Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
256/19.5T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DEVER DE OBEDIÊNCIA
LIMITES
REGRAS DE SEGURANÇA
DELEGADO SINDICAL
DESPEDIMENTO ARBITRÁRIO
Nº do Documento: RP20200427256/19.5T8VFR.P1
Data do Acordão: 04/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE, ALTERADA A SENTNÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O dever de obediência representa o corolário mais significativo da subordinação jurídica, assumindo-se, como posição passiva do poder de direcção atribuído ao empregador.
II – Constituem limites ao dever de obediência: (i) as ordens ou instruções do empregador que desrespeitem o contrato de trabalho, por incumprimento de normas legais; (ii) a limitação contratual do dever de obediência; (iii) os parâmetros impostos pela boa-fé; (iv) a observância às regras de saúde e segurança do trabalho; (v) a autonomia técnica e deontológica do trabalhador e (vi) a não exigibilidade do dever de obediência na suspensão e na não prestação de trabalho.
III – Os trabalhadores, e seus representantes, têm o direito a serem consultados pelo empregador sobre regras de segurança e de saúde a implementar nos locais de trabalho, incluindo sobre a escolha do equipamento de protecção individual adequado.
IV – O incumprimento do direito de consulta, sobre a alteração do equipamento de protecção a usar no local de trabalho, legitima a desobediência de trabalhador, delegado sindical.
V – O empregador, no exercício do seu poder disciplinar, deve ter um critério uniforme, por respeito aos princípios da igualdade e da coerência disciplinar, sob pena das suas decisões poderem ser arbitrárias, por incompatíveis com os princípios da igualdade e da boa fé nas relações laborais.
VI – É ilícito o despedimento de trabalhador, delegado sindical, quando demonstrada actuação discriminatória por parte do empregador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 256/2019.5T8VFR.P1
Origem: Comarca Aveiro- SMFeira-Juízo Trabalho J2.
Relator - Domingos Morais – Registo 866
Adjuntos – Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
1.B… apresentou o formulário a que reportam os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo de Trabalho (CPT), na Comarca Aveiro-SMFeira-Juízo Trabalho-J2.
C…, Lda, frustrada a conciliação na audiência de partes, apresentou o articulado motivador do despedimento com justa causa, alegando, em resumo, que:
O trabalhador foi admitido no dia 9.11.1987 e tem a categoria e funções de Operador de Armazém de 1ª – fls. 55 do PD.
O trabalhador é delegado sindical.
Por comunicação interna de 23.10.2018 a empregadora determinou o uso obrigatório de calçado de segurança, que disponibilizou, aos colaboradores do armazém, entre outros, o trabalhador incluído, a partir de 1.11.2018 (fls. 28 do PD).
O trabalhador tomou conhecimento dessa comunicação da empregadora (fls. 30 do PD) e recusou-se desde o início a usar o calçado de segurança nos termos da obrigatoriedade determinada pela empregadora.
O trabalhador foi de imediato chamado à atenção, pela empregadora, para a sua obrigação de usar o calçado de segurança (fls. 31 do PD), continuando a recusar-se a cumprir a ordem dada.
Ao fim de vários dias de alertas verbais e de tentativas de demover o trabalhador a usar o calçado de segurança, no dia 12.11.2018 a empregadora entregou ao trabalhador uma carta a reiterar a obrigatoriedade de uso do calçado de segurança e a comunicar que não era admitido a prestar trabalho sem cumprir essa ordem e que era considerado em faltas injustificadas e em desobediência, nos termos legais, enquanto persistisse nessa recusa (fls. 36 do PD).
Nesse dia o trabalhador manteve a sua recusa de usar o calçado de segurança e como tal não foi admitido a trabalhar.
A mesma situação repetiu-se nos dias 13, 14, 15, 16, 19, 20 e 21 de novembro, tendo sido entregue ao trabalhador uma carta do mesmo teor e tendo o trabalhador mantido a recusa de usar o calçado de segurança, com o consequente não trabalho e falta injustificada do trabalhador, em cada dia – fls. 37 a 54 do PD.
O trabalhador é o único trabalhador que não cumpre a ordem e não tem justificação atendível para o não fazer.
A postura do trabalhador, além de desobediência e de falta ao trabalho por não cumprir a ordem que lhe foi dada, constitui uma indisciplina e uma afronta ao poder de direção da empresa, que não pode admitir, sob pena de não existirem condições de trabalho.
A postura do trabalhador, reiterada e sucessiva, apesar dos avisos que lhe foram dados, denota que é uma posição pensada e definitiva, de recusa de cumprimento, pelo que não é possível a manutenção do seu contrato de trabalho.
Violou assim o trabalhador o dever de obediência, o dever de assiduidade, o dever de zelo e de diligência e de boa colaboração, previstos no artigo 128º do Código do Trabalho, tornando impossível a subsistência do seu contrato de trabalho, pelo que incorreu em justa causa de despedimento, nos termos do artigo 351º, nº 1 e nº 2, a), d), g) e h), do Código do Trabalho.
Terminou, concluindo: “deve a ação improceder e o despedimento do trabalhador ser considerado regular e lícito”.
2. - Notificado, o autor apresentou contestação/reconvenção, impugnando, na quase totalidade, os factos alegados pela ré, e pedindo:
I) Requer-se ao Tribunal que declare a ilicitude do despedimento do A., bem como a natureza abusiva desta sanção, atentas as razões alegadas neste articulado.
II) Julgar-se procedente a matéria da reconvenção, e consequentemente:
a) Em consequência da ilicitude do despedimento, e da natureza abusiva desta sanção, deverá a R. ser condenada a reintegrar efectivamente o A. ao seu serviço, com total respeito pela sua categoria profissional, retribuição, funções e antiguidade, ou, em alternativa, a pagar ao A. uma indemnização calculada nos termos do nº3 do artigo 392 do CT. (art. 331/3 do CT), isto é, uma indemnização a determinar pelo tribunal entre 30 a 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, se por ela vier a optar.
b) Ser a R. condenada a pagar a sanção pecuniária compulsória de €500 (quinhentos euros) por cada dia que se verificar de atraso na reintegração efectiva do A., sendo metade desse valor para o A. e a parte restante para o Estado.
c) Ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia de 1004,73€ (mil e quatro euros e setenta e três cêntimos), a título de retribuição vencida nos trinta dias que precederam a propositura da ação, bem como a pagar ao A. todas as prestações retributivas, entre elas o salário, o subsídio de alimentação, o bónus incentivo, o prémio de assiduidade e o subsídio de turno, que se vencerem até à data do trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
d) Ser a R. condenada a pagar os juros de mora que, à taxa legal, se vencerem desde a data da citação até à data do integral pagamento de todas as quantias pedidas.”.
3. – A ré respondeu, concluindo como no articulado motivador.
4. - No despacho saneador, a Mma Juiz admitiu a reconvenção deduzida pelo autor; identificou o objecto do litígio e fixou o valor da acção.
5. – Realizada a audiência de discussão e julgamento, a Mma Juiz proferiu decisão:
Face ao exposto, vistas as normas legais aplicáveis, decide-se:
a)- Julgar a acção de impugnação do despedimento procedente e, em consequência, declarar a ilicitude do despedimento de que B… foi alvo por parte de “C…, Ldª”;
b) Condenar a R. no pagamento ao A. de uma indemnização correspondente a 30 dias de remuneração base (€710,48) por cada ano de antiguidade ou fracção de antiguidade, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido desde 09.11.1987 até à data do trânsito em julgado da presente decisão, indemnização essa que ascende já na presente data à quantia de €22.084,08 (vinte e dois mil e oitenta e quatro euros e oito cêntimos).
c)- Condenar a Ré a pagar ao A. as retribuições que deixou de auferir desde 18.01.2019 e até ao trânsito em julgado da presente decisão que declarou a ilicitude do despedimento, no valor mensal de €710,48.
d)- Às quantias supra acrescem juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento e até integral pagamento.
Custas por A. e R., na proporção do decaímento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
Fixo à ação, nos termos do artigo 98º-P, do CPT, o valor de €22.084,08.”.
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7. - Após a apresentação do recurso, a ré requereu:
EXMA SENHORA JUIZ DE DIREITO
C…, Lda,
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8. – O autor respondeu:
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9. - O autor contra-alegou ao recurso da ré, concluindo:
1) O ponto 12 dos factos provados
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Nestes termos e nos melhores de direito deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.”.
10. – A Mma Juiz proferiu despacho:
“Por legal, tempestivo, interposto por quem para tal tem legitimidade e contendo a alegação da recorrente, admito o recurso interposto pela Ré/entidade patronal, a fls. 214 e ss, da sentença proferida em 13.11.2019, a fls. 191 a 213, o qual é de apelação, com subida nos próprios autos, nos termos dos artigos 79º, a), 79º-A, nº1, 80º, 81º, 82º e 83º-A, nº1, todos do CPT, na redação da Lei nº107/2019, de 09.09, já aqui aplicável por força do seu artigo 5º, nº3.
(…).
Quanto ao documento cuja junção foi requerida pela Ré em 06.12.2019 e documentos juntos pelo A., em resposta ao mesmo, por requerimento datado de 19.12.2019:
Pese embora dirigido à signatária, a Ré vem requerer a junção do documento, nomeadamente “para atendibilidade, no julgamento de recurso”.
Resulta do próprio documento e do carimbo nele aposto, que o mesmo foi recepcionado pela Ré em data posterior à da apresentação do requerimento de interposição de recurso.
Como tal, entendo ser de admitir, ao abrigo do disposto nos artigos 425º e 651º, nº1, do CPC, aqui subsidiariamente aplicáveis, por força do disposto no artigo 87º, nº1, do Código de Processo de Trabalho, o documento junto pela Ré e os documentos juntos pelo A. em resposta.
Mais determino se oficie ao ISS, nos termos a que alude o artigo 445, nº1, do CPC, no sentido de informar acerca do “tipo” de reforma atribuída ao A. (cuja identificação completa deve ser fornecida) e momento a partir da qual a mesma lhe é devida.”.
11. – O Centro Distrital de Aveiro do ISS emitiu a informação de que o autor passou a receber a pensão por velhice, a partir de 13.11.2019.
12. - O M. Público, junto deste Tribunal, pronunciou-se pela improcedência do recurso de apelação da ré.
13. - Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 657.º, n.º 2, do CPC.
Cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“Estão provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
(DA MOTIVAÇÃO)
1º- O trabalhador foi despedido na sequência do processo disciplinar junto.
2º- O trabalhador foi admitido no dia 9.11.1987 e tem a categoria e funções de Operador de Armazém de 1ª.
3º- O trabalhador é delegado sindical.
4º- Por comunicação interna de 23.10.2018 a empregadora determinou o uso obrigatório de calçado de segurança, que disponibilizou, aos colaboradores do armazém, entre outros, o trabalhador incluído, a partir de 1.11.2018.
5º- O trabalhador tomou conhecimento dessa comunicação da empregadora e recusou-se desde o início a usar o calçado de segurança nos termos da obrigatoriedade determinada pela empregadora.
6º- O trabalhador foi de imediato chamado à atenção, pela empregadora, para a sua obrigação de usar o calçado de segurança, continuando a recusar-se a cumprir a ordem dada.
7º- No dia 12.11.2018 a empregadora entregou ao trabalhador uma carta a reiterar a obrigatoriedade de uso do calçado de segurança e a comunicar que não era admitido a prestar trabalho sem cumprir essa ordem e que era considerado em faltas injustificadas e em desobediência, nos termos legais, enquanto persistisse nessa recusa.
8º- Nesse dia o trabalhador manteve a sua recusa de usar o calçado de segurança e como tal não foi admitido a trabalhar.
9º- A mesma situação repetiu-se nos dias 13, 14, 15, 16, 19, 20 e 21 de novembro, tendo sido entregue ao trabalhador uma carta do mesmo teor e tendo o trabalhador mantido a recusa de usar o calçado de segurança, com o consequente não trabalho e falta injustificada do trabalhador, em cada dia.
10º- O trabalhador é o único trabalhador do armazém de produto acabado que não cumpre a ordem.
11º- Toda esta situação é do conhecimento da generalidade dos trabalhadores da empresa.
12º- O delegado sindical tem a obrigação de dar o exemplo do cumprimento e da boa colaboração. – Eliminado, nos termos infra consignados.
13º- A implementação desta medida e os respetivos motivos foram explicados ao Sindicato do Calçado a que o trabalhador pertence, por escrito e em reunião havida na empresa no dia 12.11.2018, em que o trabalhador participou, tendo sido prestadas as informações e entregues os documentos solicitados, designadamente a matriz de avaliação dos riscos, e o trabalhador sensibilizado para dar cumprimento ao uso do calçado de segurança.
14º- O Sindicato promoveu um plenário de trabalhadores, na empresa, em que o trabalhador participou, mantendo sempre a sua recusa de cumprir a medida determinada pela empregadora.
15º- O uso do calçado de segurança foi implementado pelo serviço interno de segurança no trabalho da R. relativamente aos setores/áreas constantes da comunicação interna de fls. 28 do PD [armazéns, manutenção, sala de PU, moldes e formas, área de limpeza dos bicos de injeção, área de halogenação, round table (springers) e … e … (técnicos de montagem)], na sequência da avaliação de riscos profissionais a que procede periodicamente.
16º- O posto de trabalho do trabalhador, no armazém de produtos acabados e na movimentação de cargas, com equipamentos mecânicos (porta-paletes e stackers), tem o risco de queda de objetos/cargas/materiais sobre os pés, de esmagamento, de contusões e de atropelamento.
17º- O trabalhador manuseava paletes de 20 kgs de peso médio e o equipamento mecânico normalmente utilizado, o porta-paletes, pesava no mínimo 100 kgs, sendo que o stacker (porta-paletes de grandes dimensões) é ainda mais pesado e maior, podendo chegar a uma tonelada. – Desconsiderados os pontos 15.º, 16.º e 17.º, nos termos infra consignados.
18º- A medida de uso de calçado de segurança mereceu a concordância do serviço interno de saúde no trabalho da R. (3 médicos do trabalho).
19º- O Catim-Centro de Apoio Tecnológico à Indústria Metalomecânica, criado pelo DL 249/86, que acompanha a empresa na procura das melhores soluções de segurança no trabalho, validou a escolha do calçado de segurança da R.
20º- A empregadora colocou à disposição do trabalhador vários modelos de sapatos para ele escolher (pelo menos 2) e usar o que servisse e se adaptasse melhor, mas o trabalhador mostrou-se irredutível na sua posição de recusa de utilizar o calçado de segurança. – Desconsiderado, nos termos infra consignados.
21º- Na decisão do processo disciplinar, a Ré referiu o seguinte: Remetemo-nos para a factualidade descrita, que consideramos assente e que permite concluir que o procedimento do trabalhador é inadmissível e que não tem condições para continuar ao serviço, quebrando por completo a possibilidade de subsistência do seu contrato de trabalho.
O trabalhador recusa-se a usar o calçado de segurança, alegando que a ordem é irracional e sem sentido e não lhe deve obediência. Mais alega que a avaliação de riscos não esclarece a necessidade de uso do calçado e que o calçado envolve o risco de lesões músculo esqueléticas e desgaste acrescido nas articulações.
Não tem razão. A ordem dada pela empregadora é legítima e constitui uma medida correta na melhoria das condições de segurança no trabalho dos seus trabalhadores, nomeadamente os do armazém, como é o caso do trabalhador.
O delegado sindical tem a obrigação de dar o exemplo do cumprimento e da boa colaboração.
A implementação desta medida e os respetivos motivos foram explicados ao Sindicato do Calçado a que o trabalhador pertence, por escrito e em reunião havida na empresa no dia 12.11.2018, em que o trabalhador participou, tendo sido prestadas as informações e entregues os documentos solicitados e o trabalhador sensibilizado para dar cumprimento ao uso do calçado de segurança. O Sindicato promoveu um plenário de trabalhadores, na empresa, em que o trabalhador participou, mantendo sempre a sua recusa de cumprir a medida determinada pela empregadora.
A postura do trabalhador, além de desobediência e de falta ao trabalho por não cumprir a ordem que lhe foi dada, constitui uma indisciplina e uma afronta ao poder de direção da empresa, que não pode admitir, sob pena de não existirem condições de trabalho.
A postura do trabalhador reiterada e sucessiva, apesar dos avisos que lhe foram dados, denota que é uma posição pensada e definitiva, de recusa de cumprimento, pelo que não é possível a manutenção do seu contrato de trabalho.
Violou assim o trabalhador o dever de obediência, o dever de assiduidade, o dever de zelo e de diligência e de boa colaboração, previstos no artigo 128º do Código do Trabalho, tornando impossível a subsistência do seu contrato de trabalho, pelo que incorreu em justa causa de despedimento, nos termos do artigo 351º, nº 1 e nº 2, a), d), g) e h), do Código do Trabalho.
22º- Aquando da cessação do contrato de trabalho foram pagos ao A. os valores que constam do recibo junto a fls. 75 do PD, num total líquido de €2.507,35.
(DA CONTESTAÇÃO):
23º- O A. trabalhava na fábrica de calçado da R., situada na Rua …, nº…, em …, desde 09.11.1987.
24º- O A. é delegado sindical do Sindicato Nacional dos Profissionais da Indústria e Comércio do Calçado, Malas e Afins.
25º- O A. tem a categoria profissional de “Operador de armazém de 1”.
26º- Até 1991 o A. desempenhou as funções de cortador de peles.
27º- A partir de 1991, o A. passou a trabalhar exclusivamente no Armazém de Produtos Acabados da fábrica de calçado da R.
28º- A fábrica de calçado da R. tem dois armazéns, totalmente autónomos e independentes um do outro, a que correspondem diversos postos de trabalho e funções profissionais: o Armazém de Matérias-Primas e o Armazém de Produtos Acabados.
29º- O Armazém de Produtos Acabados é um espaço onde é armazenado o calçado que é fabricado na fábrica de calçado da R. e que se destina a ser enviado para os clientes da R.
30º- Após os sapatos estarem acabados e embalados em caixas de cartão, são encaminhados para o armazém de produto acabado utilizando um porta paletes.
31º- Neste armazém, as caixas colocadas em paletes são cintadas sendo emitida a respetiva tarifa para posteriormente serem expedidos.
32º- O A. nunca exerceu qualquer função no armazém de matérias primas.
33º- Desde 1991, o A. executa diariamente as seguintes funções: - desloca-se do armazém de produtos acabados para a secção de acabamento da fábrica da R., puxando um porta-paletes;
- encaixa os garfos do porta-paletes numa palete com caixas individuais de cartão com calçado acabado;
- retorna ao Armazém de Produtos Acabados puxando o porta-paletes;
- faz a leitura dos códigos de barras das várias caixas de calçado que estão na palete;
- utilizando o porta-paletes, coloca a palete na máquina de embalar e carrega no botão que inicia o funcionamento desta máquina;
- espera que a máquina faça automaticamente o embalamento da palete;
- uma vez embalada a palete, volta a puxar o porta-paletes até à zona do onde as paletes são colocadas e aí descarrega a palete utilizando o porta-paletes;
- e, depois, regressa à secção do acabamento para trazer uma outra palete.
34º- O A. executa este conjunto de funções durante 8 horas por dia, de segunda a sexta-feira, no horário das 06h00 às 14h00.
35º- Na execução destas funções, o A. percorre em cada um dos dias de trabalho entre 8 a 10 km, no interior da fábrica da R.
36º- A maior parte do seu tempo de trabalho diário, é ocupada a puxar o porta-paletes, fazendo o percurso de ida e volta entre o Armazém de Produtos Acabados e a secção de Acabamento da fábrica de calçado da R.
37º- Ao efetuar este percurso, puxando o porta-paletes, o A. cruza-se diariamente com centenas de trabalhadores da R., que não estão obrigados a usar qualquer calçado de segurança, entre eles os trabalhadores das linhas de acabamento.
38º- Quer o A., quer o sindicato a que pertence, reagiram imediatamente a essa ordem, através de documentos escritos.
39º- Nesse momento, o A. manifestou à R. que não tinha conhecimento do relatório de análise dos postos de trabalho, nem do levantamento dos respetivos riscos, nem o equipamento de segurança adequado aos postos de trabalho.
40º- A obrigatoriedade do uso de calçado de segurança não consta de qualquer regulamento interno da R..
41º- O uso de calçado de segurança não foi contratualizado entre o A. e a R. 42º- A R. nunca perguntou ao A. se ele achava necessário o uso do calçado de segurança. 43º- A Matriz de Avaliação de Risco do posto de trabalho do A., que foi dada a conhecer ao A. apresenta como - perigos potenciais: o contacto com as partes móveis do equipamento; e o impacto por ou contra objetos; - e como descrição de perigo: atropelamento/choque contra trabalhadores; lesões provocadas pela queda de materiais.
44º- O equipamento que o A. utiliza, a maior parte do tempo, para desempenhar as suas funções é o porta-paletes.
45º- E o principal contacto que o A. tem com as partes móveis desse equipamento (porta paletes) é com as mãos.
46º- Para o deslocar, o A. coloca-se na frente do porta-paletes e puxa-o com uma das suas mãos, agarrando a pega metálica do porta-paletes.
48º- Pode suceder, durante o percurso entre a secção de embalamento e o armazém de produtos acabados, quando o trabalhador está a curvar o porta-paletes este embater num obstáculo e algumas caixas de sapatos, aquelas que estão mais altas, tombarem lateralmente para o chão.
49º- Nestes casos, o trabalhador vai à frente a puxar a palete e, por isso, não é atingido pela queda das caixas, feitas de cartão, com um par de sapatos dentro, cujo peso não é adequado a molestar ninguém.
50º- O A. desempenha as referidas funções há 28 anos e nunca foi atingido por qualquer caixa de sapatos que caísse da palete.
51º- Os trabalhadores da secção de acabamento são aqueles que estão mais expostos à queda das caixas de sapatos, porque é a estes trabalhadores que compete a função de embalar o calçado e empilhá-lo nas paletes e porque, por regra, são os trabalhadores desta secção que se cruzam com os porta-paletes que transportam as caixas de calçado.
52º- Os trabalhadores da secção de acabamento não estão obrigados a usarem calçado de segurança.
53º- Por regra, os trabalhadores com quem o A. se cruza enquanto conduz o porta-paletes, e que correm risco de ser atropelados ou embatidos por este, são, entre outros, os trabalhadores da secção do acabamento,
54º- Há 28 anos que o A. executa as referidas funções diariamente e nunca usou calçado de segurança.
55º- O exercício dessas funções nunca lhe provocou qualquer lesão nos pés, designadamente em consequência de um acidente de trabalho.
56º- Nem o A., nem os trabalhadores que trabalham no armazém de produtos acabados da R., têm conhecimento de que outros trabalhadores, que executam ou tenham executado as mesmas funções, tenham sofrido qualquer lesão nos pés por causa do exercício das referidas funções, designadamente em consequência de um acidente de trabalho.
57º- A utilização de calçado de segurança, por ser mais pesado, por ser feito por materiais mais duros, por ser mais fechado e quente, do que o restante calçado, faz com que o esforço físico despendido pelo trabalhador seja maior.
58º- O A. reclamou que lhe fosse facultado calçado leve, confortável, ventilado, ergonómico, mas o seu pedido foi negado pela empresa.
59º- O A. e alguns os seus colegas de trabalho do armazém de produtos acabados, que exercem as mesmas funções que ele, são contrários à referida ordem, porque consideram que não existe qualquer relação entre a prevenção dos riscos próprios do exercício das suas funções e a necessidade de utilização do calçado de segurança.
60º- Os colegas de trabalho do A., que trabalham no armazém de produtos acabados, decidiram cumpri-la porque temiam a reação disciplinar da empresa.
61º- O A. nunca admitiu a hipótese de experimentar qualquer calçado de segurança que lhe foi disponibilizado pela R.
62º- Só em relação ao A., e por ele ser delegado sindical, é que foi dado relevo disciplinar ao não uso do calçado de segurança.
63º- Vários trabalhadores não usam o calçado de segurança em muitas situações, durante vários dias seguidos, trabalhadores que estão abrangidas pelo conteúdo da ordem de serviço da R., designadamente trabalhadores do armazém de matérias-primas e da manutenção, que constam identificados de uma lista elaborada pela delegação sindical da empresa, referida no artigo 122º da contestação, que aqui se considera reproduzido, com identificação dos nomes dos colaboradores em causa e dias em que tal sucedeu, e não sofreram qualquer reparo disciplinar por isso.
64º- O A. era considerado um profissional experiente, conhecedor das suas funções profissionais e da organização produtiva do armazém de produtos acabados da fábrica de calçado da R., que trabalhava com perfeição e atingia os níveis de produtividade exigidos pela R.
65º- O A. recebia mensalmente ao serviço da R. com base num salário no valor de 710,84€, ao qual acrescia um subsídio de alimentação no valor diário de 4,77€ (a que corresponde uma média mensal de 105,60€), um bónus incentivo no valor semanal de 24,94€ (a que corresponde uma média mensal de 99,76€), um prémio de assiduidade no valor mensal de 30€ e um subsídio de turno mensal de 58,53€.
Mais se provou que:
66º - A decisão de despedimento foi comunicada ao A. por carta registada com A/R, assinado em 18.01.2019.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa, designadamente não se provou que:
- O Catim acompanha a empresa de forma trimestral.
- O trabalhador encontra-se a trabalhar por conta própria ou para outrem, auferindo uma remuneração substitutiva equivalente da que auferia na R., desde que cessou o contrato com a empregadora.
- O trabalhador recebe o subsídio de desemprego.
- Inicialmente, quando teve conhecimento da ordem de obrigatoriedade do uso de calçado de segurança, o A. não recusou de imediato o seu cumprimento.
- Foi só depois de ter tomado conhecimento na matriz de avaliação de risco do seu posto de trabalho, que o A. recusou o cumprimento de tal ordem.
- A R. não explicou ao A. por que razão é que ele teria de usar o calçado de segurança, não disse ao A. qual era o risco que ele estava a correr se não utilizasse o calçado de segurança e que seria eliminado com o uso de tal calçado.
- Não existe qualquer relação entre a prevenção dos riscos próprios da execução das funções do A. e a necessidade de utilização de calçado de segurança.
- O único equipamento que o A. utiliza para desempenhar as suas funções é o porta-paletes.
- A Ré nunca auscultou o A. acerca da identificação dos riscos próprios do exercício das suas funções, nem nunca recolheu a opinião do A. acerca da definição das medidas adequadas à ultrapassagem de tais riscos, nem em relação à identificação do equipamento de segurança adequado à neutralização de tais riscos.
- O único impacto que o A. pode ter contra objetos, enquanto executa as suas funções, é feito com o porta-paletes e não com os pés.
- O verdadeiro risco decorrente do desempenho das funções do A. consiste na possibilidade de contração de lesões musculo-esqueléticas para o A., relacionadas com os cerca de 8 km que o A. tem de percorrer diariamente, o que, naturalmente, implica um esforço e um desgaste acrescido das articulações dos membros inferiores (ancas, joelhos, tornozelos, tendão de Aquiles e pés).
- Os colegas do A. cumprem a ordem sob protesto.
- Na reunião ocorrida em 12.11.2018, nada foi explicado e a empresa limitou-se a tecer umas considerações gerais e a transmitir que a decisão estava tomada e que não iria ser alterada.
- O Sr. Diretor-Geral da R. teve um comportamento radical, tendo inclusivamente dito ao A., de forma prepotente, que não era o “Grupo C…” que queria que o A. utilizasse o calçado de segurança, mas que era ele (Diretor-Geral) quem queria, e que o A. teria de lhe obedecer.
- E o Sr. Diretor-Geral da R. ainda acrescentou que esta situação seria tratada em Tribunal, querendo com isto dizer que o A. seria despedido pela R..
- O A. não quis experimentar o calçado de segurança porque entendeu que, se o tivesse feito, isso poderia ser considerado pela R. como um reconhecimento da legitimidade da referida ordem e, consequentemente, um reconhecimento da necessidade de usar aquele tipo de calçado.
- A utilização de calçado de segurança aumenta o risco de doenças musculares esqueléticas.
- A prevenção destas lesões só é possível com a utilização de calçado leve, confortável, ventilado e ergonómico.
III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente, supra transcritas.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2. - Objecto do recurso:
- Da licitude do despedimento do autor, por violação do dever de obediência.
- Da dedução do subsídio de desemprego.
3. – Questões prévias:
- Da junção e admissão de documentos, após prolação da sentença final.
- Do erro de julgamento/conclusivo do ponto 62.º dos factos provados.
3.1.Da junção e admissão de documentos, após prolação da sentença final.
Como consta do Relatório supra, em 06.12.2019, a ré juntou documento do Instituto de Segurança Social relativo à passagem do autor à situação de pensionista.
O autor respondeu e juntou dois documentos reportados à mesma questão, constando num deles - do Centro Distrital de Aveiro do ISS - que a pensão antecipada do autor passou a ser devida a partir de 13.11.2019.
Tais documentos foram admitidos pela Mma Juiz, nos termos do despacho supra transcrito, sem qualquer oposição das partes.
Deste modo, nada mais a determinar sobre a junção e admissão de tais documentos.
3.2. - Do erro de julgamento/conclusivo do ponto 62.º dos factos provados.
3.2.1. - No corpo das alegações de recurso, a recorrente alegou:
"6º Aduz finalmente a decisão recorrida que o A. merecia contemplação por ter cerca de 30 anos de empresa e por causa da dualidade de critérios da R. para com outros trabalhadores, que adotaram o mesmo comportamento do A. perante a mesma ordem e não a cumpriram e a R. aceitou que o não fizessem (pg. 38).
Como já se sublinhou supra, há aqui um erro flagrante na apreciação dos factos, pois por um lado não se provou que outros trabalhadores tivessem adotado o mesmo comportamento do A. de oposição frontal e ab initio à ordem, e por outro lado não se provou que a listagem do facto 63º (incumprimentos de outros trabalhadores) fosse do conhecimento da R., nomeadamente do superior com competência disciplinar, desde logo pelo simples e basilar facto de que tal não foi alegado nem provado. E muito menos se alegou e provou que a R. tivesse aceite que outros trabalhadores não cumprissem a ordem e nada tivesse feito, como surpreendentemente se afirmou na pg. 36 da sentença, ao fundo. Se a R. tivesse conhecimento dessa lista, tê-la-ia sindicado, no momento próprio, podendo até concluir-se que nem era verdadeira. Nada, nem ninguém, afirmou que a R. (ou o titular do poder disciplinar, que também ninguém identificou) tinha conhecimento de incumprimentos à ordem e que não tivesse agido. E presumir ou achar que fosse do conhecimento da R. (como referiu D… – pg. 23 da sentença) ou que devia ter visto (como sugere E… – pg. 26 da sentença) nada vale.
Aliás, face a este erro de julgamento, de a julgadora a quo considerar infundamentadamente que a R. tinha conhecimento de incumprimentos de outros trabalhadores, e ao que é dito nas pgs. 36 («... a R. não teve a mesma atitude com outros trabalhadores que também não cumprem essa concreta medida, continuando a aceitar que vários trabalhadores, igualmente abrangidos por aquela medida, prestem as suas funções sem utilizarem o calçado de segurança, sem que tal despolete qualquer reação por parte da R. e muito menos disciplinar, como sucedeu com o aqui A. e que só pode atribuir-se ao facto de o mesmo ser dirigente sindical») e 37 («esta dualidade de critérios, à míngua de outra explicação plausível, aponta no sentido de que o comportamento do A. só assumiu relevância disciplinar … porque o mesmo era dirigente sindical»), pode-se concluir que o facto 62º, conclusivo, é errado e deve ser considerado não escrito.".
3.2.2. - No despacho de motivação da decisão de facto consta, além do mais:
“Do depoimento da testemunha D…, dirigente sindical na C…, extrai-se, desde logo, que a Ré não envolveu as estruturas sindicais da empresa no processo de avaliação dos riscos e implementação de medidas tendentes a evitá-los, pois que ressalta do seu depoimento que o sindicato foi confrontado com a comunicação da medida, como um facto consumado e desacompanhado de qualquer processo informativo ou consultivo.
A empresa comunicou que determinados departamentos iam ter de usar calçado de segurança obrigatoriamente. A informação constante de fls. 52 verso foi colocada no placar da empresa, afirmando claramente que não tinham sido consultados para isso.
Depois de terem conhecimento da ordem, falaram em várias reuniões sobre isso, tendo a R. entregue as fichas de avaliação de risco, apenas porque foram pedidas, em data que não conseguiu ao certo precisar. Houve descontentamento dos trabalhadores, designadamente no setor onde trabalhava o A., e na reunião do dia 12.11. pediram para que os trabalhadores fossem ouvidos e que fossem ver se era mesmo necessário usar o calçado de segurança, que era mais pesado, tendo questionado qual era o risco que pretendiam evitar com a utilização do calçado.
Afirmou ainda com segurança que, é do seu conhecimento, pelas funções sindicais e por terem feito esse levantamento de situações, há trabalhadores da Ré, ainda hoje, que não usam o calçado de segurança e que também estavam abrangidos pela ordem comunicada a fls. 52 verso, o que é do conhecimento da Ré (como não podia deixar de ser), como acontece com os técnicos de montagem e com os ajudantes, e nada lhes acontece, não tendo sido impedidos de trabalhar, razão pela qual considera que o A. foi despedido pelo facto de ser delegado sindical. E de facto, a prova testemunhal a este propósito inquirida não deixa margem para quaisquer dúvidas: há trabalhadores da Ré que estão abrangidos pela referida ordem comunicada a fls. 52 verso, que não utilizam o calçado de segurança, não tendo sido impedidos de trabalhar pela Ré, como sucedeu com o A. (único trabalhador em relação ao qual a Ré tomou, e de imediato, essa atitude extrema de recusar a sua prestação de trabalho, considerando-o em faltas injustificadas), nem lhes foi instaurado qualquer processo disciplinar, apresentando-se esta diferença de tratamento entre trabalhadores sem qualquer justificação razoável, que a Ré nem sequer se esforçou por dar."
Sem o afirmar explicitamente (o que, de acordo com as regras da boa pratica processual, deveria ter feito), pode subentender-se que a recorrente impugnou o ponto 62.º da matéria de facto.
Deste modo, para que dúvidas não restem, assim será apreciado.
3.2.3. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do CPC, dispõe:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”.
Em comentário ao citado artigo, António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126, 127 e 129, escreve que “(…) O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos (…); (…), pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1.ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos regras muito precisas (…)”, acrescentado ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.
A jurisprudência do STJ, quanto ao ónus que recai sobre o recorrente que pretenda ver impugnada a matéria de facto, defende que se exige do recorrente que dê cumprimento ao ónus de alegação, devendo obrigatoriamente especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Quer isto dizer que recai sobre a parte recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.
[Cf., também, sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém actual].
No acórdão do STJ, de 09.07.2015, in www.dgsi.pt, foi escrito:
“Como também se teve já a ocasião de observar (cfr. “Notas sobre o novo regime dos recursos no Código de Processo Civil”, in O Novo Processo Civil, Contributos da doutrina para a compreensão do novo Código de Processo Civil, caderno I, Centro de Estudos Judiciários, Dezembro de 2013, pág. 395 e segs)., a reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis, aliás modificado significativamente pouco tempo antes, pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto; mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República, de cuja aprovação veio a resultar o actual Código de Processo Civil, disponível em www.parlamento.pt.
Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 640.º vigente:
- Manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),
- Manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b),
- Exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto.”.
No caso em apreço, e como supra transcrito, em relação ao ponto 62.º dos factos provados, a recorrente limitou-se a dizer que “pode-se concluir que o facto 62º, conclusivo, é errado e deve ser considerado não escrito.".
Ora, mesmo que se considerasse que a recorrente cumpriu com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º (limitou-se a referir o nome de duas testemunhas no contexto do ponto 63.º dos factos provados), incumpriu, claramente, com o determinado no seu n.º 2, alínea a), ou seja, não indicou “com exactidão as passagens da gravação” em que funda a sua impugnação, nem, pelo menos, procedeu “à respectiva transcrição dos excertos” que considerasse relevantes.
A impugnação com base em erro na avaliação da prova testemunhal deve ser feita tendo em conta os depoimentos concretamente prestados, com indicação do tempo da gravação correspondente ao início e termo dos excertos dos depoimentos, e não com base naquilo que o juiz entendeu ser de consignar, designadamente por palavras suas, na fundamentação da decisão da matéria de facto, considerações estas que correspondem à percepção ou àquilo que o juiz entendeu ser de retirar da prova, não constituindo, porém, a prova em si e não dispensando a sua indicação nos termos do citado artigo 640.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a).
Deste modo, é de rejeitar a impugnação do ponto 62.º dos factos provados.
3.2.4. – No mais, tal facto não tem natureza conclusiva, pois, reportando à intenção da ré, a mesma situa-se no campo dos factos internos ou do foro interno, da vida psíquica.
(cf. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra Editora, pág. 194 e Antunes Varela, J. Miguel Beleza e Sampaio e Nora, Direito Processual Civil, 1984, Coimbra Editora, pág. 391 a 393).
3.2.5. – Por último, e sem prejuízo do acima referido, sempre se dirá que a prova por presunção judicial (cf. artigo 351.º Cód. Civil) é um meio lícito de prova, sendo que a recorrente não invoca qualquer prova concreta [e, assim também, não cumprindo, designadamente, o artigo 640.º, nºs 1, al. b) e 2, al. a)] que contrarie a prova, por presunção, do ponto 62.º, extraída quer do que consta do ponto 63.º dos factos provados, quer do depoimento da testemunha D….
3.2.6. - Por conclusivo, é eliminado o ponto 12 dos factos provados.
4. - Da licitude do despedimento do autor, por violação do dever de obediência.
4.1. - No âmbito do seu poder disciplinar (cf. artigo 98.º do CT), a ré imputou ao autor, na nota de culpa, a violação dos deveres de obediência, assiduidade, zelo, diligência e boa colaboração, e enquadrou a sanção disciplinar de despedimento aplicada, na previsão do artigo 351.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), d), g) e h) do CT.
Em sede de recurso, a recorrente cinge o âmbito do mesmo às alíneas a) e h) do n.º 2 do artigo 351.º do CT – cf. cláusula 39.ª das conclusões de recurso.
4.2. - Atento o disposto no artigo 353.º, n.º 1, do Código do Trabalho (CT), “No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.”. (negrito nosso)
A nota de culpa é a peça essencial do procedimento disciplinar laboral, porque é ela que delimita o âmbito fáctico de apreciação do comportamento do trabalhador, já que, conforme dispõe o artigo 357.º, n.º 4, segmento final, do CT, “não podem ser invocados factos não constantes da nota de culpa” para culpabilizar o trabalhador.
E conforme estatui o artigo 387.º, n.º 3, do CT, “Na acção de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.”.
Assim, a lei exige que a nota de culpa delimite os comportamentos censuráveis ao trabalhador, passíveis de serem reapreciados em juízo, quanto à sua gravidade e alcance. E, consequentemente, se entre os tipos de sanção, o despedimento constitui a censura mais adequada.
Ora, do teor da nota de culpa não consta a factualidade descrita nos pontos 15, 16, 17 e 20 dos factos provados, razão pela qual não serão considerados na apreciação e decisão sobre a questão da alegada licitude do despedimento do autor.
4.3. - Do dever de obediência.
4.3.1. - O dever de obediência está previsto no artigo 128.º, n.º 1, alínea e), nos seguintes termos: “o trabalhador deve: e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;”.
O dever de obediência é o contraponto do poder de direcção do empregador, isto é, o poder que tem de fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem (cf. artigo 97.º do CT).
O dever de obediência representa o corolário mais significativo da subordinação jurídica, assumindo-se, como posição passiva do poder de direcção atribuído ao empregador. O poder de direcção é susceptível de desdobramento num: (i) poder determinativo da função; (ii) poder confirmativo da prestação; (iii) poder regulamentar e poder disciplinar - cf. Monteiro Fernandes, em "Direito do Trabalho", 12.ª edição, págs. 250 e segs..
Na separata do BMJ, de 1979, pág. 221, sob o título, Poder disciplinar, José António Mesquita escreveu “Que o poder directivo tem sido definido como a faculdade de determinar as regras, de carácter prevalentemente técnico-organizativo, que o trabalhador deve observar no cumprimento da prestação ou, mais precisamente, o meio pelo qual o empresário dá uma destinação concreta à energia do trabalho (física e intelectual) que o trabalhador se obrigou a pôr e manter à disposição da entidade patronal (...)”.
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho – Parte II Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, Almedina, 2010, p. 415, “em termos extensivos, este dever envolve o cumprimento das ordens e instruções do empregador «respeitantes à execução ou disciplina no trabalho (…)”, pelo que “o trabalhador deve obediência não apenas às directrizes do empregador sobre o modo de desenvolvimento da sua actividade laboral (ou seja, o poder directivo), mas também às directrizes emanadas do poder disciplinar prescritivo, em matéria de organização da empresa, de comportamento no seu seio, de segurança, higiene e saúde no trabalho, ou outras”.
No entanto, o dever de obediência do trabalhador não é absoluto, é circunscrito por limites que definem o campo da sua exigibilidade. A imposição de limites ao dever de obediência tem como fulcro evitar o cumprimento de alguma ordem ou instrução ilegítima do empregador, passível até mesmo de ocasionar danos.
Deste modo, o tema dos limites ao dever de obediência relaciona-se directamente com a desobediência legítima do trabalhador, uma vez que, ultrapassados os seus contornos, aquele dever torna-se inexigível, sendo legítima a recusa do trabalhador ao seu cumprimento.
A citada alínea e) do n.º 1 do artigo 128.º do CT, limita-se a exonerar o trabalhador do seu dever de obediência quando o comando do empregador for contrário aos seus direitos ou garantias. Assim, muito embora seja correta a assertiva de que os direitos e garantias do trabalhador constituem limites gerais ao seu dever de obediência – cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p. 437 -, pode-se extrair do ordenamento jurídico português outros contornos ao referido dever. É incontestável, em razão da disposição normativa expressa, que os direitos e garantias do trabalhador servem como baliza à exigibilidade de cumprimento de ordens ou instruções. Tal previsão não poderia se dar de modo diverso, em razão do intrínseco envolvimento da pessoa do trabalhador no vínculo laboral, envolvimento este, que demanda a observância de seus direitos e garantias.
Encontrando fundamento no contrato de trabalho, o dever de obediência limita-se pelo seu objecto. Consequentemente, as ordens da entidade empregadora precisam ser obedecidas se estiverem dentro dos limites do contrato, e as ordens ou instruções que desrespeitem o contrato de trabalho serão ilegítimas e inexigíveis. Em virtude de o dever de obediência limitar-se segundo os contornos do contrato laboral, pode-se extrair algumas consequências.
Uma delas é que eventuais modificações na prestação laboral devem seguir as imposições legais, sob pena de serem ilegítimas e exonerar-se o trabalhador da sua observância.
Outra consequência é que como as partes poderão estipular algumas determinações do contrato laboral, as mesmas poderão, por acordo, limitar ainda mais o dever de obediência.
Constituem, ainda, limites ao dever de obediência: os parâmetros impostos pela boa-fé - cf. artigo 126º do CT -; a observância às regras de saúde e segurança do trabalho; a autonomia técnica e deontológica do trabalhador e a não exigibilidade do dever de obediência na suspensão e na não prestação de trabalho – cf. artigo 295.º, n.º 1, do CT -.
4.3.2. - À data dos factos, o autor, além de trabalhador da ré, era delegado sindical, do Sindicato Nacional dos Profissionais da Indústria e Comércio do Calçado, Malas e Afins - cf. pontos 3.º e 24.º dos factos provados.
Nos termos do artigo 460.º - Direito a actividade sindical na empresa – “Os trabalhadores e os sindicatos têm direito a desenvolver actividade sindical na empresa, nomeadamente através de delegados sindicais, comissões sindicais e comissões intersindicais.”.
Por sua vez, o artigo 466.º - Informação e consulta de delegado sindical – prescreve:
1 - O delegado sindical tem direito a informação e consulta sobre as seguintes matérias, além de outras referidas na lei ou em convenção colectiva:
a) Evolução recente e provável evolução futura da actividade da empresa ou do estabelecimento e da sua situação económica;
b) Situação, estrutura e provável evolução do emprego na empresa ou no estabelecimento e eventuais medidas preventivas, nomeadamente quando se preveja a diminuição do número de trabalhadores;
c) Decisão susceptível de desencadear mudança substancial na organização do trabalho ou nos contratos de trabalho.
2 - É aplicável à informação e consulta de delegados sindicais o disposto nos n.ºs 1, 2, 4, 5, 6 e 7 do artigo 427.º”.
E o artigo 427.º - Exercício do direito a informação e consulta – estatui nos seus n.ºs 4 e 7:
4 - No caso de consulta, o empregador solicita por escrito o parecer da comissão de trabalhadores, que deve ser emitido no prazo de 10 dias a contar da recepção do pedido, ou em prazo superior que seja concedido atendendo à extensão ou complexidade da matéria.
7 - Quando esteja em causa decisão por parte do empregador no exercício de poderes de direcção e organização decorrentes do contrato de trabalho, o procedimento de informação e consulta deve ser conduzido por ambas as partes no sentido de alcançar, sempre que possível, o consenso.”. (negrito nosso)
Por outro lado, o artigo 18.º - Consulta dos trabalhadores – da Lei n.º 102/2009, de 10.09, alterado pela Lei n.º 3/2014, de 28.01, dispõe:
1 - O empregador, com vista à obtenção de parecer, deve consultar por escrito e, pelo menos, uma vez por ano, previamente ou em tempo útil, os representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde ou, na sua falta, os próprios trabalhadores sobre:
a) A avaliação dos riscos para a segurança e a saúde no trabalho, incluindo os respeitantes aos grupos de trabalhadores sujeitos a riscos especiais;
b) As medidas de segurança e saúde antes de serem postas em prática ou, logo que possível, em caso de aplicação urgente das mesmas;
c) As medidas que, pelo seu impacte nas tecnologias e nas funções, tenham repercussão sobre a segurança e saúde no trabalho;
d) O programa e a organização da formação no domínio da segurança e saúde no trabalho;
e) A designação do representante do empregador que acompanha a atividade da modalidade de serviço adotada;
f) A designação e a exoneração dos trabalhadores que desempenham funções específicas nos domínios da segurança e saúde no local de trabalho;
g) A designação dos trabalhadores responsáveis pela aplicação das medidas previstas no n.º 9 do artigo 15.º;
h) A modalidade de serviços a adotar, bem como o recurso a serviços externos à empresa e a técnicos qualificados para assegurar a realização de todas ou parte das atividades de segurança e de saúde no trabalho, nos termos do n.º 2 do artigo 74.º;
i) O equipamento de proteção que seja necessário utilizar;
j) Os riscos para a segurança e saúde, bem como as medidas de proteção e de prevenção e a forma como se aplicam, quer em relação à atividade desenvolvida quer em relação à empresa, estabelecimento ou serviço;
l) A lista anual dos acidentes de trabalho mortais e dos que ocasionem incapacidade para o trabalho superior a três dias úteis, elaborada até ao termo do prazo para entrega do relatório único relativo à informação sobre a atividade social da empresa;
m) Os relatórios dos acidentes de trabalho referidos na alínea anterior.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, deve ser facultado o acesso às informações técnicas objeto de registo e aos dados médicos coletivos, não individualizados, assim como às informações técnicas provenientes de serviços de inspeção e outros organismos competentes no domínio da segurança e da saúde no trabalho.
3 - O parecer previsto no n.º 1 deve ser emitido no prazo de 15 dias a contar da data do pedido de consulta, podendo o empregador fixar prazo superior atendendo à extensão ou complexidade das matérias.
4 - A não aceitação do parecer previsto no n.º 1 quanto às matérias referidas nas alíneas e), f), g) e h) do mesmo número deve ser fundamentada por escrito.
5 - Decorrido o prazo referido no n.º 3 sem que o parecer tenha sido entregue ao empregador, considera-se satisfeita a exigência de consulta.
6 - As consultas, respetivas respostas e propostas previstas nos n.ºs 1 e 4 devem constar de registo em livro próprio organizado pela empresa, nomeadamente em suporte informático.
7 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o trabalhador e os seus representantes para a segurança e a saúde podem, a todo o tempo, apresentar propostas de modo a minimizar qualquer risco profissional.
8 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1.
9 - Constitui contraordenação leve a violação do disposto nos n.os 2, 4 e 6.”. (negritos nossos).
Sobre esta matéria, do articulado motivador está provado o seguinte:
“4º- Por comunicação interna de 23.10.2018 a empregadora determinou o uso obrigatório de calçado de segurança, que disponibilizou, aos colaboradores do armazém, entre outros, o trabalhador incluído, a partir de 1.11.2018.
13º- A implementação desta medida e os respetivos motivos foram explicados ao Sindicato do Calçado a que o trabalhador pertence, por escrito e em reunião havida na empresa no dia 12.11.2018, em que o trabalhador participou, tendo sido prestadas as informações e entregues os documentos solicitados, designadamente a matriz de avaliação dos riscos, e o trabalhador sensibilizado para dar cumprimento ao uso do calçado de segurança.
14º- O Sindicato promoveu um plenário de trabalhadores, na empresa, em que o trabalhador participou, mantendo sempre a sua recusa de cumprir a medida determinada pela empregadora.”.
Daqui resulta que a ré, primeiro, decidiu pelo uso obrigatório de calçado de segurança, e, só depois, é que explicou ao “Sindicato do Calçado” os respectivos motivos e a implementação da medida determinada.
Por outro lado, a ré não alegou, nem provou, como lhe competia, nem consta da nota de culpa, qual o teor da resposta do “Sindicato do Calçado”, mormente, qual o seu entendimento sobre o tipo de equipamento de protecção determinado pela ré – cf. pontos 3, 4 e 6, do citado artigo 18.º da Lei n.º 102/2009, de 10.09 -.
E o teor dessa resposta era essencial para se poder avaliar do comportamento do autor em todo este contexto, dado que ele participou em todo este processo, quer na sua qualidade de trabalhador, quer na de delegado sindical.
Além disso, da contestação está provado o seguinte:
38º- Quer o A., quer o sindicato a que pertence, reagiram imediatamente a essa ordem, através de documentos escritos.
39º- Nesse momento, o A. manifestou à R. que não tinha conhecimento do relatório de análise dos postos de trabalho, nem do levantamento dos respetivos riscos, nem o equipamento de segurança adequado aos postos de trabalho.
40º- A obrigatoriedade do uso de calçado de segurança não consta de qualquer regulamento interno da R..
41º- O uso de calçado de segurança não foi contratualizado entre o A. e a R.
42º- A R. nunca perguntou ao A. se ele achava necessário o uso do calçado de segurança.”. (negrito nosso).
Ora, o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 348/93, de 1 de Outubro - que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 89/656/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamento de protecção individual no trabalho – determina:
Os trabalhadores, assim como os seus representantes, devem ser consultados sobre a escolha do equipamento de protecção individual.” (negrito nosso)
A lei é, pois, clara ao estabelecer o direito dos trabalhadores, e seus representantes, a serem consultados sobre regras de segurança e de saúde a implementar nos locais de trabalho, incluindo sobre a escolha do equipamento de protecção individual adequado.
E essa consulta deve ser prévia a qualquer decisão do empregador, pois, só poderá haver o consenso previsto no citado artigo 427.º, n.º 7 do CT, antes de qualquer decisão, como é da mais elementar evidência.
Ora, a ré não alegou, nem provou, ter consultado os seus trabalhadores, bem como os seus representantes, em particular o autor (facto que não consta da nota de culpa), sobre a escolha do equipamento de protecção individual a usar nas suas instalações, sendo certo, no entanto, que “O A. reclamou que lhe fosse facultado calçado leve, confortável, ventilado, ergonómico, mas o seu pedido foi negado pela empresa” – cf. facto 58.º dos provados.
Essa reclamação do autor estava conforme ao estatuído no citado artigo 427.º, n.º 7, do CT, supra transcrito, isto é, o alcançar do consenso sobre o uso do calçado mais adequado às funções que ele exercia.
E estando provado que “A R. nunca perguntou ao A. se ele achava necessário o uso do calçado de segurança.” – cf. ponto 42º dos factos provados – incumpriu com o disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 348/93, de 1 de Outubro, bem como do artigo 18.º da Lei n.º 102/2009, de 10.09.
Tanto mais que está provado que “A utilização de calçado de segurança, por ser mais pesado, por ser feito por materiais mais duros, por ser mais fechado e quente, do que o restante calçado, faz com que o esforço físico despendido pelo trabalhador seja maior” – cf. ponto 57.º dos factos provados.
O incumprimento, por parte da ré, de legislação expressa relativa à utilização, pelos seus trabalhadores, de equipamento de protecção individual no trabalho, legitimou o comportamento do autor: a recusa em usar o calçado de segurança imposto pela ré.
Dito de outro modo: a ilegitimidade da ordem da ré, entendida no sentido do incumprimento de legislação expressa sobre regras relativas ao equipamento de protecção que fosse adequado utilizar, tornou inexigível a obediência do autor, ou seja, tornou legítima a recusa do autor relativa ao uso do calçado de segurança imposto pela ré, o qual obrigava a um maior esforço físico dos trabalhadores, incluindo o autor.
Além disso, está ainda provado que:
32º- O A. nunca exerceu qualquer função no armazém de matérias primas.
52º- Os trabalhadores da secção de acabamento não estão obrigados a usarem calçado de segurança.
62º- Só em relação ao A., e por ele ser delegado sindical, é que foi dado relevo disciplinar ao não uso do calçado de segurança.
63º- Vários trabalhadores não usam o calçado de segurança em muitas situações, durante vários dias seguidos, trabalhadores que estão abrangidas pelo conteúdo da ordem de serviço da R., designadamente trabalhadores do armazém de matérias-primas e da manutenção, que constam identificados de uma lista elaborada pela delegação sindical da empresa, referida no artigo 122º da contestação, que aqui se considera reproduzido, com identificação dos nomes dos colaboradores em causa e dias em que tal sucedeu, e não sofreram qualquer reparo disciplinar por isso.”
Resulta, pois, desta factualidade um comportamento disciplinar discricionário, não compatível com os princípios da igualdade e da boa fé nas relações laborais, expressos no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 126.º do CT e subjacentes no artigo 381.º, alíneas a) do CT.
O empregador, no exercício do seu poder disciplinar, deve ter um critério uniforme, por respeito aos princípios da igualdade e da coerência disciplinar, sob pena das suas decisões poderem ser arbitrárias.
Isto não significa que ele não possa aplicar sanções diferentes, se diferente for a culpabilidade imputada a dois ou mais trabalhadores pela prática da mesma infracção, atento o princípio da personalidade das sanções.
No entanto, o princípio da igualdade “veda situações de incoerência disciplinar”, mas, sobretudo, impede que o empregador tome medidas disciplinares discriminatórias.
(Cf. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, pág. 757).
Na conclusão 36.ª do recurso, a ré alega que “não se provou que a listagem do facto 63º (incumprimentos de outros trabalhadores) fosse do conhecimento da R., nomeadamente do superior com competência disciplinar, desde logo pelo simples e basilar facto de que tal não foi alegado nem provado”.
Ora, estando provado no ponto 63.º dos factos provados (não impugnado pela recorrente), que “Vários trabalhadores não usam o calçado de segurança em muitas situações, durante vários dias seguidos, trabalhadores que estão abrangidas pelo conteúdo da ordem de serviço da R.”, impõe-se perguntar por que é que o superior hierárquico do autor não reportou esse incumprimento à Administração da ré, e reportou apenas o dele (autor)?
A resposta cabe à ré empregadora.
Na verdade, no âmbito de uma relação laboral, não cabe ao trabalhador sindicar a competência ou a incompetência de um seu superior hierárquico no desempenho das suas próprias funções. Essa tarefa cabe ao empregador, no exercício dos seus poderes de fiscalização e disciplinar.
Assim, ao autor cabia apenas alegar e provar que no seio da empresa recorrente existiu uma actuação discriminatória em relação a ele. E essa prova o autor fê-la, como supra referido.
O contexto factual e doutrinário supra exposto, também permite concluir que não se verifica a previsão da alínea h) do n.º 2 do artigo 351.º do CT.
Em síntese: pelos fundamentos expostos, o despedimento aplicado ao autor é ilícito, pelo que improcedendo o recurso da ré/recorrente, confirma-se, nesta parte, a sentença recorrida, embora por fundamentos não totalmente coincidentes.
5.Da dedução do subsídio de desemprego e cálculo das retribuições intercalares.
5.1. - A recorrente alega – cláusulas 44.ª e 45.ª das conclusões de recurso – que a sentença não fez constar na condenação a dedução do subsídio de desemprego, nos termos da alínea c) do nº 2 do art.º 390.º do CT, com o argumento de que se não apurou que o autor tivesse recebido subsídio de desemprego.
Neste particular, a sentença recorrida consignou:
“(…). Não se apurou que o A. recebeu subsídio de desemprego ou outras importâncias que não receberia se não fosse o despedimento.
Assim, tem o A. direito às retribuições que deixou de auferir, no valor mensal de €710,48, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, não havendo que deduzir qualquer retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, já que a mesma foi proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento.”
Sobre a questão em causa, temos decidido em casos similares, isto é, quando os autos não fornecem qualquer elemento sobre o recebimento, ou não, pelo trabalhador do subsídio de desemprego, relegar para liquidação o cálculo da compensação prevista no artigo 390.º do CT, dado que, estando o empregador obrigado a entregar essa quantia à segurança social, tal dedução é considerada imperativa e oficiosa.
Assim, atento o disposto no artigo 609.º, n.º 2 do CPC, relega-se para liquidação o cálculo da compensação prevista no artigo 390.º do CT.
E os juros de mora devidos sobre as retribuições intercalares serão calculados a partir do trânsito em julgado da decisão a proferir no incidente de liquidação.
5.2. - Por outro lado, atendendo a que o autor é pensionista do ISS, desde 13.11.2019, a liquidação das retribuições intercalares deve ser calculada desde a data do despedimento até 12 de novembro de 2019, data da cessação do contrato de trabalho, a partir da qual cessa a obrigação remuneratória do empregador – cf. artigo 11.º do CT.
5.3. – Sobre o cálculo da indemnização em substituição da reintegração, consta da sentença recorrida:
“(...), tendo o A. sido admitido ao serviço da R. em 9 de novembro de 1987, auferindo a retribuição base mensal de 710,48€ e despedido em 18.01.2019, tem o A. direito a uma indemnização que se fixa desde já, sem prejuízo do que se vier a vencer até ao trânsito em julgado desta decisão, no valor de €22.084,08 (€710,48x30 anos +710,48x2meses respeitantes ao ano de 1987:12+€710,48x11meses respeitantes ao ano de 2019:12)”.
Deste modo, se nada há a alterar em relação ao cálculo efectuado na sentença recorrida, pois, os 11 meses de 2019 coincidem com a cessação do contrato de trabalho em 12 de novembro de 2019, deve, no entanto, ser eliminada a expressão “sem prejuízo do que se vier a vencer até ao trânsito em julgado desta decisão”, atenta a data da cessação do contrato de trabalho.
IV. – A decisão
Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social em:
1. – Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela ré e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte relativa ao cálculo das retribuições intercalares e à expressão “sem prejuízo do que se vier a vencer até ao trânsito em julgado desta decisão”, a qual é substituída pelo presente acórdão que condena a ré:
a) A pagar ao autor a importância a liquidar, a título das retribuições intercalares, sem prejuízo de eventual dedução, nos termos do artigo 390.º n.º 2, alínea c), do CT, desde a data do despedimento até 12 de novembro de 2019, acrescida dos juros de mora à taxa legal, calculados a partir do trânsito em julgado da decisão a proferir no incidente de liquidação.
b) A pagar ao autor a indemnização em substituição da reintegração no valor de €22.084,08 calculada até a cessação do contrato de trabalho, em 12 de novembro de 2019.
2. - No mais, mantem-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da ré.

Porto, 2020.04.27
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha