Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
29/21.5T9VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CLÁUDIA RODRIGUES
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
IMPUGNAÇÃO
DECISÃO JUDICIAL
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
COMUNICAÇÃO
OMISSÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
Nº do Documento: RP2023050329/21.5T9VFR.P1
Data do Acordão: 05/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA ARGUIDA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: É nula a sentença que condena por factos diversos dos descritos na decisão administrativa sem que haja sido observado o disposto no artigo 359º do CPP, posto que de alteração substancial se trata, o que implica a remessa dos autos ao tribunal de 1.ª instância a fim de ser dado cumprimento a tal normativo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 29/21.5T9VFR.P1

Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
*
1. RELATÓRIO

No Recurso de Contraordenação nº 29/21.5T9VFR do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, a arguida A..., S.A., veio interpor recurso da decisão administrativa proferida pela IGAMAOT – Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território que lhe aplicou uma coima de € 12.000, pela prática de cada uma das seguintes infracções ambientais graves a título negligente:
- Incumprimento das medidas impostas na DIA, p. e p. pelos art.os 18.º, 4, e 39.º, 3 c), ambos do Dec. Lei n.º 151-B/2013, de 31.10, e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08;
- Incumprimento das condições impostas na sua LA n.º ..., de 12.06, p. e p. pelos art.os 111.º, 2 e), do Dec. Lei n.º 127/2013, de 30.08, e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08; e
- Incumprimento das condições impostas na sua Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro n.º ..., de 25.09, p. e p. pelos arts. 27.º, 2, e 48.º, 2 b), ambos do Dec. Lei n.º 183/2009, de 10.08, e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08,
E na coima única de € 35.000.
Recebido o recurso, procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, tendo o tribunal a quo julgado improcedente, por não provido, o recurso, e condena«ou a sociedade arguida pela prática, em concurso efectivo, das contra-ordenações graves e dolosas de:
- Incumprimento das condições impostas na sua LA n.º ..., de 12.06, p. e p. pelos art.os 111.º, 2 e), do Dec. Lei n.º 127/2013, de 30.08, e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08; e
- Incumprimento das condições impostas na sua Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro n.º ..., de 25.09, p. e p. pelos art.os 27.º, 2, e 48.º, 2 b), ambos do Dec. Lei n.º 183/2009, de 10.08 (revogado pelo Dec. Lei n.º 102-D/2020, de 10.12, que manteve esta infracção inalterada nos seus art.ºs 63.º e 117.º, 2 ppp), e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08; e
- Incumprimento das medidas impostas na DIA, p. e p. pelos art.os 18.º, 4, e 39.º, 1 e 3 c), ambos do Dec. Lei n.º 151-B/2013, de 31.10, e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08,
nas coimas parcelares de:
- trinta e nove mil euros (€ 39.000); - trinta e oito mil euros (€ 38.000); e - trinta e sete mil euros (€ 37.000), respectivamente, e na coima única, do cúmulo jurídico, de quarenta e cinco mil euros (€ 45.000).
*
Não se conformando com essa decisão datada de 12.01.2023 a arguida recorreu para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:

“A. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, atento o disposto nos artigos 74.º, n.º4 e 75.º, n.º1 do RGCO, a qual condenou a Recorrente na coima única de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), pela prática, em concurso efetivo, das contraordenações graves e dolosas de:
(i) incumprimento das condições impostas na sua LAn.º652/0.0/2015, de 12 de junho, p.e p. pelos artigos 111.º, n.º 2, alínea e) do Decreto-Lei n.º127/2013, de 30 de agosto, e artigo 22.º, n.º3 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, alterada e republicada pela Lei n.º114/2015, de 28 de agosto; e
(ii)incumprimento das condições impostas na sua Licença de operação de deposição de resíduos em aterro n.º ..., de 25 de setembro, doravante, simplesmente “LE”, p. e p. pelos artigos 27.º, n.º 2 e 48.º, n.º2, alínea b), ambos do Decreto-Lei n.º183/2009, de 10 de agosto; e
(iii) incumprimento das medidas impostas na DIA, p. e p. pelos artigos 18.º, n.º4 e 39.º, n.º1 e n.º3, alínea c) do Decreto-Lei n.º151-B/2013, de 31 de outubro, e artigo 22.º, n.º3, alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto.
B. Por decisão final proferida no processo de contraordenação n.º ......, a Recorrente foi condenada numa coima única de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) pela prática, a título de negligência, das referidas contraordenações;
C. A Recorrente impugnou judicialmente a referida decisão, tendo, o Tribunal a quo, já após as alegações finais, comunicado à Recorrente, nos termos do disposto nos artigos 358.º, n.º1 ex vi n.º3 do CPP, artigo 41.º, n.º1 do RGCO e artigo 2.º, n.º1 da LQCA, uma alteração da qualificação jurídica, de tal forma que desencadeou a imputação a título de dolo, em substituição da anterior imputação negligente, com consequente agravamento das molduras de coima aplicáveis;
D. A alteração efetuada pelo Mmo Juiz a quo teve por efeito uma agravação dos limites das sanções aplicáveis, passando estas a ter como limite mínimo o montante de €36.000,00 (quando antes era de €12.000,00) e como limite máximo o montante de €216.000,00 (quando antes era de €72.000,00);
E. Estamos perante uma alteração substancial dos factos;
F. A sentença recorrida, ao condenar a Recorrente pelas contraordenações objeto dos presentes autos, a título de dolo, agravando assim os limites máximos das coimas aplicáveis, é nula, por violação do disposto no artigo 359.º do CPP, nos termos do disposto na alínea b), do n.º1 do artigo 379.º do CPP;
G. A sentença recorrida é igualmente nula por violação do disposto nos artigos 64.º, n.º 4 do RGCO, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º1, alínea a), ambos do CPP, aplicáveis por força do artigo 41.º do RGCO;
H. A enumeração dos factos provados e não provados traduz-se numa tomada de posição, por parte do Tribunal, sobre todos os factos submetidos à sua apreciação (inclusive, os alegados pela Recorrente) e sobre os quais a decisão tem de incidir;
I. O Tribunal a quo, na fundamentação de facto, limitou-se a reproduzir a matéria de facto dada por assente, por não assente e respetiva convicção, resultante da decisão administrativa condenatória;
J. Ao fazê-lo, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 374.º, n.º 2 do CPP;
K. Percorrendo a sentença recorrida, não se vislumbram os motivos que fundamentam a improcedência do recurso apresentado pela Recorrente relativamente às contraordenações por (i) incumprimento das condições impostas na sua LA, consubstanciada pela ultrapassagem dos VMC estipulados na Autorização de Descarga e na falta de reporte dessa ultrapassagem às entidades competentes; (ii) e por incumprimento das condições impostas na sua LE;
L. A Recorrente na motivação do recurso, sob n.ºs 47º a 60º, e nas conclusões, sob alíneas U. a Z., suscitou a questão da descarga de efluente pré-tratado não configurar uma “emissão”, mas sim uma “transferência de poluentes”;
M. O Tribunal a quo não fundamentou especificadamente a razão de considerar “desprovidas de razoabilidade as invocações que não se pode considerar que este efluente seja então uma emissão para efeitos da Licença.”;
N. Ao não fundamentar, a Recorrente fica impedida de percecionar os fundamentos, quer de facto, quer de direito, que levaram o Tribunal a quo a considerar, mais uma vez, “desprovidas de razoabilidade” as considerações tidas acerca dos conceitos “emissão” e “transferência de poluentes”;
O. O Tribunal a quo, ao não expender os motivos, quer de facto quer de direito, que fundamentam a sua decisão, limitando-se a remeter para a decisão administrativa, violou o disposto nos artigos 64.º, n.º4 do RGCO e 374.º, n.º 2 do CPP, aplicável por força do disposto no artigo 41.º do RGCO, devendo ser declarada a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º1, alínea a) do CPP;
P. Na motivação do recurso, sob n.ºs 61º a 69º, quer nas conclusões de recurso, sob alíneas AA. a DD., a Recorrente suscitou a questão relativa à ultrapassagem dos VMC de alguns dos parâmetros definidos na Autorização de Descarga e o facto da nova autorização de descarga permitir, ainda que a título excecional, essa ultrapassagem;
Q. Também nesta matéria, o Tribunal a quo limitou-se a considerar “…desprovidas de razoabilidade as invocações (…) que “a nova Autorização de descarga de águas residuais («Autorização de descarga n.º …», de 19/09/2017, permite a ultrapassagem total dos VMC anteriormente previstos”, remetendo, novamente, para a decisão da autoridade administrativa, acrescentando, porém, que essa Autorização não é aplicável aos anteriores VMC consagrados nas autorizações de descarga vigentes à data da prática dos factos em análise;
R. O Tribunal a quo não especifica e deveria especificar os motivos pelos quais considera que a referida Autorização de descarga não é aplicável aos anteriores VMC consagrados nas autorizações de descarga vigentes à data da prática dos factos;
S. Sem a especificação e concretização das razões que se encontram subjacentes a essa conclusão, a sentença recorrida padece do vício de falta de fundamentação, o que a torna nula, nos termos do disposto nos artigos 64.º, n.º 4 do RGCO, 374.º, n.º 2, ex vi 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP, aplicáveis por força do disposto no artigo 41.º do RGCO;
T. A Recorrente, nos n.ºs 70º a 90º da motivação de recurso, e nas conclusões de recurso, sob alíneas EE. a LL., suscitou questões relativas ao cumprimento da monitorização do biogás captado para queima e da monitorização das emissões atmosféricas;
U. O Tribunal a quo limitou-se a referir que “A sociedade arguida, como reconhece, não observou o controlo do biogás do Aterro nos termos estatuídos, quer no que concerne ao biogás captado quer relativamente às emissões resultantes da queima de biogás, violando, dessa forma, essa condição da Licença n.º ..., que não lhe facultava medidas alternativas em função do maior ou menor valor de investimento referente.”;
V. O Tribunal a quo não foi capaz de expor os motivos que o levam a concluir que a Recorrente não cumpriu com o controlo do biogás do Aterro, e, por outro, que não considerou os argumentos aduzidos pela Recorrente nas suas conclusões de recurso, sem apresentar qualquer fundamentação para a sua discordância;
W. A sentença recorrida enferma do vício de falta de fundamentação e, como tal, deve ser declarada nula, por violação do disposto nos artigos 64.º, n.º4 do RGCO, 374.º, n.º 2, ex vi 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP, aplicáveis por força do disposto no artigo 41.º do RGCO;
X. No que diz respeito à alegada infração por receção de ASIC para cobertura diária dos resíduos depositados no Aterro, o Tribunal a quo não indicou os concretos fundamentos porque desconsiderou, em absoluto, a argumentação aduzida pela Recorrente em sede de defesa no processo de contraordenação e, posteriormente, em sede de impugnação da decisão administrativa, e os demais elementos probatórios constantes dos autos;
Y. Assim, e mais uma vez, o exposto na sentença recorrida não assegura o conhecimento das razões factuais e jurídicas por que foi tomada esta decisão e não outra, de modo a permitir à Recorrente uma adequada defesa dos seus direitos;
Z. Pelo que, a sentença recorrida enferma do vício de falta de fundamentação, devendo ser declarada nula, por violação do disposto nos artigos 64.º, n.º4 do RGCO, 374.º, n.º 2, ex vi 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP, aplicáveis por força do disposto no artigo 41.º do RGCO;
AA. A Recorrente refere vários elementos probatórios a atender pelo Tribunal a quo (a título de exemplo, estudo das emissões difusas, ofício das B..., entre outros que constam do processo de contraordenação), sendo que relativamente a estes a sentença recorrida é totalmente omissa;
BB. Também na motivação do recurso, sob n.ºs 70º a 81º, e nas conclusões de recurso, sob alíneas EE. a GG., a Recorrente suscitou a questão do estudo das emissões difusas dos gases do aterro ser suficiente para efeitos do cumprimento da monitorização do biogás captado para queima, isto é, para cumprimento da monitorização qualitativa prevista na Tabela 4 do Anexo I da LE;
CC.A sentença recorrida não se pronuncia acerca da questão suscitada, limitando-se a pronunciar-se sobre a monitorização das emissões atmosféricas;
DD. O Tribunal a quo, ao não se pronunciar sobre questões que foram submetidas à sua apreciação e ao não se posicionar expressamente sobre as mesmas violou o disposto no artigo 379.º, n.º1, alínea c) do CPP, aplicável por força do disposto no artigo 41.º do RGCO, o que, consequentemente, determina a nulidade da sentença;
EE. A douta sentença recorrida faz uma errada aplicação do direito;
FF. A DIA, ao referir expressamente que a monitorização deve ocorrer após o primeiro ano de operação da unidade, “quando esta já estiver em pleno funcionamento”, estabeleceu que o início desse prazo é determinado não pelo mero início da sua operação, mas quando essa unidade já estiver no seu pleno funcionamento;
GG. Só a partir de agosto de 2017 é que a referida unidade se encontrava em pleno funcionamento;
HH. Só após um ano a contar dessa data – isto é, só a partir de agosto de 2018 - é que se verificou efetivamente a obrigatoriedade de realizar as campanhas de monitorização;
II. Pelo que, não se mostra preenchido o elemento objetivo da infração prevista e punida pelos artigos 18.º, n.º 4 e 39.º, n.º 3, alínea c), ambos do Decreto-Lei n.º151-B/2013, de 31 de outubro, uma vez que, a Recorrente não incumpriu com as medidas impostas na DIA;
JJ. Caso considerássemos que o início da operação do Aterro em pleno funcionamento, coincidiria com oinício da sua mera operação –11 de novembro de 2015-, concluiríamos que a obrigatoriedade para a realização das referidas campanhas iniciar-se-ia a 11 de novembro de 2016;
KK. Pelo que, mais uma vez, também nesta hipótese, não se verifica preenchido o elemento objetivo da infração prevista e punidapelosartigos18.º, n.º 4 e39.º, n.º 3, alínea c), ambos do Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, uma vez que, à data do auto de notícia –14 de fevereiro de 2017 -, a Recorrente não tinha praticado qualquer infração;
LL. O ponto 2.3.2 da LA, sob epígrafe, “Controlo da descarga das águas reutilizadas e descarregadas” refere que “a monitorização e as análises das águas residuais após pré-tratamento na ETL e as águas residuais domésticas devem ser realizadas de acordo com o especificado na Autorização de descarga da B... EEM, nesta última caso se verifiquem efetivamente transporte e descarga. Caso ocorra uma situação de emergência, deverão ser implementados os procedimentos especificados no ponto 4. Gestão de situações de emergência, da presente licença.”;
MM. Da leitura das situações elencadas no referido Quadro 9., não resulta que a descarga de efluente pré-tratado configura uma situação de potencial emergência;
NN. A descarga de efluente pré-tratado não configura uma “emissão”, mas sim uma “transferência de poluentes”, à luz do disposto no artigo 2.º, n.º 10 e 11 do Regulamento;
OO. A ultrapassagem de alguns parâmetros dos VMC estipulados nas Autorizações de descarga para o efluente pré-tratado, não configura uma situação de (potencial) emergência, por não se enquadrar em nenhuma das situações elencadas no Quadro 9. Do ponto 4. da LA;
PP. Não se verifica preenchido o elemento objetivo da infração prevista e punida pelos artigos 111.º, n.º 2 alínea e) do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, pelo que, nenhuma infração pode ser imputada à Recorrente;
QQ. A Autorização de descarga n.º ..., de 19/09/2017 veio aceitar, “a título excecional, a ultrapassagem dos VMC para os parâmetros em incumprimento, até um VMA (Valor Máximo Admissível) agora estabelecido da autorização de descarga.”;
RR. Tendo a Recorrente efetuado as referidas monitorizações e análises de acordo com o estipulado nas Autorizações, quer inicialmente emitidas, quer com as Autorizações que viriam a ser emitidas pelo referido operador autorizado;
SS. A Recorrente não infringiu o estabelecido na sua LA, faltando, desta forma, o elemento objetivo do qual depende a imputação à Recorrente da infração prevista e punida pelos artigos 111.º, n.º 2, alínea e) do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto;
TT. O douto Tribunal a quo considerou como “provado” que:
A sociedade arguida agiu livre, voluntária e conscientemente;
Representando a realização dos factos que preenchem os tipos de contra-ordenação como consequência necessária da sua conduta.”
UU. Dizer-se que a Recorrente agiu livre, voluntária e conscientemente, desacompanhado de quaisquer outros elementos concretizadores, nada substantifica quanto à caracterização de uma conduta dolosa;
VV. Considerar como “provado” que a Recorrente representou a realização dos factos que preenchem os tipos de contraordenação como consequência necessária da sua conduta, não integra um qualquer facto, ainda que interior, suscetível de através dele se afirmar uma conduta dolosa, em qualquer uma das modalidades do dolo;
WW. Do elenco de factos considerados “provados” não é possível concluir pela imputação à Recorrente de uma conduta dolosa no cumprimento das obrigações a que estava adstrita no âmbito da sua atividade;
XX. A sentença recorrida deve ser alterada, imputando-se as contraordenações a título de negligência, com as demais consequências legais, nos termos e com os fundamentos supra expostos;
YY. O Tribunal a quo entendeu não se verificarem preenchidos os pressupostos dos quais dependem a atenuação especial da coima, prevista no artigo 23.º-A da LQCA, uma vez que não se verificam circunstâncias anteriores ou posteriores à prática das contraordenações, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude dos factos;
ZZ. A Recorrente não tem antecedentes contraordenacionais;
AAA. Não decorre da sentença recorrida (quer dos factos “provados”, quer “não provados”) que tenha havido qualquer dano que necessitasse de ser reparado;
BBB. O comportamento posterior aos factos da Recorrente, designadamente, a observância dos VMC e VMA estabelecidos na Autorização de descarga, o pedido e obtenção da licença de exploração da Central de Valorização Energética do Aterro do C... (que permitiu que o biogás captado do aterro fosse valorizado energeticamente), bem como, a circunstância de a Recorrente não ter retirado benefício económico das infrações em causa, justificam a atenuação especial da coima aplicada;
CCC. Pelo que, deve a sentença recorrida ser alterada, atenuando-se especialmente a coima que vier a ser aplicada à Recorrente, nos termos do disposto no artigo 23.º-B da LQCA.
Termos em que e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve a sentença recorrida ser declarada nula, nos termos e com os fundamentos supra expostos; ou, caso assim não se entenda, deve a mesma ser alterada, nos termos e com os fundamentos supra requeridos.”

Foi o recurso regularmente admitido por despacho de 06.02.2023, com regime de subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo, nas suas alegações de resposta, sustenta a improcedência do recurso e conclui:

“1. Quanto à alteração da qualificação jurídica, encontra-se actualmente ultrapassado aquele posicionamento de plena liberdade de qualificação jurídica sem haver comunicação prévia ao arguido, pois impõe-se que esta se realize, tanto mais que, actualmente, a lei é expressa nesse sentido art.º 358.º, n.º 3, 424.º, n.º 3 do C.P.P..
2. No uso do instituto da alteração substancial dos factos o que releva é a necessidade de consolidar a ideia cardeal de conferir plenitude às garantias de defesa exigidas pelo artigo 32.º, n.º 1, do texto constitucional, tornando clarividente que do ponto de vista que ao direito importa é a referência dos acontecimentos às normas jurídicas, e ao processo, os comportamentos humanos que pela lei são declarados passíveis de sancionamento;
3. Não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica, dos factos à condenação do arguido, salvo se e tão somente, quando a diferente qualificação jurídico penal dos factos conduza à condenação do arguido em pena mais grave, caso em que se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, a oportunidade de defesa, solução esta consagrada legislativamente com no nº 3, do art.º 358º do C. P. Penal, ao determinar a comunicação da alteração da qualificação jurídica sendo embora os mesmos os factos que constam da acusação;
4. Quando os factos se mantêm intocados, e apenas se procede a uma qualificação jurídica diversa da que constava da acusação, essa alteração é equiparada pelo legislador à alteração não substancial dos factos– n.º 3 do art. 358.º do CPP, como ademais ocorreu no caso “sub judicie”.
5. Inexiste errada aplicação do direito na decisão do Tribunal “a quo” quanto ao disposto no art.º 23º - B da LQCA cujos requisitos da atenuação especial da coima não logrou a recorrente comprovar, pelo que, fez a sentença adequada aplicação da norma considerando os factos provados e dados objetivos obtidos sem que destes decorram verificados os requisitos para a sua aplicação;
Não merece qualquer reparo a decisão do tribunal “a quo” que manteve os factos enunciados na decisão administrativa e determinou a condenação da sociedade recorrente por autoria de três contraordenações ambientais dolosas em coima única face aos factos assentes como provados subsumíveis ao enquadramento da previsão de cada das infrações à LQCA, que desde logo é de manter tal como proferida nestes autos.
In casu, inexistindo verificada a errada aplicação do direito aos factos pelo Tribunal “a quo” que em decisão por simples despacho (o que constitui lapso) manteve a decisão administrativa por prática dolosa a que condenou a recorrente, deve improceder o recurso interposto não sendo de revogar a sentença que a recorrente impugna.
Nos termos expostos e no demais de direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso, ser julgado improcedente, mantendo-se, a sentença recorrida, assim se fazendo justiça.

Subiram os autos a este Tribunal da Relação, tendo a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer no qual, dissentindo da posição do Ministério Público em 1ª instância, entende que o tribunal recorrido alterou factos atinentes aos elementos subjetivos das contraordenações, o que determinou a agravação das molduras das coimas aplicáveis, pelo que a sentença recorrida enferma da nulidade prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 379.º do CPP, impondo-se a remessa dos autos à 1.ª instância para efeitos de reabertura da audiência e cumprimento ao disposto no artigo 359º do CPP.

Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório e não foi apresentada qualquer resposta.

Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO

É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.º, n.º 1 e 417º, nº 3, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, salvo questões do conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do CPP – sendo certo que, em conformidade com o disposto no art. 75º, nº 1 do RGCO, nos recursos dos processos de contraordenação a 2ª instância apenas conhece de direito.

Nessa decorrência, e olhando às sobreditas conclusões apresentadas na motivação do recurso retiram-se como questões a dilucidar:

1ª Nulidade da sentença por violação do artº 359º do C.P.P. conjugado com o disposto no artº 379º, nº 1, al. b) do C.P.P. aplicável “ex vi” art.º 41º do RGCO falta de comunicação de alteração substancial de factos;
2ª Nulidade da sentença por violação do art.º 374º, nº 2 do C.P.P. conjugado com os termos do art.º 379º, nº 1, al. a) do C.P.P. 64º, nº 4 do RGCO, por falta de enumeração dos provados e não provados;
3ª Nulidade da sentença, ainda, falta de fundamentação em violação do art.º 379º, nº 1 al. a) do C.P.P. em relação a diversas infrações imputadas;
4ª Nulidade da sentença por omissão de pronúncia em relação aos argumentos apresentados/elementos probatórios a atender em violação do art.º 379º, nº 1 al. c) do C.P.P
5ª Errada aplicação do direito aos factos integradores dos conceitos relevantes na previsão das normas violadas que configuram as contraordenações por que foi condenada a recorrente;
6ª Sem prescindir, invoca a falta de fundamentação da sentença para ter como comprovada a sua actuação dolosa enquanto subsumível às contraordenações por cuja autoria foi condenada pugnando pela imputação da conduta a título de negligência;
7ª A verificação dos pressupostos do instituto da atenuação especial da coima constante do art.º 23º - A da LQCA.

Com relevo para a resolução da questão objecto do recurso importa recordar a decisão recorrida:

“I. RELATÓRIO.

1. Por decisão da IGAMAOT – Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território –, foi A..., S.A., com os sinais dos autos, condenada nas coimas individuais de € 12.000, pela prática de cada uma das seguintes infracções ambientais graves:
- Incumprimento das medidas impostas na DIA, p. e p. pelos art.os 18.º, 4, e 39.º, 3 c), ambos do Dec. Lei n.º 151-B/2013, de 31.10, e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08;
- Incumprimento das condições impostas na sua LA n.º ..., de 12.06, p. e p. pelos art.os 111.º, 2 e), do Dec. Lei n.º 127/2013, de 30.08, e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08; e
- Incumprimento das condições impostas na sua Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro n.º ..., de 25.09, p. e p. pelos art.os 27.º, 2, e 48.º, 2 b), ambos do Dec. Lei n.º 183/2009, de 10.08, e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08,
E na coima única de € 35.000.
*
2. Inconformada com esta decisão, interpôs a sociedade arguida recurso de impugnação, concluindo o seguinte:

“A. A 14 de fevereiro de 2017, a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, efetuou uma ação inspetiva num dos estabelecimentos da Impugnante, a saber, o Aterro Sanitário do C...;
B. Decorrente dessa ação inspetiva, foi elaborado o Auto de Notícia n.º ..., notificado à Impugnante, por ofício datado de 28 de outubro de 2017, tendo a mesma apresentado a sua Defesa;
C. Por ofício datado de 13 de julho de 2020, foi a Impugnante notificada da decisão final, no âmbito da qual foi decidido condenar a Impugnante, na aplicação da coima única de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) e em custas do processo no valor de €75,00 (setenta e cinco euros);
D. À Impugnante não se descortinam factos censuráveis que possam consubstanciar qualquer comportamento ilícito, não lhe podendo, por esse facto, ser imputada qualquer contraordenação, nem aplicada qualquer coima;
E. O auto de notícia é omisso e obscuro quer quanto aos factos objetivos – circunstâncias em que cada uma das alegadas infrações foram cometidas –, quer quanto àqueles que se traduzem na imputação subjetiva das mesmas – prática da infração a título de negligência ou dolo –;
F. Na medida em que à Impugnante são reconhecidos os direitos de audiência e de defesa, na notificação para o exercício desses direitos têm de constar todos os elementos de facto e de direito necessários para a integral elucidação da arguida relativamente a todos os aspetos relevantes para a decisão;
G. São inúmeros os erros e incorreções patentes na factualidade descrita no auto de notícia;
H. À Impugnante é imputada a prática de uma contraordenação ambiental grave, pelo alegado incumprimento das condições impostas no alvará de licença previstas no n.º 2 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 183/2009, de 10 de Agosto p.p. pelo n.º 2 do artigo 28º e alínea b) do n.º 2 do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 183/2009, de 10 de Agosto;
I. Escrutinados os factos constantes do auto de notícia, não verificamos qualquer facto que possa consubstanciar o incumprimento do disposto naquele normativo legal;
J. O auto de notícia que anuncia a imputação à arguida de três tipos de infrações, uma das quais inexistente, seguido de uma descrição meramente genérica e, por remissão, dos factos que pretensamente constituem as respetivas contraordenações, contendo inúmeros erros e incorreções, e sendo absolutamente omisso quanto aos elementos subjetivos das infrações, padece do vício de nulidade;
***
K. No que diz respeito à articulação do regime de avaliação de impacte ambiental, elencado no ponto 1.2. da LA, constata-se que nele se refere que não é dado cumprimento ao programa de monitorização de odores estabelecido na DIA;
L. A DIA prevê que devem ser efetuadas campanhas pontuais de caraterização de odores, devendo estas serem realizadas “após o primeiro ano de operação da unidade, quando esta já estiver em pleno funcionamento, devendo uma coincidir com o período de Inverno e outra durante o Verão (duas campanhas a realizar no global)”;
M. A operação da unidade do C... teve o seu início a 11 de novembro de 2015;
N. Caso considerássemos que seria esse o início da sua operação em pleno funcionamento, concluiríamos que a obrigatoriedade para a realização das referidas campanhas iniciar-se-ia a 11 de novembro de 2016;
O. Tendo a ação inspetiva sido efetuada a 14 de fevereiro de 2017, a Impugnante ainda não se encontrava em incumprimento com o estatuído na DIA, porquanto só após o dia 11 de novembro de 2016 é que se iniciaria o prazo para a realização das referidas campanhas, terminando esse prazo no final do período de Inverno, isto é, a 20 de março de 2017;
P. Forçoso será concluir que à Impugnante não poderia ter sido imputada a prática de qualquer infração e, como tal, deverá ser proferida decisão que absolva a Impugnante da respetiva contraordenação;
Q. O início da operação do aterro, em pleno funcionamento, não coincidiu, como facilmente se depreende, com a data de comunicação de início de operação;
R. A operação da unidade, em pleno funcionamento, só ocorreu em agosto de 2017;
S. Só a partir de agosto de 2017 é que se verificou efetivamente a obrigatoriedade de realizar as campanhas de monitorização estabelecidas na DIA;
T. A Impugnante deu cumprimento ao programa de monitorização da emissão de odores, conforme previsto na DIA e, consequentemente, não incumpriu com o referido no ponto 1.2 da LA;
***
U. Relativamente ao controlo da descarga das águas reutilizadas e descarregadas, considerou-se na decisão impugnada que não foi dado cumprimento ao previsto nos pontos 2.3.2 e 4. da LA;
V. A descarga de efluente pré-tratado não configura uma “emissão”, mas sim uma “transferência de poluentes”, designação esta também adotada pelo Protocolo PRTR;
W. A descarga de águas residuais pré tratadas ocorre para operador autorizado sem qualquer contacto com o meio;
X. A situação não configura uma situação de (potencial) emergência;
Y. Se atendermos ao que vem referido no ponto 2.2. e 2.2.2. da LA, em nenhuma das referidas alíneas são mencionadas as águas residuais pré-tratadas;
Z. Não estando as águas residuais pré-tratadas incluídas no elenco de efluentes produzidos na instalação, não se pode considerar que este efluente seja então uma “emissão” para efeitos da Licença;
AA. A Impugnante ultrapassou os Valores Máximos de Concentração (doravante, simplesmente, “VMC”) definidos para os parâmetros Azoto amoniacal, Azoto total, Fósforo e Condutividade, incumprindo, assim, as condições estatuídas na LA de que é titular;
BB. De acordo com a nova Autorização de Descarga das Águas Residuais, é expressamente aceite pela entidade gestora a ultrapassagem dos VMC previstos no Regulamento e/ou na autorização de descarga;
CC. Nessa medida, não se vislumbra qualquer incumprimento ao previsto nos pontos 2.3.2 e 4. da LA.; DD. Desse eventual incumprimento, nenhum dano efetivo ambiental se verifica;
***
EE. Quanto à monitorização do biogás captado para queima, foi efetuado um estudo das emissões difusas dos gases do aterro;
FF. Para uma análise da qualidade do biogás captado no ano de 2016, os resultados deste estudo devem ser considerados para efeitos do cumprimento da monitorização qualitativa prevista na Tabela 4 do Anexo I da LE;
GG. Não se pode afirmar que a Impugnante não cumpriu com a obrigação de monitorização prevista na Tabela 4 do Anexo I da LE quando, do estudo efetuado e disponibilizado, resulta uma análise da qualidade do biogás captado no ano de 2016;
HH. Mais importante do que o controlo de biogás captado do aterro para queima ou valorização energética, é o controlo das emissões difusas para o ar provenientes do aterro;
II. No que concerne à monitorização de emissões atmosféricas (fontes fixas) e dada a tipologia do equipamento utilizado, tochas em “open flare”, é tecnicamente impossível proceder à medição das emissões gasosas no queimador, dada a estrutura e condições de queima;
JJ. Para que essa medição fosse possível, seria necessário substituir o queimador por um equipamento diferente, o que acarretaria um investimento avultado;
KK. Investimento esse que a Impugnante considerou ser desnecessário atendendo a que se encontrava em curso a emissão da autorização da transferência da Central de Valorização Energética (CVE) de biogás do Aterro de Sermonde para o Aterro do C...;
LL. É entendimento da Impugnante que se mostra evidenciado o cumprimento do disposto no ponto 5.1.11 da LE;
***
MM. Na decisão impugnada surge que a Impugnante recebeu e utilizou ASIC, para a realização da cobertura diária dos resíduos depositados no aterro, o que, face às suas caraterísticas é proibido pela LE;
NN. Em momento algum da referida ação inspetiva foi referido ou sequer verificado que a cobertura diária dos resíduos depositados em aterro era efetuada através da utilização de ASIC;
OO. Caso os Srs. Inspetores tivessem verificado que a cobertura dos resíduos depositados em aterro estivesse a ser efetuada, naquele momento, através da utilização de ASIC, certamente teriam efetuado um registo fotográfico do mesmo;
PP. Sendo a criação de acessos uma das utilizações previstas do ASIC, conforme resulta da sua ficha técnica, e sendo essa efetivamente a utilização dada ao referido material, não se mostra verificado o incumprimento referido no auto de notícia, respeitante ao ponto 5.1.4 da LE;
***
QQ. A Impugnante não praticou nenhuma das infrações pelas quais vem acusada, porquanto a factualidade descrita não é suscetível de fundamentar, quer de facto quer de direito, o presente processo de contraordenação;
RR. Não se descortinam factos censuráveis que possam consubstanciar qualquer comportamento ilícito;
SS. Não lhe podendo, por esse facto, ser imputada qualquer contraordenação, nem aplicada qualquer coima;
TT. Caso assim não se entenda, a coima aplicada é excessiva e desproporcional;
***
UU. Não se mostra alegado ou comprovado que da prática das referidas infracções tivesse resultado qualquer dano ou prejuízo efetivo para o ambiente;
***
VV. Não surge igualmente comprovado que a Impugnante tivesse retirado qualquer benefício da eventual prática de qualquer infração;
***
WW. As infrações foram imputadas a título de negligência;
XX. As condutas não apresentam um grau de gravidade que se possa considerar grave, uma vez que, nenhum dano ou prejuízo provocaram;
***
YY. Deverá ser aplicada à Impugnante uma pena de admoestação, nos termos do artigo 51.º do RGCO;
***
ZZ. Caso assim não se considere, justifica-se plenamente a atenuação especial da coima e a aplicação do montante mínimo da moldura abstrata especialmente atenuada;
***
AAA. Para o caso do demais improceder, a decisão ora impugnada deverá ser substituída por outra que aplique à Impugnante uma coima única nunca superior a 12.000,00€ (doze mil euros).
***
Termos em que se requer a V/Exa. se digne a proferir decisão em que declare a nulidade do presente processo de contraordenação, com as demais consequências legais ou, caso assim não se considere, deverá ser julgada procedente a argumentação aduzida pela Impugnante, nos termos e com o fundamentos supra expostos.”
*
3. O recurso foi recebido pela autoridade administrativa e enviados os autos ao MP, que os fez presentes ao juiz.
Admitido o recurso, foi designado dia para realização da audiência de julgamento, que decorreu com observância de todo o formalismo legal.
*
II. QUESTÕES PRÉVIAS OU INCIDENTAIS.

O processo, não enferma de nulidades, excepções ou questões prévias ou incidentais de que cumpra neste momento conhecer, susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A. OS FACTOS.
Resulta da decisão condenatória da autoridade administrativa a seguinte matéria de facto dada por assente e respectiva convicção (fundamentação):
factos provados:
“a) No dia 14/02/2017, pelas 10h30, a IGAMAOT efetuou uma ação de inspeção no «Aterro Sanitário do C... - Santa Maria da Feira», situado na Rua ..., na freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, pertencente à Arguida, A..., S.A.;
b) O referido Aterro encontrava-se em laboração, desenvolvendo a atividade de deposição de resíduos em aterro (CAE Rev.3: 38212 - Tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos) desde 11/11/2015 – vd. a pág. 3 do Relatório de Inspeção n.º ...;
c) A atividade da Arguida está incluída na categoria 5.4 do Anexo I do DL n.º 127/2013, de 30/08 (Regime da Prevenção e Controlo Integrados da Poluição -PCIP);
d) A Arguida é titular da Licença Ambiental (LA) n.º ..., emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. em 12/06/2015 e válida até 12/06/2025;
e) Da atividade desenvolvida pela Arguida decorre a produção de lixiviados provenientes da célula do Aterro, que são encaminhados para a ETL, onde são sujeitos a tratamento, sendo esse efluente pré-tratado depois descarregado no coletor municipal («ponto ED1») e encaminhado para a ETAR ..., pertencente a «B..., EM, S.A.» – vd. o ponto «5. Águas Residuais» do Relatório de inspeção n.º ...;
f) De agosto de 2015 a junho de 2017, aquelas descargas no «ponto ED1», do efluente pré-tratado, eram permitidas pela «Autorização de Descarga n.º ...» de 17/08/2015, respetivos Averbamentos e renovação pela «Autorização de Descarga n.º ...» de 08/07/2016, válida até 30/06/2017, emitidas por «B..., EM, S.A.»;
g) Nos termos da supracitada LA, a Arguida estava obrigada a realizar as monitorizações e análises do efluente pré-tratado, quando existisse transporte e descarga, de acordo com o estipulado nas Autorizações de descarga emitidas por «B..., EM, S.A.», bem como a efetuar determinados procedimentos caso ocorram as situações de emergência previstas na mesma LA – vd. o ponto «2.3.2. Controlo da descarga das águas reutilizadas e descarregadas» da LA;
h) No «ponto ED1» existiram descargas nos meses de 2016 e em janeiro de 2017 – vd. a pág. 14 do Relatório de Inspeção n.º ... e a Ficha de Controlo de efluente pré-tratado descarregado no «ponto ED1», em anexo ao Auto de Notícia;
i) A Arguida não cumpriu as condições daquela LA de que é titular, porquanto: 1. Em alguns meses de 2016 e em janeiro de 2017, a Arguida ultrapassou os VMC estipulados para o efluente de descarga pré-tratado, nos parâmetros Azoto amoniacal, Azoto total, Fósforo e Condutividade elétrica, conforme demonstra o seguinte quadro (vd. o ponto 2.3.2. da LA, as Autorizações de Descarga n.º ... e n.º ..., os Relatórios de Ensaio do «Laboratório SUMALAB» relativos às monitorizações de 2016 até à data da ação de inspeção, em Anexo ao Auto de Notícia):

ParâmetrosVMCResultadosDatas das amostrasRelatórios de Ensaio
Azoto amoniacal60 mg/l N107 mg/l N08/01/2016RE n.º ...43
de 22/01/2016
77,7 mg/l N05/02/2016RE n.º ...10
de 02/03/2016
163 mg/l N04/03/2016RE n.º ...89
de 31/03/2016
97,4 mg/l N15/04/2016RE n.º ...69
de 16/05/2016
Azoto Total90 mg/l N227 mg/l N08/01/2016RE n.º ...43
de 22/01/2016
139 mg/l N05/02/2016RE n.º ...10
de 02/03/2016
181 mg/l N04/03/2016RE n.º ...89
de 31/03/2016
147 mg/l N15/04/2016RE n.º ...69
de 16/05/2016
101 mg/l N08/07/2016RE n.º ...54
de 19/08/2016
390 mg/l N05/08/2016RE n.º ...03
de 06/10/2016
312 mg/l N02/09/2016RE n.º ...21
de 02/11/2016
Fósforo20 mg/l P23,8 mg/l P08/01/2016RE n.º ...43
de 22/01/2016
Condutividade2000 µS/cm2700 µS/cm08/01/2016RE n.º ...43
de 22/01/2016
3800 µS/cm05/02/2016RE n.º ...10
de 02/03/2016
3600 µS/cm06/05/2016RE n.º ...09
de 20/05/2016
3000 µS/cm6900 µS/cm05/08/2016RE n.º ...03
de 06/10/2016
6900 µS/cm02/09/2016RE n.º ...21
de 02/11/2016
6300 µS/cm07/10/2016RE n.º ...97
de 15/11/2016
5800 µS/cm06/01/2017RE n.º ...37
de 24/01/2017

2. A Arguida não reportou à APA, à IGAMAOT nem à CCDR-Centro, as supracitadas ultrapassagens dos VMC estipulados nas Autorizações de descarga para os parâmetros do efluente pré-tratado (“registo de emissão que não cumpra com os requisitos” da LA), as quais configuram situações de potencial emergência – vd. os pontos «2.3.2. Controlo da descarga das águas reutilizadas e descarregadas» e «4. Prevenção e controlo de acidentes/ Gestão de situações de emergência» /Quadro 9/E da LA;
3. Em novembro de 2016, apesar de ter efetuado a descarga de 1.751 m3 de efluente pré-tratado no «ponto ED1», a Arguida não efetuou a correspondente monitorização mensal – vd. a pág. 14 do Relatório de Inspeção n.º ..., a Ficha de Controlo de efluente pré-tratado descarregado no «ponto ED1» em 2016, o ponto 2.3.2. da LA, bem como o ponto 2.1.1 e o Anexo I da «Autorização de Descarga n.º ...», de 08/07/2016;
j) A exploração do supracitado Aterro encontra-se autorizada pela «Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro n.º ..., de 25 de setembro», emitida pela CCDR-Norte e válida até 12/06/2025, que obriga a Arguida a cumprir as condições dela constantes;
k) A Arguida não cumpriu as condições dessa Licença n.º ..., porquanto:
1. Em 2016, apesar do queimador ter registado 2.368 horas de funcionamento e 522.921 m3 de biogás queimado, a Arguida não efetuou o controlo do biogás do Aterro nos termos estatuídos, quer no que concerne ao biogás captado quer relativamente às emissões resultantes da queima de biogás – vd. o ponto «5.1.11. Controlo biogás do aterro», a «Tabela 4 - Monitorização do biogás captado para queima» e a «Tabela 5 - Monitorização de emissões atmosféricas (fontes fixas)» da «Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro n.º ..., de 25 de setembro», bem como o ponto «6. Biogás» e as pág. 17 e 18 do Relatório de Inspeção n.º ...;
2. Recebeu ASIC para realização da cobertura diária dos resíduos depositados no Aterro (nas quantidades de 3.055,88 t em 2016 e 321,48 t em 2017, até à data da ação de inspeção), não sendo tal utilização permitida pela citada Licença n.º ..., uma vez que não se encontra prevista na Norma Portuguesa EN 13242:2002+A1:2007 e não se lhe aplicam as disposições legais relativas à desclassificação de resíduos – vd. as pág. 15 a 17 e 23 do Relatório de Inspeção n.º..., o ponto «5.1.4. Admissão de resíduos no aterro» da «Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro n.º ..., de 25 de setembro», o «Certificado de Controlo de Produção na Fábrica ...» e respetivo Anexo, a «Declaração de Conformidade CE» e a Ficha Técnica do ASIC;
l) Para o citado Aterro foi emitida a DIA favorável condicionada, de 07/10/2011, que impôs um programa de monitorização de «Odores» a realizar após o primeiro ano de operação, quando o estabelecimento já estivesse em pleno funcionamento, devendo uma das campanhas pontuais de caracterização/medição coincidir com o período de Inverno e a outra com o de Verão – vd. as pág. 15 e 16 da DIA;
m) A Arguida iniciou a exploração do Aterro em 11/11/2015, pelo que estava obrigada a realizar a primeira campanha a partir de 11/11/2016, durante o Inverno de 2016/2017 – vd. o Relatório de Inspeção n.º ..., o ponto «1.2. Articulação com outros regimes jurídicos» /Quadro 4 da LA da Arguida e a «Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro n.º ..., de 25 de setembro»;
n) De 11/11/2016 a 26/06/2017 (período de Inverno), a Arguida não realizou qualquer campanha de caracterização/medição das emissões de odores do Aterro, incumprindo o programa de monitorização de «Odores» estipulado na DIA – vd. o Relatório de Inspeção n.º ... e a defesa da Arguida;
o) A Arguida exerce atividade industrial regulada por lei, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o ali prescrito para o exercício da mesma, in casu o DL n.º 151-B/2013, de 31/10, relativo às medidas e condicionantes fixadas na DIA, o DL n.º 127/2013, de 30/08, relativamente às condições da LA, bem como o DL n.º 183/2009, de 10/08, respeitante às operações de deposição de resíduos em Aterro;
p) Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz, não resultando dos autos elementos que retirem ilicitude aos factos ou censurabilidade às suas condutas.

Não provados
a) Que a nova Autorização de descarga de águas residuais («Autorização de Descarga n.º ...», de 19/09/2017), permita a ultrapassagem total dos VMC anteriormente previstos;
b) Que a descarga de efluente pré-tratado não configure uma “emissão” à luz da LA n.º ...;
c) Que tenha sido realizada a campanha de monitorização de odores, conforme previsto na DIA, em 23/10/2017;
d) Que, em 2016, tenha sido efetuada a monitorização do biogás do Aterro;
e) Que a Arguida utiliza ASIC única e exclusivamente para criação de acessos; f) Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.

Motivação

A apreciação da matéria supra fundou-se na análise crítica da prova nos autos – máxime no Auto de Notícia n.º ... e respetivos anexos; no Relatório de Inspeção n.º ...; na defesa da Arguida e documentos juntos – conjugada com as regras da experiência.”

Tal factualidade objectiva resultou sobejamente demonstrada também em audiência de julgamento, em função dos depoimentos pormenorizados e sem pretensão de parcialidade, consequentemente credíveis, dos Inspectores da IGAMAOT intervenientes, AA, autuante, e BB, testemunha – que confirmaram em audiência o teor do auto de notícia, de fls. 4 a 8, e o relatório da inspecção referente, de fls. 93 a 105, por ambos subscritos, precisando, a primeira, que até à data do relatório (26.06.2017) nada se modificou, o que foi comunicado à própria pelos responsáveis da recorrente –, e do teor dos docs. especificados no acervo fáctico descrito, maxime de fls. 9 a 26 (LA - licença ambiental e anexos), 43 e segs. (Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro n.º ..., de 25.09), 57 e segs. (Autorização de Descarga das Águas Residuais Industriais do Aterro Sanitário do C... no Sistema Municipal de Saneamento de Vila Nova de Gaia), 63 a 77 (Autorização de Descarga de Águas Residuais Industriais na ... de saneamento n.º ... e anexos/relatórios de ensaios), 78 (certificado de Controlo de produção na Fábrica), 79 (declaração de conformidade ASIC), 80 a 92 (Declaração de Impacte Ambiental), que não foram beliscados pelas declarações do representante legal da sociedade arguida, CC (que, por não dominar bem tais assuntos, porque à data dos factos ainda não assumia tal cargo, remeteu para os testemunhos indicadas pela defesa), nem pelos depoimentos das testemunhos da defesa (DD, responsável de produção da recorrente, e EE, responsável de apoio técnico à recorrente ), que se esforçaram por pôr em causa essa realidade constatada, mas não tiveram tal virtuosidade.
Na verdade, a ultrapassagem dos VMC (valores máximos de concentração) estipulados para o efluente de descarga pré-tratado resulta dos elementos documentais/relatórios fornecidos pela sociedade arguida à inspecção, com insignificantes lapsos de escrita na transposição para os factos assentes pela autoridade administrativa, detectados em audiência e por nós rectificados;
As omissões de reporte referente à APA, IGAMAOT e CCRD-Centro não foram objecto de refutação probatória, o mesmo acontecendo com a falta de monotorização de descarga respeitante ao mês de Novembro de 2016 e com a não realização do controlo do Biogás do aterro nos termos estatuídos;
No que respeita ao ASIC (agregado siderúrgico inerte para construção), a afirmação das testemunhas de defesa (de que era usado exclusivamente para criação de vias de acesso dos veículos) esboroou-se perante os testemunhos expressivos dos
inspectores autuantes (a primeira, na parte em que garantiu que viu ASIC dentro do aterro, tendo-lhe a Eng.ª responsável, EE, mencionado que era utilizado para caminhos e para cobrir resíduos nas quantidades especificadas; e o segundo, na parte em que precisou ter visto na célula do aterro um monte de resíduos de ASIC, estando a ser tratado como resíduo, porque estava depositado como qualquer outro resíduo);
Finalmente, sobre a não monotorização dos odores, também não houve refutação probatória, reconhecendo a recorrente essa omissão, quando conclui que “M. A operação da unidade do C... teve o seu início a 11 de novembro de 2015;
N. Caso considerássemos que seria esse o início da sua operação em pleno funcionamento, concluiríamos que a obrigatoriedade para a realização das referidas campanhas iniciar-se-ia a 11 de novembro de 2016;
O. Tendo a ação inspetiva sido efetuada a 14 de fevereiro de 2017, a Impugnante ainda não se encontrava em incumprimento com o estatuído na DIA, porquanto só após o dia 11 de novembro de 2016 é que se iniciaria o prazo para a realização das referidas campanhas, terminando esse prazo no final do período de Inverno, isto é, a 20 de março de 2017;
P. Forçoso será concluir que à Impugnante não poderia ter sido imputada a prática de qualquer infracção (…)”.

No que respeita aos elementos de facto subjectivos, entende-se que os perfilhados pela autoridade administrativa, em função da prova produzida, não traduzem a realidade fáctica referente, que se expressa antes, correctamente, nos seguintes factos provados:
A sociedade arguida agiu livre, voluntária e conscientemente;
Representando a realização dos factos que preenchem os tipos de contra-ordenação como consequência necessária da sua conduta.

Quanto à situação económica e passado contra-ordenacional da sociedade arguida:
A sociedade arguida apresentou relativamente ao ano de 2021 um RLE de € 1.091.800,18.
Não se lhe conhecem antecedentes contra-ordenacionais.

Convicção:
Foram determinantes para a fundamentar:
- Presunção natural, na parte referente aos elementos subjectivos – atento o tipo de empresa e área de actividade respectiva, regulada por lei, experiência de vida e da normalidade das coisas. Na verdade, o juízo de apreciação da culpa, efectuado pela autoridade administrativa, peca por permissividade, porquanto quem se dedica a uma actividade industrial e não tem o cuidado de se esmerar por cumprir escrupulosamente todas as normas que especificamente a vinculam e impõem determinadas condutas, que não desconhece, não pode deixar de representar a realização das infracções contra-ordenacionais respectivas como consequência necessária da sua conduta, integrando, consequentemente, a sua forma de estar o dolo necessário (art.º 14.º, 2, do Cód. Penal ex vi art.º 32.º do RGCO e 2.º, 1, da Lei n.º 50/2006, de 29.08), o que resulta ostensivamente das práticas referentes dadas por assentes;
- O teor do doc. de fls. 252 a 258 (declaração de IRC referente) e não menção pela autoridade administrativa de qualquer infracção contra-ordenacional precedente.
*
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Enquadramento jurídico.
Foram considerados preenchidos os seguintes tipos legais de contra-ordenação: - Incumprimento das medidas impostas na DIA, p. e p. pelos art.os 18.º, 4, e
39.º, 3 c), ambos do Dec. Lei n.º 151-B/2013, de 31.10, e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08;
- Incumprimento das condições impostas na sua LA n.º ..., de 12.06, p. e p. pelos art.os 111.º, 2 e), do Dec. Lei n.º 127/2013, de 30.08, e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08; e
- Incumprimento das condições impostas na sua Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro n.º ..., de 25.09, p. e p. pelos art.os 27.º, 2, e 48.º, 2 b), ambos do Dec. Lei n.º 183/2009, de 10.08, e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08, todos sancionáveis a título de negligência.

Passemos agora ao âmbito do recurso interposto.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119.º, 123.º, 2, 410.º, 2, alíneas a), b) e c) do CPP, ex vi art.º 41.º, 1, do RGCO) - Vd. Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 7/95, de 19.10.1995, publicado in DR, I Série – A, de 28.12.1995, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.06.1998, in B.M.J. 478, 242, de 03.02.1999, in B.M.J. 484, 271, de 19.09.96, in BMJ, 458, pág. 98, e de 24.03.99, in CJ, Acs. do STJ, VII, I, 247; no mesmo sentido, Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 6.ª Ed., 2007, pág. 103.
As conclusões do recurso consistem “na enunciação em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso. (...)
E... destinam(-se) a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido...” - Conselheiro Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código Processo Civil”, pág. 229.

1.1. Questões levantadas (a decidir):

1.ª Nulidade do auto de notícia por conter inúmeros erros e incorreções, sendo absolutamente omisso quanto aos elementos subjetivos das infracções:
A responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas ou equiparadas acha-se prevista no art.º 7.º, 2, do RGCO, aí se estabelecendo que “as pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções”.
Conforme resulta do Parecer da PGR n.º 11/2013 [publicado no DR, 2.ª Série, n.º 178, de 16.09.2013] “1. O ilícito de mera ordenação social corresponde a uma censura de natureza social e administrativa cujo fundamento dogmático é a subsidiariedade do Direito Penal e a necessidade de sancionar comportamentos ilícitos, mas axiologicamente neutros. Do ponto de vista teleológico, as contraordenações são uma medida de proteção da legalidade, o que justifica a maior flexibilidade na análise dos pressupostos da imputação, designadamente da culpa, que é diferente da culpa penal.
2. Atualmente é pacificamente admitida a responsabilização criminal das pessoas coletivas em certos tipos penais. No Direito das contraordenações, contudo, a responsabilidade das pessoas coletivas é um princípio geral que decorre do artigo 7.º do Regime Geral das Contraordenações, que constitui uma regra geral de imputação, com inúmeras concretizações em regimes especiais.
3. O Regime Geral das Contraordenações consagra um regime de imputação restritivo, no número 2 do artigo 7.º, ao limitar a responsabilidade das pessoas coletivas às contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções, ao contrário do que acontece na maioria dos regimes especiais (artigo 551.º do Código do Trabalho, artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, número 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, número 2 do artigo 401.º do Código dos Valores Mobiliários, número 1 do artigo 73.º da Lei da Concorrência, e número 2 do artigo 8.º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais).
4. O preceito do número 2 do artigo 7.º do Regime Geral das Contraordenações deve ser interpretado extensivamente, como, aliás, tem sido feito pela jurisprudência, incluindo do Tribunal Constitucional, de modo a incluir os trabalhadores, os administradores e gerentes e os mandatários ou representantes da pessoa coletiva ou equiparada, desde que atuem no exercício das suas funções ou por causa delas.
5. A responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas assenta numa imputação direta e autónoma, quer o fundamento dessa responsabilidade se encontre num “defeito estrutural da organização empresarial” (defective corporate organization) ou “culpa autónoma por défice de
organização”, quer pela imputação a uma pessoa singular funcionalmente ligada à pessoa coletiva, mas que não precisa de ser identificada nem individualizada.
6. A imputação da infração à pessoa coletiva resulta de se considerar autor desta o sujeito que tiver violado (por ação ou por omissão) a proibição legal ou o dever jurídico cuja violação a lei comina com contraordenação, solução que é coerente com o facto de no Direito contraordenacional a ilicitude não assentar numa censura ético-jurídica mas sim na violação de um dever legal.
7. O artigo 7.º do Regime Geral das Contraordenações adota a responsabilidade autónoma, tal como os regimes especiais em matéria laboral (artigo 551.º do Código do Trabalho), tributária (artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias), económica (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro), de valores mobiliários (artigo 401.º do Código dos Valores Mobiliários), de concorrência (artigo 73.º da Lei da Concorrência) e de contraordenações ambientais (artigo 8.º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais), pelo que não é necessária a identificação concreta do agente singular que cometeu a infração para que a mesma seja imputável à pessoa colectiva.”

É também esta a posição que defendemos, por se mostrar mais conforme à defesa dos interesses protegidos pelo direito de mera ordenação social, garantindo uma mais eficaz responsabilização dos agentes infractores e contribuindo para uma maior pedagogia normativa.
É em sintonia com este entendimento que surge o Ac. da Relação de Lisboa, de 13.10.2004, Proc.º 7243/04.3, decidindo que “I – Não se viola o direito de audiência do arguido quando este é notificado, nos termos do art.º 50.º do RGCO, da nota de ilicitude mesmo que, nesta, não lhe seja dado a conhecer todos os factos relevantes para a decisão, nomeadamente os elementos subjectivos do ilícito contra-ordenacional que tenha cometido.
II – Tal nota de ilicitude, posto que incompleta quanto aos elementos subjectivos do ilícito, não está afectada de nulidade (artigos 283.º, n.º 3, e 121.º, ambos do CPP, ex vi 41.º do RGCO).
III – O art.º 9.º do RGCO estabelece a regra da responsabilidade das pessoas colectivas por ilícitos contra-ordenacionais, não sendo necessário qualquer nexo de imputação entre o facto ilícito e o agente – pessoa singular enquanto membro, órgão ou representante daquelas.”
Perfilhamos, no entanto, um conceito mais restrito do princípio do contraditório em matéria de ilícito de mera ordenação social.
Este princípio (de audição e defesa), que tem consagração constitucional no art.º 32.º, 10, da CRP, acha-se mais desenvolvidamente previsto no art.º 50.º do RGCO, que preceitua que “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada a sobre a sanção ou sanções em que incorre”.
“O arguido tem direito a pronunciar-se não só sobre os factos que lhe são imputados, mas também sobre o seu enquadramento jurídico e sobre a sanção ou sanções que lhe podem ser aplicadas, como resulta do texto do artigo ao referir o direito de se pronunciar «sobre a contra-ordenação que lhe é imputada a sobre a sanção ou sanções em que incorre».
A possibilidade de exercício deste direito supõe que seja feita comunicação ao arguido, antes da decisão administrativa de aplicação das sanções, sobre quais os factos que lhe são imputados, o enquadramento jurídico dos mesmos e a sanção ou sanções que a autoridade administrativa competente para aplicar a coima entende serem aplicáveis.” MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA, in “Contra-ordenações – Anotações ao Regime Geral”, 6.ª Edição 2011, Colecção Direito, Áreas Editora, pág. 380.
A notificação que foi efectuada à sociedade arguida, em decorrência do disposto no art.º 49.º da Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais, observa todos estes requisitos, na medida em que lhe envia cópia do auto de notícia, onde se acham descritos os factos imputados, e lhe comunica as contra-ordenações de que é indiciada, o seu enquadramento legal (normas que as consagram e punem) e as coimas abstractas em que incorre, e até do relatório da inspecção.
Como dispõe o art.º 45.º, 1, da Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais, “A autoridade administrativa levanta o respetivo auto de notícia quando, no exercício das suas funções, verificar ou comprovar pessoalmente, ainda que por forma não imediata, qualquer infração às normas referidas no artigo 1.º, o qual serve de meio de prova das ocorrências verificadas.”
E o art.º 46.º do mesmo diploma legal, “1 - O auto de notícia ou a participação referida no artigo anterior deve, sempre que possível, mencionar:
a) Os factos que constituem a infração;
b) O dia, a hora, o local e as circunstâncias em que a infração foi cometida ou detetada;
c) No caso de a infração ser praticada por pessoa singular, os elementos de identificação do infrator e da sua residência;
d) No caso de a infração ser praticada por pessoa coletiva ou equiparada, os seus elementos de identificação, nomeadamente a sua sede, identificação e residência dos respetivos gerentes, administradores e diretores;
e) A identificação e residência das testemunhas;
f) Nome, categoria e assinatura do autuante ou participante.
2 - As entidades que não tenham competência para proceder à instrução do processo de contraordenação devem remeter o auto de notícia ou participação no prazo de 10 dias úteis à autoridade administrativa competente.”

Ora, na economia do processo administrativo, a tramitação subsequente à entrada do auto de noticia/participação e autuação do processo consubstancia-se na notificação imediata daquele ao arguido, para observância do contraditório.
Sendo certo que o Assento n.º 1/2003 do STJ, publicado no DR de 25.01.2003, veio fixar jurisprudência no sentido de ficar afectado de nulidade o processo quando a notificação em cumprimento do disposto no art.º 50.º do RGCO, não fornecer ao arguido todos os elementos necessários para que o interessado fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, a verdade é que não cuidou tal aresto de especificar o que se deve entender por “todos os elementos necessários”. Tal formulação é idêntica à constante do art.º 49.º da Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais.
Se atentarmos no facto de no processo contra-ordenacional a decisão administrativa valer como acusação, uma vez interposto recurso de impugnação e enviados os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz (art.º 62.º 1, do RGCO), não pode deixar de ser reconhecido que ao arguido continua assegurado o princípio do contraditório, depois de nessa mesma peça processual ser especificada (em matéria de direito, diga-se, em sede de determinação concreta da sanção) a modalidade da culpa, maxime os elementos subjectivos constitutivos do tipo legal de ilícito contra-ordenacional imputado, que permitirá ao arguido rebater esse enquadramento legal se não concordar com o mesmo.
Na verdade, como resulta do Ac. da Relação de Évora, de 26.04.2016, Processo n.º 463/15.0T8STC.E1, “Em lado algum se exige que o auto de notícia contenha os elementos subjectivos do tipo contra-ordenacional. Esses elementos subjectivos retiram-se naturalmente da ilicitude material constante do auto”.
Cumpre realçar que, em matéria de culpa, o dolo ou a negligência são sempre considerados ou alcançados, em sede de prova, através de presunção natural (atenta a idade do arguido, experiência vivencial e profissional respectiva, experiência de vida e da normalidade das coisas) - “A presunção natural ou “hominis“ arranca das regras da experiência, daquilo que é normal acontecer na maior parte dos casos e por meio delas o juiz prevalece-se de um facto conhecido, o indício, e conclui um desconhecido; Essa inferência, citando o Ac. do STJ proferido no Proc. n.º 936/08 - 3.ª, permite a afirmação de que uma certa categoria de factos é, normalmente, acompanhada de outros, de certo tipo e categoria, o estabelecimento de um leque de factos em relação directa com outros” – Ac. do STJ, de 24.05.2011 (Processo n.º 167/07.7PBSNT. L1.S1). quando não há confissão dos factos, pois que, doutra forma, ninguém seria condenado, bastando o silêncio ou a negação do conhecimento da lei, o que levaria à impunidade geral e ao livre arbítrio, inconcebíveis nos Estado de Direito.
Efectivamente, como se defende no Ac. da Relação de Guimarães, de 28.10.2019, proc.º n.º 4963/18.1T8GMR.G1, “O facto de, no direito de audição e defesa conferido nos termos do previsto no art.º 50º R.G.C.O. não constar o elemento volitivo não se traduz em qualquer nulidade, bastando tão-só ao direito de defesa a descrição naturalística dos factos, para que o arguido possa defender-se, exercendo o contraditório”, e no Ac. da Relação de Guimarães, de 31.03.222, proc.º n.º 905/21.5TBBRG.G1, “No auto de noticia devem ser especificados os factos materiais que constituam a infracção, deles se fazendo constar o dia, a hora, o local, e as circunstâncias em que foram cometidos, a identificação do arguido, dos ofendidos, do autuante, a referência às disposições legais que prevêem e punem a infracção, bem como a coima e sendo caso a sanção acessória.
O autuante deve fazer constar do auto de noticia, apenas o que verifica e atesta, ou seja os factos os comportamentos e as situações não podendo, nem devendo imputar os factos a título de culpa, seja na modalidade de dolo seja na modalidade de negligência, ao arguido, sob pena se poder estar a infringir ou a contrariar o princípio da “presunção de inocência” do arguido, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
No mesmo sentido se pronuncia o Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 17.03.2015, proc.º n.º 80/14.1TBORQ.E1, ao considerar que “I - A falta de comunicação, na notificação a que alude o artigo 50.º do regime geral das contraordenações, de factos relativos ao elemento subjetivo da infração, não é causa de nulidade do processo administrativo. E a esta conclusão não obsta a doutrina fixada pelo S.T.J., no seu Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2003 (publicado no DR, Série I-A, de 25-01-2003).
II - É suficiente que seja comunicada ao arguido a conduta naturalística, que pode integrar infração ao direito de mera ordenação social, as sanções que lhe são abstratamente cominadas e o respetivo fundamento normativo.”
Realce-se que este entendimento afere-se também sufragado por MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA In “Contra-ordenações – Anotações ao Regime Geral”, 6.ª Edição 2011, Colecção Direito, Áreas Editora, págs. 423 e segs até quando se pronunciam sobre os requisitos da decisão administrativa: “Não havendo na fase decisória do processo contra-ordenacional que corre pelas autoridades administrativas a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.
Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.
A referida alínea b) constitui uma norma especial sobre os requisitos da decisão administrativa de aplicação da coima, que, por isso, afasta a aplicação do regime do CPP, que é de aplicação subsidiária, nos termos do art.º 41.º, n.º 1, do RGCO.
A «descrição sumária» referida na alínea b), não exige «a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal» que é exigida pelo art.º 374.º, n.º 2, do CPP para as sentenças proferidas em processo criminal.
Trata-se, neste art.º 58.º, n.º 1, alínea b), de estabelecer um regime de menor solenidade para as decisões de aplicação de coimas comparativamente com as sentenças criminais, regime este justificável pela menor gravidade das sanções contra-ordenacionais.
O que exige aquela alínea b), interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (art.º 32.º, n.º 10, da CRP) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente.”
No mesmo sentido se inclina o Ac. da Relação de Évora, de 15.06.2004 – Proc. n.º 378/04-1 – “Em processo de contra-ordenação as exigências de fundamentação da decisão administrativa circunscrevem-se ao estabelecido no art.º 58.º do DL 433/82, de 27.10, não sendo aplicável, portanto, o estabelecido no art.º 374.º, 2, do CPP, aplicável às sentenças proferidas em processo penal”, o Ac. da Relação de Évora, de 15.02.2005 – Proc. n.º 2867/04-1 – “Não pode considerar-se nula a decisão da autoridade administrativa que contém a identificação da arguida, a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão, bem como o demais imposto pelo art.º 58.º do DL 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos DLs 356/89, de 17 de Outubro e 244/95, de 14 de Setembro”, e os Acs. da Relação do Porto, de 04.06.2008 – Proc. n.º 2856/08 – e de 18.06.2008 – Proc. n.º 664/08 – “1. A decisão da autoridade administrativa que aplica a coima ou as sanções acessórias tem apenas que conter os dados indicados no art.º 58.º do DL n.º 433/82.
2. Na fase administrativa do procedimento contra-ordenacional vigora o princípio do inquisitório, cabendo à autoridade que a dirige decidir as diligências que devem aí ser realizadas.
Porque a notificação efectuada à sociedade arguida, em observância ao disposto no art.º 49.º da Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais, obedece a todos esses requisitos legais considerados necessários, não se vislumbra qualquer insuficiência que não permita à recorrente aperceber-se dos factos que lhe são imputados e enquadramento legal respectivo, também no segmento subjectivo que questiona, de forma a poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente.
Bem pelo contrário, porquanto resulta do teor dessa notificação, nessa parte concernente, que as contra-ordenações são imputadas pelos menos a título de negligência (despacho de fls. 2 e 3 notificado à arguida, juntamente com o auto de noticia).
Em função do exposto, improcede a nulidade invocada.

2.ª questão:
“L. A DIA prevê que devem ser efetuadas campanhas pontuais de caraterização de odores, devendo estas serem realizadas “após o primeiro ano de operação da unidade, quando esta já estiver em pleno funcionamento, devendo uma coincidir com o período de Inverno e outra durante o Verão (duas campanhas a realizar no global)”;
M. A operação da unidade do C... teve o seu início a 11 de novembro de 2015;
N. Caso considerássemos que seria esse o início da sua operação em pleno funcionamento, concluiríamos que a obrigatoriedade para a realização das referidas campanhas iniciar-se-ia a 11 de novembro de 2016;
O. Tendo a ação inspetiva sido efetuada a 14 de fevereiro de 2017, a Impugnante ainda não se encontrava em incumprimento com o estatuído na DIA, porquanto só após o dia 11 de novembro de 2016 é que se iniciaria o prazo para a realização das referidas campanhas, terminando esse prazo no final do período de Inverno, isto é, a 20 de março de 2017;
P. Forçoso será concluir que à Impugnante não poderia ter sido imputada a prática de qualquer infração e, como tal, deverá ser proferida decisão que absolva a Impugnante da respetiva contraordenação;
Q. O início da operação do aterro, em pleno funcionamento, não coincidiu, como facilmente se depreende, com a data de comunicação de início de operação;
R. A operação da unidade, em pleno funcionamento, só ocorreu em agosto de 2017;
S. Só a partir de agosto de 2017 é que se verificou efetivamente a obrigatoriedade de realizar as campanhas de monitorização estabelecidas na DIA;
T. A Impugnante deu cumprimento ao programa de monitorização da emissão de odores, conforme previsto na DIA e, consequentemente, não incumpriu com o referido no ponto 1.2 da LA.”
Como resulta da factualidade apurada, no segmento referente:
“m) A Arguida iniciou a exploração do Aterro em 11/11/2015, pelo que estava obrigada a realizar a primeira campanha a partir de 11/11/2016, durante o Inverno de 2016/2017 – vd. o Relatório de Inspeção n.º ..., o ponto «1.2. Articulação com outros regimes jurídicos» /Quadro 4 da LA da Arguida e a «Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro n.º ..., de 25 de setembro»;
n) De 11/11/2016 a 26/06/2017 (período de Inverno), a Arguida não realizou qualquer campanha de caracterização/medição das emissões de odores do Aterro, incumprindo o programa de monitorização de «Odores» estipulado na DIA – vd. o Relatório de Inspeção n.º ... e a defesa da Arguida.”
Na verdade, como em sede de fundamentação de facto se deixou expresso a autuante esclareceu que “até à data do relatório (26.06.2017) nada se modificou, o que foi comunicado à própria pelos responsáveis da recorrente”, pelo que o incumprimento do programa de monitorização da emissão de odores, conforme previsto na DIA, se verificou.
No mais, a recorrente confunde a expressão “pleno funcionamento”, constante da DIA, que tem a significância de funcionamento efectivo, com “funcionamento pleno” (com toda a tipologia de resíduos presentes dentro do aterro – definida pela Eng.ª EE, responsável pelo apoio técnico à recorrente), o que torna irrelevante a alegada circunstância este só ter ocorrido em Agosto de 2017.
Improcede, consequentemente, esta questão.

3.ª questão:
“Do eventual incumprimento do previsto nos pontos 2.3.2 e 4. da LA, nenhum dano efetivo ambiental se verifica”.
Sendo desprovidas de razoabilidade as invocações de que “não se pode considerar que este efluente seja então uma “emissão” para efeitos da Licença” [como bem se menciona na decisão da autoridade administrativa, a LA não distingue “emissão” de “transferência de poluentes”], que “não configura uma situação de (potencial) emergência” [matéria inversamente qualificada pela autoridade administrativa que, no enquadramento respectivo e envolvência conexa, não pode deixar de merecer a nossa adesão], e que “a nova Autorização de descarga de águas residuais («Autorização de Descarga n.º ...», de 19/09/2017), permite a ultrapassagem total dos VMC anteriormente previstos” [não aplicável aos anteriores VMC consagrados nas autorizações de descarga vigentes à data da prática dos factos em análise - n.º ... e n.º ...], a superação dos VMC estipulados nas autorizações de descarga para os parâmetros do efluente pré-tratado tem como consequência a emissão de poluentes para o meio ambiente que excede os considerados admissíveis e, pour cause, o dano ambiental referente, que se agrava na sua reiteração, sem qualquer controlo, inclusive das instâncias competentes (APA, IGAMAOT e CCDR-Centro), por falta de comunicação/notificação.
Neste conspecto, improcede, igualmente, tal questão.

4.ª questão:
“HH. Mais importante do que o controlo de biogás captado do aterro para queima ou valorização energética, é o controlo das emissões difusas para o ar provenientes do aterro;
II. No que concerne à monitorização de emissões atmosféricas (fontes fixas) e dada a tipologia do equipamento utilizado, tochas em “open flare”, é tecnicamente impossível proceder à medição das emissões gasosas no queimador, dada a estrutura e condições de queima;
JJ. Para que essa medição fosse possível, seria necessário substituir o queimador por um equipamento diferente, o que acarretaria um investimento avultado;
KK. Investimento esse que a Impugnante considerou ser desnecessário atendendo a que se encontrava em curso a emissão da autorização da transferência da Central de Valorização Energética (CVE) de biogás do Aterro de Sermonde para o Aterro do C...;
LL. É entendimento da Impugnante que se mostra evidenciado o cumprimento do disposto no ponto 5.1.11 da LE.”

A sociedade arguida, como reconhece, não observou o controlo do biogás do Aterro nos termos estatuídos, quer no que concerne ao biogás captado quer relativamente às emissões resultantes da queima de biogás, violando, dessa forma, essa condição da Licença n.º ..., que não lhe facultava medidas alternativas em função do maior ou menor valor de investimento referente.
Improcede, também esta questão.

5.ª questão:
“PP. Sendo a criação de acessos uma das utilizações previstas do ASIC, conforme resulta da sua ficha técnica, e sendo essa efetivamente a utilização dada ao referido material, não se mostra verificado o incumprimento referido no auto de notícia, respeitante ao ponto 5.1.4 da LE.”
Conforme facto dado por assente, a sociedade arguida “Recebeu ASIC para realização da cobertura diária dos resíduos depositados no Aterro (nas quantidades de 3.055,88 t em 2016 e 321,48 t em 2017, até à data da ação de inspeção), não sendo tal utilização permitida pela citada Licença n.º ..., uma vez que não se encontra prevista na Norma Portuguesa EN 13242:2002+A1:2007 e não se lhe aplicam as disposições legais relativas à desclassificação de resíduos – vd. as pág. 15 a 17 e 23 do Relatório de Inspeção n.º ..., o ponto «5.1.4. Admissão de resíduos no aterro» da «Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro n.º ..., de 25 de setembro», o «Certificado de Controlo de Produção na Fábrica ...» e respetivo Anexo, a «Declaração de Conformidade CE» e a Ficha Técnica do ASIC”, tendo utilizado o mesmo nessa cobertura dos resíduos, como constatado pelos inspectores autuantes, pelo que a sua utilização não o era apenas para criação de acessos.
Improcede, pois e obviamente, esta questão.

6.ª questão: subsunção jurídica:
A conduta da sociedade arguida, espelhada na factualidade dada por assente integra, consequentemente, os elementos constitutivos dos tipos legais de contra-ordenação de:
- Incumprimento das condições impostas na sua LA n.º ..., de 12.06, p. e p. pelos art.os 111.º, 2 e), do Dec. Lei n.º 127/2013, de 30.08, e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08; e
- Incumprimento das condições impostas na sua Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro n.º ..., de 25.09, p. e p. pelos art.os 27.º, 2, e 48.º, 2 b), ambos do Dec. Lei n.º 183/2009, de 10.08 (revogado pelo Dec. Lei n.º 102-D/2020, de 10.12, que manteve esta infracção inalterada nos seus art.os 63.º e 117.º, 2 ppp), e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08; e
- Incumprimento das medidas impostas na DIA, p. e p. pelos art.os 18.º, 4, e 39.º, 1 e 3 c), ambos do Dec. Lei n.º 151-B/2013, de 31.10, e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08, todos sancionáveis a título de dolo, puníveis com uma moldura geral e abstracta de € 36.000 a € 216.000. - Porque tal circunstancialismo configura, apenas, uma alteração da qualificação jurídica, com relevo para a decisão da causa, uma vez que a factualidade objectiva objecto do processo / acusação se mantém nos seus precisos termos, foi comunicada a alteração à sociedade arguida (cfr. art.os 358.º, 1 ex vi 3, do CPP, 41.º, 1, do RGCO e 2.º, 1, da Lei quadro das Contra-ordenações ambientais), que arguiu estarmos perante uma alteração substancial dos factos, a que se opôs, requerendo prazo para a preparação defesa, que lhe foi concedido. Ora, mantendo-se a factualidade objectiva objecto do processo / acusação nos seus precisos termos, é apenas esse momento de vida que é objecto de análise, pelo que não conforma a subsunção dessa realidade à modalidade de culpa dolosa (que se extrai dessa factualidade objectiva) alteração substancial dos factos, mas tão só alteração da qualificação jurídica.

7.ª questão: determinação concreta da sanção.

Sobre a determinação da medida da coima estabelece o art.º 20.º da Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais, o seguinte:
“1. A determinação da medida da coima (…) faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto.
2. Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção.
3. ……………………………………………………………………………”

A gravidade das contra-ordenações é, ope legis, classificada de grave (numa graduação que vai desde a leve à muito grave (art.º 21.º referente), considerando os interesses ambientais e de saúde pública que visam preservar e as infracções detectadas lesaram;
A culpa é mediana: porquanto a conduta da sociedade arguida evidencia, pelo menos, dolo necessário – já que, no mínimo, representa a realização dos factos contra-ordenacionais como consequência necessária da sua conduta (cfr. art.º 14.º, 2, do Cód. Penal);
A situação económica da sociedade arguida afere-se em conformidade com o sector em que labora;
O benefício económico obtido com tais actos/omissões corresponde aos montantes que deixou de despender com o cumprimento da lei (condições fixadas na LA, procedimentos impostos na Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro e medidas impostas pela DIA), que, como bem se refere na decisão administrativa, não se mostra, nesta sede, passível de quantificar;
O desconhecimento de antecedentes contra-ordenacionais é valorado como atenuante;
A necessidade de prevenção geral é elevadíssima, de forma a fomentar o cumprimento da lei por parte de todos, pessoas singulares e colectivas, e a consciência cívica e a cultura de exigência imponham práticas de responsabilidade e rigor (que tendem a ser preteridas, em busca do almejado lucro), por forma a preservar um ambiente que se deseja saudável não só para a actual como também para as gerações vindouras.
Por tudo o exposto, julgam-se adequadas as coimas de € 39.000, € 38.000 e € 37.000, respectivamente (o art.º 75.º da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, e rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 70/2009, de 1 de Outubro – Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais – prescreve a inaplicabilidade da proibição de reformatio in pejus), fixando-se o cúmulo jurídico em € 45.000 (art.º 27.º do mesmo diploma legal).

- Relativamente à peticionada admoestação:
Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação” (art.º 51.º, 1, do RGCO ex vi do art.º 2.º, 1, da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, e rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 70/2009, de 01.10).
“Esta possibilidade de proferir admoestação está, assim, reservada para as contra-ordenações de reduzido grau de ilicitude, pelo que será de afastar aquelas a que são potencialmente aplicáveis sanções acessórias, nos termos dos arts. 21.º e 22.º.
Por outro lado, se houver uma qualificação legal de contra-ordenações em função da sua gravidade, deverão considerar-se de reduzida gravidade nos casos em que a lei as qualifique como leves ou simples, como sucede com os arts. 139.º do Cód. da Estrada e 23.º do RGIT.
A referência à culpa tem como objectivo aludir aos casos em que o grau de culpa seja reduzido, designadamente aqueles em que há actuação por negligência e outros em que haja circunstâncias que atenuem a culpa, particularmente a existência de circunstâncias externas que tenham constituído um incentivo para a prática dos factos ou que, à face da lei, permitam uma atenuação especial (como acontece com os casos previstos nos arts. 9.º, n.º 2, e 13.º, n.º 2, do RGCO)” MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA, in “Contra-ordenações – Anotações ao Regime Geral”, 6.ª Edição 2011, Colecção Direito, Áreas Editora, pág. 394.
Nesse mesmo sentido foi tal matéria definitivamente resolvida pelo Acórdão do STJ n.º 6/2018, publicado do DR Série I, de 14.11.2018, ao fixar a jurisprudência de que “a admoestação prevista no art.º 51.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, não é aplicável às contra-ordenações graves”, fundado, entre outros argumentos, no facto de “O legislador, ao classificar as contraordenações como graves, muito graves ou leves pretendeu assegurar o princípio da proporcionalidade entre as infrações e as sanções previstas. Este princípio não é assegurado sempre que atenta a gravidade da infração se decide pela aplicação de uma sanção que pressupõe a reduzida gravidade daquela. Pelo que, estando subjacente à admoestação uma menor ilicitude da conduta, somos forçados a considerar que esta sanção não poderá ser aplicada às contraordenações expressamente classificadas pelo legislador como sendo contraordenações graves atenta a “relevância dos direitos e interesses violados”.
Por um lado, às presentes contra-ordenações são aplicáveis sanções acessórias (art.os 30.º e segs. da lei quadro em análise).
Por outro lado, são graduadas como graves pelo diploma legal que as tipifica, o que prejudica a aplicabilidade de tal sanção.
Improcede, consequentemente, igualmente esta pretensão.
- Sobre a almejada atenuação especial da coima:
Prescreve o art.º 23.º-A do regime em análise que:
1 - Para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados e o cumprimento da norma, ordem ou mandado infringido;
b) Terem decorrido dois anos sobre a prática da contraordenação, mantendo o agente boa conduta.
3 - Só pode ser atendida uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo.”
Não vislumbramos in casu circunstâncias anteriores ou posteriores à prática das contra-ordenações, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude dos factos, a culpa do agente ou a necessidade da coima, sendo que, o decurso de dois anos sobre a prática das contra-ordenações, de per se, não é passível de preencher tais requisitos, não só porque tal não significa que a sociedade arguida tenha mantido boa conduta, como e sobretudo pela circunstância de até agora nunca ter a mesma expressado o mínimo de reconhecimento de conduta censurável, procurando por todos meios “passar entre os pingos da chuva sem se molhar”, numa manifestação de falta de capacidade de autocritica, pelo que inviabilizada se mostra/improcedendo esta faculdade.
*
V. DECISÃO:
Por tudo o exposto, julga-se improcedente, por não provido, o recurso, alterando-se a qualificação jurídica e condenando-se a sociedade arguida pela prática, em concurso efectivo, das contra-ordenações graves e dolosas de:
- Incumprimento das condições impostas na sua LA n.º ..., de 12.06, p. e p. pelos art.os 111.º, 2 e), do Dec. Lei n.º 127/2013, de 30.08, e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08; e
- Incumprimento das condições impostas na sua Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro n.º ..., de 25.09, p. e p. pelos art.os 27.º, 2, e 48.º, 2 b), ambos do Dec. Lei n.º 183/2009, de 10.08 (revogado pelo Dec. Lei n.º 102-D/2020, de 10.12, que manteve esta infracção inalterada nos seus art.os 63.º e 117.º, 2 ppp), e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08; e
- Incumprimento das medidas impostas na DIA, p. e p. pelos art.os 18.º, 4, e 39.º, 1 e 3 c), ambos do Dec. Lei n.º 151-B/2013, de 31.10, e 22.º, 3 b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28.08, nas coimas parcelares de:
- trinta e nove mil euros (€ 39.000);
- trinta e oito mil euros (€ 38.000);
e - trinta e sete mil euros (€ 37.000),
respectivamente,
e na coima única, do cúmulo jurídico, de quarenta e cinco mil euros (€ 45.000).
*
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (art.º 8.º, 9, e Tabela III do RCP).
*
Transitada a decisão, comunique-se à autoridade administrativa, enviando cópia da sentença para efeito de registo no cadastro nacional (cfr. art.os 62.º e segs. da Lei n.º 50/2006, de 29.08, alterada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, e rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 70/2009, de 1 de Outubro).
*
Deposite (art.os 372.º, 5, e 373.º, 2, ambos do CPP, ex vi art.os 41.º, 1, do RGCO) e notifique.”
*
Progredindo para a apreciação do recurso, passemos então a analisar as suscitadas e elencadas questões:

1ª Nulidade da sentença por violação do artº 359º do C.P.P. conjugado com o disposto no artº 379º, nº 1, al. b) do C.P.P. aplicável “ex vi” art.º 41º do RGCO falta de comunicação de alteração substancial de factos;

Como já se avançou, a recorrente entende que a decisão recorrida enferma de nulidades várias, de entre as quais, desde logo, a proveniente da comunicação efectuada pelo tribunal a quo nos termos do disposto nos arts. 358º, n.º1 ex vi n.º 3 do CPP, art. 41.º, n.º1 do RGCO e art. 2º, n.º1 da LQCA, de uma alteração da qualificação jurídica que desencadeou a imputação das contraordenações a título de dolo, em substituição da anterior imputação negligente, com consequente agravamento das molduras de coima aplicáveis; a alteração operada importa uma agravação dos limites sancionatórios - artigo 1.º alínea f) do Código de Processo Penal - pois teve por efeito uma agravação dos limites das sanções aplicáveis, passando estas a ter como limite mínimo o montante de €36.000,00 (quando antes era de €12.000,00) e como limite máximo o montante de €216.000,00 (quando antes era de €72.000,00).
O Ministério Público em 1ª instância argumenta que “no caso em apreciação o sentido da acusação mantém-se o mesmo, pois é o mesmo pedaço de vida que se discute. Sendo a acusação que define o objeto do processo e limita o objeto do julgamento, no caso em apreço, não há dúvida que os factos descritos na acusação e os factos apurados são os mesmos, e, deles apenas resulta a condenação da sociedade arguida pelas mesmas contra-ordenações por que vinha acusada, mas a título de dolo.
Contudo, a vinculação do tribunal, quer no que concerne aos factos descritos na acusação quer no que tange ao enquadramento jurídico dos mesmos ali operado, não é absoluta.
E não haja confusão com o teor do disposto na al. f) do art. 1.º do CPP em que se classifica como alteração substancial dos factos, em contraste com a alteração não substancial, aquela que envolva a imputação de crime diverso ou o agravamento da moldura penal.
Com efeito, para tal importa se verifique uma alteração de factos, pois, quando os factos se mantêm intocados, e apenas se procede a uma qualificação jurídica diversa da que constava da acusação, essa alteração é equiparada pelo legislador à alteração não substancial dos factos – n.º 3 do art. 358.º do CPP, como ademais ocorreu no caso “sub judicie”.
Assim, não tendo o tribunal procedido a nenhuma alteração dos factos que já constavam da acusação, tão só tendo divergido da acusação quanto à qualificação dos mesmos que à sociedade recorrente foram imputados a título de dolo, nenhum reparo merece o recurso ao mecanismo do art. 358.º, n.º 3, do CPP.”
Já neste tribunal superior o Ministério Público, dissentindo da posição adoptado pelo tribunal de 1ª instância e pelo Magistrado do Ministério Público desse Tribunal, defende que conquanto a factualidade objetiva se tenha mantido nos seus precisos termos, em razão da alteração da factualidade subjetiva não se pode afirmar que a operada alteração se reconduza apenas a uma alteração da qualificação jurídica.
Na verdade, acrescenta que o ilícito típico é constituído por elementos objetivos e subjetivos e a respetiva subsunção jurídica é realizada na consideração de uns e de outros.
A alteração da qualificação jurídica a que se reporta o artigo 358º nº 3 do Código de Processo Penal é apenas aquela que decorre de diferente qualificação jurídica dos factos tal qual os mesmos se encontram descritos na acusação ou na pronúncia. E não a que é decorrente de prévia alteração de factos objetivos ou subjetivos descritos na acusação ou na pronúncia.
In casu, na decisão da autoridade administrativa constava que a arguida “não agiu com a diligência necessária e de que era capaz, não resultando dos autos elementos que retirem ilicitude aos factos ou censurabilidade às suas condutas”. O tribunal recorrido alterou tal factualidade passando, em sua substituição, a constar que “A sociedade arguida agiu livre, voluntária e conscientemente; Representando a realização dos factos que preenchem os tipos de contraordenação como consequência necessária da sua conduta”.
Após o que e em correspondência, foi a arguida sancionada dentro da moldura prevista para aquelas contraordenações em caso de dolo. Nos termos do art. 9º, nº 1 da Lei Quadro das Contradordenações ambientais “As contraordenações são puníveis a título de dolo ou de negligência”, estabelecendo-se no art. 22º do mesmo diploma as respetivas molduras de coima, conforme a punição se faça a título de dolo ou de negligência.
Em suma, foi a alteração da factualidade subjetiva que determinou a alteração da qualificação jurídica e consequente alteração da moldura abstrata das coimas aplicáveis.
Para concluir que, constituindo tal procedimento uma alteração substancial dos factos – cf. art. 1º, alínea f) in fine do CPP, ex vi do art. 41.º do RGCO – impunha-se o cumprimento do disposto no art. 359º do CPP. Não o tendo sido, a sentença recorrida enferma da nulidade prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 379.º do CPP, impondo-se a remessa dos autos à 1.ª instância para efeitos de reabertura da audiência e cumprimento ao disposto no art. 359º do CPP.
Alinhadas estas posições entendemos ser de fazer a análise que a seguir se enuncia:
Como ficou visto, o tribunal recorrido consignou na sentença objeto de recurso, no tocante à fundamentação de facto, que a factualidade objetiva plasmada na decisão administrativa resultou sobejamente demonstrada também em audiência de julgamento, em função dos meios de prova que enuncia.
Porém, no que respeita aos elementos de facto subjetivos, entendeu na sobredita decisão recorrida que os perfilhados pela autoridade administrativa, em função da prova produzida, não traduzem a realidade fáctica referente, que se expressa antes, corretamente, nos seguintes factos provados:
- A sociedade arguida agiu livre, voluntária e conscientemente;
- Representando a realização dos factos que preenchem os tipos de contra-ordenação como consequência necessária da sua conduta.
E, para acautelar tal tomada de posição, após a realização da audiência de julgamento por despacho proferido em 13.12.2022, o tribunal recorrido enuncia os factos indiciariamente provados, os não provados, convicção, integração dos factos aos ilícitos contraordenacionais aí elencados e remata nos seguintes moldes:
Tal circunstancialismo configura, apenas, uma alteração da qualificação jurídica, com relevo para a decisão da causa, uma vez que a factualidade objectiva objecto do processo / acusação se mantém nos seus precisos termos, pelo que, nos termos dos art.os 358.º, 1 ex vi 3, do CPP, 41.º, 1, do RGCO e 2.º, 1, da Lei quadro das Contra-ordenações ambientais, se comunica a alteração à sociedade arguida, para que diga, em 5 dias, se pretende prazo para a preparação da defesa.”
A alteração comunicada mereceu oposição da arguida por entender estar-se perante uma alteração substancial dos factos.
Prosseguindo.
O direito processual penal é inquestionavelmente direito subsidiário para o regime geral das contraordenações.
E é sabido que aquele consagra uma disciplina rígida da alteração do objeto do processo.
Rememorando, nos termos do disposto no art. 379º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º.
Decorre do referido art. 358.º, nº 1, que se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
Ressalva-se, todavia, da necessidade de tal procedimento no caso da alteração ter derivado de factos alegados pela defesa (n.º 2, do mesmo artigo).
Mas há que referi-lo, o direito das contraordenações disciplina uma atividade de natureza sancionatória prosseguida pela Administração e, embora fazendo parte do direito sancionatório público e mantendo relações estreitas com o direito penal, aquele não se confunde com este, quer na sua dimensão substantiva, quer na componente processual que o integra, estando pois autonomizado em relação ao direito penal.
E, para o que agora se decide, António Leones Dantas in Direito Processual das Contraordenações, Almedina, Janeiro 2023, pág. 259 perfilha a posição de que “Ao contrário do Código de Processo Penal, o processo das contraordenações na fase do recurso de impugnação não tem um objeto definido e tendencialmente estabilizado como o processo penal após a acusação ou pronúncia.
Quando se fala em definição do objeto do processo fala-se na concretização de uma determinada dimensão factual do acontecimento histórico que lhe serve de objeto, dimensão factual que induz e decorre de uma determinada qualificação jurídica que nos diz quais os crimes – as infrações que são imputadas a um concreto arguido (…) a qualificação jurídica é o filtro à luz do qual se aprecia o relevo dos factos na sua dimensão jurídica.
E se bem que na fase administrativa do processo, quando a autoridade administrativa abre o processo ao contraditório nos termos do art. 50º do DL 433/82, de 27 de Outubro (RGCO) – que na sua actual redacção preceitua “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”- exige-se que o arguido tenha conhecimento das sanções correspondentes em abstracto à contraordenação que lhe seja imputada, tal não impede que se subsequentemente surgirem novos factos o arguido não tenha que ser advertido dos mesmos e da respectiva qualificação jurídica para sobre os mesmos organizar a sua defesa.
A antedita norma dá assim cumprimento ao comando do art. 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual, nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.
No mesmo sentido tem vindo a confluir a jurisprudência do Tribunal Constitucional, veja-se o Ac. nº 99/2009, onde se lê “a norma do artigo 32.º, n.º 10, da CRP – introduzida pela revisão constitucional de 1989 quanto aos processos de contraordenação e alargada pela revisão de 1997 a quaisquer processos sancionatórios – implica a inviabilidade constitucional da aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), reagindo contra uma acusação prévia, apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cfr. Ac. n.º 659/06 e Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 363)».
O que é necessário no processo de contraordenação é, ao fim e ao resto, garantir os direitos de audiência e defesa do arguido.
Mas ultrapassada essa fase, António Leones Dantas in ob. citada pag. 261 sublinha “A decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa e, muito menos o despacho proferido pelo Ministério Público, não são uma acusação em termos processuais penais, nem definem o objeto do processo de contraordenação no recurso de impugnação”, na senda aliás do que defende Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, U.C.E., 2011, pág. 274. “O tribunal procede a uma renovação da instancia com base na remessa dos autos e não a uma mera reforma da decisão administrativa recorrida, devendo, por isso, ter em conta toda a prova já produzida nos autos e a que vier a ser produzida em audiência de julgamento, bem como todos os factos que dela resultem, mesmo que não tenham sido incluídos na decisão administrativa recorrida ou não tenham sido invocados pela defesa”, Autor este que no entanto, assinala a falta de consenso jurisprudencial em tal matéria e ressalva que a alteração dos factos dificilmente poderá funcionar em sentido desfavorável ao arguido atenta a proibição da reformatio in pejus e a falta de competência contraordenacional primária do Ministério Público para conhecer de novas contraordenações.
Neste sentido, entre outros, os Acs. desta Relação do Porto, de 03.04.2002, Colectânea de Jurisprudência, 2002, tomo II, pág. 233, do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18.12.2002, Colectânea de Jurisprudência, 2002, tomo V, pág. 292 e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10.01.2007, Colectânea de Jurisprudência, 2007, tomo I pág. 37.
E prossegue António Dantas, “Deste modo, se no decurso da audiência surgirem novos elementos que induzam novas infrações, ou a alteração das inicialmente ponderadas, nomeadamente, no sentido do agravamento da responsabilidade do arguido, das duas uma: - se os factos integrativos dessas infracções têm autonomia, eles deverão ser documentados em acta e comunicados à autoridade administrativa para sobre eles proceder, se assim o entender, na linha da solução consagrada no nº 2 do art. 359º do CPP, se os factos não têm autonomia, haverá que dar ao arguido a possibilidade de sobre os mesmos se defender, podendo, nomeadamente indicar novos meios de prova cuja admissão o tribunal terá de ponderar, prosseguindo o processo os seus termos. Ou seja, quando os novos factos não têm autonomia, o processo prossegue com o conhecimento dos mesmos, aplicando-se o regime da alteração não substancial, consagrado no art. 358º do mesmo código.
Se tais factos vierem a ser dados como provados com reflexo direto nas sanções aplicáveis ao arguido, operará então o regime da proibição da reformatio in pejus como limite à alteração das sanções fixadas na decisão recorrida”.
Concluindo que o regime de alteração do objeto do processo no âmbito do processo das contraordenações não está integralmente sujeito à disciplina dos arts. 358º e 359º do CPP, posição que ainda assim não tem merecido unanimidade quer na doutrina quer na jurisprudência.
Mas mesmo adotando esta entendimento de que a especificidade do processo contraordenacional não permite aplicar, diretamente e em toda a sua extensão, o disposto nos artigos 379.º e 358.º do Código de Processo Penal, há inequivocamente consenso de que não pode haver condenação (decisão judicial) por factos diversos do que a arguida havia sido acusada (decisão administrativa), sem que à mesma tenha sido dada a oportunidade de sobre eles se pronunciar – cfr. Ac. desta Relação de 24.02.2021 in www.dgsi.pt.
Mas adiante e regressando ao caso que temos em mãos, em que se verificou uma indubitável alteração dos factos subjectivos – o tribunal recorrido alterou matéria de facto, de tal forma que criou um quadro factual novo que desencadeia a imputação a título de dolo, em substituição da anterior imputação negligente, com consequente agravamento da moldura da coima aplicável - tem de se começar por observar que mal se compreendem as afirmações de que estamos perante uma “simples alteração da qualificação jurídica dos factos” que “é o mesmo pedaço de vida que se discute” e que “os factos descritos na acusação e os factos apurados são os mesmos”, “não tendo o tribunal procedido a nenhuma alteração dos factos que já constavam da acusação”, como argumenta o Ministério Publico em 1ª instância, pois como justamente observa a Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal da Relação, o ilícito típico é constituído por elementos objetivos e subjetivos e conquanto a factualidade objetiva se tenha mantido nos seus precisos termos, em razão da alteração da factualidade subjetiva não se pode afirmar que a operada alteração se reconduza apenas a uma alteração da qualificação jurídica.
Ora como se viu, o tribunal recorrido não foi tão longe, mas ainda assim entendeu que a alteração da tipicidade subjetiva não incorpora uma alteração substancial dos factos, asseverando “Tal circunstancialismo configura, apenas, uma alteração da qualificação jurídica, com relevo para a decisão da causa, uma vez que a factualidade objectiva objecto do processo / acusação se mantém nos seus precisos termos, pelo que, nos termos dos art.os 358.º, 1 ex vi 3, do CPP, 41.º, 1, do RGCO e 2.º, 1, da Lei quadro das Contra-ordenações ambientais, se comunica a alteração à sociedade arguida(…)
É um dado incontroverso, repete-se, que no caso ocorreu uma alteração provocada ao nível do acervo factual no domínio da conformação do elemento subjetivo da contraordenação, transmudado por intermédio do aditamento de factos novos, de negligente em doloso. E, apesar de se tratar da mesma contraordenação, foi operada uma alteração da respetiva imputação subjetiva - de negligente em dolosa -, que passou pela comunicação de novos factos - não constavam da decisão administrativa -, os quais vieram a integrar a sentença, conformando, dessa forma, o elemento subjetivo da contraordenação, dando origem à agravação da moldura da coima.
Agravamento esse, que de resto, face à linear leitura do art. 75º (e não 27º como por lapso se refere no Parecer) da Lei Quadro da Contra-Ordenações Ambientais - Lei nº 50/2006 de 29 de agosto, sempre seria permitido por ali expressamente se prever que “não é aplicável aos processos de contraordenação instaurados e decididos nos termos desta lei a proibição de reformatio in pejus, devendo essa informação constar de todas as decisões finais que admitam impugnação ou recurso.”, mas que de todo modo, adianta-se, pode permitir a condenação sem cumprimento do legal formalismo que impera neste domínio, pois uma alteração dos factos subjectivos sempre redundará numa alteração substancial dos factos.
Efectivamente, não podemos deixar de concluir que estamos em presença de uma alteração que consubstancia “alteração substancial dos factos” – cfr. art 1º, alínea f) in fine do CPP (aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis), ex vi do art. 41º do RGCO e art. 2º, nº 1 da Lei nº 50/2006 de 29 de agosto, não se compadecendo com a comunicação de uma alteração de natureza não substancial, conforme foi, pelo tribunal a quo, transmitida à arguida.
A introdução desse facto, relativo ao preenchimento do tipo subjetivo constitui por isso, neste caso uma inadmissível alteração substancial, não consentida nos termos e para efeitos do art. 359º do CPP.
E não é despiciendo lembrar que os requisitos que enformam a decisão administrativa (art. 58º, nº1 do RGCO, a “decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas”), visam, precisamente, a salvaguarda da possibilidade de exercício efectivo dos direitos de defesa do arguido, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão - cfr. vide Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 2.ª edição de Janeiro de 2003, Vislis Editores, pág. 334. Neste domínio voltamos a memorar que no processo de contraordenação é necessário garantir os direitos de audiência e defesa do arguido.
Numa apreciação sobre a intervenção do mencionado art. 50º do RGCO refere Gomes Dias (Breves Reflexões sobre o Processo de contraordenação, Revista do Ministério Público, Ano 5º, Vol.2) “principio do contraditório e a contraditoriedade estão subjacentes ao normativo do art. 50º da lei-quadro e pode mesmo dizer-se que constituem a trave mestra de qualquer procedimento sancionador”, pelo que “o desrespeito ou simples compressão dos direitos de audiência e de defesa constituem nulidades insupríveis que afectam a validade do processo e inviabilizam a aplicação correcta de qualquer sanção.
Donde, a permitir-se a alteração da imputação subjetiva nos moldes levados a cabo pelo tribunal a quo, isso significaria que os direitos de defesa da arguida estariam incontornavelmente comprometidos.
É que bem vistas as coisas, temos para nós que lançar mão do critério sugerido por António Dantas, descortinando se estamos perante factos novos autonomizáveis (aqueles que constituem um quadro fáctico completamente distinto do que consta da acusação) ou não autonomizáveis, sendo que estes não são passiveis de se desligar daqueloutros que já constituem o objeto do processo, ou que não podem por si só serem suscetíveis de fundamentar uma incriminação autónoma, em face do objeto do processo – cfr. Alteração Substancial dos Factos em Processo Penal Cruz Bucho, Revista Julgar nº 9, pág. 52, não é suficiente, tão pouco acautela o fundamental direito de defesa (recorde-se que aquele defende que quando os novos factos não têm autonomia, o processo prossegue com o conhecimento dos mesmos, aplicando-se o regime da alteração não substancial, consagrado no art. 358º do mesmo código).
Na verdade, os factos em presença não podem constituir objeto de novo processo, pois não são destacáveis, ou não são cindíveis face ao núcleo essencial. Tal como se lê neste último artigo citado sobre a alteração dos factos em processo penal citado, são exemplo de factos não autonomizáveis – os que importarem uma alteração do título subjectivo da responsabilidade (ex. no julgamento de arguido acusado de um homicídio negligente conhecem-se factos que permitem concluir pela actuação dolosa do agente).
Todavia, porque se trata inequivocamente de uma alteração de fundo - factos novos não autonomizáveis - não podem ser tomados em conta pelo tribunal para o efeito da condenação no processo em curso. Com efeito, face ao novo regime legal saído da reforma de 2007 os novos factos não podem ser tomados em conta para o efeito da condenação, nem a alteração implica a extinção da instância. Quer isto dizer que o processo prosseguirá os seus termos com os factos anteriores ignorando o tribunal os factos novos e terminará necessariamente por uma sentença de mérito.
Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal pág. 839, neste conspecto salientou “O tribunal deve prosseguir o julgamento sem poder valorar os factos novos intimamente relacionados com os da acusação e da pronúncia, sendo esta omissão de conhecimento imputável ao acusador que não diligenciou por uma instrução cabal dos factos imputados”.
Transpondo tais regras para o processo contraordenacional, atenta a regra da subsidiariedade e face à aproximação crescente ou importação para este das soluções do direito penal (sobretudo na vertente adjetiva, através de um reforço do garantismo), não vemos como não possa ter aplicação a mesma disciplina normativa, não podendo a arguida sofrer as consequências de uma eventual deficiente investigação por parte da autoridade administrativa.
Em conformidade, quer pela via da aplicação subsidiária de disposições de processo penal vigentes em fase de julgamento e sentença, nomeadamente arts. 358.º, 359.º e 379.º do CPP, quer pelo princípio constitucional do direito de defesa em processo contraordenacional – art. 32º nº 10 da CRP e interpretado o art. 58º do RGCO no sentido de que a aplicação de qualquer sanção a um arguido apenas se pode verificar em relação a factos relativamente aos quais lhe tenha sido concedida a possibilidade de se defender, não pode deixar de concluir que ao tribunal a quo estava vedada a condenação nos moldes em que o fez.
Por outras palavras, mesmo tendo em conta a autonomia e as especificidades do processo contraordenacional, já que contrariamente ao que sucede com o direito adjetivo criminal, a decisão administrativa se assume, invariavelmente, como “provisória” – pois que a sua subsistência fica condicionada à existência de impugnação judicial – e que o recurso envolve “a transferência da questão do domínio da administração para o juiz”, não pode justificar um conhecimento com esta amplitude das infrações imputadas à arguida. E perante eventuais insuficiências factuais ou instrutórias da decisão administrativa, tem o tribunal que respeitar os direitos de defesa do arguido, até porque aquele apenas intervém se houver uma impugnação judicial - já que se formalmente a promoção cabe ao Ministério Público (art 62º do RGCO), materialmente resulta da iniciativa do arguido, quando impugna a decisão administrativa (artigo 59.º do RGCO).
Em consonância, a fase judicial do processo contraordenacional constitui uma dimensão essencial do direito de defesa do arguido neste tipo de processo, e é conformada por aquela dupla intencionalidade que funda o regime processual penal da alteração substancial dos factos: a tutela do acusatório e a garantia do direito de defesa do arguido.
Aqui chegados só resta, pois, decidir no sentido da nulidade da sentença decorrente da condenação por factos diversos dos descritos na decisão administrativa, no caso sem que haja sido observado o disposto no art. 359º do CPP, posto que de alteração substancial, na forma sobredita, se trata – art 379º, nº 1, alínea b) do CPP – vide neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no Proc. n.º 299/14.5TAFIG.C1, de 06.05.2015 acessível in www.dgsi.pt.
Invalidade, essa, que em consequência determina a remessa dos autos ao tribunal de 1.ª instância, onde, procedendo-se à reabertura da audiência de julgamento, deverá ser dado cumprimento ao disposto no art. 359º do CPP.

3. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em conceder provimento ao recurso, declarando nula a sentença recorrida por violação do art. 379º, nº 1, alínea b) do CPP, e em consequência determinar a remessa dos autos à 1.ª instância, onde, procedendo-se à reabertura da audiência, deverá ser dado cumprimento ao disposto no art. 359º do CPP.

Não há lugar a tributação.

Notifique.

(Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).

Porto, 03 de maio de 2023
Cláudia Rodrigues
João Pedro Pereira Cardoso
Raúl Cordeiro