Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2939/20.8T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE MARTINS RIBEIRO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RP202403042939/20.8T8PNF.P1
Data do Acordão: 03/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Não resultando da reapreciação da prova no Tribunal da Relação qualquer erro de julgamento pelo tribunal a quo nem sendo criada uma convicção diferente após a reapreciação de toda a prova, não há lugar à alteração da decisão da matéria de facto dada como provada e como não provada, pois ambas as instâncias estão sujeitas às mesmas normas e regras atinentes a valoração da prova que, excetuados os casos previstos na lei, se rege pelo princípio da livre apreciação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO N.º 2939/20.8T8PNF.P1

SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do C.P.C.):

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Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relator: Jorge Martins Ribeiro;

1.ª Adjunta: Anabela Mendes Morais e

2.ª Adjunta: Fernanda Almeida.


ACÓRDÃO

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de ação declarativa de condenação em pagamento de quantia certa, com processo comum, é autora (A.) “A... – Unipessoal, Lda.”, sociedade comercial unipessoal por quotas, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho de Penafiel, titular do N.I.P.C. n.º ..., e é ré (R.) “B..., Lda.”, sociedade comercial por quotas com sede no ..., lugar ..., freguesia ..., concelho de Amarante, titular do N.I.P.C. n.º ....


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Procedemos agora a uma síntese do processado destinada a facilitar a compreensão do objeto do presente recurso; assim, e lançando mão da síntese efetuada na sentença recorrida:

1)A... – UNIPESSOAL, L.DA, veio intentar acção com processo comum, contra B..., LDA., concluindo a final pedindo a condenação da Ré a satisfazer-lhe a quantia de 63.226,57 €([1]), correspondente às faturas que juntou como docs. 1 a 9, acrescida de juros vencidos no valor de 407,00 €, além dos vincendos, à taxa legal, até efectivo pagamento.

Alegou, em síntese, ter-se obrigado a fornecer e executar os trabalhos de plantação, limpeza e jardinagem, melhor identificados/caracterizados em cada uma das facturas cujo valor (sem prejuízo de uma redução implicada pelo reconhecimento de um erro de facturação) vem peticionado e que corresponde ao preço acordado para os trabalhos realizados, sendo que vencida já a obrigação de pagar, sem que a Ré a tenha cumprido.

Contestou a Ré, impugnando parte dos trabalhos facturados, excepcionando a execução defeituosa de outros, a implicar ora a redução do preço, ora a reposição da situação existente não fosse o incumprimento, assim feita casuisticamente a opção quanto ao direito cabível àquelas alegadas inexecuções, mais invocando o incumprimento de disposições ou regras procedimentais/contabilísticas acessórias da obrigação de prestação, cuja exigência de cumprimento era do perfeito conhecimento da Autora. A mais da improcedência da acção, ao menos parcial, deduz a Ré reconvenção, reclamado a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de €26.650,00, acrescida de juros vencidos e vincendos até seu efetivo e integral pagamento.

A pretensão reconvencional funda-se em alegados prejuízos que a Ré teve que suportar em função do não cumprimento cabal das prestações a que a A. se obrigou com referência a várias das obras contratadas e a que se reportam as facturas cujo preço vem reclamado([2]).

2) No dia 18/03/2021 foi proferido despacho a designar data para a audiência prévia, nos termos do disposto no art.º 591.º, n.º 1, alíneas a), d), f) e g), do C.P.C.

3) Aos 28/04/2022, em audiência prévia, foi proferida sentença homologatória de transação parcial, no atinente às faturas n.º 1/47, 1/52 e 1/58.

4) No dia 27/05/2021 foi proferido o despacho saneador e foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova (tendo igualmente sido, desde logo, fixados os factos já provados), tudo sem reclamação.

5) Por conta do montante que viesse a ser apurado como estando em dívida, tendo em conta as negociações havidas para eventual transação, aos 02/12/2021 a R. juntou aos autos comprovativo de ter pagado 10000 Euros à A. (5000 Euros + 5000 Euros).

6) Por diferentes motivos, o julgamento protelou-se no tempo. No dia 23/03/2022 foram ouvidos em depoimento de parte dois sócios-gerentes da R. (não tendo sido lavrada assentada por não ter havido confissão de factos), no dia 29/06/2022 foram ouvidas em depoimento quatro testemunhas arroladas pela A. e quatro arroladas pela R. e, por fim, no dia 13/12/2022 foi ouvida outra testemunha arrolada pela A. e outra pela R.

7) As alegações foram apresentadas por escrito, tendo em conta a natureza da prova; assim, as da R. foram apresentadas aos 20/01/2023 e as da A. aos 22/01/2023.

8) A sentença recorrida foi proferida aos 19/02/2023.

Do dispositivo da mesma consta:

III.

Tudo visto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada, condenando a Ré a satisfazer à Autora a quantia de 49.186,16 EUR, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento, à taxa de juro da titularidade das empresas comerciais.

Custas da acção, no que importa agora ao pedido correspondente à soma dos valores peticionados em razão das facturas n.º 1/50, 1/51, 1/54, 1/55 e 1/56 e 1/59, juntas com a petição e juros liquidados com referência a elas, na proporção do decaimento, já que, quanto ao mais, decididas já as custas nos termos que emergem da sentença homologatória da transacção parcial realizada nos autos.

Julgo improcedente a reconvenção, absolvendo a Autora da totalidade dos pedidos reconvencionais deduzidos. Custas da reconvenção pela Ré.

Julgo improcedentes as pretensões recíprocas de condenação da autora e da Ré como litigantes de má fé, absolvendo-as, ambas, do pedido de condenação a satisfazer à contraparte uma indemnização a tal título. Sem tributação, nesta parte.

Registe e notifique.

Penafiel, 19.02.2023([3]).

9) No dia 19/02/2023 a R. interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões([4]):

Conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nestes autos, pela qual, entre o demais decidido, julgou “(…) a presente acção parcialmente procedente, por provada, condenando a Ré a satisfazer à Autora a quantia de 49.186,16 EUR, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento, à taxa de juro da titularidade das empresas comerciais” e “(…) improcedente a reconvenção, absolvendo a Autora da totalidade dos pedidos reconvencionais deduzidos.”

B. Nos antecedentes destes autos, a Autora demandou do Réu a quantia total de € 63.226,57, quantia total inscrita nas faturas juntas com a petição inicial, tudo isto acrescido dos juros devidos até efetivo pagamento. Tais valores resultaram do preço do fornecimento e execução de trabalhos solicitados pelo Réu à Autora em diversas empreitadas, consubstanciados em trabalhos de limpeza, plantação e jardinagem (tudo melhor descrito nas respetivas faturas).

C. Alegou ainda a Autora que, realizados estes trabalhos, o Réu incumpriu com o pagamento do respetivo preço.

D. O Réu alegou diferenças entre o faturado e o efetivamente prestado pela Autora, o incumprimento / cumprimento defeituoso de tais trabalhos e o incumprimento de obrigações acessórias, do perfeito conhecimento da Autora, contendentes com procedimentos contabilísticos do Réu.

E. O Réu deduziu reconvenção, pela qual reclamou da Autora o valor de € 26.650,00, pelos prejuízos suportados pelo Réu, causados pelo incumprimento / cumprimento defeituoso dos trabalhos prestados pela Autora ao Réu.

F. No decurso destes autos, a Autora e o Réu transigiram parcialmente, no que diz respeito às faturas n.º 147, 152 e 158, de modo que, o valor da ação foi reduzido em igual montante.

G. Para a formação da convicção do Tribunal – factos dados como assentes e factos não provados – “(…) fundou-se, (pese embora a duração da fase de julgamento e a inquirição de numerosa prova testemunhal, como a junção de documentação em abundância), decisivamente, quanto à aquisição destes, quase tão só no lastro de coincidência/admissão pela Ré dos trabalhos realizados/executados dos constantes das facturas em discussão… (assim decisivamente no que importa a trabalhos calculados por medição). É que sempre ausente pela Autora a prova cabal (que lhe cabia, de acordo com o ónus respectivo) de parte dos trabalhos facturados, que não se faz isoladamente, mediante as meras declarações de parte1, na ausência agora de dados/factos/meios de prova de corroboração, como seria mister na situação decidenda.”

H. E, ainda, “(…) na medida da manifesta contradição entre as declarações da legal representante da A. e do efectivo interveniente nos contratos pela Ré, o Engenheiro AA, visto outrossim o conhecimento indirecto (mediante as informações pelo mencionado Engenheiro, como encarregado das obras, ainda no que à orçamentação e adjudicação das subempreitadas de jardinagem interessa,) pelos legais representantes da Ré, ressalvada a realização de trabalhos por um deles numa das empreitadas (…) a aquisição da convicção quanto aos trabalhos tidos por demonstrados foi-o com base na conjugação dos seguintes elementos probatórios e/ou factos indiciários.

I. No caso destes autos, do exposto na sentença proferida e aqui recorrida, é forçoso censurar-se o juízo critico do tribunal a quo sobre toda a prova produzida, porquanto e porque o tribunal assim o afirmou, para os factos provados e não provados, fundou-se “decisivamente, quanto à aquisição destes, quase tão só no lastro de coincidência/admissão pela Ré dos trabalhos realizados/executados dos constantes das facturas em discussão”.

J. Pretende o Recorrente a reapreciação da decisão, no essencial, na matéria de facto dada como assente e, maioritariamente, na dada como não assente, tais factos, concomitantes com a redução do preço propugnada pelo Recorrente, entendeu o Recorrente existir elementos probatórios bastantes para a sua posição ser atendida, concretamente à prova testemunhal gravada, à qual, entendeu o tribunal a quo desatender.

K. Visando-se, ainda e por decorrência do que infra se fará constar, a reapreciação dos montantes pecuniários de condenação do Réu.

L. Corporizando o ónus expresso na alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, a decisão sobre a matéria de facto a reverter é a constante dos pontos h), s) e z) da factualidade dada como provada;

M. Entende o Recorrente que foi capaz de produzir e à ausência (reconhecida pelo Tribunal) da Autora em sustentar o seu pedido e os factos onde este assenta, mal andou o tribunal a quo ao decidir como decidiu e ao condenar o Réu nos termos em que veio condenado.

N. Para tanto, entende o Recorrente ainda aduzir críticas mais severas ao processo decisório e à formação da convicção do tribunal a quo, como vimos, baseado em coincidências, pontos comuns e na admissão de factos pela Ré e, em paralelo com isso, desconsiderou a prova testemunhal do Réu.

O. Isto porque, na fundamentação da sua decisão, entendeu o tribunal a quo convocar as coincidências ou admissões do Réu e para o demais a inexistência ou falta de prova cabal ou bastante, novamente, no prisma do Réu, ficou por considerar a prova testemunhal, especialmente o depoimento do omnipresente engenheiro da Ré, dos Representantes legais do Réu e demais testemunhas do Réu, até porque ficou anotada a insuficiência dos depoimentos dos funcionários da Autora a caracterizarem a efectiva execução/realização daqueles trabalhos.

P. Ora, sendo os depoimentos dos funcionários da Autora foram insuficientes – como reconhece o tribunal recorrido – não se entende como foi possível dar as matérias aqui recorridas como provadas e como não se valorizou o depoimento das testemunhas do Réu.

Q. Deveria, antes, o tribunal a quo ater-se aos factos alegados pelas respetivas partes e aos factos efetivamente provados pelas partes. Recaindo sobre a parte que alegou o facto de que se quer fazer valer e à parte o dever de impugnar tais factos, sob pena de os mesmos se terem admitidos por acordo, mas, com isto, não passa a recair sobre o demandado o ónus de provar que os mesmos não existem.

R. Do confronto entre a falta e / ou inconsistência da prova e a desconsideração da outra prova produzida, nomeadamente pelo Réu e especialmente a prova testemunhal oferecida pelo Réu, demonstrou o tribunal a quo desconsideração pelo principio do ónus da prova previsto no artigo 342.º do Código Civil e, como infra se irá (pelo menos tentar) demonstrar, a desconsideração de toda uma panóplia de prova documental do Réu, que, a ser aproveitada, teria, pelo menos na tese do Réu, a virtualidade de produzir uma sentença de sentido e teor manifestamente menos penalizador.

S. Já que, no âmbito de uma ação de condenação, como é o caso destes autos, incumbe ao Autor alegar e provar os factos constitutivos desse mesmo direito. Segundo este princípio, incumprido esta incumbência a ação só pode ser improcedente, isto, atendendo á confissão do Réu, a improcedência reconduzia-se à redução do preço invocada pelo réu.

T. Incorreu o tribunal em novo patente erro de interpretação dos factos, porquanto confundiu o tribunal uma atitude processual correta para com o tribunal e a outra parte, com essa tal coincidência.

U. É perfeitamente claro de toda a tramitação processual: o recorrente concordou ou, nas palavras do tribunal, coincidiu com a Autora naquilo que, efetivamente, coincide – não poderia o Réu dizer que alguns ou parte dos factos ocorreram ou que os serviços e bens foram efetivamente prestados e na parte que, na sua perspetiva, não coincidia não coincidiu. Não deveria o tribunal – como fez – ter extraído conclusões desta coincidência.

V. Até porque, o tribunal obliterou por completo toda a prova testemunhal do Recorrente: “A convicção do tribunal no que interessa aos factos provados e não provados que antecedem fundou-se, (pese embora a duração da fase de julgamento e a inquirição de numerosa prova testemunhal, como a junção de documentação em abundância), decisivamente, quanto à aquisição destes, quase tão só no lastro de coincidência/admissão pela Ré dos trabalhos realizados/executados dos constantes das facturas em discussão… (assim decisivamente no que importa a trabalhos calculados por medição).”

W. Sendo a omissão e desconsideração da prova testemunhal incompreensível, pois, como se demonstrou, os depoimentos das testemunhas (tanto ao afirmarem factos, como a não conseguirem afirmarem outros factos) são claros.

X. Com efeito, quanto à matéria de facto impugnada nos pontos h), s) e z) dos factos dados como provados, na perspetiva da Recorrente, matéria incorretamente julgada, deverão V. Ex. Cias. ater aos depoimentos transcritos na fundamentação supra;

Y. Com tais depoimentos, resulta efetivamente, matéria bastante para alterar o acervo probatório dado como assente em favor das alterações referidas na respetiva fundamentação, como tal, devendo constar-se o seguinte:

H) Relativamente à factura 1/54 de 18.07.2020, e relativa à obra de S. João da Madeira, foram facturados 5.734 m2, mas na realidade os metros quadrados de sementeira executados foram 2.581,34 m2, ou seja, foram indevidamente facturados 3.152,66 m2 a mais, ao preço de € 1,30/m2;2581.34

S) No exercício da sua actividade comercial, a Autora, sob solicitação e encomenda da Ré, numa obra em Bragança, procedeu a trabalhos de limpeza, mediante a mão de obra respectiva, constantes da factura 1/50, datada de 18.07.2020, num total, quanto a quantidade, qualidade e preços, que totaliza a quantia de 1.218,00 €.

Z) No exercício da sua actividade comercial, a Autora, sob solicitação e encomenda da Ré, na obra ... Coimbra Lote ..., procedeu à execução de trabalhos, fornecimento e plantação das árvores melhor constantes da factura 1/56, datada de 21.07.2020, no tocante à preparação de terreno e carga de matéria sobrante, num total de 2.712,33m2.

Z. Com o que deverá alterar-se a matéria provada em conformidade com o propalado acima;

Nestes termos e nos demais de direito doutamente supríveis por V. Ex. Cias. deve ser revogada a douta sentença recorrida e determinada a improcedência total a ação, com as legais e devidas consequências, por assim ser de devida e costumada JUSTIÇA”.

10) Não foram apresentadas contra-alegações.

11) Aos 11/10/2023 foi proferido despacho a admitir corretamente o requerimento de interposição de recurso.


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O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.).

Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação.


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II – FUNDAMENTAÇÃO

Os factos provados e não provados relevantes para a decisão tal como decidido na sentença sob recurso (cujo teor integral damos por reproduzido)([5]):

II.

Com interesse para a decisão da causa está provado que:

A) A Autora, sociedade comercial constituída sob a forma de sociedade por quotas, tem por objecto societário “Actividades de plantação e manutenção de jardim. Comércio a retalho de flores, plantas, sementes e fertilizantes”.

B) A Ré, sociedade comercial por quotas, tem por objeto societário: “Construção civil e obras públicas; construção de estradas, pontes, túneis, pistas de aeroportos e vias férreas. Armazenista, compra e venda de materiais de construção. Comercialização de tubos e acessórios para saneamento. Serragem, corte e acabamento da pedra, fabricação de artigos de granito e de rochas.”

C) A Ré é uma empresa dedicada à execução de todo o tipo de infraestruturas, no âmbito da engenharia civil e obras públicas bem como no sector da construção civil e reabilitação urbana.

D) No exercício daquela atividade a Ré é concorrente em procedimentos concursais tendentes à formação de contratos de empreitada de obras públicas.

E) Decorridos os trâmites dos procedimentos concursais, após a escolha da melhor proposta, de acordo com o/os critério(s) de adjudicação patenteados nas peças dos procedimentos, a Ré celebra com as Entidades Adjudicante contratos de empreitadas.

F) A Ré, enquanto adjudicatária efectivamente celebrou contratos públicos com Entidades Adjudicantes.

G) A Ré emitiu e enviou à Autora as seguintes Facturas, com as referidas Data e Valor: 1/50 18.07.2020 1.856,00 €; 1/51 18.07.2020 296,00 €; 1/54 18.07.2020 33.031,67 €; 1/55 21.07.2020 14.402,00 €; 1/56 21.07.2020 10.861,60 € e 1/59 17.09.2020 1.427,28 €.

H) Ao menos relativamente à factura 1/54 de 18.07.2020, e relativa à obra de S. João da Madeira, foram facturados 5.734 m2, mas na realidade os metros quadrados de sementeira executados foram 5.134,18 m2, ou seja, foram indevidamente facturados 599,82 m2 a mais, num total de 1.007,70 € (599,82 m2 x 1,68 €).

I) Foi para concretização de trabalhos previstos nas peças dos referidos procedimentos, conforme F), que a Ré foi acordando com a Autora a execução de trabalhos diversos, relacionados com o objeto dos contratos a que se encontrava adstrita.

J) A Ré na sequência de contratos de empreitada celebrados com autarquias, essencialmente, contratou a A. para fornecimento de bens e serviços.

L) Os termos da/das obras a executar pela Autora eram aqueles que constavam das peças dos procedimentos e que eram remetidos à Autora para cotação de todos os elementos (execução dos trabalhos de ajardinamento e bens a aplicar).

M) Recepcionado o orçamento e perante o cumprimento da proposta apresentada a cada entidade adjudicante, a Ré ia acordando os trabalhos com a Autora.

N) Autora e Ré acordaram que os bens e/ou materiais a aplicar nos trabalhos eram fornecidos pela Autora, para os quais também recebia cotação.

O) Os preços, prazos de execução e datas de início e fim dos trabalhos eram previamente acordados entre Autora e Ré, sempre com respeito pelas especificações previas contratualizadas entre a Ré e as Entidades Adjudicantes.

P) Depois de acordados os termos dos contratos, a Autora comprometia-se a entregar a obra de acordo com as especificações dos Donos de Obra, previstas nos cadernos de encargos – de pleno conhecimento da Autora - e a Ré a pagar o preço acordado.

Q) Realizados os trabalhos ou parte deles, a Autora comunicava à Ré, remetendo-lhe o auto de medição, apreciado e validado pelos colaboradores da Ré.

R) Apenas e só após a validação dos trabalhos no terreno, realizada ao menos pela Ré, a Autora recebia autorização para emitir a correspondente fatura.

S) No exercício da sua actividade comercial, a Autora, sob solicitação e encomenda da Ré, numa obra em Bragança, procedeu a trabalhos de limpeza, mediante a mão de obra respectiva, constantes da factura 1/50, datada de 18.07.2020, num total, quanto a quantidade, qualidade e preços, ao menos, de 1.218,00 €.

T) No exercício da sua actividade comercial, a Autora, sob solicitação e encomenda da Ré, na obra ... Coimbra, procedeu ao fornecimento e aplicação/ plantação das plantas constantes da factura 1/51 datada de 18.07.2020, num total de 296,00 €, conforme documento 3 junto com a petição, que se dá como reproduzido para todos os devidos e legais efeitos quanto a quantidade, qualidade e preços.

U) Estas árvores foram-no em substituição de outras inicialmente colocadas pela A. na mesma obra, as quais secaram, por falta de rega. As plantas morreram por desidratação devido ao corte da água por parte da Câmara Municipal, ou seja, por ter desligado o sistema de rega, o que a A. comunicou à Ré, conforme email junto como documento 3 à réplica e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

V) No exercício da sua actividade comercial, a Autora, sob solicitação e encomenda da Ré, na obra em São João da Madeira procedeu à limpeza, mediante aplicação de mão- de-obra e ao fornecimento e plantação das plantas, tudo trabalhos constantes da factura 1/54 datada de 18.07.2020, num total, quanto a quantidade, qualidade e preços, ao menos, de 26.754,29 €, aqui já considerada a redução implicada pelo facto assente em H).

X) As árvores fornecidas pela A. na obra em S. João da Madeira foram-no quando distintas do projecto de execução inicial mediante autorização e/ou exigência do dono da obra.

Y) Parte do trabalho preparatório da plantação de árvores no terreno, assim a abertura de covas e carregamento de árvores até àquelas foi realizado pela Ré, pelas suas máquinas e veículos e funcionários.

Z) No exercício da sua actividade comercial, a Autora, sob solicitação e encomenda da Ré, na obra ... Coimbra Lote ..., procedeu à execução de trabalhos, fornecimento e plantação das árvores melhor constantes da factura 1/56, datada de 21.07.2020, num total, quanto a quantidade, qualidade e preços, ao menos, de 8.803,51 EUR.

AA) As árvores plantadas foram escolhidas (todas, uma a uma) com a A. pela arquitecta do Município ..., BB.

BB) O Município ... reclamou junto da Ré do estado de crescimento/porte das árvores, o que a Ré comunicou/reclamou à A.

CC) A 10/07/2020, depois de solicitado pela Ré uma vistoria à obra, o Dono de Obra elaborou o respetivo auto e a 15/07/2020 o Eng.º AA, colaborador da Ré remeteu ao cuidado da Autora.

DD) A 28/07/2020 a Ré reiterou o pedido de correção dos defeitos.

EE) A Autora comunicou à Ré que as árvores tinham sido escolhidas pelo dono da obra, pelo que nada tinha a corrigir.

FF) No exercício da sua actividade comercial, a Autora, sob solicitação e encomenda da Ré, na obra ... Coimbra Lote ..., procedeu ao fornecimento dos materiais e execução dos trabalhos relativos à instalação de sistema de rega, constantes da factura 1/59 datada de 17.09.2020, num total de ao menos 1.248,28 €.

GG) Parte do trabalho preparatório no terreno na obra da ... Coimbra, assim a abertura de covas, foi realizado pela Ré, pelas suas máquinas e veículos, sendo que bem assim a remoção de material sobrante/operação de limpeza final o foi mediante o auxílio de máquinas e trabalhadores da Ré.

HH) No exercício da sua actividade comercial, a Autora, sob solicitação e encomenda da Ré, na obra em Águeda, procedeu à execução de trabalhos, fornecimento de plantas e plantação de árvores, com a ressalva da alínea seguinte, constantes da factura 1/55 datada de 21.07.2020, num total, quanto a quantidade, qualidade e preços de, ao menos, 12.114,36 EUR;

II) A Autora forneceu, mas não procedeu à plantação, de algumas unidades de “Prunus Avium” e outras unidades de Palmeiras, também fornecidas.

JJ) A Ré comunicou à Autora que não seria ela (A.) a prosseguir a execução da obra em Águeda, com efeitos imediatos, o que sucedeu antes de a A. plantar a totalidade das árvores fornecidas conforme factura referida em HH), sendo que as árvores elencadas na factura, mesmo as não plantadas ficaram na obra.

LL) A plantação daquelas árvores e os demais trabalhos cuja execução estava cometida à A. e por ela não chegaram a ser executados foi contratada pela Ré a outra entidade, tendo a Ré pago o preço respectivo.

2. Factos não provados

Com interesse para a decisão da causa não se provou que:

1) Na totalidade das obras cometidas à A., sem excepção, até à receção provisória dos trabalhos pelo Dono de Obra/Entidade Adjudicante, a responsabilidade pela manutenção dos trabalhos era única e exclusivamente da Autora;

2) A facturação, como combinado, era apenas a acontecer no termo da execução da totalidade dos trabalhos cometidos à A., após a recepção provisória da obra pelo dono da obra;

3) Apenas com a receção provisória da obra a Autora emitira as correspondentes faturas;

4) A validação dos trabalhos no terreno antes da autorização pela Ré para a emissão das facturas pela A. era-o apenas e só mediante a validação dos trabalhos no terreno pelo Dono de Obra;

5) Para efeitos de facturação pela A. (autorização) Ré comunicava sempre ao Dono de Obra/Entidade Adjudicante a conclusão da obra para realização de vistoria, finda a qual, se a obra estivesse em condições e após ser lavrado o auto de recepção provisória era dada a autorização de facturação respectiva;

6) Para além do provado sob S), na obra em Bragança, os trabalhos de limpeza executados pela A. importaram, vista a quantidade de horas de trabalho e valor acordados, na totalidade do preço facturado no documento ali referido, de 1.856 EUR;

7) As árvores inicialmente plantadas, como referidas em U), pereceram após a sua plantação por incúria e inércia da Autora…

8) …antes da obra ter sido recepcionada pelo Dono de Obra;

9) Ao invés, a obra já tinha, inclusive, sido recepcionada e paga.

10) Para além do provado sob V), na obra em S. João da Madeira, os trabalhos de limpeza de terreno executados pela A. importaram, vista a quantidade de horas de trabalho e valor acordados, na totalidade do preço facturado no documento ali referido, de 9.633,12 EUR, a implicar o valor global dos trabalhos de 33.031,67 €;

11) O que foi acordado com o Eng.º AA em representação da Ré e a Autora foi que a preparação de terreno e sementeira se cifrariam em 2581,34 m2 a um valor de €1,30/m2;

12) Ainda relativamente à obra em S. João da Madeira a A. facturou no documento referido em V) árvores que não forneceu ou a preço superior ao acordado. Assim os itens “Larix Decidua”, “Acer Campestre”, “Erica Csimiliaris” e “Mirica Faya”;

13) Mais forneceu árvores distintas das constantes do projecto de execução sem autorização do Dono da Obra;

14) Na obra da ... Coimbra Lote ..., correspondente à factura 1/56 de 21.07.2020, foram facturados 4.161,69 m2 de sementeira e na realidade tinham sido realizados 4.479,30 m2, correspondente a uma diferença a favor da Autora de 317,61 m2, num total de 451,01 € (317,61 m2 x 1,42 €);

15) A mais do provado em Z), na obra ali sob referência, os trabalhos de preparação de terreno realizados pela A. ascenderam a 5.909 EUR, pelo que o valor global dos trabalhos importou em 10.861,60 EUR;

16) O não crescimento/o porte reduzido das árvores fornecidas pela A conforme descritas na factura sob Z) está relacionado com o modo como a Autora procedeu ao seu plantio/plantação;

17) A Ré, pela conduta da Autora, terá de substituir cerca de 70 árvores do Lote ... “Coimbra”, o que, tendo um custo individual de €115,00, ascenderá a €8.050,00 (oito mil e cinquenta euros);

18) Ainda quanto às obras de Coimbra (e de S. João da Madeira), as facturas foram emitidas mediante a aprovação pela Ré dos autos de medição por si (Ré) elaborados, nunca a Ré tendo posto em causa as medições deles constantes;

19) O valor acordado entre a A. e a Ré para a execução do plantio das árvores nas obras de Coimbra e S. João da Madeira foi inferior ao facturado pela Autora;

20) Aquele valor foi-o no pressuposto acordado de que seria a A. a realizar a totalidade dos trabalhos necessários ao plantio, mormente a abertura das covas imprescindíveis;

21) A realização pela Ré de alguns trabalhos de preparação de terrenos foi-o por ter ficado acordado e estabelecido que para que os valores apresentados fossem possíveis, a Ré teria que permitir o acesso a máquinas para realização de alguns trabalhos, caso contrário os valores não seriam aqueles (seriam muito mais elevados);

22) A mais do provado sob GG) a facturação pela A. à Ré do valor de 186 EUR atinente a um programador do sistema de rega ficou a dever-se ao furto de um programador ali primeiramente colocado e à necessidade de o substituir;

23) Quanto à obra da ... Coimbra e às facturas 51, 56 e 59, a Autora não corrigiu/completou os trabalhos reclamados pela Ré, conforme e mail de 20 de Maio de 2020, sem prejuízo da matéria assente em BB) a EE);

24) Para além do provado sob HH), na obra em Águeda, os trabalhos de limpeza de terreno executados pela A. importaram, vista a quantidade de horas de trabalho e valor acordados, na totalidade do preço facturado no documento ali referido, de 1.993,64 EUR; bem assim despesas de deslocação convencionadas/acordadas de 294 EUR;

25) De acordo com o combinado, o preço era a satisfazer na data constante de cada uma das facturas e, assim, quanto à 1/50 em 18.07.2020, 1/51 a 18.07.2020; 1/54 a 18.07.2020, 1/55 em 21.07.2020, 1/56 a 21.07.2020, 1/59 a 17.09.2020;

26) A Ré aceitou as facturas enviadas pela A. e contabilizou-as;

27) Relativamente ao documento n.º 9 com a descrição Factura n.º 59 emitida a 17/09/2020 no valor de €1.427,28 a Ré nunca teve dele conhecimento prévio;

28) Foram 6 unidades “Prunus avium” e 4 palmeiras que a Autora não plantou na obra de Águeda;

29) Pelo Município ... foram rejeitadas e requerida a substituição de 5 árvores por defeitos patentes antes da sua plantação e decorrente do seu manuseamento no horto;

30) O item 0085 (“Chamaerops humilis”) foi faturado à Ré pelo valor unitário de €144,00, quando o orçado/acordado foi de € 135,00;

31) As árvores que ficaram na obra de Águeda , conforme provado sob JJ), foram-no embaceladas, por forma a evitar a secagem das raízes;

32) A Ré não procedeu ao pagamento das facturas n.º 1/50, 1/51, 1/54, 1/55 e 1/56 e 1/59, na medida em que a Autora, mesmo quando solicitada pela Ré, com a remessa de contrato para colher a sua assinatura, não assinou os contratos, procedimento exigido pelos Donos das Obras respectivas;

33) Relativamente ao «...»/ Águeda, para efeitos de eliminação de defeitos não sanados pela Autora, cairá na alçada da Ré o pagamento de €18.600,00 (árvores e custos de não recepção)”.


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Dando por reproduzida a motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, as questões (e não razões ou argumentos) a decidir são as seguintes:

1) Se a redação do facto provado S deve ser alterada (na prática, a recorrente pretenda se suprima a expressão “ao menos” antes do preço indicado).

Esclarecemos que na reapreciação da prova indicada está em causa a fatura 1/50.

2) Se a redação do facto provado H deve ser alterada (na prática, a recorrente pretenda se suprima a expressão “ao menos” e que se altere, ou seja, que se diminua, a área de m.2 de sementeira, de 5134,18 m.2 para 2581,34 m.2, pelo que o valor a final deveria ser alterado em conformidade, de um excesso de faturação de 1007,50 Euros para o de 2581,34 Euros).

Esclarecemos que na reapreciação da prova indicada está em causa a fatura 1/54.

3) Se a redação do facto provado Z deve ser alterada (na prática, a recorrente pretenda se substitua o preço, tendo em conta os m.2, pela área).

Esclarecemos que na reapreciação da prova indicada está em causa a fatura 1/56 (ainda que a recorrente faça referências a depoimentos nos quais está em causa também a fatura n.º 1/55).

Enunciadas as questões, e antes de prosseguirmos, resulta que a questão 1 e a primeira parte (em tudo idêntica) da questão 2 é inócua, por a expressão ser no caso juridicamente irrelevante.

Restam assim a segunda parte da questão 2 e a questão 3.

Aproveitamos para esclarecer que não é questionada a aplicação do Direito aos factos, pelo que eventual alteração na aplicação do Mesmo dependeria de alguma alteração à matéria de facto. Importa ainda termos presente que, não obstante a R. defender em recurso a total improcedência da ação, não põe em causa, sequer, a decisão da matéria de facto quanto às faturas 1/51 e 1/59.

Segundo o art.º 640.º do C.P.C, “1 – [q]uando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. 

Os ónus foram cumpridos.

Nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do C.P.C., cuja epígrafe é “[m]odificabilidade da decisão de facto”, “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

O Tribunal da Relação para reapreciar a decisão de facto impugnada tem de, por um lado, analisar os fundamentos da motivação que conduziu a primeira instância a julgar um facto como provado ou como não provado e, por outro, averiguar, em função da sua própria e autónoma convicção, formada através da análise crítica dos meios de prova disponíveis e à luz das mesmas regras de direito probatório, se na elaboração dessa decisão e na sua motivação ocorre, por exemplo, alguma contradição, uma desconsideração de qualquer um dos meios de prova ou uma violação das regras da experiência comum, da lógica ou da ciência – elaboração, diga-se, que deve ser feita à luz de um cidadão de normal formação e capacidade intelectual, de um cidadão comum na sociedade em questão – sem prejuízo de, independentemente do antes dito, poder chegar a uma decisão de facto diferente em função da valoração concretamente efetuada em sede de recurso.

Cumpre-nos, pois, verificar se a prova produzida justifica eventual alteração da factualidade impugnada, nos termos invocados pela recorrente, sendo que o agora relevante é, em síntese, saber se a decisão da matéria de facto pelo tribunal a quo se mostra correta em função de toda a prova produzida.

Posto isto, e tendo presente toda a prova documental constante dos autos, vejamos agora se o declarado em audiência em alguma coisa justifica, impõe, uma alteração da decisão de facto nesta Instância, sendo que, como já referido, a prova é analisada como um todo e à luz dos critérios enunciados.

Não obstante estar em causa a reapreciação da prova, na medida do possível, não iremos reproduzir observações já constantes da motivação da decisão recorrida e cujo teor demos já por reproduzido.

Apesar de termos enunciado já as questões e as faturas subjacentes, temos que a recorrente pretende a reapreciação dos seguintes meios de prova:

- quanto à fatura 1/50, depoimento de parte do seu sócio-gerente CC e do testemunho do seu gerente AA;

- quanto à fatura 1/54 e quanto à fatura 1/55, depoimento de parte do seu sócio-gerente CC;

- quanto à fatura 1/56, depoimento das testemunhas DD e AA.

Por facilidade de exposição, iremos fatura a fatura, tendo sempre presente na reapreciação o que a recorrente, alegadamente, pretende demonstrar e que antes já explicámos.

Fatura 1/50:

Depoimento de parte do sócio-gerente CC: assenta em juízos de valor, suposições, conformes ao seu interesse no desfecho do processo, do que é exemplo o pouco (ou nada…) que refere quanto às áreas e ao número de dias de trabalho.

Quanto à testemunha AA, tece uma série de considerandos (inconsequente, para o efeito pretendido), admitindo, porém, que não havia registos de horas (e de funcionários) baseando a sua discórdia quanto ao número de horas (e dias) faturados no facto de os trabalhadores da A. e da R. tomarem refeições juntos, no mesmo restaurante, a esmagadora maioria das vezes (…), acabando por admitir também que não tinha sido estipulado o preço/hora.

Ao fim e a cabo, o que resulta é que no fim se mostrou surpreendido com o número de horas (“estranhei as horas”) faturando, não infirmando seriamente o número delas.

Fatura 1/54 (S. João da Madeira) e 1/55 (Águeda) – e 1/56… (quanto às árvores em Coimbra):

Depoimento de parte do sócio-gerente CC: começando pelas árvores de Coimbra, mostrou-se alheado da realidade de as árvores terem sido escolhidas pela arquiteta da Câmara Municipal ... (e, como resulta da prova, de terem sido aceites pela arquiteta e pelo fiscal da dona da obra), não sabendo se morreram ou não e que ainda não as teve que substituir (dizendo, porém, que tinha “esse ónus” para com a Câmara…).

Quanto à obra de Águeda (que a A. não acabou por determinação da R., por alegadas insatisfações da dona da obra), novamente vago e impreciso (para o fim pretendido, alterar a convicção do tribunal quanto à decisão da matéria de facto), ressaltando novamente a mistura entre ausência de assinatura do contrato com os termos do mesmo, dizendo que os jardineiros escudam-se na época do ano para depois pretenderem trocar as árvores relativamente ao combinado…

De realçar que os comprovativos dos alegados custos com compra de árvores e suas plantações na obra de S. João da Madeira nunca foram juntos aos autos...

A este propósito de referir também a ausência de prova documental nestes autos dos “orçamentos” apresentados pela A. perante os “cadernos de encargos” (também ausentes dos autos) que a R. apresentara à A. para obter tais orçamentos, o que não deixa de ser estranho, tal como a não junção dos alegados contratos (por escrito, que a R. pretende assinados, mas que afinal eram verbais, como diz…) – tanto mais que se trata de subempreitadas de obras públicas…

Este modus operandi e suas (in)consequências tem necessariamente implicações (mormente na prova de factos modificativos e extintivos), ao nível da determinação das obrigações assumidas por ambas as partes, das formalidades de verificação (e aceitação ou não) dos trabalhos executados, como autos de medição, tal como também ao nível do plano de pagamentos e a que prazo.

Fatura 1/56:

Quanto ao depoimento da testemunha DD, nada resulta que gere uma convicção diferente deste Tribunal relativamente à do tribunal a quo, sendo que no tocante às árvores (em Coimbra) acaba por, como antes referido, dizer que estavam lá o fiscal e a arquiteta paisagista da Câmara Municipal ..., C... (dona da obra), não dizendo (“nisso não reparei”) que tivessem levantado alguma objeção quanto ao modo de plantação (alegadamente seria errado plantá-las com rede e saco; ainda que a testemunha ache que assim terá sido, não soube confirmar se, de facto, assim foi).

Além do mais, resulta deste depoimento não ter havido qualquer substituição (de árvores, incluindo de árvores secas e raquíticas mas de a C... ter aceitado a obra) e, como tal, despesa adicional em que a R. tenha incorrido.

Nada adianta quanto ao perecimento das árvores e, independentemente de a C... ter desligado o sistema de rega, se o primeiro programador foi ou não colocado – só sabendo que no dia seguinte não estava lá, nada sabendo se foi furtado durante a noite mas esclarecendo que foi posto (outro) passados 15 dias.

Acaba por dizer que a C... aceitou a obra no tocante à plantação das árvores naquela terra (alegadamente inadequada, precisando por isso de adubo ou de terra preta).

No tocante ao depoimento da testemunha do seu gerente AA, o mesmo se passa, pois não adianta nada de concreto sobre uma repercussão quantitativa no preço da “colaboração” com a A. na preparação do terreno e  limpeza (“carga do material sobrante”) através da utilização de uma máquina da R., resultando igualmente a colaboração da C... na preparação e limpeza efetuada, na véspera, para a obra ficar pronta a tempo da inauguração. Não sabia o resultado final das medições efetuadas pelo Sr. EE e pela gerente da A. (que se terão entendido), tal como diz que não esteve nas reuniões havidas entre os sócios da R. e a gerente da A. no tocante à colaboração nas limpezas; “quando caíram as faturas todas, foi a confusão instalada”…

Resulta assim não haver qualquer prova para justificar a alteração do preço para os pretendidos 2287,74 Euros.

Aqui chegados, é de realçar o cuidado posto pelo tribunal a quo na decisão da matéria de facto e na motivação da mesma, descrevendo o seu percurso analítico-dedutivo formador da convicção quanto à decisão tomada, sem que se verifique, por exemplo, alguma contradição, uma desconsideração de qualquer um dos meios de prova ou uma violação das regras da experiência comum, da lógica ou da ciência.

Esta instância não vê qualquer falha, qualquer erro de julgamento feito na sentença recorrida, pelo contrário, corrobora-a integralmente uma vez reapreciada a prova pois, como explicámos, resultado diferente não podia ser atingido.

Improcedem assim as pretendidas alterações da matéria de facto.

O Direito aplicável aos factos:

Como resulta das alegações de recurso da A., é patente que a pretendida alteração da decisão, na parte da matéria de Direito, dependeria integralmente da alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, o que não sucede.

Assim, e tendo em conta a não alteração da matéria de facto dada como provada e como não provada, bem como a concordância deste Tribunal da Relação com a aplicação do Direito aos factos efetuada na sentença recorrida, e sem considerandos desnecessários, o presente recurso improcederá.

 

III – DECISÃO

Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela ré e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.

Custas na primeira instância nos termos aí decididos e da apelação pela R., por ter decaído, art.º 527.º, n.º 1, e n.º 2, do C.P.C.


Porto, 04/03/2024.

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Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos:
Jorge Martins Ribeiro
Anabela Morais
Fernanda Almeida
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[1] Trata-se de um patente lapso de escrita, ocorrido também na petição inicial, pois como resulta da mesma o valor peticionado é o de 62669,88 Euros, acrescidos de 407 Euros de juros calculados à data, no valor global de 63076,88 Euros, acrescido de juros vincendos.
[2] A contestação com reconvenção foi apresentada aos 16/12/2020 e a réplica aos 28/01/2021.
[3] Certamente por manifesto lapso refere-se que ambas as partes são absolvidas do pedido por litigância de má-fé, pois que apenas a R. formulou tal pedido quanto à A.
[4] Sublinhado, aspas, negrito e itálico no original.
[5] Aspas no original.