº 2 do preceito) – a má fé material (ou substancial) ‘relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual’; a má fé instrumental ‘abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo.’[19] Em ambas as modalidades – mesmo na má fé substancial – está em causa sempre ‘um uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais’ com uma das finalidades apontadas no nº 2 do art. 542º do CPC, circunscrevendo-se o âmbito de aplicação do instituto ‘às situações configuradoras de meras violações de deveres e ou obrigações processuais’[20]. A proposição de uma acção que venha a ser julgada sem fundamento ou a dedução, em contestação, de argumento de defesa que não obtém procedência, não constitui, de per si, actuação dolosa ou gravemente negligente da parte – a falta de razão com que uma das partes litiga não basta para justificar a má fé, apenas podendo provocar a improcedência da sua pretensão[21] e assim que a simples circunstância de se dar como provada uma versão factual contrária à alegada não é suficiente para fundar e fundamentar a condenação da parte que viu triunfar a versão da parte contrária, como litigante de má fé: para ‘se imputar a uma pessoa a qualidade de litigante de má fé, imperioso se torna que se evidencie, com suficiente nitidez, que a mesma tem um comportamento processualmente reprovável, isto é, que com dolo ou negligência grave, deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou que altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes ou, ainda, que tenha praticado omissão grave do dever de cooperação’[22]. Na verdade, o direito à tutela jurisdicional efectiva (que compreende a garantia de amplo acesso aos tribunais e a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos através do direito de acção), próprio do Estado de Direito, é incompatível com interpretações apertadas do art. 542º do CPC, ‘nomeadamente no que respeita às regras das alíneas a) e b) do nº 2’, pelo que não é por ‘se não ter provado a versão dos factos alegada pela parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira como litigante de má fé’[23]. A afirmação da litigância de má fé depende da análise da situação concreta, devendo o processo fornecer elementos seguros para por ela se concluir, exigindo-se no juízo a realizar uma particular prudência, necessária não só perante o natural conflito de interesses, contrário, normalmente, a uma ponderação objectiva, e por vezes serena, da respectiva intervenção processual, mas também face ao desvalor ético-jurídico em que se traduz a condenação por litigância de má fé[24] – a ‘lide processual arrasta um afrontamento/conflito de interesses, pouco propício a uma ponderação serena e objectiva das intervenções processuais, obnubilando o todo processual e deixando «ver» apenas a «verdade» do «seu» caso’[25]. Exige-se, pois, particular prudência e fundada segurança para se afirmar a litigância de má fé, a qual depende sempre de uma apreciação casuística onde deverá caber a natureza dos factos e a forma como a afirmação, a negação ou a omissão são feitas[26]. Para se concluir pela verificação de uma tal conduta dolosa ou gravemente negligente deverá o processo revelar, de forma segura e inequívoca, que a parte negou factos cuja veracidade conhecia ou não podia deixar de conhecer ou que afirmou a existência de uma realidade que sabia falsa ou que não podia deixar de saber ser falsa (de acordo com o padrão de conduta exigível a uma pessoa normalmente prudente, diligente, sagaz e sensata). Insurge-se o embargado apelante contra a decisão recorrida por não ter condenando a embargante apelada como litigante de má fé – argumenta que a embargante apelada alegou, na oposição à execução, factos que sabe não corresponderem à verdade apenas e só para obter vantagem ilegítima, furtando-se ao cumprimento de obrigação e ao pagamento de valor que sabe ser devido (conclusão 65ª), pois alegou que a conta bancária mencionada no número quarto da cláusula quinta do contrato promessa referido no facto 1 não foi movimentada pela sua mãe e muito menos por si, alegando até que a mesma foi adjudicada ao embargado em sede de inventário, sendo que os documentos juntos aos autos provam que tal não aconteceu (conclusões 66ª e 67ª), mais alegando aquela não ter o exequente embargado cumprido obrigações assumidas no contrato que serve de título executivo, mormente a entrega de um veículo automóvel (o qual, afirma o apelante, está e sempre esteve na posse dos embargantes e da sua mãe). Descurando a circunstância de à apelada embargante não ter sido possibilitada a tomada de posição expressa sobre a matéria da invocada litigância de má fé (a invocação foi feita na contestação aos embargos e à apelante não foi facultada a possibilidade de sobre a questão se pronunciar e de discretear sobre as provas a propósito apresentadas pelo embargante, apresentando também as provas que entendesse apresentar a propósito) – e a parte não pode ser condenada como litigante de má fé sem que lhe tenha sido facultada a possibilidade do exercício do contraditório, nos termos do art. 3º, nº 3 do CPC[27], o que sempre demandaria, para que tal condenação pudesse ocorrer, que tal contraditório fosse observado –, importa reconhecer que os autos não permitem concluir pela litigância de má fé substancial da embargante apelada (por alteração da verdade dos factos e/ou dedução de pretensão infundada). Na verdade, compulsado o articulado apresentado pela embargante (o seu requerimento de oposição à execução), constata-se que alega, como fundamento da invocada compensação, que o embargante assumiu a obrigação de transferir a propriedade do veículo automóvel de marca Jaguar, com matrícula estrangeira, para a contraparte no negócio (mãe da embargante) ou, em alternativa, pagar-lhe a quantia de trinta mil euros, não tendo cumprido tais obrigações (artigos 4º e 5º da oposição), mais alegando, como fundamento da inexigibilidade da obrigação exequenda, e no que releva, que a conta bancária referida no número quatro da cláusula quinta do contrato promessa que serve de título executivo não podia ser movimentada por ninguém enquanto a partilha da herança aberta por óbito do pai do embargado se não mostrasse concluída e decidida, sendo certo que a posição que a mãe da embargada teria em tal partilha (enquanto viúva do falecido) foi assumida pelo exequente (como decorrência do contrato celebrado entre embargado e mãe da embargada), não tomando a mesma (mãe da embargante) conhecimento da tramitação e desfecho da partilha (sendo que também os executados de tal não tiveram conhecimento), sendo que a obrigação assumida pela mãe da embargante no título dado à execução estava dependente da possibilidade de movimentar a aludida, nunca tendo tido conhecimento (quer os executados, quer a sua mãe) da verificação de tal condição (artigos 6º a 13º da oposição), sendo que, de acordo com informação ‘em tempos fornecida’, tal conta bancária teria sido adjudicada, em sede de inventário judicial, ao exequente (artigo 14º da oposição), sendo certo que, no requerimento executivo, o ora embargado nada alega de concreto sobre a possibilidade da mãe da embargante (ou seus herdeiros) poderem proceder à movimentação da conta (artigo 15º da oposição). Relativamente à factualidade alegada nos artigos 4º e 5º da oposição, não se vislumbra que a mesma seja contrária à realidade, pois que (ficando prejudicada a apreciação da invocada compensação, em atenção à solução dada à lide em razão da procedência dos demais fundamentos invocados nos embargos) a mesma não foi sujeita a julgamento (com o necessário respeito do contraditório), sendo certo que os autos não contêm elementos probatórios que demonstrem que a alegação da embargante não tem correspondência com a realidade (tanto mais que o que alega é que não foi cumprida a obrigação de transferência da propriedade do veículo o que, em rigor, não traduz a mesma realizada de objectiva traduzida na mera entrega da res, sendo que o embargado tão só alega ter procedido à entrega). No que concerne à matéria dos artigos 6º a 15º da oposição, vale a mesma conclusão – nenhum elemento documental foi junto aos autos que permita concluir que a conta em questão passou para a exclusiva titularidade da mãe dos embargantes (ou destes), e que tal facto (possibilitador da livre movimentação da conta) fosse conhecido por aquela (e/ou por estes). De arredar, pois, liminarmente, que os factos alegados pela embargada não tenham correspondência com a realidade e que por ela foram alegados sabendo, ou devendo saber, que eram falsos. Não podendo concluir-se, ponderando os elementos probatórios produzidos nos autos, que a matéria alegada pela embargante não tem correspondência com a realidade (matéria relativamente à qual, realce-se, impende sobre o exequente o ónus de alegação e prova logo no requerimento executivo – alegação e demonstração que não logrou), tem de arredar-se, como consequência, que dolosamente ou com grave negligência, alterou a verdade dos factos e/ou deduziu pretensão que sabia infundamentada, não se justificando a sua condenação como litigante de má fé. De corroborar, pois, também neste segmento, a decisão apelada. F. Síntese conclusiva. Atento o exposto, improcede a apelação, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições: ……………………… ……………………… ……………………… * Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.DECISÃO * Custas pelo apelante. * Porto, 12/09/2023João Ramos Lopes Fernando Vilares Ferreira João Proença (por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) ___________________ [1] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª Edição, pp. 735 e 737. [2] Cfr., a propósito Miguel Teixeira de Sousa, ‘Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária’, comentário de 22/09/2020 a acórdão do STJ de 2/06/2020 (processo nº 496/13.0TVLSB.L1.S1) e ‘Por que se teima em qualificar a decisão surpresa como uma nulidade processual?’, comentário de 12/10/2021, ambos no blog do IPPC, no sítio https://blogippc.blogspot.com (consultados on-line em Julho de 2023). Também considerando que o desrespeito do contraditório cometido pelo juiz ao proferir decisão, constitui nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Edição, pp. 27 e 28. [3] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista, p. 415. [4] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 46/47. [5] Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 23. [6] Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceitos Princípios Gerais à luz do Código Revisto, 1996, p. 96. [7] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 30/2020, de 16/01/2020, processo nº 176/19 (Pedro Machete), no sítio www.tribunal constitucional.pt (citando, a propósito, Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais. Coimbra, Coimbra Editora, 1996, p. 96). [8] Rui Pinto, A Ação Executiva, 2020, reimpressão, p. 235, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, p. 44 e Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2ª Edição, p. 182. [9] Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. 1, 3ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, pp. 461/462. [10] Rui Pinto, A Ação Executiva (…), p. 235. [11] Rui Pinto, A Ação Executiva (…), pp. 365, 367 e 368. [12] Rui Pinto, A Ação Executiva (…), p. 230 (itálicos no original). [13] Rui Pinto, A Ação Executiva (…), p. 231 (itálicos no original). [14] Ana Afonso, Comentário ao Código Civil – Parte Geral [coordenação de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença], Universidade Católica Editora, 2014, nota I ao art. 270, p. 661. [15] Ana Afonso, Comentário (…), nota V ao art. 270, p. 662. [16] Ana Afonso, Comentário (…), nota V ao art. 270, p. 663. [17] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol. (2ª edição revista e ampliada), p. 97. [18] Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual Por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude De Actos Praticados No Processo, Almedina, pp. 55 e 56. [19] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª edição, p. 457. [20] Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual Por Litigância de Má Fé (…), p. 49. [21] A ‘lei confere uma vasta amplitude ao direito de ação ou de defesa, de maneira que, para além da repercussão no campo das custas judiciais, não retira do decaimento qualquer outra consequência a não ser que alguma das partes aja violando as regras e princípios básicos por que devem pautar a sua atuação processual’ - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 593. [22] Acórdão do STJ de 28/05/2009 (Álvaro Rodrigues), no sítio www.dgsi.pt. [23] Acórdão do STJ de 11/12/2003 (Quirino Soares), no sítio www.dgsi.pt. [24] Cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 14/03/2002 (Joaquim de Matos) e 15/10/2002 (Ferreira Ramos), no sítio www.dgsi.pt. [25] Citado acórdão do STJ de 15/10/2002. [26] Ainda o citado acórdão do STJ de 15/10/2002. [27] Pacífico, como resulta do acórdão do Tribunal Constitucional nº 498/2011. A propósito, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código (…), p. 594. |