Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
630/06.7PCMTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
Nº do Documento: RP20110309630/06.7pcmts-A.P1
Data do Acordão: 03/09/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A decisão de conversão da multa em prisão subsidiária, ao abrigo do nº 1 do art. 49º do Código Penal, deve ser notificada ao condenado por contacto pessoal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 630/06.7pcmts-A.P1

Acordam em conferência na 2.ª Secção Criminal (4.ª Secção Judicial) do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

1. O Ministério Público – 2.ª Secção dos Serviços do Ministério Público de Matosinhos - não se conformando com o despacho judicial proferido a fls. 140 a 142 dos autos principais (fls. 17 a 19 deste recurso em separado), em 25.10.2010, que ordenou a notificação do arguido/condenado B…, através de contacto pessoal directo para cumprir a pena de prisão subsidiária de 53 dias, em virtude daquele não ter pago a multa, não ser possível obter o pagamento coercivo e o condenado não ter requerido a prestação de trabalho a favor da comunidade, com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1. – Recorre-se do despacho que ordena a notificação mediante contacto pessoal de despacho que converte a pena de multa originalmente aplicada ao arguido em dias de prisão subsidiária.

2. – A decisão recorrida é contrária à interpretação seguida no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n° 6/2010, publicado no DR de 21 de Maio de 2010, na parte da decisão em que se consagra que «111 — A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de `contacto pessoal' como a `via postal registada, por meio de carta ou aviso registados' (16) ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso»[artigo 113.º , n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP)».

3. – Existe analogia entre a decisão de que se recorre e a situação apreciada no AUJ citado, mostrando-se perfeitamente aplicáveis ao caso sub judice, as razões subjacentes à Jurisprudência obrigatória.

4. - A forma de notificação por via postal simples com prova de depósito, ainda que menos garantística, não representa qualquer compressão da liberdade do arguido, pelo que inexiste razão para que, nessa parte, o efeito automático previsto no art. 214.° do CPP, afecte igualmente a forma de notificação prevista no art.113.°, n.º 3 do CPP;

5. - O contraponto de um amplo cumprimento do princípio de contraditório em benefício do arguido, em vários momentos do processo até ao julgamento não deve ser, depois da sua condenação, a consagração da total ausência de deveres processuais;

6. - As informações prestadas ao arguido no que concerne à forma da notificação dos actos devem permanecer válidas até ao termo do processo, sendo certo que nenhuma expectativa legítima terá um arguido condenado de que depois da sua condenação, beneficiará de regime distinto, mais favorável;

7. - A possibilidade de comunicar alterações de residência, pelo arguido, não tem a natureza de medida de coacção mas, outrossim, consiste em faculdade cujo exercício se traduz num resultado positivo ou favorável para o respectivo estatuto jurídico-processual;

8. - A opção pela notificação pessoal como regime-regra de notificação, após o transito da sentença condenatória é contrária a razões de certeza e regularidade na tramitação do processado, beneficiando-se assim os arguidos condenados relativamente aqueles que, ainda não tendo sido julgados, presumem-se inocentes;

9. – Com o devido respeito, a Mm.a Juíza a quo, fez incorrecta aplicação da Lei e violou, nessa medida o disposto nos arts. 49°, n°1 do Código Penal e 113°, n.s 1 e 9, 196°, n°2 e 3, 214°, n°1, al. e) e 333°, n°5 e 6, todos do CPP;

10. - Nestes termos, deve a douta decisão judicial em causa ser revogada e substituída por outra que considere o despacho de fls.135 regularmente notificado e ordene a emissão de mandados de detenção para cumprimento de prisão subsidiária.
Assim, deverá dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido, ordenando-se à Mma. Juíza a quo, em harmonia com as conclusões expostas, que considere o despacho de fls. 360 regularmente notificado à arguida e ordene a emissão de mandados de detenção para cumprimento de prisão subsidiária (fim de transcrição).

2. – O arguido/condenado nada disse.

3. – O(A) Exmo(a). Sr.(a) Procurador(a) Geral-Adjunto(a) neste tribunal emitiu, em síntese, parecer no sentido de não admissão do recurso.

4. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, respondeu o arguido, mantendo o anteriormente já alegado e por si concluído.

5. Efectuado o exame preliminar, foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso, o qual foi bem admitido e no efeito adequado.

6. - Corridos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A) - O âmbito do recurso
O âmbito do recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelos recorrentes nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso, como se extrai do disposto nos art.ºs 403.º, 412.º n.º 1 e no art.º 410.º n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal[1].
Após analisar as conclusões do recorrente, constatamos que a única questão a decidir consiste em apurar se o condenado devia ter sido, ab initio, notificado através de contacto pessoal ou se era suficiente a notificação através de via postal simples, por meio de carta ou aviso depositado na caixa de correio, nos termos do art.º 113.º n.ºs 1 al. c), 3, 4 e 6 do CPP.
B) Resultam dos autos, além do mais que a este caso não interessam, os seguintes factos:
a) Por despacho proferido em 13.09.2010, a fls. 135 do processo principal e 14 destes autos de recurso, foi decidido, na sequência de promoção do Ministério Público, o cumprimento pelo condenado de prisão subsidiária pelo tempo correspondente à multa não paga, reduzida a dois terços, ou seja, 53 (cinquenta e três) dias de prisão e a notificação do condenado por via postal simples, com prova de depósito, conforme doutrina do Acórdão para Fixação de Jurisprudência n.º 6/2010, de 21 de Maio, o que foi efectuado.
b) Posteriormente, o mesmo juiz, reconsiderou a forma de notificação anteriormente ordenada, considerando que o acórdão para fixação de jurisprudência citado não era adequado a aplicar-se ao caso concreto.
c) A condenação em multa já havia transitado em julgado quando foi proferido o despacho recorrido e o de 13.09.2010.
***
C) Apreciação

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Abril de 2010[2], fixou jurisprudência no sentido de que: “i - Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. ii - O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de «as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada»). iii - A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Penal]”.
Prescreve o art.º 445.º do CPP que a decisão que resolver o conflito (entre julgados opostos) tem eficácia no processo em que o recurso foi interposto e nos processos cuja tramitação tiver sido suspensa nos termos do n.º 2 do art.º 441.º (n.º 1).
A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência relativa àquela decisão (n.º 3).
O fundamento para fixação de jurisprudência reside na prolação de duas decisões opostas, sobre a mesma questão de direito (art.º 437.º n.ºs 1, 2 e 3 do CPP).
Ao analisarmos a questão de direito em causa nestes autos e aquela que foi apreciada no acórdão para fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, logo vemos que a questão de direito não é a mesma.
Embora tenha em comum a questão de direito relativa a notificação efectuada através de contacto directo ou pela via postal simples, por meio de carta ou aviso, a depositar na caixa de correio do condenado, com observância das formalidades previstas no artigo 113.º, n.ºs 1, alíneas a) e c) n.ºs 3, 4 e 6 do CPP, o certo é que o objecto das notificação não é o mesmo.
No acórdão do STJ, n.º 6/2010, fixou-se jurisprudência para o caso de notificação de despacho que revogou a suspensão da pena de prisão, nos termos do art.º 56.º do Código Penal, enquanto que no caso destes autos trata-se da notificação do despacho que ordenou o cumprimento pelo condenado de prisão subsidiária pelo tempo correspondente à multa não paga, reduzida a dois terços, nos termos do art.º 49.º do mesmo diploma legal.
Os valores em causa nos dois casos têm particular intensidade normativa.
Todavia, o objecto em discussão no acórdão para fixação de jurisprudência citado não se debruçou sobre a mesma questão substantiva, qual seja, aquela que foi decidida pelo despacho recorrido.
A questão de direito referente à análise das notificações em processos criminais, após ter sido proferida uma decisão transitada em julgado, confinou-se, no referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, a um objecto diferente daquele que está em discussão nestes autos: a obrigatoriedade da notificação do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão ser efectuada ao defensor do condenado e a este, podendo a mesma, quanto ao condenado, assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso», (artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Penal).
Assim, entendemos que o mencionado acórdão para fixação de jurisprudência n.º 6/2010, do Supremo Tribunal de Justiça, não se aplica ao caso concreto em análise neste recurso, daí que o despacho recorrido não tenha decidido contra aquele acórdão de fixação de jurisprudência.
Aliás, o despacho recorrido indica os motivos que levaram o tribunal a optar pela necessidade de notificação do arguido através de contacto pessoal, nos casos em que está em causa levar ao conhecimento efectivo do condenado o despacho que converte a pena de multa em pena de prisão.
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Prescreve o art.º 214.º n.º 1 al. e) do CPP que as medidas de coacção extinguem-se de imediato com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Embora seja a menos gravosa, o certo é que o termo de identidade e residência está inserido no Título II – Das medidas de Coacção, Capítulo I – Das Medidas Admissíveis, do CPP.
Assim, o trânsito em julgado da decisão que condenou o ora recorrido a uma pena de multa teve como efeito legal a imediata extinção do termo de identidade e residência.
O termo de identidade e residência é uma medida de coacção, nos termos do art.º 196.º do CPP, sendo que o seu número 4 prescreve que é sempre cumulável com qualquer outra das previstas no presente livro, o que deixa entrever que é uma delas[3].
Este facto é muito importante, pois dele decorre a extinção de todas as obrigações inerentes ao mesmo.
Na verdade, prescreve o artigo 196.º do CPP que:
1- A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º.
2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º.
Após a extinção desta medida de coacção, por via do trânsito em julgado da decisão condenatória, o arguido condenado, para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, deixa de estar obrigado a indicar a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha ou a mudança.
Ao cessar a obrigação de comunicar ao tribunal onde se encontra, ou se mudou de residência, o tribunal deixa de ter a certeza, derivada da obrigação legal imposta pela medida de coacção entretanto extinta, que o arguido ainda reside no mesmo local e que pode notificá-lo através de via postal simples com prova de depósito.
Daí que o tribunal se deva munir de especiais cautelas e recorrer a outra forma de levar ao conhecimento do arguido condenado o conteúdo da decisão que o afecta.
Daqui resulta que todas as notificações posteriores à extinção do termo de identidade e residência devem ser efectuadas através de uma via que garanta a certeza de que o condenado teve conhecimento da decisão que afecta os seus direitos, liberdades e garantias, como é a decisão que converte a pena de multa em pena de prisão (art.º 49.º do CP) e ordena a emissão de mandados de detenção para o cumprimento da mesma reduzida para dois terços.
Nesta conformidade, entendemos que o despacho judicial recorrido, ao ordenar a notificação através de contacto pessoal, é aquele que garante de forma eficaz a certeza de que o arguido condenado tem conhecimento efectivo da decisão que ordena a sua detenção com vista a cumprir 53 dias de prisão subsidiária da multa e aquele que melhor se enquadra no espírito constitucional do respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos[4].
Face ao exposto, improcede o recurso interposto pelo Ministério Público e confirma-se a decisão recorrida.

III – DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal do Tribunal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Sem custas.
Notifique.
Porto, 09 de Março de 2011
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator – art.º 94.º, n.º 2 do CPP).
Moisés Pereira da Silva
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Acs. STJ, de 24.03.1999, CJ/STJ, VII, p. 247 e de 20-12-2006, in www.dgsi.pt e Ac. do Plenário das secções criminais do STJ, de 19.10.95, publicado no DR I.ª Série-A, de 28.12.95.
[2] Ac STJ, de 15.04.2010, n.º 6/2010, publicado no DR n.º 99, I série, de 21.05.2010, com votos de vencido.
[3] Silva, Germano Marques, Curso de Processo Penal, II, 4.ª edição revista e actualizada, Editorial Verbo, 2008, p. 324 e doutrina aí citada.
[4] Neste sentido, Ac. RP, de 19.01.2011, processo n.º 662/05.2GNPRT-A.P1, http://www.dgsi.pt/jtrp, relatado pela Exma. Juíza-Desembargadora Maria Dolores Silva, aqui adjunta.