Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
135/15.5T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ESTELITA MENDONÇA
Descritores: ACÇÃO
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
PRAZO PARA INTENTAR A ACÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RP20161011135/15.5T8PRD.P1
Data do Acordão: 10/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 734 A FLS.11-17)
Área Temática: .
Sumário: A norma do Art. 1817º n.º 1 do CC, ao estabelecer o prazo de dez anos para a propositura da acção de reconhecimento da paternidade, não enferma de inconstitucionalidade material.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 135/15.5T8PRD.P1
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Recorrente: B…
Recorrido: C…
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Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação do Porto:
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B…, residente na Rua …, .., … Penafiel, intentou a presente acção declarativa com processo comum contra C…, residente na Rua …, .., …, Penafiel, D…, residente na Rua …, …, …, Paredes, E…, residente na Rua …, …, …, Paredes, F…, residente no lugar …, …, Penafiel e G…, residente no lugar …, …, Penafiel, pedindo se declare que é filha de G…, e que se ordene o averbamento da paternidade no seu assento de nascimento.
Invocou para fundar a sua pretensão, em síntese, que:
- os réus são os únicos herdeiros de G…, o qual faleceu em 21/06/2012;
- a autora nasceu em 04/02/1959 e foi registada apenas como filha de H…;
- durante os primeiros cento e vinte dias dos trezentos que antecederam o nascimento da autora, a mãe da autora manteve relações sexuais com G…, não tendo tido, nesse período, qualquer outro parceiro sexual;
- em consequência desse relacionamento, a mãe da autora engravidou, gravidez de que veio a nascer a autora;
- os pais de G… sempre trataram a autora como neta;
- a autora tomou conhecimento de que o G… era seu pai quando a mãe a informou desse facto, o que ocorreu após a morte daquele em 21/06/2012.
Os réus, pessoal e regularmente citados, não apresentaram contestação.
Foi proferido despacho saneador e fixado o objecto do litígio e os temas da prova.
Procedeu-se à audiência de julgamento com observância do formalismo legal.
A final foi proferida a seguinte decisão:
DECISÃO:
Face ao exposto, julgo verificada a excepção de caducidade em relação à presente acção e, em consequência, absolvo os réus do pedido”.

Desta decisão apelou B… oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1- O âmbito do presente recurso é delimitado á matéria civil e a questão suscitada consiste, pois, exclusivamente em determinar se a acção de investigação da paternidade intentada pela A. é tempestiva, ou caducou como decidiu a decisão recorrida.
2- Entende a Autora recorrente, salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, que o prazo para propositura da acção de investigação de paternidade previsto no art. 1817º, nº 1, aplicável ex vi pelo art. 1873º, ambos do Código Civil, constitui uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível constitucionalmente, por violação dos arts. 18.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da CRP, já que coarcta o direito do investigante em saber de quem descende,
3- A estipulação de um prazo de caducidade, ainda que mais alargado, constante do artigo 1817.º, n.º 1, na redacção da Lei n.º 14/2009, não deixa de constituir uma restrição objectiva do direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade, enquanto direito fundamental, sendo que por imperativo do art. 18.º, n.º 2, da CRP, só são admissíveis restrições a esses direitos quando necessárias para salvaguardar direitos e interesses constitucionalmente protegidos, acrescentando o n.º 3 que elas têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais – no mesmo sentido, cf. o Acórdão do STJ, de 21092010 (Proc. n.º 4/07.2TBEPS.G1.S1).
4- O «direito à identidade pessoal» e o «direito à integridade pessoal» ganharam hoje uma dimensão nova que não pode ser desvalorizada,
5- Já que, no fundo, a identidade pessoal, caracterizadora de cada pessoa, enquanto ser único e irrepetível, que se diferencia de todos os outros, ramifica-se em vários ângulos, nomeadamente no direito fundamental ao reconhecimento da paternidade e da maternidade. E esse direito que tem de sobrelevar a qualquer tipo de prazo ordinário que coarcte o direito de cada um de nós saber quem é e de onde vem, quais os seus antecedentes, onde estão as raízes familiares, geográficas, culturais e também genéticas.
6- Deste modo, o art. 1817º, nº 1, aplicável ex vi pelo art. 1873º, ambos do Código Civil, ao estabelecer um prazo de 10 anos para a propositura da presente acção é materialmente inconstitucional - cfr inter alia no sentido da inconstitucionalidade dos prazos os Ac STJ de 21 de Setembro de 2009 (Relator Sebastião Póvoas), de 10 de Janeiro de 2012 (relator Moreira Alves), de 14 de Janeiro de 2014 (Relator Martins de Sousa), de 16 de Setembro de 2014 (Relator Hélder Roque), in www.dgsi.pt.
7- A douta sentença recorrida ao interpretar o supra citado art. 1817º, nº 1 do Código Civil, no sentido de estabelecer esse prazo aí fixado como prazo limite para a propositura de uma acção de investigação de paternidade é inconstitucional, pois viola, deste modo, os arts. 18.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da CRP, acarretando uma nulidade da decisão proferida.
8- Mesmo no novo regime jurídico, designadamente no segmento que consigna o referido prazo de 10 anos para a interposição de acções de investigação de paternidade, na redacção da Lei n.º 14/2009, em contraponto com o prazo anteriormente fixado de 2 anos e que foi declarado inconstitucional com força obrigatória e geral, foi já declarado inconstitucional por diversas vezes pelo Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente nos Acs. de 13213 (Rev. nº 214/12.0TBVVD.G1.S1 – Rel. Salreta Pereira), de 9413 (Rev. nº 187/09.7TBPFR.P1.S1 – Rel. Fonseca Ramos), de 181213 (Rev. nº 3579/11.8TBBCL.S1 – Rel. Pires da Rosa), de 18205 (Rev. nº 4293/10.7TBSTS.P1.S1 – Rel. Fonseca Ramos) ou de 14215 (Rev. nº 692/11.5TBPTG.E1.S1 – Rel. Júlio Gomes).
9- Nesse sentido decidiu já este venerando Tribunal da Relação do Porto, em 03/06/2014, por acórdão proferido no processo nº 1261/12.8TBSTS.P1 e subscrito, por unanimidade, pelos senhores Juízes Desembargadores que sumariaram: O direito fundamental à identidade pessoal (artº 26º, nº1, da CRP), na dimensão do direito ao conhecimento e estabelecimento da verdade biológica da filiação, não se compadece com restrições temporais à sua investigação. A limitação temporal ao exercício deste direito decorrente do…
10- Sendo assim, deveria a Meritíssima Juiz a quo se ter pronunciado pela tempestividade do direito da Autora propor a acção de investigação de paternidade, declarando a inconstitucionalidade do disposto no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, na redacção dada pela Lei 14/2009, de 1 de Abril, e seguindo o entendimento sufragado, pela jurisprudência maioritária e doutrina, deveria ter-se pronunciado sobre o mérito dos presentes autos, proferindo sentença que, analisando criticamente a prova produzida nos autos, designadamente a prova pericial junta a fls., estabelecesse a paternidade da Autora como sendo do falecido G….
11- Não tanto pelo alegado como pelo doutamente suprido, Vossas Excelências, Venerandos Juízes-Desembargadores, dando provimento ao recurso e em consequência revogando a decisão recorrida no que concerne á matéria de direito decorrente da interpretação e aplicação do art. 1817º, nº 1 do Código Civil, e substituindo-a por outra que, face à inconstitucionalidade de tal norma por violação dos art. 18.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da CRP, não a aplique e, consequentemente determinando a tempestividade do direito à acção da Autora, e ordenando a remessa dos autos ao Tribunal de 1ª Instancia para que profira decisão acerca do mérito dos presentes autos de harmonia com a decisão ora proferida, farão, como sempre, a melhor Justiça.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre agora decidir.
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Delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações – artigo 635 do Código de Processo Civil – das formuladas pelos Apelante resulta que a questão colocada à nossa apreciação é a de saber se ocorre Inconstitucionalidade do art. 1.º da Lei n.º 14/2009, de 1/4, com o sentido de que o prazo de 10 anos se conta para todos os investigantes da sua maioridade ou emancipação e por violar os artigos 13.º, 26.º/1 e 36.º/1 da Constituição da República Portuguesa;
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Vejamos.
Foram dados como provados e não provados na sentença recorrida os seguintes factos:
1. B… em 04/02/1959, tendo sido registada como filha de H…;
2. G… faleceu em 21/06/2012;
3. Entre 04/04/1958 e 04/08/1958, a mãe da autora manteve relações sexuais com G…, das quais resultou a gravidez.
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Factos não provados:
1. Que a mãe da autora a informou em meados do ano de 2013 que o seu pai era G…;
2. Que foi aquando do falecimento do G… que a mãe da autora a informou da identidade do seu pai.
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Os demais factos alegados pela autora não assumem qualquer relevo para a decisão da causa, razão pela qual não se procede à respectiva resposta.
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Motivação do Tribunal:
A convicção do Tribunal baseou-se:
- no assento de nascimento de fls 19;
- no assento de nascimento de fls 33;
- no depoimento da testemunha H…, mãe da autora, a qual confirmou o seu relacionamento sexual com o pretenso pai durante o período legal de concepção;
- no relatório pericial de fls 104 e ss, o qual conclui pela probabilidade de 99,997% de G… ser pai da autora.
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Quanto aos factos não provados, resultaram da total ausência de prova sobre os mesmos.
Na verdade, a referida testemunha H… relatou que disse à filha quem era o pai “quando esta era nova”; a testemunha I…, irmã da autora, referiu que a mãe sempre lhes disse quem era o pai, e que quando andavam na escola primária já conheciam tal facto, pelo que, tendo a autora nascido em 1959, é manifesto que o conhecimento da mesma sobre a identidade do pai ocorreu em data muito anterior à alegada.
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As questões a apreciar são as seguintes:
- caducidade do direito da autora;
- caso se conclua que a mesma não se verifica, apreciação dos pressupostos de reconhecimento da paternidade em relação à autora
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Cumpre agora decidir.

A Inconstitucionalidade do art. 1.º da Lei n.º 14/2009, de 1/04.
Sustenta a apelante Que “A estipulação de um prazo de caducidade, ainda que mais alargado, constante do artigo 1817.º, n.º 1, na redacção da Lei n.º 14/2009, não deixa de constituir uma restrição objectiva do direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade, enquanto direito fundamental, sendo que por imperativo do art. 18.º, n.º 2, da CRP, só são admissíveis restrições a esses direitos quando necessárias para salvaguardar direitos e interesses constitucionalmente protegidos, acrescentando o n.º 3 que elas têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. O «direito à identidade pessoal» e o «direito à integridade pessoal» ganharam hoje uma dimensão nova que não pode ser desvalorizada, Já que, no fundo, a identidade pessoal, caracterizadora de cada pessoa, enquanto ser único e irrepetível, que se diferencia de todos os outros, ramifica-se em vários ângulos, nomeadamente no direito fundamental ao reconhecimento da paternidade e da maternidade. E esse direito que tem de sobrelevar a qualquer tipo de prazo ordinário que coarcte o direito de cada um de nós saber quem é e de onde vem, quais os seus antecedentes, onde estão as raízes familiares, geográficas, culturais e também genéticas”.
Sustenta ainda que “o art. 1817º, nº 1, aplicável ex vi pelo art. 1873º, ambos do Código Civil, ao estabelecer um prazo de 10 anos para a propositura da presente acção é materialmente inconstitucional, e a douta sentença recorrida ao interpretar o supra citado art. 1817º, nº 1 do Código Civil, no sentido de estabelecer esse prazo aí fixado como prazo limite para a propositura de uma acção de investigação de paternidade é inconstitucional, pois viola, deste modo, os arts. 18.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da CRP, acarretando uma nulidade da decisão proferida. Mesmo no novo regime jurídico, designadamente no segmento que consigna o referido prazo de 10 anos para a interposição de acções de investigação de paternidade, na redacção da Lei n.º 14/2009, em contraponto com o prazo anteriormente fixado de 2 anos e que foi declarado inconstitucional com força obrigatória e geral, foi já declarado inconstitucional por diversas vezes pelo Supremo Tribunal de Justiça”
Sobre a constitucionalidade dessa norma se tem pronunciado o Tribunal Constitucional, nomeadamente em Plenário nos Acórdãos 401/2011 de 22 de Setembro de 2011, Processo n.º 497/10, Relator o Conselheiro João Cura Mariano, e n.º 247/2012 de 22 de maio de 2012. (processo n.º 638/10), Relator o Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira, que decidiram:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante.
b) não julgar inconstitucional a norma da alínea b) do n.º 3 do artigo 1817º do Código Civil, quando impõe ao investigante, em vida do pretenso pai, um prazo de três anos para interposição da acção de investigação de paternidade;
No entendimento do Tribunal Constitucional “ a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante, não se afigura desproporcional, não violando os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, abrangidos pelo direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artigo 26.º, n.º 1, e o direito a constituir família, previsto no artigo 36.º, n.º 1, ambos da Constituição”.
As razões para tal invocadas são as seguintes (transcrição em itálico do Acórdão 401/2011 na parte que para aqui interessa): “O limite temporal em causa no presente recurso é o prazo de caducidade estabelecido no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável às acções de investigação de paternidade, por força da remissão constante do artigo 1873.º, n.º 1, do mesmo diploma, segundo o qual essas acções só podem ser propostas durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação. Contudo, o alcance deste prazo só pode ser compreendido numa ponderação integrada do conjunto de prazos de caducidade estabelecidos nos diversos números do artigo 1817.º, do Código Civil. Embora o disposto em todos estes preceitos não integre o objecto da questão de constitucionalidade que nos ocupa, o seu conteúdo não pode deixar de ser tido em consideração na apreciação da norma impugnada, uma vez que a sua eficácia flanquea­dora tem interferência no alcance extintivo do prazo de caducidade sob fiscalização. Os efeitos da aplicação deste prazo, só podem ser medidos, na sua devida extensão, se ponderarmos também a latitude com que são admitidas, no regime envolvente daquela norma, causas que obstem à preclusão total da acção de investigação, por força do decurso do prazo geral de dez anos, após a maioridade. Ora, enquanto no n.º 2 se estabeleceu que se não fosse possível estabelecer a maternidade em consequência de constar do registo maternidade determinada, a acção já podia ser proposta nos três anos seguintes à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório, no n.º 3 permitiu-se que a acção ainda pudesse ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) e em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação. Como já acima se explicou, os prazos de três anos referidos nos transcritos n.º 2 e 3 do artigo 1817.º do Código Civil, contam-se para além do prazo fixado no n.º 1, do mesmo artigo, não caducando o direito de proposição da acção antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a acção é ainda exercitável dentro dos prazos previstos nos n.º 2 e 3; inversamente, a ultrapassagem destes prazos não obsta à instauração da acção, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação. Isto significa que o prazo de dez anos após a maioridade ou emancipação previsto no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil não funciona como um prazo cego, cujo decurso determine inexoravelmente a perda do direito ao estabelecimento da paternidade, mas sim como um marco terminal de um período durante o qual não opera qualquer prazo de caducidade. Verdadeiramente e apesar da formulação do preceito onde está inserido ele não é um autêntico prazo de caducidade, demarcando antes um período de tempo onde não permite que operem os verdadeiros prazos de caducidade consagrados nos n.º 2 e 3, do mesmo artigo. Face ao melindre, à profundidade e às implicações que a decisão de instaurar a acção de investigação da paternidade reveste, entende-se que num período inicial após se atingir a maioridade ou a emancipação, em regra, não existe ainda um grau de maturidade, experiência de vida e autonomia que permita uma opção ponderada e suficientemente consolidada. Apesar de na actual conjuntura a cada vez mais tardia inserção estável no mundo profissional poder acarretar falta de autonomia financeira, eventualmente desin­centivadora de uma iniciativa, por exclusiva opção própria, a alegada falta de maturidade e experiência do investigante perde muito da sua evidência quando se reporta aos vinte e oito anos de idade, ou um pouco mais cedo nos casos de emancipação. Neste escalão etário, o indivíduo já estruturou a sua personalidade, em termos suficientemente firmes e já tem tipicamente uma experiência de vida que lhe permite situar-se autonomamente, sem dependências externas, na esfera relacional, mesmo quando se trata de tomar decisões, como esta, inteiramente fora do âmbito da gestão corrente de interesses. O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, revela-se, pois, como suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a instauração pelo filho duma acção de investigação da paternidade, durante a fase da vida deste em que ele poderá ainda não ter a maturidade, a experiência de vida e a autonomia suficientes para sobre esse assunto tomar uma decisão suficientemente consolidada”.
Estamos inteiramente de acordo com esta posição, aliás sufragada também no STJ (cfr. o Ac. do STJ de 9/04/2013, proc. n.º 187/09.7TBPFR.P1.S1, Conselheiro Azevedo Ramos, de que transcrevemos o respectivo Sumário:
1. O prazo-regra de dez anos para investigação da paternidade, previsto no art. 1817º, nº1, do Código Civil, pese embora estar em causa um direito de personalidade, pessoalíssimo, é um prazo razoável e proporcional que não coarcta o exercício do direito do investigante, no confronto com o princípio da confiança e de tutela dos interesses merecedores de protecção do investigado e, por isso, não enferma de inconstitucionalidade material.
2. As consequências jurídicas do reconhecimento da paternidade podem ser restringidas nos seus efeitos à questão de estado – a filiação – não valendo para as consequências patrimoniais desse reconhecimento, permitindo, em casos concretos, afastar o investigante da herança do progenitor, não sendo violado o princípio da indivisibilidade ou unidade do estado, podendo afirmar-se que, em caso de manifesto abuso do direito, o investigante, apesar de reconhecida a sua paternidade, poderá não beneficiar da vertente patrimonial inerente ao status de herdeiro.
4. É no contexto do abuso do direito que tal distinção de efeitos deve ser enfocada, admitindo que qualquer pretensão jurídica pode ser paralisada se o respectivo exercício for maculado pelo seu abuso – a questão da “caça à fortuna” – nos casos em que o investigante, a coberto de averiguar a sua filiação, da proclamada intenção de conhecer as suas raízes, que apareceria como um propósito legítimo e da maior importância pessoal e social, pretenderia, primordialmente, acautelar aspectos patrimoniais, visando o estatuto de herdeiro para aceder à partilha dos bens do progenitor.
5. O facto do art. 1817º, nº1, do Código Civil, na redacção da Lei 14/2009, de 1.4, estabelecer um prazo de caducidade de dez anos, não resolve a questão de saber se, mesmo que se considere imprescritível o direito ao estabelecimento da paternidade, é possível, no plano constitucional ou infra-constitucional, cindir os efeitos dessa declaração, afirmando o direito pessoal, o status de filiação, mas recusar o direito patrimonial se as circunstâncias forem de molde a considerar que o exercício do direito é abusivo – art. 334º do Código Civil – por, a coberto da pretensão do conhecimento da identidade genética, da busca do ser, se visa o ter, para almejar interesses de natureza patrimonial, o que afrontaria a consciência ética e os sentimentos sócio-afectivos. Nesta perspectiva, seriam violados os princípios constitucionais da igualdade, da confiança e da primazia das situações jurídicas.
6. Não sendo de afirmar a inconstitucionalidade da norma do vigente nº1 do art. 1817º do Código Civil, por o prazo de dez anos nela fixado não ser arbitrário, nem desproporcionadamente limitador do exercício da acção de investigação da paternidade e considerar que, casuisticamente num quadro factual exuberante de abuso do direito, se poderá cindir, sem ofensa da Lei Fundamental, o estatuto pessoal do estatuto patrimonial inerentes à declaração de filiação, para, acolhendo aquele e os seus efeitos imateriais (filiação, estabelecimento da avoenga), se poderem limitar as consequências desse reconhecimento, excluindo os efeitos patrimoniais como sejam os direitos sucessórios, quando e se se evidenciar que o desiderato primeiro foi o de obter o estatuto patrimonial, entendemos que, se tal pretensão tiver sido exercida num quadro de actuação abusiva do direito, deve ser paralisada”.
Depois de longa argumentação e explanação de posições divergentes, diz-se no citado Acórdão do STJ, a terminar: “Para concluir, e tendo em conta a argumentação expendida, considera-se que não sendo de afirmar a inconstitucionalidade da norma do vigente nº1 do art. 1817º do Código Civil, por o prazo de dez anos nela fixado não ser limitador do exercício da acção de investigação da paternidade, e considerar que casuisticamente – num quadro factual exuberante de abuso do direito – se poderá cindir sem ofensa da Lei Fundamental o estatuo pessoal do estatuto patrimonial inerentes à declaração de filiação, para acolhendo aquele e seus efeitos imateriais (filiação, estabelecimento da avoenga). se podem limitar as consequências desse reconhecimento excluindo aspectos patrimoniais, como sejam os direitos sucessórios, quando e se se evidenciar que o desiderato primeiro foi o de obter estatuto patrimonial e que a pretensão exercida merece censura no quadro da actuação abusiva do direito – art. 334º do Código Civil. Neste quadro não se considera que esta interpretação viole a Constituição da República, mormente, o preceito que o recorrente considera violado – o art. 2º da Lei Fundamental – que, na perspectiva do recorrente, consagra a certeza, a segurança do direito, e a estabilidade das relações jurídicas”.
Concordando-se com estas argumentações, a que aderimos integralmente, resta concluir que não ocorre a inconstitucionalidade invocada pela apelante, soçobrando assim o recurso interposto.
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Decisão
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação
Custas pela apelante.

Porto, 11 de Outubro de 2016.
Estelita Mendonça
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral