Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
182/22.2GCVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: CONVERSAS INFORMAIS
PROIBIÇÃO DE PROVA
Nº do Documento: RP20240207182/22.2GCVFR.P1
Data do Acordão: 02/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – Não podem valer como prova afirmações do arguido prestadas em “conversas informais” com um agente policial, seja tal conversa posterior ou anterior à sua constituição como arguido
II - As razões substanciais que levam à irrelevância como prova de declarações informais de arguido prestadas depois da sua constituição como tal são as mesmas que deverão levar a essa irrelevância quando tais declarações são prestadas antes dessa constituição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 182/22.2GCVFR.P1




Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto


I – AA veio interpor recurso da douta sentença do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que o condenou, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, a), do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano (com a condição de sujeição a tratamento médico adequado à dependência alcoólica de que padece, com acompanhamento por pate da D.G.R.S.P.), e na pena acessória de oito meses de proibição de condução de veículos motorizados.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«A) O arguido, ora recorrente, não se conforma com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo nos presentes autos.
B) O Tribunal a quo formou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, do depoimento prestado pelo militar da GNR BB, em confronto, apreciação e análise crítica das declarações do recorrente e dos demais elementos de prova documental constantes dos autos.
C) Tratou-se de um depoimento que não devia ter sido valorado pelo Tribunal a quo uma vez que o militar da GNR BB relatou em audiência uma conversa informal tida com o recorrente em momento anterior à abertura do inquérito e, consequentemente, à constituição de arguido, e do processo-crime.
D) Entendo o recorrente que os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados são os pontos 1, 3 e 4 da matéria de facto provada pelo Tribunal a quo.
E) Compulsadas as declarações do arguido em sede de audiência de julgamento, o mesmo afirmou não ter qualquer recordação dos factos, em face da dependência alcoólica de que padecia e padece, que à data encontrava-se alcoolizado, afirmando, também, que nunca possuiu qualquer velocípede desconhecendo de que forma poderia ter praticado tais factos.
F) O que, aliás, faz todo o sentido, atendendo a que o recorrente se encontrava em elevado estado de embriaguez, com uma TAS de 3,01 g/l - conforme resulta da análise laboratorial por recolha de sangue – razão pela qual estava a ser assistido pelos elementos da Cruz vermelha.
G) O Tribunal a quo dá como provado que o recorrente realizou um teste qualitativo de despistagem da taxa de álcool no sangue no local (em aparelho móvel), porém, tal não resulta da prova produzida, nem podia - cf. resulta do auto de notícia - “(…) em virtude de não ser possível a realização do teste de álcool ao ar expirado, por motivos de saúde do ferido, foi solicitado à patrulha as ocorrências do Posto Territorial da GNR de Santa Maria da Feira, para se deslocar ao Hospital e efetuar a recolha de sangue, sendo utilizado o kit GNR 67579”.
H) Ora não vislumbramos nem podemos admitir, face das regras de experiência comum, que alguém, a ser assistido por se encontrar com ferimentos e com uma tão elevada taxa de álcool no sangue, pudesse, sequer, ter as mínimas condições humanas para apresentar um discurso coerente, objetivo e claro perante o militar da GNR autuante, ao ponto de poder ser valorado pelo Tribunal.
I) Pelo que, nunca o Tribunal a quo podia ter dado como provado que o recorrente tivesse admitido fosse o que fosse, perante quem quer que fosse, sobretudo, após a versão contraditória apresentada pela testemunha BB, quando confrontada com o teor dos documentos juntos aos autos.
J) Assim, o Tribunal a quo devia ter julgado como não provados os factos n.ºs 1, 3 e 4.º, constantes da sentença, ora objeto de recurso.
K) Pelo que, consideramos, para efeitos da al. a), n.º 3, do artigo 412.º, do CPP, que os mesmos foram incorretamente julgados.
Por outro lado,
L) O militar da GNR BB relatou em audiência uma conversa informal tida com o recorrente em momento anterior constituição de arguido e à abertura do inquérito e, consequentemente do processo-crime.
M) Ora, de acordo com o art.º 356º, n.º 7 do CPP que é aplicável às declarações do arguido por força do art.º 357º, n.º 3 do CPP “os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.”
N) Porquanto, perfilhamos o entendimento de que as conversas informais não possam ser legalmente aceites, ainda que, academicamente, possam cair na aplicação das regras gerais de liberdade de prova e de livre valoração da prova, nos termos do art.º 125.º e art.º 127.º, ambos do CPP.
O) Tratando-se de conversas informais tidas relativamente aos factos em averiguação, estão sujeitas ao princípio da legalidade, nos termos do artigo 2.º do CPP, resultante do artigo 29.º da CRP, pelo que, o processo organizado na dependência do MP, tem de obedecer às regras constantes nos arts. 262.º e 267.º, ambos do CPP.
P) O que significa dizer que, a alegada conversa informal entre o OPC e o recorrente não devida ter sido valorada pelo Tribunal a quo tendo por base o auto de notícia que o deu como agente daquele crime.
Q) Pelo que violou o Tribunal a quo as regras constantes nos artigos 356º, n.º 7 do CPP, por força do art.º 357º, n.º 3 do CPP.
R) O Tribunal a quo ao decidir como decidiu, i.e., ao dar como provados todos os factos vertidos na acusação violou o princípio “in dubio pro reo”.
S) In casu os factos provados e a consequente condenação do recorrente não resultaram da prova produzida, a qual, apenas criou dúvidas sobre a sua veracidade, designadamente, o depoimento do militar da GNR em relação a todo o circunstancialismo de tempo e lugar.
T) Devia concluir o Tribunal a quo que a prova produzida ficou aquém da dúvida razoável, devendo, nesta conformidade, dar como provados os factos favoráveis ao arguido, o que se admite por dever de patrocínio e como mero exercício de raciocínio.
U) Pelo exposto, o Tribunal a quo ao condenar o recorrente, violou, ainda o disposto no n.º 2, do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa.
V) Sempre se diga que, quer a pena de 4 (quatro) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, aplicada ao arguido a título principal, quer a pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados é manifestamente excessiva.
W) De facto, os fundamentos em que assentou a medida da pena e a sanção acessória não tiveram em atenção a ilicitude do facto, a inexistência de qualquer dano para terceiros, as condições económicas e pessoais do arguido no qual admitiu a dependência de que padece, ao aceitar a realização de tratamento adequado, e a circunstância de o arguido, alegadamente conduzir um velocípede.
X) Porquanto, as exigências de prevenção geral e especial também não justificam tal medida.
Y) Ao contrário do que resulta da sentença recorrida, quanto às exigências de prevenção especial que relevam ao nível da necessidade da pena, enquanto medida dissuasora da prática, o arguido apenas tinha sofrido uma única condenação pelo mesmo tipo de crime, e não duas condenações – no âmbito do processo n.º 233/21.6GAVFR, por sentença transitada em julgado em 1/07/2021 pela prática em 12/05/2021, na pena de 60 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por 4 meses.
Z) Sempre se diga que se trata de uma medida desproporcionada face à gravidade do ilícito praticado e ao risco de reintegração da conduta do recorrente, no respeito pelo princípio da adequação dos meios com os fins.
AA) Ora, dispõe o n.º 1 artigo 71º do Código Penal que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
BB) Pelo que, violou o Tribunal a quo, o disposto no n.º 1 e 2, do art.º 71, bem como do n.º 1 e 2 do artigo 40.º do Código Penal.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II –
As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
- saber se deverão ser considerados não provados os factos descritos sob os números 1, 3 e 4 do elenco de factos provados constante da sentença recorrida, por se basearem num depoimento de um agente policial relativo a uma conversa informal com o recorrente ocorrida antes da constituição deste como arguido e da abertura do inquérito, devendo este, em consequência, ser absolvido do crime por que foi condenado;
- saber se tais factos deverão ser considerados não provados em face das regras da experiência comum e do princípio in dubio pro reo devendo o arguido e recorente, em consequência, ser absolvido do crime por que foi condenado.
- saber se as medidas da pena principal e da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados em que o arguido e recorrente foi condenado são excessivas, face aos critérios legais.

III –
Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte:

«(…)
Realizado o julgamento, resultaram provados da acusação e da discussão da causa, os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir:
1. No dia 19 de Dezembro de 2021, cerca das 12h10m, AA, após ter ingerido bebidas alcoólicas, conduziu o velocípede sem matrícula na Rua ..., em ... – Santa Maria da Feira, tendo sido interveniente em acidente de viação (despistou-se sozinho).
2. Nessa ocasião, o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 2,64 g/l, deduzido o erro máximo admissível de 0,39 g/l.
3. O arguido conhecia as características do veículo e do local onde conduzia, admitindo poder ter uma taxa de álcool igual ou superior a 1,2gl e, não obstante, decidiu conduzir o veículo nessas circunstâncias.
4. Assim, agiu de forma livre, voluntária e consciente, estando ciente que a sua conduta era punida por lei.
5. O arguido é motorista, actualmente desempregado; não aufere qualquer rendimento; reside numa associação, que o apoia; tem um filho maior; como habilitações literárias tem o 6.º ano de escolaridade.
6. O arguido padece de dependência de bebidas alcoólicas, vindo a ser acompanhado pelo CAT e manifestando vontade de aderir ao tratamento.
7. O arguido deu consentimento para realizar tratamento à dependência alcoólica.
8. O arguido sofreu já as seguintes condenações transitadas em julgado:
a. PS 291/19.3GCVFR, foi condenado por sentença transitada em julgado em 24/02/2020 pela prática em 27/08/2019 de um crime de ameaça agravada na pena de 100 dias de multa;
b. PS 233/21.6GAVFR, foi condenado por sentença transitada em julgado em 1/07/2021 pela prática pela prática em 12/05/2021 de um crime de condução em estado de embriaguez na pena de 60 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por 4 meses.

Motivação

O tribunal valorou a globalidade da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, conjugada com os elementos probatórios já constantes dos autos, tudo ao abrigo do princípio da livre valoração da prova previsto no art. 127.º do C.P.P.
O arguido AA prestou declarações, dizendo não ter qualquer recordação dos factos, visto que, em face da dependência alcoólica de que padece, se encontraria, à data, alcoolizado. Mais afirmou que não possuía qualquer velocípede, desconhecendo de que forma poderia ter praticado tais factos. No mais, prestou declarações quanto às suas condições pessoais, referindo que beneficia de apoio da associação “Betel” e realiza tratamento no CAT, manifestando que tem vindo a sentir melhorias.
Assim, o tribunal valorou o depoimento prestado pelo militar da GNR BB, agente autuante, o qual, de forma séria, objectiva e pormenorizada, confirmou as circunstâncias em que o arguido foi identificado e ainda os procedimentos adoptados. Com efeito, relatou que foi reportado um despiste de um velocípede e que, chegado ao local, o arguido se encontrava a receber assistência no interior de uma ambulância, sendo que, quando averiguou o que teria ocorrido, o próprio arguido reconheceu que era o condutor daquele velocípede, despistando-se. No mais, referiu que essa mesma informação lhe foi confirmada pelos bombeiros que assistiam o arguido. Quanto ao velocípede, referiu que o mesmo já não se encontrava no local do embate mas encostado a um muro, razão pela qual fez constar da participação de fls. 12 que o mesmo havia sido retirado do local do acidente antes da chegada da GNR. Por fim, referiu que o arguido apresentava ferimentos compatíveis com o referido despiste, sendo que apenas realizou um teste qualitativo de despistagem da taxa de álcool no sangue no local (em aparelho móvel), não tendo realizado o teste quantitativo porquanto o correspondente aparelho se encontra no Posto da GNR e não era possível transportar o arguido até àquele local em face do seu estado de saúde.
Foi ainda valorada a seguinte prova documental: auto de notícia de fls. 5 e 6, aditamento de fls. 7 e relatório de fls. 8, participação de acidente de viação de fls. 11 e 12 dos autos.
Em face da prova produzida em audiência de julgamento, o tribunal não teve qualquer dúvida em dar como provado que os factos ocorreram tal como constavam da acusação e se fez verter na factualidade assente. Desde logo, o próprio arguido admitiu que era, à data, consumidor de bebidas alcoólicas, apresentando tal circunstância como justificação para não ter qualquer recordação do evento em causa nos autos. Certo é que resulta dos elementos carreados para os autos que a GNR foi chamada ao local devido a um despiste de um velocípede, em termos que foram feitos constar do croqui de fls. 12 dos autos. Mais, de acordo com fls. 8 dos autos, o arguido foi transportado ao Hospital pela Cruz Vermelha Portuguesa, no dia em causa nos autos, pelas 12h53, para receber tratamento hospitalar, com indicação de “queda”. E quanto à identificação do condutor do velocípede que se encontrava no local, foi o próprio arguido quem o admitiu às autoridades policiais, quando instado a esse respeito. Efectivamente, quando questionado sobre o que havia acontecido, o arguido espontaneamente afirmou perante o militar da GNR BB que tinha conduzido aquele velocípede e que se havia despistado.
Ora, como tem sido unanimemente afirmado pela nossa jurisprudência, nada obsta à valoração de tais declarações prestadas pelos suspeitos aos órgãos de polícia criminal. Com efeito, aderimos aqui, na integra, à síntese que é feita, por todos, no sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/06/2017, P.º 320/14.7GCMTJ.L1-9 (www.dgsi.pt), o qual, pela clareza e síntese da exposição, transcrevemos:
“I- Não existem conversas informais quando as forças policiais se limitam a cumprir os preceitos legais, quer pela necessidade de “documentar” a prática do ilícito e suas sequelas, designadamente providenciar os actos cautelares que se imponham (v. g. artigos 243º, 248 a 250º do C.P.P.), quer quando actuam por imposição legal ao detectarem a prática de um ilícito e o suspeito decide, por sua iniciativa, de forma voluntária e sem actuação criticável das forças policiais, fazer afirmações não sugeridas, provocadas ou imaginadas por aqueles OPC, estando estes a cumprir preceitos legais que lhes impõem uma actuação;
II- As forças policiais não estão proibidas de falar com os cidadãos que podem vir a ser constituídos arguidos ou com os suspeitos, ou com quem se encontra numa “cena de crime”, desde que não houver culpa sua no atrasar da formalização daquela constituição. E, como mera decorrência do nº 5 do artigo 58º do Código de Processo Penal, a omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que qualquer declaração daquele que já deveria ter sido constituído como arguido não pode ser utilizada como prova.
III-Face ao ordenamento português, o simples cidadão ou cidadão suspeito não goza do direito ao silêncio e, como tal, a prova produzida pelas suas declarações, melhor, depoimento, é válido. Se ainda não havia obrigação de constituição como arguido e as entidades policiais agiam dentro dos poderes concedidos pelas normas reguladoras da aquisição e notícia do crime (artigos 241º e 242º) e de medidas cautelares e de policia (artigos 248º e segs., designadamente o artigo 250º do C.P.P.) e, sem má fé ou atraso propositado na constituição de arguido, ouvem do cidadão ou suspeito a informação da prática de um crime, isso não constitui violação de lei ou fraude à lei, nem obtenção de prova proibida.
IV -Por isso a proibição de “conversas informais” só deve abranger afirmações posteriores à constituição de arguido e nunca antes da sua constituição pois ai nem existem propriamente “conversas informais”, mas sim afirmações de um cidadão, que pode ser suspeito ou nem isso. E este é, no ordenamento processual penal português, uma testemunha.
V -Assim, a questão centra-se, no caso de situações de fronteira, na distinção a fazer entre as figuras de “suspeito” e “arguido”. Este goza de direitos, aquele é testemunha. O arguido goza do direito ao silêncio, o suspeito não.
VI - Logo a constituição formal de arguido constitui a “linha de fronteira” da admissibilidade da reprodução em audiência de julgamento das ditas “conversas informais”, sendo que a partir daquele momento as declarações só têm valor de prova quando prestadas em actos mencionados na lei, considerando-se sem carácter probatório todas as demais provas que foram recolhidas informalmente, em conversas ou em actos sem previsão ou legitimação legal.
VII- As afirmações produzidas nesta fase preliminar por qualquer pessoa abordada no decurso de operação policial, seja ela, suspeito ou potencial testemunha do crime, não traduzem “declarações” strictu sensu para efeitos processuais, já que não existe, ainda, verdadeiramente um processo penal a correr os seus termos. São diligências de aquisição e conservação de prova, lícitas, dada a sua conformidade com o comando legal prescrito no art. 249º do CPP, não sendo, por isso, proibido o seu relato em audiência.”
No caso em apreço, a testemunha BB, de forma credível, afirmou que o arguido se identificou como sendo o condutor do velocípede, mais afirmando que se tinha despistado enquanto circulava com o mesmo – tudo nos termos que constam do auto de notícia de fls. 5 e ss. – o que se mostra compatível com as lesões que o mesmo apresentava e que demandaram tratamento hospitalar.
Temos assim que não há o menor indício que possa levantar alguma dúvida sobre a autoria dos factos pelo arguido, tanto mais que não existiu qualquer declaração ou informação que pudesse pôr em dúvida que fosse o arguido quem conduzia o veículo em questão.
Isto porque, não obstante a taxa de álcool no sangue que o arguido apresentava à data (cfr. fls. 10), não se vislumbra qualquer explicação razoável para o arguido ter apresentado tal explicação dos factos aos militares da GNR caso tal não correspondesse efectivamente à verdade.
Para prova da concreta taxa de álcool no sangue apurada, o tribunal valorou o exame pericial toxicológico de fls. 10 dos autos, uma vez deduzida a taxa de erro máximo admissível. De referir que nenhuma questão nos suscita os procedimentos adoptados pelo militar da GNR inquirido quanto à detecção de álcool no sangue.
Com efeito, o n.º 1 do art. 153.º do Código da Estrada estabelece que o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito. Sendo o resultado positivo e sendo requerida a realização de contraprova, esta pode ser efectuada, de acordo com a vontade do examinando, ou através de alcoolímetro devidamente aprovado, ou através de análises sanguíneas (n.º 3 do mesmo artigo).
É, também, através de análises de sangue que se detecta o estado de influenciado pelo álcool quando não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado (n.º 8, ainda do artigo 153.º do Código da Estrada).
O n.º 1 do artigo 158.º do Código da Estrada remete para regulamentação autónoma a definição dos meios e métodos a utilizar para a detecção e determinação da quantidade de álcool (a taxa de alcoolemia), regulamentação que, actualmente, consta da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, que aprovou o “Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas”.
O artigo 1.º deste Regulamento estabelece o seguinte: «1 – A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo. 2 – A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue. 3 – A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo».
Temos, assim, três tipos de testes: o teste qualitativo, destinado a detectar a presença de álcool no sangue, que é efectuado com analisador qualitativo; o teste quantitativo, destinado a quantificá-la (a determinar a taxa de alcoolemia), que é efectuado com analisador quantitativo; a análise de sangue, também destinada a quantificar a presença de álcool no sangue, efectuada, obviamente, através da recolha e exame de amostra de sangue do examinando.
Destarte, precisamente nas situações em que não é possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool – cfr. art. 153.º n.º8 do Código da Estrada.
Foi precisamente este o procedimento aqui adoptado: o arguido realizou um teste de pesquisa da presença de álcool no sangue por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo no local do acidente e, porque se encontrava impossibilitado para se deslocar ao posto territorial da GNR para realizar o teste em analisador quantitativo, foi conduzido a estabelecimento de saúde, onde foi recolhida colheita de sangue.
Por conseguinte, nenhuma censura nos merece aquele resultado, que apurou que o arguido apresentava, na mesma data, pelas 13h20, uma taxa de álcool no sangue de 3,03g/l, com margem de erro de 0,39g/l, o que permite concluir que o arguido circulava com uma taxa de, pelo menos, 2,64g/l.
Para prova das condições pessoais, económicas e profissionais do arguido, o tribunal valorou as declarações prestadas pelo arguido, que reputou como sérias e credíveis.
Por fim, para prova dos antecedentes criminais, o tribunal valorou o teor do certificado de registo criminal junto aos autos.
(…)»

IV 1. – Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente alegar que deverão ser considerados não provados os factos descritos sob os números 1, 3 e 4 do elenco de factos provados constante da sentença recorrida, por se basearem num depoimento de um agente policial relativo a uma conversa informal com ele antes da sua constituição como arguido e da abertura do inquérito, devendo ele, em consequência, ser absolvido do crime por que foi condenado. Invoca o disposto nos artigos 357.º, n.º 3, e 356.º, n.º 7, do Código de Processo Penal.
Alega também o arguido e recorrente que, para além da irrelevância desse depoimento, deverão ser considerados não provados tais factos, porque contraria as regras da experiência comum que ele conduzisse um velocípede com uma taxa de alcoolemia tão elevada como a que foi detetada, devendo ele, em consequência e considerando o princípio in dubio pro reo, ser absolvido do crime por que foi condenado também por estes motivos.
Vejamos.
A este respeito, a douta sentença recorrida segue uma orientação jurisprudencial que se baseia nos argumentos seguintes.
Não devem ser consideradas “conversas informais” irrelevantes como prova face ao disposto nos referidos artigos 357.º, n.º 3, e 356.º, n.º 7, do Código de Processo Penal as que decorrem de afirmações da pessoa que posteriormente veio a ser constituída arguida, prestadas perante órgão de polícia criminal antes dessa constituição e da abertura do inquérito. Essas conversas e afirmações decorrem de diligências a que os agentes policiais estão obrigados, nos termos dos artigos 243.º, 248.º, 249.º e 250.º desse Código, em ordem a “documentar” a prática do crime e efetuar os atos cautelares de conservação da prova que se imponham. Nesse contexto, os agentes não estão proibidos (antes, a tal poderão estar obrigados) de falar com cidadãos que possam vir a ser constituídos arguidos, ou com suspeitos, desde que não haja má fé da sua parte ao atrasar essa constituição de arguido. O simples cidadão, ou o cidadão suspeito, não goza, no nosso ordenamento jurídico, do direito ao silêncio e dos demais direitos do arguido, pelo que as afirmações que prestem perante agentes policiais que atuam ao abrigo dos referidos preceitos legais valem como prova. É a constituição formal de arguido que constitui a “linha de fronteira” da admissibilidade da reprodução em audiência de julgamento das ditas “conversas informais”, sendo que a partir daquele momento as declarações só têm valor de prova quando prestadas em atos mencionados na lei. Antes dessa constituição, as afirmações produzidas por qualquer pessoa, seja ela suspeita ou potencial testemunha não traduzem “declarações” para efeitos processuais, já que não existe ainda, verdadeiramente, um processo penal a correr os seus termos.
Seguem esta orientação jurisprudencial o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de fevereiro de 2017, proc. n.º 0690593, relatado por Maia Costa; os acórdãos da Relação de Lisboa de 22 de junho de 2017, proc. n.º 320/14.7GCMTJ. L1-9, relatado por Filipa Lourenço; de 8 de maio de 2018, proc. n.º 74/16.2SRLSB. L1-5, relatado por João Carrola; de 11 de novembro de 2020, proc. n.º 141/19.0SILSB.L1-3, relatado por João Lee Ferreira; de 27 de junho de 2023, proc. n.º 143/21.7PTO.ER relatado por Sandra Oliveira Pinto; os acórdãos da Relação do Porto de 21 de março de 2013, proc. n.º 189/10.1GTVRL.P1, relatado por José Carreto; e de 17 de junho de 2015, proc. n.º 543/12.3PDPRT.P1, relatado por Artur Oliveira; os acórdãos da Relação de Coimbra de 11 de setembro de 2013, proc. n.º 71/11.4GCCALD.C1, relatado por José Eduardo Martins; de 8 de maio de 2019, proc. n.º 109/15.6GBFND.C2, relatado por Maria Pilar Oliveira; e de 21 de junho de 2023, proc. n.º 16/23.9GBCLD.C1, relatado por Rosa Pinto; e os acórdãos da Relação de Évora 7 e abril de 2015, proc. n.º 79/14.8PFSTB.E1, relatado por Clemente Lima; de 14 de julho de 2020, proc. n.º 146/18.9T9STB.E1, relatado por Renato Barroso; de 27 de abril de 2021, proc. n.º 301/19.OPAPM.E1, relatado por Lara Goulart Maurício; e de 25 de janeiro de 2022, proc. n.º 53/19.8PAABT.E2, relatado por Maria Margarida Bacelar, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
Ora, é precisamente uma situação dessas que se verifica no caso em apreço. A testemunha BB, agente da G.N.R., declarou em audiência que, quando atuava no âmbito das referidas diligências, o arguido, antes da sua constituição como tal e da abertura do inquérito, afirmou que era ele quem conduzia o velocípede em causa e que se despistou quando o conduzia.
Afigura-se-nos, porém, que não é de seguir tal corrente jurisprudencial.
A tese em que assenta tal corrente faz depender de atos puramente formais (a abertura formal de inquérito e a constituição formal de arguido), e não razões substanciais, a tutela efetiva dos direitos do arguido. As razões substanciais que levam à irrelevância como prova de declarações informais de arguido prestadas depois da sua constituição como tal são as mesmas que deverão levar a essa irrelevância quando tais declarações são prestadas antes dessa constituição. E não colhe dizer que antes dessa constituição formal ele é apenas suspeito, ou simples cidadão, sem os direitos que a lei atribui aos arguidos: tal significaria tornear as exigências constitucionais e legais de respeito por tais direitos, significaria «deixar entrar pela janela aquilo a que se fechou a a porta».
E isso verificar-se-á mesmo que não haja qualquer má fé de um agente policial ao conversar com o arguido no âmbito das diligências impostas pelos referidos artigos 243.º, 248.º, 249.º e 250.º do Código de Processo Penal (é óbvio que ele não está impedido de o fazer, a questão é apenas a de saber se essas conversas, por si só, podem valer como meios de prova apesar do que dispõem os artigos 357.º, n.º 3, e 356.º, n.º 7 do mesmo Código), Nesse âmbito, não pode dizer-se que esse agente está a atrasar artificialmente a constituição de arguido. Mas o que deve dizer-se é que já nessa altura se sabe que ele virá posteriormente a ser constituído como tal e é isso que torna irrelevante como prova o que possa afirmar perante um agente policial, mesmo que a conversa em causa se justifique no âmbito das referidas diligências.
Podem ver-se, neste sentido, as acórdãos desta Relação de 12 de outubro de 2011, proc. n.º 2/08.9GCVPA.P1, relatado por Maria Dolores da Silva e Sousa; de 21 de março de 2012, proc. n.º 628/11.3GAMA.P1, relatado por Coelho Vieira; de 13 de junho de 2012, proc. n.º 1222/11.4JAPRT.P1, relatado por Coelho Vieira; de 1 de julho de 2015, proc. n.º 425/11.6GFPNT.P2, relatado por Pedro Vaz Pato; de 22 de abril de 2015, proc. n.º 616/14.3GBILH.P1, relatado por Pedro Vaz Pato; e de 25 de janeiro de 2023, proc. n.º 999/20.OPVPRT.P1, relatado por Maria Joana Grácio; os acórdãos da Relação de Lisboa de 29 de abril de 2010, proc. n.º 1670/09.0YRLSB-9, relatado por Guilhermina Freitas; e de 3 de maio de 2011, proc. n.º 146/99.0PHOER.L1-5, relatado por João Adriano; os acórdãos da Relação de Coimbra de 29 de maio de 2013, proc. n.º 379/11.9GAVNO.C1, relatado por Isabel Valongo; e de 4 de fevereiro de 2015, proc. n.º 53/13.1GDVFND.C1, relatado por Jorge França; e o acórdão da Relação de Guimarães de 31 de maio de 2020, proc. n.º 670/07.PBGMR.G1, relatado por Cruz Bucho, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
No entanto, também se nos afigura que a irrelevância, como prova, do depoimento do referido agente policial a respeito das afirmações perante ele prestadas pelo arguido não conduz à ausência de prova de que era este quem conduzia o velocípede em causa.
É verdade que esse agente também declarou que o arguido também afirmou ser ele quem conduzia o velocípede em causa perante os bombeiros que lhe prestaram assistência, Em relação a estas afirmações, já a questão se colocará de outro modo e poderia justificar-se a inquirição desses bombeiros, ao abrigo do disposto no artigo 129.º do Código de Processo Penal (o que, porém, não foi feito).
Mas mesmo assim, mesmo prescindido do que o arguido possa ter dito perante o referido agente da G.N.R e perante esses bombeiros., parece-nos que podemos facilmente concluir, face às regras da experiência e para além de qualquer dúvida razoável (sem violação do princípio in dubio pro reo, pois), que era o arguido quem conduzia o referido velocípede. Os ferimentos que apresentava e que levaram a que lhe fosse prestada assistência hospitalar explicam-se pelo despiste na condução desse velocípede, despiste sem intervenção de qualquer outra pessoa (nenhuma outra também se encontrava no local), o qual também se explica pela muito elevada taxa de alcoolemia que veio a ser detetada.
Ao contrário do que alega o arguido e recorrente, não contraria as regras da experiência comum que ele conduzisse o velocípede em causa com a tão elevada taxa de alcoolemia que foi detetada; pelo contrário, tais regras levam a aceitar que essa condução nessas condições tenha conduzido ao despiste em causa.
Assim, deverá ser negado provimento ao recurso quanto a estes aspetos.

IV 2. –
Vem o arguido e recorrente alegar que as medidas da pena principal e da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados em que foi condenado são excessivas, face aos critérios legais. Invoca as circunstâncias de ter admitido a sua dependência do álcool e a vontade de dela se libertar, de a sua alegada conduta não ter provocado danos a outras pessoas, de se tratar da condução de um velocípede e de ter sido anteriormente condenado por condução em estado de embriaguez uma única vez.
Vejamos.
O arguido e recorrente foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, a), do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano (com a condição de sujeição a tratamento médico adequado à dependência alcoólica de que padece, com acompanhamento por pate da D.G.R.S.P.), e na pena acessória de oito meses de proibição de condução de veículos motorizados.
O crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, nº 1, do Código Penal, é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até cento e vinte dias.
Na escolha e determinação da medida dessa pena, há que considerar os seguintes preceitos do Código Penal.
De acordo com o artigo 40.º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (alínea f)).
Nos termos do artigo 69.º, n.º 1, a), o crime de condução em estado de embriaguez é punível com a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos.
A respeito das finalidades da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados e das regras da determinação da sua medida concreta, devem ser tidos em conta os critérios indicados no citado artigo 71.º, com a ressalva de que a finalidade prevalente é, aqui, a de prevenção especial negativa e afastamento da perigosidade do agente (ver, neste sentido, entre outros, o acórdão da Relação de Coimbra de 7 de janeiro de 2004, proc. nº 3717/03, relatado por Belmiro Andrade, in www.dgsi.pt).
A esta luz, não se nos afigura que sejam excessivas as penas, principal e acessória, em que o arguido e recorrente foi condenado.
A pena acessória situa-se perto do limite mínimo.
A condução de um velocípede em estado de embriaguez não deixa de representar perigo para terceiros, embora esse perigo possa ser maior para o próprio condutor.
Não podem deixar de ser consideradas, como circunstâncias agravantes, as duas condenações anteriores do arguido, embora tenha relevância sobretudo a relativa à condução em estado de embriaguez.
Sobretudo, não pode deixar de ser considerada, como circunstância agravante, a muito elevada taxa de alcoolemia (2,64g/l) com que o arguido conduzia.
A condição de tratamento da dependência de álcool (como não podia deixar de ser) vai de encontro à vontade do arguido e é a melhor forma de o afastar definitivamente da prática do crime em apreço e, nessa medida, de contribuir para a sua inserção social.
Deve, assim, ser negado provimento ao recurso.

O arguido e recorrente deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Condenam o arguido e recorrente em três (3) U.C.s de taxa de justiça.

Notifique


Porto, 7 de fevereiro de 2024
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Paula Guerreiro)
Donas Botto