Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2061/14.6TBSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: INSOLVÊNCIA
FACTOS PRESUNTIVOS DA INSOLVÊNCIA
PROVA
Nº do Documento: RP201502242061/14.6TBSTS.P1
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objectivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade de, a partir daí, fazer a demonstração efectiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas.
II - Ao requerente cabe então fazer a prova de um qualquer dos factos-índices enumerados no nº 1 do art. 20º do CIRE, podendo o devedor fundar a sua oposição, alternativa ou conjugadamente, na não verificação do facto-índice em que o pedido se baseia ou na inexistência da situação de insolvência.
III - Para que se verifique o facto-índice previsto na alínea b) do nº 1 do art. 20º do CIRE [falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações] torna-se necessário que o requerente alegue e prove, para além da obrigação incumprida, todas as circunstâncias em que ocorreu esse incumprimento, de modo a poder-se concluir que se trata de uma impossibilidade de cumprimento do devedor resultante da sua penúria ou incapacidade patrimonial generalizada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 2061/14.6 TBSTS.P1
Comarca do Porto - Santo Tirso – Inst. Central – 1ª Sec. Comércio – J2
Apelação
Recorrente: B…
Recorrida: “C…, Lda.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
B…, contabilista, residente na Rua …, …, …, Vila Nova de Famalicão, veio requerer a insolvência de “C…, Lda.”, com sede na Rua …, nº .., ….-…, Trofa.
Nesse sentido, alegou o seguinte:
- Exerceu na sociedade “C…, Lda.”, que tem por objecto a actividade de clínica de consulta e orientação psicológica e formação profissional, a actividade de directora financeira até ao dia 24.3.2014, data em que face ao não pagamento do salário vencido no final do mês de Dezembro de 2013 resolveu com justa causa o seu contrato de trabalho, sendo que já lhe eram devidas todas as retribuições desde Agosto de 2012;
- A ré devia-lhe nessa data a quantia global de 51.187,50€;
- A ré deve ainda diversas quantias a vários colaboradores, como sejam D…, E…, F…, G… e H…;
- Deve ao I… cerca de 20.000,00€ e cerca de 25.000,00€ à J…;
- Deve também à empresa “K…, Lda.” cerca de 6.000,00€, tendo ainda outros credores cuja identidade a requerente desconhece.
- As dívidas vencidas da ré superam, no seu montante global, os 100.000,00€.
- A ré não tem meios que lhe permitam liquidar todas as dívidas que a oneram nem possibilidades de recurso ao crédito, nem tem bens de valor suficiente para o efeito, já que o único património que se lhe conhece é o equipamento administrativo e para testes psicológicos, cujo valor não excederá os 4.000,00€;
- Acresce que nos últimos meses, tem a sua actividade de ministrar formação profissional completamente paralisada, não tendo iniciado novos cursos ou acções de formação, pelo que não tem capacidade alguma de gerar novas receitas;
- Por isso, está impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações e o seu passivo é, manifestamente, muito superior ao activo.
A requerida veio deduzir oposição, impugnando, no essencial, a factualidade alegada no requerimento inicial. Pretende, pois, que não seja declarada a sua insolvência.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Foi depois proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a requerida do pedido.
Inconformada com o decidido a requerente B… interpôs recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A A. peticionou que fosse declarada a insolvência da R., alegando para tanto e em síntese, que esta se vinha dedicando, nos últimos anos essencialmente à actividade de formação profissional, para quem trabalhou até 24.3.2014, data em resolveu com justa causa o seu contrato de trabalho, nos termos do artº 394º nº 2 al. a) e nº 5 do Código do Trabalho, sendo que a R. já devia à A. todas as retribuições devidas desde Agosto de 2012, devendo-lhe ainda a indemnização legal pelo despedimento, tudo no montante global de 51.187,50€, quantia essa que a R. não pagou à A. e ainda lhe deve.
2. Alegou ainda que a R. tem vários outros credores a quem deve montantes de vulto incluindo à banca, que não paga, alegando total falta de meios para tal, o que corresponde à verdade, por a R. não ter meios que lhe permitam liquidar todas as dívidas que a oneram nem possibilidades de recurso ao crédito nem ter bens de valor suficiente para o efeito, pois que o único património que se lhe conhece é o equipamento administrativo e para testes psicológicos, cujo valor não excederá os 4.000€, sendo as instalações que ocupa arrendadas.
3. Mais alegou que a R., nos últimos meses, tem a sua actividade principal de ministrar formação profissional completamente paralisada, não tendo iniciado novos cursos ou acções de formação, pelo que não tem capacidade alguma de gerar novas receitas e que, por isso, está impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações, e o seu passivo é, manifestamente, muito superior ao activo, estando a R. em estado de insolvência há, pelo menos, vários meses, já que, além de não ter conseguido pagar a diversos fornecedores e credores, não pagou aos seus colaboradores nem à A. desde Agosto de 2012.
4. A R. opôs-se ao pedido e realizado o julgamento, o tribunal a quo, entre outros factos, deu como provado que:
- A Ré tem por objecto a actividade de clínica de consulta e orientação psicológica e formação profissional;
- A R. vinha-se dedicando, nos últimos anos essencialmente à actividade de formação profissional;
- A A. exerceu, ao serviço da R, a sua actividade profissional de "Directora Financeira", até ao passado dia 24 de Marco de 2014, data em que, em face do não pagamento do salário vencido no final do mês de Dezembro de 2013, resolveu com alegada justa causa o seu contrato de trabalho, nos termos do artº 394° nº 2 al. a) e nº 5 do Código do Trabalho, comunicando tal resolução à R;
- A R. devia à A. todas as retribuições desde Agosto de 2012.
- A R. comunicou a resolução à Segurança Social, emitindo o documento comprovativo da situação de desemprego da A.;
- A A. foi admitida em 15.11.2005, ao serviço da R., inicialmente como técnica de formação, passando depois a exercer as funções de Directora Financeira a partir de 2010, e a ser remunerada como tal;
- A A. auferia mensalmente na R, e já desde 2011, o salário de 1.500,00€;
- Aquando da cessação do seu contrato de trabalho em 24.3.2014, a R. não pagou à Autora:
a)- Os salários dos meses de Agosto de 2012 até Marco de 2014 inclusive, no total de 20 meses no montante de 30.000,00€
b)- O subsídio de Natal vencido em 20l2 no montante de 1.500,00€
c)- O subsídio de férias vencido em 2013 no montante de 1.500,00€
d)- O subsídio de Natal vencido em 2013 no montante de 1.500,00€
- A R. não pagou à A. qualquer quantia respeitante as férias e subsídio de férias vencidos em 1/1/2014, nem os proporcionais das férias, subsídios de férias e de natal de 2014, nem qualquer indemnização.
- O único património que se conhece à R. é o equipamento administrativo e para testes psicológicos, cujo valor ronda os 5.000€.
- As instalações que a R. ocupa são arrendadas.
- A R. nos últimos meses, tem a sua actividade de ministrar formação profissional paralisada, não tendo iniciado novos cursos ou acções de formação.
- A R. tem prosseguido com a sua actividade de consulta que é de menor relevância que a de formação profissional e de onde retira proveitos não apurados.
5. O Mmº Juiz a quo, a partir destes factos e atribuindo o mínimo legal de indemnização, entendeu que os créditos laborais da A. sobre a R., já vencidos e não pagos, são do montante 44.893,50€.
6. Concluiu ainda o Mmº Juiz a quo na sua fundamentação e com base nas declarações da própria gerente da R. que, ao contrário do que deu como não provado, a R., afinal, deve a “bancos” “créditos não vencidos” e cerca de 6.000,00€ à empresa K….
7. Debruçando-se depois sobre a questão de saber se se verificava no caso alguma das situações das previstas no artº 20º nº 1 do CIRE, que constituem fundamento para declarar a insolvência da R., o Mmº Juiz a quo, além do mais, entendeu que a única dívida vencida da R. é aquela de que a autora é credora, mas que só por si, ela não é suficiente para preencher a hipótese da alínea b) do nº 1 do artº 20º do CIRE.
8. Entendeu ainda o Mmº Juiz a quo que “como não estamos diante de um incumprimento generalizado de dívidas emergentes de contrato de trabalho, só está em causa uma trabalhadora, também fica afastada a aplicação da al. g) iii) e, por último, entendeu que não se verifica nenhuma das outras situações previstas nas diversas alíneas do artº 20°, nº 1 do ClRE, concluindo pela improcedência da acção.
9. Diversamente do entendimento plasmado na douta sentença recorrida, entende a A. que se verificaram e provaram factos que presumem a insolvência da R.
10. Desde logo, e antes do mais, é manifesto que além da dívida vencida e não paga à A. de 44.893,50€, a R. tem vários outros credores e dívidas, como sejam as de 6.000,00€ à empresa K…, reconhecida em depoimento pela própria gerente, e as dívidas de valor não apurado ao I…, à L…, Lda, M… e a N…, que a própria R. reconheceu na contestação ao indicar estes credores, para além da A., como sendo os cinco seus maiores credores.
11. Portanto, é liquido que as dívidas da R. são de valor superior a 50.000,00€, e são pelo menos seis os seus credores, pois tal resulta quer da matéria provada quer das declarações da própria gerente da R. quer do teor da contestação.
12. É também inquestionável, porque foi dado como provado, que a R. tem como únicos activos, passíveis de serem penhorados e vendidos, bens móveis de valor na ordem dos 5.000,00€, que ocupa instalações arrendadas, e que nos últimos meses, tem a sua actividade principal de ministrar formação profissional paralisada, não tendo iniciado novos cursos ou acções de formação.
13. Ou seja, é por demais evidente e demonstrado que a R. não tem património ou activos sequer para pagar a dívida já vencida à A. e, se de execução se tratasse, verificar-se-ia de imediato a insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito da A., o que constitui o indício de insolvência previsto na al. e) do nº 1 do artº 20º do CIRE.
14. Por outro lado, sendo enorme a desproporção entre o activo da R. de cerca de 5.000,00€ e a dívida à A. já há muito vencida e não paga de 44.893,50€, correspondente a salários e outros direitos que se venceram desde Agosto de 2012, e estando a R. há muitos meses praticamente inactiva, e tendo ainda outras dívidas para pagar aos pelo menos 5 restantes credores, é manifesto que a falta de cumprimento da obrigação vencida para com a A. de lhe pagar 44.893,50€, pelo seu montante, quase 10 vezes o valor do activo, conjugada com as demais circunstâncias desse incumprimento, revela a real impossibilidade de a R. satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, incluindo a que tem para com a A.
15. A R. não demonstrou que tivesse meios próprios ou alheios para pagar o que deve à A., sendo certo que com o activo apurado em julgamento (cerca de 5.000,00€) tal pagamento será impossível.
16. É assim evidente que se mostra também claramente preenchido o pressuposto de insolvência da R. constante do artº 20º nº 1 al. b) do CIRE.
17. Diversamente do entendido pelo Mmº Juiz a quo, entende a A. que também se verificou, no caso dos autos, o pressuposto de insolvência da R. constante do artº 20º nº 1 al. g) iii) do CIRE, ou seja, verificou-se por parte da R. o incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato, no sentido em que, além de nos últimos 6 meses à data da cessação do contrato de trabalho a A. ser a única trabalhadora em regime de trabalho subordinado da R., esta, de forma sistemática e generalizada, não lhe pagou qualquer dos créditos salariais que se foram vencendo, nem lhe pagou qualquer dos direitos salariais e indemnizatórios decorrentes da cessação do contrato de trabalho. 18. Ao contrário do consignado na douta sentença recorrida, a verdade é que, no caso dos autos, verifica-se ainda a situação prevista na alínea h) do nº 1 do artº 20º do CIRE, pois sendo a R. uma pessoa colectiva e estando, nos termos legais, obrigada a depositar na CRC até Julho de cada ano as contas aprovadas do exercício anterior, o certo é que a R., não procedeu ao depósito na CRC das contas relativas ao exercício de 2012, o que deveria ter feito até Julho de 2013, pelo que à data da propositura da acção já estava com atraso superior a 9 meses previstos na lei.
19. O depósito das contas das sociedades é um acto obrigatório e publicitado on line no “Portal da Justiça” e, da consulta ao mesmo Portal relativamente à R. em http://publicacoes.mj.pt/Pesquisa.aspx resulta que a R., efectivamente, ainda não procedeu ao depósito das contas relativas ao exercício de 2012.
20. Importa ainda ter em conta que, nos termos do Artº 3º nº 2 do CIRE, as pessoas colectivas são também consideradas insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis e, no caso dos autos, pelo que ficou provado, o activo da R. ronda os 5.000,00€ enquanto o seu passivo é claramente superior a 50.000,00€, pelo que estamos indiscutivelmente perante uma clara situação de insolvência.
21. É jurisprudência assente que o incumprimento de só alguma obrigação do devedor constitui facto índice de insolvência quando, pelas suas circunstâncias evidencia a impossibilidade de a pagar, como ficou perfeitamente evidenciado nestes autos, atentas, quer o valor insignificante do activo face ao valor das dívidas sobretudo a dívida à A., quer a paralisação, desde há muito, da actividade dominante da R. de formação profissional, e por isso incapaz de gerar receitas e rendimentos para fazer face às suas dívidas, é razoável deduzir a penúria generalizada da R., a quem, em consequência, nos termos do artº 30º nº 4 do CIRE, cabia provar a sua solvência, demonstrando que está em condições de cumprir as obrigações vencidas. (Nesse sentido Ac. do TRP de 22.9.2014- proc. Nº 258/14.8TJPRT-B.P1 in www.dgsi.pt).
22. Na situação concreta destes autos, atenta a matéria de facto apurada, deve concluir-se que a A. é credora da R. de 44.893,50€, já que lhe assiste o direito ao pagamento dos créditos laborais e à indemnização legal, e a R. não logrou provar o pagamento dos créditos reclamados, nem ainda, qualquer outro facto extintivo do direito da requerente (art. 342º nº 2 CC), pelo contrário, ficou provado que nada lhe pagou, o que significa que não dispõem de liquidez para garantir o pagamento dos débitos.
23. Face ao critério previsto na lei, a solvabilidade do devedor afere-se pela possibilidade de cumprir as obrigações vencidas, o que manifestamente não ocorre na situação presente.
24. Constituía ónus da R. provar que possuía bens ou créditos em valor suficiente que permitissem satisfazer o passivo que a responsabiliza, designadamente a dívida à A., factos que não provou.
25. A R. não logrou provar que dispõe de uma situação económica e financeira que lhe permita solver as obrigações vencidas, designadamente a dívida à A., tendo-se apurado que os bens que possui são totalmente insuficientes para garantir o cumprimento das suas obrigações.
26. Os factos e aspectos enunciados constituem circunstâncias que indiciam a impossibilidade da devedora e R. satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
27. Deve concluir-se, assim, que estão reunidos os pressupostos para decretar a insolvência da R., porquanto a A. logrou provar os factos-indíce, nos termos do art. 20º nº 1 alíneas b), g) iii), e h) do CIRE e a R. não provou a sua solvabilidade, o que deve conduzir à declaração da insolvência da R.
28. O Mmº Juíz a quo, na decisão recorrida, fez incorrecta interpretação dos factos, incorrendo em violação da lei por erro de interpretação e incorrecta aplicação, entre outras, das disposições constantes dos artº 3º nº 2, 20º nº 1 alíneas b), g) iii), e h) e 30º nº 4 do CIRE.
29. Termos em que, e nos de melhores de direito, alegados ou doutamente supridos, deverá o presente recurso obter provimento e, em consequência, ser proferida douta decisão que julgando procedente o recurso, revogue a decisão recorrida e a substitua por douta decisão que declare a insolvência da Ré.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Novo Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se no caso “sub judice”, face aos elementos factuais apurados, devia ter sido declarada a insolvência da requerida com base na verificação de algum dos factos-índices previstos no nº 1 do art. 20º do CIRE.
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OS FACTOS
É a seguinte a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, a qual não foi objecto de impugnação por parte da recorrente:
1. A Ré é uma sociedade que tem por objecto a actividade clínica de consulta e orientação psicológica e formação profissional.
2. A R. tem o capital social de 10.000,00€ representado por três quotas, uma de 5.000,00€, titulada por M… e duas outras de 2.500,00€ cada, tituladas por N….
3. A R. tem como única gerente N….
4. A R. vinha-se dedicando nos últimos anos essencialmente à actividade de formação profissional, quer em instalações próprias junto da sua sede, quer em instalações que ocasionalmente arrendava para tais fins.
5. Onde exercia a sua actividade de prestação de serviços de formação profissional e onde a A., juntamente com outros trabalhadores, exerceu, ao serviço da R., a sua actividade profissional de “Directora Financeira”, até ao passado dia 24 de Março de 2014.
6. Data em que, face ao não pagamento do salário vencido no final do mês de Dezembro de 2013, resolveu com alegada justa causa o seu contrato de trabalho, nos termos do art. 394º nº 2 al. a) e nº 5 do Código do Trabalho, comunicando tal resolução à R.,
7. Sendo que a R. devia à A. todas as retribuições desde Agosto de 2012.
8. A R. comunicou tal facto (a resolução) à Segurança Social, emitindo o documento comprovativo da situação de desemprego da A.
9. A A. foi admitida em 15.11.2005, ao serviço da R., inicialmente como técnica de formação, passando depois a exercer as funções de Directora Financeira a partir de 2010, e a ser remunerada como tal.
10. A A. auferia mensalmente na R., e já desde 2011, o salário de 1.500,00€.
11. Aquando da cessação do contrato de trabalho em 24.3.2014, a R. não pagara à Autora:
a) – Os salários dos meses de Agosto de 2012 até Março de 2014 inclusive, no total de 20 meses no montante de 30.000,00€;
b) – O subsídio de Natal vencido em 2012 no montante de 1.500,00€;
c) – O subsídio de férias vencido em 2013 no montante de 1.500,00€;
d) – O subsídio de Natal vencido em 2013 no montante de 1.500,00€.
12. Tal como não pagou qualquer quantia respeitante às férias e subsídio de férias vencidos em 1/1/2014, nem os proporcionais das férias, subsídios de férias e de natal de 2014, nem qualquer indemnização.
13. O único património – i.é, bens corpóreos – que se lhe conhece é o equipamento administrativo e para testes psicológicos, cujo valor ronda os 5.000,00€.
14. Sendo as instalações que ocupa arrendadas.
15. Acresce que a R., nos últimos meses, tem a sua actividade de ministrar formação profissional paralisada, não tendo iniciado novos cursos ou acções de formação.
16. A ré tem prosseguido com a sua actividade de consulta que é de menor relevância que a de formação profissional e de onde retira proveitos não apurados.
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Por seu turno, não se provaram os seguintes factos:
- A R. deve diversas quantias a vários colaboradores, como sejam D…, E…, F…, G… e H…;
- A ré tem as seguintes dívidas vencidas:
- ao banco I… cerca de 20.000,00€ e cerca de 25.000,00€ à J…;
- à empresa K…, Lda. cerca de 6.000€;
- A R. tem dívidas vencidas num montante global superior a 100.000,00€, que não paga, alegando total falta de meios para tal.
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O DIREITO
O art. 1º do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) diz-nos que «o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.»
Depois, o art. 3º, nº 1 do mesmo diploma estabelece que «é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.»
Deverá entender-se que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas. O que verdadeiramente releva é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciem a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Poderá assim suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, da mesma forma que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante.[1]
O estado de insolvência não é assim imediatamente apreensível, de tal modo que para o tornar manifesto o legislador lança mão de factos que revelam esse estado e que estão descritos nas diversas alíneas do nº 1 do art. 20º do CIRE, sendo designados usualmente por factos-índices ou presuntivos da insolvência.
São os seguintes:
a) a suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
c) a fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou o abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo;
d) a dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e a constituição fictícia de créditos;
e) a insuficiência dos bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;
f) o incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do nº 1 e no nº 2 do art. 218º do CIRE;
g) o incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de alguns seguintes tipos; i) tributárias; ii) de contribuições e quotizações para a segurança social; iii) emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação desse contrato; iv) rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência;
h) sendo o devedor uma das entidades referidas no nº 2 do art. 3º, a manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço efectuado, ou o atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.
No presente caso, em que não foi declarada a insolvência da requerida, a recorrente sustenta que esta o deveria ter sido por se verificarem, na sua óptica, os factos-índices previstos nas alíneas b), g) iii) e h), sendo certo que, face à redacção da parte final do nº 1 do art. 20º do CIRE, a lei se bastaria com a verificação apenas de um desses factos.
O estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objectivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade de, a partir daí, fazer a demonstração efectiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida, no art. 3º, nº 1 do CIRE, como característica nuclear da situação de insolvência.
Caberá então ao devedor, se nisso estiver interessado e o puder fazer, trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir. Isto é, caber-lhe-á elidir a presunção emergente do facto-índice, solução que, de resto, resulta do disposto nos nºs 3 e 4 do art. 30º do CIRE.[2]
O incumprimento de só alguma ou algumas obrigações apenas constitui facto-índice, quando pelas suas circunstâncias, evidencia a impossibilidade de pagar, devendo o requerente, então, juntamente com a alegação de incumprimento, trazer ao processo essas circunstâncias, das quais seja razoável, uma vez demonstradas, deduzir a penúria generalizada.
Só não será assim quando o incumprimento diga respeito a um dos tipos de obrigações enumeradas na alínea g), porquanto, tal ocorrência, verificada pelo período de seis meses aí referido, fundamenta, só por si, sem necessidade de outros complementos, a instauração de acção pelo legitimado, deixando para o devedor o ónus de demonstrar a inexistência da impossibilidade generalizada de cumprir e, logo, da insolvência.[3]
Neste contexto, poder-se-á afirmar que à requerente cabe-lhe demonstrar um qualquer dos factos-índices enumerados no nº 1 do art. 20º do CIRE e a requerida poderá fundar a sua oposição, alternativa ou conjugadamente, na não verificação do facto-índice em que o pedido se baseia ou na inexistência da situação de insolvência.[4] [5]
Regressemos agora ao caso concreto, em cuja apreciação nos teremos que ater à matéria de facto que foi dada como provada pela 1ª Instância.
Principiando pela situação a que se reporta a al. b) – [falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações] – há desde logo a sublinhar, na linha do que já atrás se escreveu, que este facto indiciador da insolvência não se basta com o mero incumprimento de uma ou de algumas das obrigações vencidas. É igualmente imprescindível que o incumprimento, pelo seu montante ou pelas circunstâncias em que ocorre, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, o que impõe que o requerente alegue e prove, para além da obrigação incumprida, todas as circunstâncias em que ocorreu esse incumprimento, de modo a poder-se concluir que se trata de uma impossibilidade de cumprimento do devedor resultante da sua penúria ou incapacidade patrimonial generalizada.[6]
Ou seja, desse incumprimento terá que se inferir a impossibilidade de o devedor satisfazer a generalidade dos seus compromissos.[7]
Da matéria fáctica dada como assente, resulta que a requerente B… resolveu, com justa causa, o contrato de trabalho que a ligava à requerida em 24.3.2014, face ao não pagamento do salário vencido no final do mês de Dezembro de 2013, sucedendo ainda que lhe eram devidas todas as retribuições desde Agosto de 2012.
Tal como se refere na decisão recorrida, o crédito da requerente sobre a requerida ascende à importância de 44.893,50€.
Mas esta é a única obrigação vencida que não foi cumprida por parte da requerida. Todas as demais dívidas cuja existência a requerente alegou – a diversos colaboradores, ao I…, à J… e à “K…, Lda.” – não vieram a ser provadas. Nem muito menos se demonstrou que as dívidas vencidas da requerida ascendessem a montante superior a 100.000,00€.
Assim, sendo a dívida da requerente, de origem laboral, a única que se provou existir, seria indispensável para o sucesso da sua pretensão, com base nesta alínea b), demonstrar que, face ao seu montante e às circunstâncias que o envolveram, tal incumprimento faz concluir pela verificação relativamente ao devedor de uma situação de impossibilidade de satisfazer a generalidade das suas obrigações.
Acontece que esta prova, que incumbia à requerente, não se mostra feita.
Com efeito, a factualidade apurada, na sua singeleza e apesar do valor elevado da dívida laboral, não permite extrair a referida conclusão. Aliás, o que foi escrito pelo Mmº Juiz “a quo” na decisão recorrida, em sede de fundamentação da decisão de facto, permite fazer alguma luz sobre a génese dessa dívida. Daí decorre ter surgido um litígio entre a requerente e a legal representante da requerida no qual esta entendia que a situação salarial da primeira deveria ser redefinida no quadro do projecto de formação profissional que era subsidiado.
Mais concretamente escreveu o seguinte o Mmº Juiz “a quo” (cfr. fls. 81):
“Explicou (a legal representante da requerida) que acordou com a autora deixar de pagar os salários dela até haver decisão sobre um projecto de formação profissional que era subsidiado. Após voltaria a pagar o ordenado. Com negociação de novo vencimento. E não teria que pagar os vencimentos anteriores. Portanto, segundo a depoente, não haveria uma simples suspensão do pagamento de salários. O que foi acordado com a autora foi que esta deixaria de receber até à decisão sobre o projecto.
Este acordo, segundo a depoente, nada tem de estranho. Pois, a autora continuou a receber o ordenado (2.000€ mensais) por exercer as mesmas funções numa empresa de que é também sócia e que tem instalações no mesmo local.
Nas suas declarações, a autora confirmou que recebia este ordenado de outra empresa. E do que disse extrai-se que aceitou a suspensão do pagamento do ordenado da requerida. Só isso também é que explica que estivesse mais de um ano e meio a trabalhar sem receber. Mas foi peremptória em negar que tivesse abdicado do seu ordenado. E não há nenhuma prova de que tenha renunciado a esse vencimento. (…)”
Ora, perante este circunstancialismo, não se pode considerar como verificado o facto indiciador da insolvência previsto na alínea b) do nº 1 do art. 20º do CIRE, atendendo a que a requerente não logrou demonstrar que a falta de cumprimento da obrigação salarial a que se vem fazendo referência seja revelador duma situação de penúria ou de incapacidade patrimonial generalizada do devedor.
Passemos agora à alínea g) iii).
Nesta, surge como facto-índice da insolvência o incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação desse contrato.
Neste caso, a insolvência pode ser requerida sem ter que se demonstrar a incapacidade financeira e sem que o incumprimento se estenda a outras categorias de obrigações. Ou seja, basta que tal incumprimento [generalizado] se verifique para que ocorra motivo bastante para a iniciativa dos credores, que não têm de se preocupar com a demonstração da penúria do devedor.[8]
Acontece que no caso dos autos provou-se o incumprimento de obrigações advindas de contrato de trabalho apenas no que concerne a uma trabalhadora – a aqui requerente –, o que de imediato afasta a verificação do facto-índice previsto na alínea g) iii) do CIRE, que exige que esse incumprimento de obrigações laborais seja generalizado.
Prosseguiremos para a alínea h).
Estabelece-se aqui um específico índice da insolvência restrito às pessoas colectivas e patrimónios autónomos pelos quais nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente e que consiste na «manifesta superioridade do passivo sobre o ativo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado
Perante a factualidade dada como assente, há que concluir que também este facto-índice da insolvência não se mostra verificado, sendo certo que a sua prova, e não é demais realçá-lo, sempre caberia à requerente. Com efeito, não ficou provado que o passivo seja manifestamente superior ao activo, tanto mais que é exigido pelo texto da referida al. h) que essa discrepância seja expressa no último balanço aprovado. Acontece que nada consta da factualidade sobre este último balanço ou sobre a ocorrência de atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas.
É pois de afastar este facto indiciador da insolvência.
Por último, é ainda de fazer alusão ao facto-índice previsto na alínea e) - insuficiência dos bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor -, também referido nas alegações de recurso, que, de forma evidente, não se verifica no caso “sub judice”, uma vez que anteriormente ao presente processo de insolvência nenhuma acção executiva fora movida pela requerente contra a devedora.
Consequentemente, não tendo a requerente demonstrado a verificação de qualquer um dos factos-índices que vêm elencados no nº 1 do art. 20º do CIRE, não poderá ser declarada a insolvência da requerida “C…, Lda.”, naufragando assim o recurso interposto.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Novo Cód. do Proc. Civil):
- O estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objectivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade de, a partir daí, fazer a demonstração efectiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas.
- Ao requerente cabe então fazer a prova de um qualquer dos factos-índices enumerados no nº 1 do art. 20º do CIRE, podendo o devedor fundar a sua oposição, alternativa ou conjugadamente, na não verificação do facto-índice em que o pedido se baseia ou na inexistência da situação de insolvência.
- Para que se verifique o facto-índice previsto na alínea b) do nº 1 do art. 20º do CIRE [falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações] torna-se necessário que o requerente alegue e prove, para além da obrigação incumprida, todas as circunstâncias em que ocorreu esse incumprimento, de modo a poder-se concluir que se trata de uma impossibilidade de cumprimento do devedor resultante da sua penúria ou incapacidade patrimonial generalizada.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela requerente B… e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Porto, 24.2.2015
Rodrigues Pires
Márcia Portela
M. Pinto dos Santos
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[1] Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, “CIRE anotado”, 2ª ed., pág. 85.
[2] É a seguinte a redacção destes preceitos: «Nº 3 – A oposição do devedor à declaração de insolvência pretendida pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência. Nº 4: Cabe ao devedor provara a sua solvência, baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, se for o caso, devidamente organizada e arrumada, sem prejuízo do disposto no nº 3 do art. 3.»
[3] Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., págs. 205/6. [4] Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., págs. 243/4.
[5] Sobre a questão que se vem apreciando cfr. também os Acórdãos da Relação do Porto de 26.10.2006, p. 0634582, de 4.10.2007, p. 0733360 e de 14.9.2010, p. 6401/09.1 TBVFR.P1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Acs. Rel. Porto de 14.9.2010, p. 2793/08.8 TBVNG.P1, de 18.6.2013, p. 3698/11.0 TBGDM-A.P1 e de 22.9.2014, p. 258/14.8 TJPRT-B.P1 todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[7] Cfr. também Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, 3ª ed., pág. 140.
[8] Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 210 e Menezes Leitão, ob. cit., pág. 140.