Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
312/12.0TYVNG-F.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: TRÂNSITO EM JULGADO
SENTENÇA
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
DEVEDOR
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RP20180927312/12.0TYVNG-F.P1
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL(2013)
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º145, FLS.172-179 VRS.)
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTIGO 277.º DO C.P.C.
Sumário: I - Da interpretação expressa no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2014, decorre que, transitada em julgado a declaração de insolvência do devedor e aberta a fase processual de reclamação de créditos, com vista à sua ulterior verificação e graduação no âmbito do respectivo processo de insolvência, deixa de ter qualquer interesse e utilidade o prosseguimento de acção declarativa instaurada com vista ao reconhecimento de eventuais direitos de crédito do demandante, devendo estes e sempre de ser objecto de reclamação a deduzir no processo de insolvência.
II - Assim, com o trânsito em julgado da sentença que declare a insolvência do devedor, com carácter pleno, a acção declarativa proposta pelo credor contra aquele, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal, cabendo por isso decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 277.º do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº312/12.0TYVNG-F.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia
Relator: Carlos Portela (873)
Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes
Des. José Manuel Araújo Barros
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
B…, C… e D…, todos devidamente identificados nos autos, vieram instaurar a presente acção declarativa com processo comum contra a Massa Insolvente de E…, S.A., pedindo a condenação desta última a pagar-lhes as quantias de €26.588,12 ao primeiro autor, €28.541,87 á segunda autora e €14.441,70 à terceira autora, alegando para o efeito os seguintes factos:
Os autores foram admitidos ao serviço da E…, S.A. em 12.02.1979, 17.07.1984 e 27.03.2000, respectivamente, com categorias profissionais e remunerações diversas para cada um deles.
A referida empresa, a entidade patronal dos autores, veio a juízo requerer a sua declaração de insolvência, pedindo, concomitantemente, a sua continuidade após apresentação do plano de recuperação.
Em 26.03.2012 e por decisão já transitada em julgado, foi a mesma empresa declarada insolvente com carácter pleno, mantendo-se porém em actividade como ainda hoje sucede.
Por cartas registadas com AR datadas de 05.08.2014 a E… comunicou a todos e a cada um dos autores a cessação, com efeitos a partir de 22.10.2014, dos seus contratos de trabalho no âmbito de um procedimento de despedimento colectivo.
Acontece que até hoje estão por pagar aos autores as compensações a que alude o art.º366º, do Código de Trabalho e que de acordo com as regras do art.º5º da lei nº62/2013 estão computadas nas quantias de €24.385,95 para o primeiro autor, €26.339,70 e para a segunda autora e €12.239,53 para a terceira autora.
Estão também por pagar as quantias correspondentes ao prémio de assiduidade, no valor de €50,00 mensais, desde 1.12.2013 o mesmo sucedendo com os subsídios de alimentação.
A declaração judicial de insolvência não faz cessar os contratos de trabalho devendo o AI continuar a satisfazer integralmente as obrigações dos referidos contratos.
Constituindo um acto de administração da massa insolvente a manutenção da empresa em laboração, as dívidas respeitantes a salários e demais contrapartidas do trabalho prestado pelos trabalhadores da insolvente, após a declaração de insolvência, são qualificadas pelo art.º51º, nº1, c) do CIRE, como dívidas da insolvente, tal como o são as compensações devidas pela cessação contratual por despedimento colectivo, ocorrida já depois de declarada a insolvência.
Assi sendo, os créditos aqui reclamados pelos autores, são créditos sobre a massa insolvente, gozando da precipuidade na sua satisfação pelo produto desta, devendo ser reclamados em acção própria, como é o caso dos autos.
A Ré contestou alegando que os créditos aqui reclamados se encontram reconhecidos no processo de insolvência em conformidade com o disposto no art.º129º, do CIRE, constando na respectiva relação de créditos sob os números 88 - €25.780,90, 90 - €27.568,74 e 102 - €13.346,47, relação esta que não foi objecto de qualquer impugnação ou reclamação.
Requer assim a improcedência da acção com a sua consequente absolvição dos pedidos aqui formulados pelos autores.
Os autores responderam reiterando as respectivas posições já antes vertidas nos autos.
Os autos prosseguiram os seus termos, sendo proferida a seguintes decisão, cujo conteúdo aqui se reproduz integralmente:
“Na presente acção, instaurada em 15.1.2015, pretendem os Autores seja reconhecido serem os mesmos credores, por terem sido trabalhadores da insolvente até os respectivos contratos de trabalho terem cessado por despedimento, dos valores de €26.588,12, €28.541,87 e €14.441,70, respectivamente, não pagos pela insolvente.
Na contestação apresentada, ademais, alegou a Ré que os créditos dos ora Autores se encontram reconhecidos em sede de Processo de Insolvência, na relação de créditos reclamados e reconhecidos pelo Administrador da Insolvência, em conformidade com o disposto no art. 129º do CIRE, aí constando sob os números 88 - €25.780,99, 90 - €27.568,74 e 102 - €13.346,47, respectivamente, nunca tendo reclamado ou impugnado a indicada lista.
Para a presente decisão, estão assentes os seguintes factos:
1. Nos autos principais a que estes seguem apensados, foi proferida em 26.3.2012 sentença que declarou em estado de insolvência a devedora E…, S.A., tendo esta vindo, em 24.4.2012, apresentar Plano de Insolvência.
2. Também o Sr. Administrador da Insolvência nomeado juntou aos autos, em 27.7.2012, Plano de Insolvência, tendo posteriormente introduzido algumas alterações.
3. O plano de insolvência apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência foi sujeito a votação dos credores, tendo sido aprovado por 89,95% (cf. fls. 951 e seguintes) e foi alvo de sentença de homologação, proferida em 9.4.2014 (fls. 1318/1319). Posteriormente sujeita a complemento, no apenso E, em 29.12.2014 (fls. 867 a 869, ora do apenso E).
4. Esta sentença foi alvo de diversos recursos, os quais foram admitidos por despacho proferido a fls. 1870 (datado de 25.6.2014) e deram origem ao apenso E, de recurso de apelação em separado.
5. Em tal apenso, o Tribunal da Relação do Porto proferiu, em 1 de Junho de 2015, acórdão que julgou improcedentes os diversos recursos e manteve a sentença que homologou o plano de insolvência, acórdão que já transitou em julgado.
6. E nessa sequência, foi em 9.11.2015 proferido despacho de encerramento do processo de insolvência, nos termos do art 230º, al. b), do CIRE (fls. 1982).
7. No apenso de reclamação de créditos, constam da lista referida no art. 129º do CIRE, apresentada em 11.06.2012, entre outros, os seguintes credores:

88 – B… - €25.780,99, crédito privilegiado
90 – C… - €27.568,74, crédito privilegiado
102 – D… - €13.346,47, crédito privilegiado.
8. B…, C… e D… não apresentaram impugnação à lista referida em 7.
9. No âmbito dos autos de insolvência, não se procedeu a qualquer apreensão e liquidação de bens.
10. De acordo com o plano de insolvência aprovado, “os créditos dos trabalhadores serão pagos na sua totalidade, com perdão integral dos juros, no prazo de 60 (sessenta) dias após o trânsito em julgado da sentença que homologa o Plano da Insolvência”.
11. E no que diz respeito aos créditos dos trabalhadores em resultado do despedimento colectivo, de acordo com o plano de insolvência aprovado: “- os créditos decorrentes da cessação de contratos de trabalho que são objecto de despedimento colectivo serão liquidados na data da cessação do contrato; - as indemnizações por antiguidade serão liquidadas nos mesmos prazos e condições estabelecidas para os créditos comuns. A saber: a) consolidação dos créditos comuns no montante correspondente apenas ao capital; b) perdão integral doe juros vencidos e vincendos; c) perdão de 70% do valor dos créditos após a consolidação nos dois pontos anteriores; d) pagamento de 30% dos créditos comuns em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira uma ano após o trânsito em julgado da sentença homologatória”.
12. Não foi, ainda, proferida sentença de mérito.
*
Dispõe o art.233º, n.º 2, al. b) do CIRE que o encerramento do processo antes do rateio final determina a extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, excepto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no art.140º, ou se o encerramento decorrer da aprovação de plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as acções cujos autores assim o requeiram, no prazo de trinta dias.
Acrescenta o n.º 4 deste mesmo preceito legal que exceptuados os processos de verificação de créditos, qualquer acção que corra por dependência do processo de insolvência e cuja instância não se extinga, nos termos da alínea b) do n.º 2, nem deva ser prosseguida pelo administrador da insolvência, nos termos do plano de insolvência, é desapensada do processo e remetida para o tribunal competente, passando o devedor a ter exclusiva legitimidade para a causa, independentemente de habilitação ou do acordo da contraparte.
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Volume II, Quid Juris, 2005, pág. 177), “a ressalva de o processo ter terminado na decorrência da aprovação e homologação de um plano de insolvência só ganha autonomia quando isso suceda sem que tenha ainda sido proferida a sentença de verificação, porquanto, no caso contrário, a não produção do efeito geral, nos termos em que está consignado, é coberta pela primeira parte da excepção contemplada no n.º 2, al. b), e resulta dela”.
“… a exigência de proferimento da sentença de verificação de créditos, mesmo depois da homologação judicial de um plano de insolvência com a consequência da extinção do processo principal, constituiria, se fosse de considerar, uma importante novidade. Natural seria, pois, que o legislador, sendo esse o pensamento legislativo, a expressasse em termos suficientemente esclarecedores, o que, decerto, não podia deixar de se traduzir numa redacção formal substancialmente diferente de do preceito.”
“Isto dito, bem vistas as coisas, apesar de alguma aparência do contrário a que acima de alude, a verdade é que, mesmo quando a lista de credores foi impugnada, não há verdadeiramente analogia com o recurso da sentença de verificação de créditos que fundamenta, por si só, a não extinção da respectiva instância. É que, num caso, já há sentença e no outro não!”
“Neste contexto, cremos que, no caso de o processo judicial ter terminado na decorrência de um plano de insolvência, não estando, como é pressuposto, proferida sentença de verificação de créditos, apenas se salvaguarda a continuação das acções pendentes de restituição e separação de bens já liquidados cujos autores assim requeiram, no prazo de trinta dias”.
O que faz a nosso ver todo o sentido, pois de acordo com o disposto no art. 217º, n.º 1 do CIRE, “com a sentença de homologação (do plano de insolvência) produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo plano de insolvência, sem excepção daqueles que não tenham sido reclamados ou verificados”.
Referem ainda os autores em apreço que “O n.º 4 estabelece os efeitos do encerramento do processo de insolvência sobre acções que corram por dependência dele, mas apenas quanto a algumas delas. Com efeito, o preceito em anotação começa logo por excluir da sua estatuição os processos de verificação de créditos. Por outro lado, resulta da sua letra que este número só se aplica: a) às acções cuja instância não se extinga por força do disposto na al. b) do n.º 2; b) e que não devam ser prosseguidas pelo administrador da insolvência (al. c) do n.º 2). Fixado assim o âmbito de aplicação do preceito, as acções nele abrangidas são desapensadas do processo e remetidas ao tribunal com competência para as decidir. (…). Sem embargo deste regime, que se compreende pelo carácter oficioso da remessa da acção ao tribunal competente, não está excluída a hipótese de o devedor ter de invocar no processo a qualidade e os termos em que nele intervém, caso tal não resulte do processo remetido ou dos elementos que acompanham a remessa, como, em princípio, deveria constar. Do n.º 4 resulta, ainda, por força das excepções nele contidas, que o tribunal do processo mantém a competência para as acções que devam ser prosseguidas pelo administrador da insolvência e, naturalmente, para o que respeita à verificação de créditos que, igualmente, deva continuar.”
Aqui chegados, podemos dizer (sem nos determos sobre a circunstância e suas consequências de, à data em que foi apresentada esta acção, haverem já sido reconhecidos aos autores créditos no âmbito do processo de insolvência, os quais não os impugnaram) que nestes autos está em causa uma verificação de créditos. Verificação de créditos que, no entanto, não pode prosseguir os seus termos, por força do preceituado no art.217º, n.º 1 e 233º, n.º 2, al. b), ambos do CIRE, ainda que pretendendo os Autores a “qualificação” dos créditos em causa como se tratando de créditos sobre a massa insolvente (inexistindo, como vimos, massa insolvente, pois não foram apreendidos nem liquidados bens).
Pelo exposto, e ao abrigo do artigo 233.º, nº 2, al. b), primeira parte, do CIRE, julgo extinta a presente instância.
Custas pelos Autores (cf. artigo 536º, n.º 3, primeira parte, do CPC).
Registe e notifique.”“.
*
Inconformados com o conteúdo desta decisão da mesma vieram recorrer os autores, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
Não foram apresentadas contra alegações.
Foi emitido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos autores/apelantes nas suas alegações (cf. os artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o conteúdo das mesmas conclusões:
I
O tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto.
II
Por relevarem à decisão da causa e se mostrarem admitidos por acordo, outrossim por provados através dos documentos anexados à p.i. sob os n.ºs 13 a 15, cuja autoria e assinatura, atribuídas à ré, não foram por ela questionados, deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, de modo a que passem a constar como provados os seguintes factos alegados na petição inicial:
“i)
Todos os autores são filiados no Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do Norte (SITE - NORTE), o qual, por sua vez, integra a FIEQUIMETAL - Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgica, Química, Farmacêutica, Eléctrica, Energia e Minas (ex FSTIEP).
ii)
Os serviços jurídicos prestados pelo SITE NORTE aos autores são gratuitos.
iii)
O último rendimento ilíquido, anual, dos autores foi, como se evidencia das respectivas declarações de IRS, respectivamente de: 10.033,46 €, o 1.º; 11.790,00 €, o 2.º; e 12.410,55 €, o 3.º.
iv)
Os autores foram admitidos ao serviço da E…, S.A., nif ………, sediada na Rua …, …, …. - … Porto, para, contra remuneração, trabalharem sob as suas ordens, direcção e fiscalização, nas seguintes datas:
a)12 de Fevereiro de 1979, o 1.º;
b)17 de Julho de 1984, a 2.ª; e,
c)27 de Março de 2000, a 3.ª.
v)
Os autores exerciam as funções correspondentes às categorias profissionais de: “empregado de armazém”, o 1.º; “técnico analista químico”, a 2.ª; e, “controladora de qualidade” a 3.ª.
vi)
Como contrapartida da disponibilidade dos autores para o trabalho, a sua entidade patronal vinha-lhes pagando, com a periodicidade e pelas proveniências infra concretizadas, as seguintes quantias:
I – ao B…:
a) 709,00€, mensais, a título de salário base;
b) 10,24€, mensais, a título de diuturnidades;
c) 6,50€ por cada dia de trabalho prestado, a título de subsídio de alimentação;
II – à C…:
a) 883,00€, mensais, a título de salário base;
b) 10,24€, mensais, a título de diuturnidades;
c) 6,50€ por cada dia de trabalho prestado, a título de subsídio de alimentação; e,
III – à D…:
a) 883,00€, mensais, a título de salário base;
b) 10,24€, mensais, a título de diuturnidades;
c) 6,50€ por cada dia de trabalho prestado, a título de subsídio de alimentação.
vii)
Como dos autos principais se vê, a E…, S.A., entidade patronal dos autores, veio requerer a sua declaração de insolvência, pedindo, concomitantemente, a sua continuidade após apresentação de plano de recuperação.
viii)
Também como dos autos principais ressuma, por douta decisão de 26 de Março de 2012, já transitada em julgado, foi a E…, S.A. declarada insolvente com carácter pleno,
ix)
mantendo-se, contudo, em actividade, tal-qualmente ainda hoje sucede,
x)
sob a sua própria administração.
xi) Por cartas registadas com aviso de recepção, datadas de 05/08/2014, a E…, S.A., comunicou a todos e a cada um dos demandantes a cessação, com efeitos a 22/10/2014, dos contratos de trabalho que com eles mantinha, no âmbito de um procedimento de despedimento colectivo.
xii)
Acontece que, até hoje, não foram pagas aos autores, encontrando-se em dívida, as compensações a que alude o art.366.º, do Cód. Trabalho e que, computadas em conformidade com as regras constantes do art. 5.º, da Lei 62/2013, montam às seguintes quantias:
I – ao B… = 24.385, 95€;
II – à C… = 26.339,70€; e,
III – à D… = 12.239,53€.
xiii)
Mas, para além destas, também não foram pagas aos autores, encontrando-se ainda em dívida, as quantias correspondentes ao prémio de assiduidade, no valor de 50,00€, mensais, desde 1/2/2013 até à data do despedimento,
xiv)
o mesmo sucedendo, com abrangência do mesmo período de tempo, em relação aos subsídios de alimentação.”
III
O Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do direito.
IV
A massa insolvente é o património autónomo composto por todos os bens actuais e futuros do devedor, à data da declaração de insolvência, e que fica adstrito à satisfação dos direitos dos credores.
V
No caso dos autos, porque foi aprovado e judicialmente homologado um plano de insolvência, a administração da massa insolvente da ré manteve-se sempre assegurada pela própria, sob a fiscalização do administrador de insolvência.
VI
A sentença que decretou a insolvência da ré foi prolatada em 26/03/2012 e a decisão de despedir os autores, no âmbito do processo de despedimento colectivo, foi-lhes comunicada em 05/08/2014, para produzir efeitos a 22/10/2014.
VII
Dado o princípio da imunidade dos contratos de trabalho à declaração de insolvência do empregador, que o Código do Trabalho consagra no artigo 347.º, n.º 1, a decisão de despedimento dos autores consubstancia um acto de gestão e administração da massa insolvente da ré, sendo esta a responsável pelo pagamento dos correspectivos créditos, nos termos do disposto nos artigos 51.º, alínea c) e 172.º, ambos do CIRE.
VIII
Como assim, os créditos que os recorrentes reclamam sobre a recorrida na presente acção, designadamente as compensações previstas no artigo 366.º do Código do Trabalho, emergiram das apontadas cessações contratuais e venceram-se nas datas em que as mesmas se concretizaram, no caso, 22/10/2014, pelo que são créditos sobre a massa insolvente, cujo pagamento não está sujeito ao concurso de créditos da insolvente.
IX
Constituindo-se os créditos dos autores sobre a massa insolvente, o encerramento do processo de insolvência não acarreta qualquer outro efeito que não, como se dispõe no art.233.º, n.º 1, alínea d), do CIRE, a possibilidade de os autores o passarem a exigir directamente da ré.
X
O tribunal a quo, ao decidir como decidiu, fez incorrecta interpretação e aplicação das normas insertas nos arts. 607.º, n.º 4, Cód. Proc. Civil e 376.º, n.º 1, do Cód. Civil; 46.º, n.º 1, 51.º, n.º 1, c), 172.º, n.º3 e 233.º, n.º 1, alínea d), estes, todos do CIRE; e 347.º, n.º 1, do Cód. do Trabalho.
Termos em que, sempre com o Mui Douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença que declara extinta a instância, substituindo-se-a por outra de julgue a acção procedente por provada e condene a recorrida no pedido formulado na p.i.; ou, caso assim se não entenda, que ordene o prosseguimento dos ulteriores termos do processo.
*
Face ao antes exposto resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas neste recurso:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A revogação/confirmação da decisão que julgou extinta a instância.
Quanto à primeira destas duas questões importa dizer desde logo o seguinte:
Resulta confirmado que os factos cujo aditamento à matéria de facto os autores/apelantes agora propõem foram por si alegados na petição inicial (cf. artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º e 13º da mesma peça processual).
Como também se comprova dos autos, na sua contestação (cf. art.º1º), a ré/apelada fez constar forma expressa e inequívoca que aceitava como verdadeiros, os factos vertidos pelos autores nos referidos artigos da petição inicial.
Ora todos sabemos que a confissão, no plano jurídico-substantivo que é aquele no qual se insere sistematicamente o art.º 352º do Código Civil, não se confunde com a simples alegação de um facto feita pelo mandatário da parte em articulado processual.
Por outro lado, todos aceitam que não se pode confundir a admissão dos factos por acordo, também designada por confissão tácita ou pela expressão latina «confessio ficta» resultante do efeito cominatório pleno ou semi-pleno ou do incumprimento do ónus de impugnação especificada, com a confissão como meio de prova, de que trata o preceito legal indicado.
A confissão feita fora dos articulados também pode adquirir força probatória plena, como modalidade de confissão judicial, designadamente quando feita espontaneamente, mas carece de ser «firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado» (cf. o art.º 356º/1 do CC), o que não é o caso presente.
Como ensinava o Prof. Antunes Varela, “as declarações confessórias feitas pelo advogado, oralmente ou por escrito, com simples procuração «ad litem», não valem como confissão” (Código Civil anotado, I, 4ª edição, pág.316).
No entanto tal exigência de poderes especiais não é necessária quando a confissão, expressa ou tácita, é feita nos articulados.
Sabe-se igualmente que a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, segundo dispõe o art.º 352º do Código Civil.
Segundo o Prof. Alberto dos Reis: “A confissão nos articulados consiste em o réu reconhecer, na contestação, como verdadeiros, factos afirmados pelo autor na petição inicial, ou em o autor reconhecer, na réplica, como verdadeiros, factos afirmados pelo Réu, na contestação, ou em o réu reconhecer, na tréplica, factos afirmados pelo autor na réplica” (Código de Processo Civil, anotado, IV, pág. 86).
Ora, nos autos os autores ora apelantes alegaram factos que no caso são desfavoráveis à ré/apelada.
Por isso e reconhecendo esta última tais factos e de modo expresso como verdadeiros, há confissão pois confissão da ré no que toca aos mesmos.
Em suma, quanto a este ponto procedem os argumentos recursivos dos autores /apelantes.
Assim sendo e atento o disposto no art.º662º, nº1 do CPC, modifica-se a decisão de facto antes proferida, tendo-se agora como assentes os seguintes factos.
1-Todos os autores são filiados no Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do Norte (SITE - NORTE), o qual, por sua vez, integra a FIEQUIMETAL - Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgica, Química, Farmacêutica, Eléctrica, Energia e Minas (ex FSTIEP).
2-Os serviços jurídicos prestados pelo SITE NORTE aos autores são gratuitos.
3-O último rendimento ilíquido, anual, dos autores foi, como se evidencia das respectivas declarações de IRS, respectivamente de: 10.033,46€, o 1.º; 11.790,00€, o 2.º; e 12.410,55€, o 3.º.
4-Os autores foram admitidos ao serviço da E…, S.A., nif. ………, sediada na Rua …, …, …. - … Porto, para, contra remuneração, trabalharem sob as suas ordens, direcção e fiscalização, nas seguintes datas:
a)12 de Fevereiro de 1979, o 1.º;
b)17 de Julho de 1984, a 2.ª; e,
c)27 de Março de 2000, a 3.ª.
5-Os autores exerciam as funções correspondentes às categorias profissionais de: “empregado de armazém”, o 1.º; “técnico analista químico”, a 2.ª; e, “controladora de qualidade” a 3.ª.
6-Como contrapartida da disponibilidade dos autores para o trabalho, a sua entidade patronal vinha-lhes pagando, com a periodicidade e pelas proveniências infra concretizadas, as seguintes quantias:
I – ao B…:
a) 709,00€, mensais, a título de salário base;
b) 10,24€, mensais, a título de diuturnidades;
c) 6,50€ por cada dia de trabalho prestado, a título de subsídio de alimentação;
II – à C…:
a) 883,00€, mensais, a título de salário base;
b) 10,24€, mensais, a título de diuturnidades;
c) 6,50€ por cada dia de trabalho prestado, a título de subsídio de alimentação; e,
III – à D…:
a) 883,00€, mensais, a título de salário base;
b) 10,24€, mensais, a título de diuturnidades;
c) 6,50€ por cada dia de trabalho prestado, a título de subsídio de alimentação.
7-Como dos autos principais se vê, a E…, S.A., entidade patronal dos autores, veio requerer a sua declaração de insolvência, pedindo, concomitantemente, a sua continuidade após a apresentação de plano de recuperação.
8-Nos autos principais a que estes seguem apensados, foi proferida em 26.3.2012 sentença que declarou em estado de insolvência com carácter pleno a devedora E…, S.A., tendo esta vindo, em 24.4.2012, apresentar Plano de Insolvência, mantendo-se, contudo, em actividade, tal-qualmente ainda hoje sucede.
9. Também o Sr. Administrador da Insolvência nomeado juntou aos autos, em 27.7.2012, Plano de Insolvência, tendo posteriormente introduzido algumas alterações.
10-O plano de insolvência apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência foi sujeito a votação dos credores, tendo sido aprovado por 89,95% (cf. fls. 951 e seguintes) e foi alvo de sentença de homologação, proferida em 9.4.2014 (fls. 1318/1319). Posteriormente sujeita a complemento, no apenso E, em 29.12.2014 (fls. 867 a 869, ora do apenso E).
11-Esta sentença foi alvo de diversos recursos, os quais foram admitidos por despacho proferido a fls. 1870 (datado de 25.6.2014) e deram origem ao apenso E, de recurso de apelação em separado.
12- Em tal apenso, o Tribunal da Relação do Porto proferiu, em 1 de Junho de 2015, acórdão que julgou improcedentes os diversos recursos e manteve a sentença que homologou o plano de insolvência, acórdão que já transitou em julgado.
13-E nessa sequência, foi em 9.11.2015 proferido despacho de encerramento do processo de insolvência, nos termos do art.º230º, al. b), do CIRE (fls. 1982).
14-No apenso de reclamação de créditos, constam da lista referida no art.129º do CIRE, apresentada em 11.06.2012, entre outros, os seguintes credores:
88 – B… - €25.780,99, crédito privilegiado
90 – C… - €27.568,74, crédito privilegiado
102 – D… - €13.346,47, crédito privilegiado.
15 - B…, C… e D… não apresentaram impugnação à lista referida em 7.
16 - No âmbito dos autos de insolvência, não se procedeu a qualquer apreensão e liquidação de bens.
17 - De acordo com o plano de insolvência aprovado, “os créditos dos trabalhadores serão pagos na sua totalidade, com perdão integral dos juros, no prazo de 60 (sessenta) dias após o trânsito em julgado da sentença que homologa o Plano da Insolvência”.
18 - E no que diz respeito aos créditos dos trabalhadores em resultado do despedimento colectivo, de acordo com o plano de insolvência aprovado: “- os créditos decorrentes da cessação de contratos de trabalho que são objecto de despedimento colectivo serão liquidados na data da cessação do contrato; - as indemnizações por antiguidade serão liquidadas nos mesmos prazos e condições estabelecidas para os créditos comuns. A saber: a) consolidação dos créditos comuns no montante correspondente apenas ao capital; b) perdão integral doe juros vencidos e vincendos; c) perdão de 70% do valor dos créditos após a consolidação nos dois pontos anteriores; d) pagamento de 30% dos créditos comuns em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira uma ano após o trânsito em julgado da sentença homologatória”.
19 - Não foi, ainda, proferida sentença de mérito.
É pois com estes elementos de facto que cabe apreciar e decidir a segunda das questões aqui suscitadas.
Para tanto é desde logo essencial começar por verificar qual é o fundamento ou razão de ser da declaração de extinção da instância em acções declarativas instauradas contra o insolvente destinadas a obter o reconhecimento de determinado crédito.
Como resulta da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2014, para uniformização de jurisprudência, “Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência;
- A partir daí, os direitos/créditos que a Autora pretendeu exercitar com a instauração da acção declarativa só podem ser exercidos durante a pendência do processo de insolvência e em conformidade com os preceitos do CIRE – cujos momentos mais marcantes da respectiva disciplina deixámos dilucidados –, seja por via da reclamação deduzida no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência (…e, no caso, a A. não deixou de o fazer), seja pela sua inclusão na listagem/relação subsequentemente apresentada pelo administrador da insolvência, não subsistindo qualquer utilidade, efeito ou alcance (dos concretamente peticionados naquela acção), que justifiquem, enquanto fundado suporte do interesse processual, a prossecução da lide, assim tornada supervenientemente inútil.”.
Como é sabido, esta doutrina resulta do disposto no n.º 1, do artigo 1.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março), onde se determina que “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.”.
Sendo o processo de insolvência uma execução universal, todos os créditos sobre o falido devem ser invocados e discutidos neste processo perante o insolvente e todos os restantes credores, não o podendo ser em outro processo.
De igual forma, todos os bens do insolvente são apreendidos para o processo de insolvência, com vista a dar pagamento aos credores através deles.
Daí que se considere que quaisquer pretensões patrimoniais sobre o insolvente não sejam possíveis fora do processo de insolvência.
Estamos pois perante uma opção do legislador, que certamente considerou ser a mais adequada aos fins do processo de insolvência.
Resulta pois evidente que para conseguir este objectivo, o legislador não quis permitir que durante a pendência do processo de insolvência um credor faça valer os seus direitos fora deste processo.
Perante tal entendimento não podem pois os autores ora apelantes fazer valer os direitos relativos aos créditos em apreço nos autos fora do processo de insolvência da ré/apelada e no qual foi já proferida sentença entretanto transitada em julgado.
E a tal conclusão não obstam os argumentos recursivos aqui trazidos pelos autores/apelantes e que no fundo são aqueles que estão melhor identificados nas conclusões III a X das suas alegações.
Em suma, contrariamente ao que agora se defende ao decidir-se como se decidiu, não se fez uma correcta interpretação e aplicação das normas dos artigos 46º, nº1, 51º, nº1, c) 172º, nº3 e 233º, nº1, d) do CIRE e 374º, nº1 do CT.
Impõe-se por isso a confirmação da decisão recorrida.
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Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se do seguinte modo o recurso de apelação aqui interposto:
1º) Procedente quanto à impugnação da decisão da matéria de facto;
2º) Improcedente quanto às questões de direito, confirmando-se assim nesta parte a decisão proferida.
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Custas a cargo dos autores/apelantes (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 27 de Setembro de 2018
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
José Manuel de Araújo Barros