Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ANABELA MIRANDA | ||
| Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL DEVERES DO ADMINISTRADOR SUBSTITUIÇÃO DO ADMINISTRADOR INÉRCIA DO ADMINISTRADOR | ||
| Nº do Documento: | RP202511262273/23.1T8MAI.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/26/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O administrador do condomínio está obrigado a zelar pela conservação das áreas comuns, sob pena, no caso de omissão injustificada, responder civilmente, sem prejuízo da responsabilidade criminal caso ocorra uma infracção dessa natureza. II - Se não cumprir com a sua obrigação, por falta ou impedimento, e estando em causa a realização de obras urgentes e indispensáveis, qualquer condómino tem legitimidade para intervir, por sua iniciativa, substituindo-se ao administrador do condomínio. III - Obras indispensáveis são aquelas consideradas tecnicamente necessárias para reparar os vícios ou patologias existentes nas partes comuns do edifício e assumem carácter urgente quando a demora na sua execução é susceptível de provocar ou agravar danos no edifício ou em bens ou ainda quando esteja em risco a segurança das pessoas. IV - A falta do administrador que permite a actuação do condómino não se restringe à ausência física ou à falta de resposta imediata mas estende-se aos casos (frequentes) em que a inércia na resolução dos problemas se prolonga no tempo, agravando os danos. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2273/23.1T8MAI.P1
Relatora: Anabela Andrade Miranda Adjunta: Márcia Portela Adjunto: Artur Dionísio Oliveira * Sumário ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I—RELATÓRIO “A... Lda”, com sede na Rua ... ... Viseu, intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra o Condomínio do prédio sito na Rua ..., ..., ..., na Maia, representado em juízo pela Administradora “B... Unip. Lda.”, com sede na Rua ..., ... Maia, pedindo que seja condenado a pagar-lhe o montante global de 5.490,00€, acrescido dos juros à taxa legal, desde a data da citação até integral e efetivo pagamento. Alegou, em resumo, que se viu compelido a realizar, por iniciativa própria, obras urgentes na sua fração e nas partes comuns do edifício, em virtude da recusa da administração do condomínio em proceder às intervenções necessárias. Tal medida revelou-se imprescindível para evitar o agravamento das infiltrações e fissurações, cuja persistência poderia comprometer ainda mais integridade do imóvel. Ademais, considerando que a fração se encontra arrendada, as obras demonstram-se imprescindíveis, de forma a permitir que os habitantes da fração nela possam residir e retirem dela todas as utilidades. O Réu alegou que a Autora não apresentou qualquer orçamento prévio relativo à obra que veio a realizar, apenas tendo declarado a sua urgência após a conclusão dos trabalhos. E se as infiltrações datam de 2019, as obras não podem ser consideradas urgentes, além de desconhecer se essas obras são suscetíveis de causar danos no edifício. * Proferiu-se sentença que julgou improcedente a acção, e em consequência, absolveu o Réu do pedido. * Inconformada com a sentença, a Autora interpôs recurso finalizando com as seguintes Conclusões 1. Resulta da factualidade dada como provada pelo douto Tribunal recorrido que a fachada sul do prédio onde se insere a fração da recorrente padece de fissurações em virtude das quais se ocasionaram infiltrações nessa e noutras frações autónomas. 2. Mais resulta que, apesar do recorrido e a sua administração disso terem conhecimento, apesar de diversas deliberações atinentes à debelação desses vícios, e apesar do aumento da fissuração e das infiltrações, o recorrido nada fez. 3. Com efeito, todas as deliberações do recorrido nesse sentido, a primeira em 26/06/2019 e a segunda em 12/11/2020, se revelaram completamente infrutíferas. 4. Neste contexto de 3 anos e 7 meses da ocorrência de infiltrações sem que o recorrido nada fizesse para debelar a fissuração de onde provinham, a recorrente procedeu à realização das obras que se afiguravam necessárias na fachada do prédio. 5. Ao concluir pela não verificação do carácter de urgência exigido pela norma constante do artigo 1427.º do Código Civil, o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento, que por ter decidido contra lei, quer por ter decidido contra a factualidade que apurou. 6. Com efeito, resulta da factualidade provada a verificação dos pressupostos legais para que a recorrente se visse legitimada à realização das obras que realizou. 7. Além do recorrido se encontrar impedido à sua realização, aquela fachada sul não desempenharia as suas funções sem que fossem realizadas as obras, algo que não se compatibilizava com a delonga na intervenção do condomínio. 8. Aqueles vícios e patologias causavam e agravavam danos na fração da recorrente, bem como, colocavam em risco a segurança, saúde, e integridade física das pessoas que lá residiam, tanto mais considerando o período de tempo prolongado em que subsistiam. 9. Atento todo o exposto, as obras realizadas pela recorrente assumiram carácter de indispensáveis e urgentes, dando-se como preenchidos os pressupostos legais constantes do artigo 1427.º do Código Civil. * O Recorrido respondeu concluindo nos seguintes termos: A. Inconformada com a douta decisão, a autora interpôs recurso de apelação pugnando pela alteração da decisão proferida nos autos e no qual concluí: “Nos temos e fundamentos supra expendidos, declaro totalmente improcedente, por não provada a presente ação e em consequência absolvo o réu do pedido.” B. Compete à parte que invoca determinado direito alegar e demonstrar os factos constitutivos do mesmo, nos termos do artigo 342.º do Código Civil. No caso em apreço, incumbia à Recorrente comprovar: I. a existência de infiltrações ou fissuras suscetíveis de gerar risco atual e iminente para o edifício ou para a segurança de pessoas e bens; II. a impossibilidade de aguardar a competente deliberação da assembleia de condóminos; III.a indispensabilidade técnica de uma intervenção imediata. C. Todavia, a prova produzida não logrou satisfazer tais requisitos. D. Nos termos dos artigos 1420.º e 1422.º, n.º 1, do Código Civil, as partes comuns de um edifício em propriedade horizontal constituem objeto de compropriedade necessária de todos os condóminos, pelo que quaisquer obras de alteração, conservação ou reparação carecem de prévia deliberação em assembleia. A atuação unilateral de um condómino apenas é admitida em situações excecionais de urgência comprovada, nos termos do artigo 1427.º do mesmo diploma. E. O regime legal exige uma interpretação estrita do conceito de obras urgentes, apenas abrangendo aquelas indispensáveis, num curto espaço de tempo, para eliminar vícios suscetíveis de causar danos imediatos ou colocar em risco a segurança de pessoas e bens. A mera conveniência ou iniciativa isolada do condómino não é suficiente para legitimar a intervenção (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, p. 399; Francisco Pardal e Dias da Fonseca, Da Propriedade Horizontal, p. 196). F. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem reiterado que apenas se qualificam como urgentes as obras em que se demonstre, de forma inequívoca, a existência de risco iminente ou de degradação grave e insuportável, devidamente comprovada através de relatórios técnicos ou vistorias oficiais. G. No caso sub judice, não se produziu qualquer prova nesse sentido, tendo mesmo sido apresentado relatório em sentido contrário. H. Resulta da matéria assente que os problemas de infiltrações eram conhecidos desde 2019, não tendo surgido de forma súbita nem inesperada. A ausência de prova de risco imediato e concreto para a estrutura do edifício ou para a segurança dos condóminos impede a qualificação das obras como urgentes. A morosidade ou inércia do administrador ou da assembleia não bastam, por si só, para legitimar a atuação isolada de um condómino. I. Ainda que se entendesse existir algum grau de necessidade, a Recorrente não demonstrou ter cumprido a obrigação de apresentar previamente orçamento e submeter a questão à assembleia de condóminos, como impõe o artigo 1430.º do Código Civil. Tal omissão inviabiliza, por si só, o reembolso pretendido. J. Não foi feita prova documental ou testemunhal da alegada existência de contrato de arrendamento da fração, não sendo possível concluir pela indispensabilidade das obras para assegurar a habitabilidade. Assim, também este fundamento colapsa por manifesta falta de prova. K. Não tendo a Recorrente logrado demonstrar a indispensabilidade e urgência das obras, pressupostos cumulativos exigidos pelo artigo 1427.º do Código Civil, não pode o condomínio ser onerado como reembolso das despesas efetuadas. O regime legal, de carácter excecional, não se compadece com atuações unilaterais destituídas de prova cabal de risco iminente ou de perigo concreto, pelo que se impõe a improcedência do recurso. L. A decisão recorrida apreciou de forma criteriosa a prova documental, testemunhal e as atas de condomínio constantes dos autos, concluindo, com inteiro acerto, pela inexistência de urgência inadiável. Aplicou, ainda, corretamente o regime jurídico da propriedade horizontal (arts. 1422.º a 1438.º-A CC), em consonância com a doutrina e jurisprudência dominantes. * II—Delimitação do Objecto do Recurso A questão principal decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se o condomínio está obrigado a reembolsar a Autora por ter executado, por sua iniciativa, obras nas partes comuns do edifício, consideradas por si urgentes. * III—FUNDAMENTAÇÃO FACTOS PROVADOS (elencados na sentença) 1ºA Autora é proprietária da Fração AG, do 5º andar recuado esquerdo/poente, do prédio sito na Rua ..., na Maia, habitação .... 2ºA legal representante do Réu é uma sociedade comercial que se dedica à Gestão e Administração de Condomínios, desenvolvendo a sua atividade com o CAE .... 3ºEstando incumbida da administração do Condomínio do prédio sito na Rua ..., ..., na Maia. 4ºE foi eleita na Assembleia de Condóminos realizada a 8 de março de 2023, pelo período de um ano. 5ºA fração da Autora situa-se no último andar do aludido prédio. 6ºPor cima da fração da Autora está o terraço de cobertura do prédio. 7ºA fração da Autora tem as suas paredes exteriores na fachada sul do referido prédio. 8ºNa Assembleia de Condóminos realizada a 26 de junho de 2019- ATA de 26 de julho, consta a seguinte ordem e Trabalhos: 1. Análise e discussão do processo de infiltrações de água nas varandas do edifício; 2. Apresentação, análise e aprovação de orçamento para a reabilitação parcial da fachada revestida a cerâmico, junto ao cunhai da prumada norte; 3. Discussão de outros assuntos de interesse comum ao condomínio; 9ºNo âmbito do primeiro ponto da ordem de trabalhos, a administração informou as “várias diligências encetadas para detetar a origem das infiltrações de água verificadas nas varandas do edifício. Têm sido realizadas pesquisas nas varandas das habitações ... e ..., bem como, posteriormente na varanda da habitação ....” 10ºNo segundo ponto da ordem de trabalhos, a administração apresentou três propostas de orçamento para os trabalhos de reabilitação parcial da fachada poente e o tratamento das 4 prumadas de janelas verticais. 11ºNo âmbito do último ponto-3- da ordem de trabalhos, ficou registado o seguinte assunto: a)No seguimento das várias reclamações do ruído que o elevador n°2 emite, a administração solicitou à empresa de manutenção dos ascensores a devida verificação. A mesma reportou que se trata de uma situação antiga, designadamente de 2013 e que tem que ver com a necessidade de proceder à substituição de quadro VF Universal. 12ºNa Assembleia de Condóminos realizada a 12 de novembro de 2020- ATA de, DE DOZE DE NOVEMBRO DE DOIS MIL E VINTE consta a seguinte ordem e Trabalhos: PONTO UM - Esclarecimentos sobre as obras efetuadas e a efetuar; PONTO DOIS- Análise, discussão e aprovação das obras de reparação e impermeabilização na cobertura e fachada da fração AG; PONTO TRÊS - Assuntos de interesse geral; 13ºNo âmbito do primeiro ponto da ordem de trabalhos, a administração informou as obras efetuadas que haviam sido aprovadas em Assembleia anterior dando a indicação que os trabalhos ainda não realizados, mas adjudicados serão concretizados, nomeadamente nas frações 4.2, 4.3, 5.2 e 5.3. Atendendo aos problemas existentes no edifício foi proposto solicitar orçamentos para a elaboração de um caderno de encargos tendo sido aprovado por unanimidade dos condóminos presentes, sem abstenções. Estes orçamentos serão apresentados e deliberados em Assembleia a agendar. 14ºNo ponto dois da ordem de trabalhos foi apresentado o orçamento da empresa C... pelo valor total de 10.356,63€ (dez mil trezentos e cinquenta e seis euros e sessenta e três cêntimos). Passando à votação foi reprovado por maioria com os votos a favor das frações AB e AG e abstenção das frações AE e AF. Ainda neste ponto a condómina da fração L refere que vota contra uma vez que se vai realizar o caderno de encargos e como tal todas as frações devem ser incluídas ficando o compromisso que aquando da adjudicação do orçamento global da obra a mesma terá início na fração AG. Tomou a palavra o condómino da fração AG dando indicação à Assembleia que atendendo à urgência da resolução do problema de infiltração na sua fração não reconhece a necessidade desta Assembleia Extraordinária, como tal informa que irá dar início à obra e remeter a responsabilidade de pagamento ao Condomínio uma vez que não foram determinados prazos para o início da obra acima mencionada. Após várias considerações e com a concordância do proprietário da fração AG fica deliberado por unanimidade dos presentes minimizar as infiltrações na fração com a máxima urgência até ao prazo de sessenta dias, sob pena, de avançar com a obras completas, sendo que o orçamento deverá ser remetido para os condóminos para conhecimento. 15ºSão vários os condóminos que têm infiltrações provocadas por danos nas fachadas. 16ºHá infiltrações nos quartos e na sala da fração AG. 17ºO condomínio nada tinha feito nos anos anteriores, mesmo perante o aumento gradual da fissuração e das infiltrações. 18ºA Administração do Condomínio recebeu a 13.01.23 um e-mail da empresa C... a enviar a proposta de orçamento. 19ºNa sequência do e-mail enviado, o Condomínio a 18.01.23 respondeu á empresa C... que o orçamento será levado ao conhecimento e análise da Assembleia de Condóminos, conforme indicação já dada ao Senhor AA. 20ºA 25 de janeiro de 2023, o condomínio dirige um e-mail do seguinte teor: Exmo. Senhor AA, Boa noite. BB <..........@.....> 25 de janeiro de 2023 23:03 CC; DD Re: ..........@..... sent you … - Maia via … Categoria Vermelha Acusámos a receção do registo fotográfico, que será apresentado em sede de assembleia de condóminos, atendendo a que a intervenção promovida por V/ Exas. não foi apresentada e, por conseguinte, aprovada pela assembleia geral de condóminos, conforme se havia indicado anteriormente ser o procedimento a adotar. Acresce referir que os trabalhos realizados na fachada e terraço comum originaram também alterações estéticas ao edifício, situação que por si implica a aprovação da assembleia de condóminos por maioria qualificada de dois terços, pelo que se colocará à consideração do órgão deliberativo do condomínio, quais as medidas a adotar. Como se havia já comunicado, lamentavelmente são muitas as frações que apresentam patologias relacionadas com infiltrações de água e/ ou humidade, assunto abordado em sede de assembleia de condóminos, não tendo, contudo, sido tomada qualquer deliberação quanto à realização de obras. Importa registar ainda, que são da Vossa inteira responsabilidade quaisquer custos decorrentes dos trabalhos por V/. Exas. promovidos, pelo que pretendendo, devem também em sede de assembleia expor o assunto. MCpts. BB ...” 21ºA fatura emitida pela C... data de 24.01.23. 22ºNa Assembleia de Condóminos realizada a 8 de março de 2023- ATA NÚMERO ... foram apresentados entre outros, a seguinte ordem de trabalho “7. Apresentação, análise e votação do pedido de indeminização apresentado pelo proprietário da fração identificada pela letra "AG";” 23ºNo sétimo ponto da ordem trabalhos, foi pela Administração apresentado aos condóminos presentes, o pedido de indemnização efetuado pelo proprietário da fração "AG", no valor de três mil, quatrocentos e noventa euros, ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor. Foi pelo requerente, presente na assembleia, apresentada justificação e motivação para o presente pedido de indemnização, que decorre de trabalhos realizados na fachada do edifício, por sua ordem, para resolver problemas relacionados com infiltrações. Tendo já sido efetuado enquadramento da situação por parte da administração, foi também referido que as intervenções efetuadas na fachada, foram realizadas sem qualquer pedido, e em consequência sem autorização da Assembleia de Condóminos, podendo ainda considerar-se que configuram uma alteração estética ao edifício.--------------Colocado o pedido de indemnização à votação da assembleia, foi pela maioria dos condóminos presentes reprovado o pedido de indemnização, registando-se o voto favorável do requerente. ---------No âmbito da não aprovação do pagamento do pedido indemnizatório, foi informado pelo proprietário da fração em causa, que iria intentar uma ação contra o condomínio, por forma a ser ressarcido dos valores despendidos com a reparação. (…)” 24ºEm 13.02.2023, sociedade de Advogados (...) envia ao condomínio uma carta registada com A/R do seguinte teor: À B... Lda Rua ..., ... Maia 3 de fevereiro de 2023 Assunto: Pagamento das reparações efetuadas na fração AG do prédio sito na Rua ... Em representação de A... LDA, proprietária da Fração AG, do 5° andar, do prédio sito na Rua ..., ..., na Maia, venho transmitir a V.as Ex.ªs o seguinte: Na sequência da verificação de diversas patologias relacionadas com infiltrações de água e humidades na fachada e terraço comum do prédio, os n/ clientes sofreram consideráveis danos na sua fração, que determinaram a realização, de forma urgente e indispensável à continuação da fruição da fração, de obras para lhe pôr cobro. Tais reparações foram asseguradas por uma empresa contratada pelos n/ clientes para esse fim, a C... LDA, estando melhor descritas e descriminadas na fatura com o nº ..., que se junta. O valor total dos trabalhos efetuados, com todos os materiais, meios e mão-de-obra aplicada foi de 3.490,00€, valor ao qual acrescerá IVA.” 25º As reparações da fração AG foram asseguradas por uma empresa contratada pela Autora para esse fim, a C... LDA, estando melhor descritas e descriminadas na fatura com o nº ..., que se junta como Doc. 15. 26º Consta da fatura que o valor total dos trabalhos efetuados que consistiram, essencialmente, na impermeabilização da fachada ao nível do último andar, na inspeção e remoção de cerâmicas que se encontravam em queda eminente, com a recolocação de cerâmica igual à existente, no tratamento de fissuras superiores a 1 mm, na decapagem de produto existente e na lavagem e desincrustação da fachada, com todos os materiais, meios e mão-de-obra aplicada foi de 3.490,00€, montante esse que a Autora suportou integralmente. 27ºAutora já instou o réu para proceder ao ressarcimento do pagamento desse montante, entretanto já efetuado pela Autora. ** Factos Não Provados -A Autora, usualmente, tem o apartamento referido em 1º arrendado a terceiros. -Sendo que parte do rendimento mensal da Autora provém das rendas que recebe dos seus inquilinos, portanto a sua atividade é arrendamento de bens imobiliários. - A fração estava, e está ainda, arrendada pela Autora a uma família. - E naquela altura, os inquilinos deixaram de poder usufruir de certos compartimentos do locado, nomeadamente os quartos e a sala. - Cai água em vários compartimentos da fração, situação que tinha de ser debelada, não apenas pelos danos nas paredes e nas pinturas, mas, primacialmente, pela salubridade desses espaços que estaria comprometida pela existência de humidade em tal dimensão. -Tendo os locatários reportado a situação à Autora/senhoria, bem como a sua insatisfação com as infiltrações, humidades e a água presente no interior do apartamento. - Sendo que em 2022 a fachada sul desse prédio, onde se situa a fração da Autora, já apresentava fissuração com cerca de 3 metros de extensão. -As chuvas, especialmente intensas do final do ano de 2022 e do início do ano de 2023, avolumaram a extensão das infiltrações em virtude da aludida fissuração. -A Autora, foi confrontada com tal situação pelos seus inquilinos, conforme registo fotográfico junto com a PI. - Em virtude desta inércia, aliada à premente necessidade dos inquilinos em viver em condições de mínima salubridade, a Autora viu-se obrigada a realizar as obras de reparação, suportadas por si exclusivamente. -Que o problema de infiltrações a que se reportam estes autos, tenha sido discutido em 26/06/2019. -Em virtude dessa posição, da urgência das obras/reparações, da insistência (e direito) dos seus inquilinos em ver eliminadas infiltrações e humidades sustadas. -Em finais de janeiro de 2023, a Autora viu-se obrigada de proceder à realização das necessárias obras na fachada do prédio, de modo a reparar não só aos danos presentes, mas também eventuais futuros danos que pudessem ocorrer na sua fração. - De facto, continuava a cair água dentro da fração da Autora, proveniente das fissuras existentes na fachada do edifício. -E se a Autora não tivesse executado as obras na fachada do edifício, a água continuaria a infiltrar-se no interior da sua fração, impedindo que os seus locatários pudessem usufruir da sua habitação -Que a autora tenha comunicado à legal representante do Réu que, em face da urgência da situação, as reparações acabaram por ser executadas à sua responsabilidade, dando-lhe conta do valor por si suportado. ** IV-DIREITO Com fundamento na realização de obras urgentes nas zonas comuns e na fracção de que é titular, a Autora pretende ser reembolsada do valor monetário que despendeu. Por seu turno, o condomínio discordou desta posição por entender que as obras não foram previamente aprovadas na assembleia de condóminos, não tendo carácter urgente. A questão essencial cinge-se aos pressupostos legais que permitem ao condómino, por sua iniciativa, executar obras nas zonas comuns do edifício, em substituição do condomínio, por se tratar de reparações urgentes. Do Quadro Legal Segundo o disposto no artigo 1424.º, n.º 1 do C.Civil, salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção dos valores das suas fracções. As paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio bem como as coberturas são consideradas “partes comuns” à luz do artigo 1421.º, n.º 1, als. a) e b) do C.Civil. Uma das funções do administrador consiste em realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns-v. art. 1436.º, n.º 1, al. g) do C.Civil-sob pena de poder vir a ser responsabilizado. Com efeito, o n.º 3 do citado preceito estabelece que se não cumprir as funções que lhe são cometidas na lei, noutras disposições legais ou em deliberações da assembleia de condóminos é civilmente responsável pela sua omissão, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal, se aplicável. O Tribunal da Relação de Lisboa[1] declarou, sobre a responsabilidade do condomínio, que a obrigação de reparar os danos causados em fracção autónoma, por infiltração de água através de uma parte comum, decorre do dever geral de agir expresso no art. 483.º e do dever de vigilância enunciado no artigo 493.º, n.º 1 do C.Civil. (itálico nosso) Sobre a mesma matéria, o acórdão desta Relação do Porto, de 23/04/2018[2], é esclarecedor, constando do respectivo sumário: “A realização de obras urgentes de reparação das partes comuns em ordem a evitar danos em fracção autónoma do edifício incumbe ao condomínio enquanto conjunto composto por todos os condóminos e enquanto contitulares dos direitos relativos a essas partes comuns e responsáveis pela respectiva conservação e reparação. Além disso, os próprios administradores do condomínio, enquanto órgão executivo, poderão responder, a título pessoal, perante o proprietário afectado em consequência de patologias sobrevindas nessas partes comuns se, tendo conhecimento das mesmas e dos seus efeitos, não encetarem diligências para lhes pôr cobro, em particular não convocando assembleia extraordinária dos condóminos destinada a apreciação e deliberação sobre as obras de reparação necessárias.” Concretamente sobre os pressupostos que legitimam a iniciativa do condómino na realização de obras urgentes, o artigo 1427.º[3]do C.Civil estabelece: 1 - As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino. 2 - São indispensáveis e urgentes as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas. Assim, a lei permite ao condómino realizar trabalhos de reparação desde que se verifiquem os seguintes pressupostos cumulativos: -serem indispensáveis e urgentes; -ocorrer a falta ou o impedimento do administrador. O legislador esclareceu, no n.º 2 do citado preceito legal, o que deve ser entendido por reparações indispensáveis e urgentes: -são aquelas necessárias à eliminação, em breve prazo, de patologias que surgiram nas partes comuns; -susceptíveis de causar ou agravar danos no edifício, em bens ou pôr em risco a segurança das pessoas. A jurisprudência anterior ao referido aditamento[4] da lei, já propugnava que “são urgentes por natureza as obras que se destinam a evitar infiltrações e danos por elas causados.”[5] As infiltrações de água em habitações, causadas por patologias construtivas existentes nas zonas comuns do edifício, configuram situações graves que demandam a reparação logo que seja tecnicamente possível para evitar o agravamento dos danos. E na esteira do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2.12.2021[6], “Haverá urgência na sua realização quando a omissão de obras ponha em risco ou perigo a saúde ou integridade física dos condóminos ou habitantes de alguma das frações, nomeadamente e a título de exemplo, quando exista uma infiltração que incida sobre determinada divisão de forma permanente e por tempo elevado.” (itálico nosso) Nesta conformidade, podemos concluir que obras indispensáveis são aquelas consideradas tecnicamente necessárias para reparar os vícios ou patologias existentes nas partes comuns do edifício e assumem carácter urgente quando a demora na sua execução provoca ou agrava danos no edifício ou em bens ou ainda quando esteja em risco a segurança das pessoas.[7] No entanto, a verificação destes pressupostos não é suficiente para justificar a acção isolada do condómino. A lei exige ainda que o administrador do condomínio, a quem compete zelar e conservar pelos espaços comuns do prédio, não se encontre presente, se recuse a agir, apesar de ter conhecimento da situação, ou esteja impedido por algum motivo. Neste particular, cumpre esclarecer que a interpretação seguida pela recente jurisprudência sobre o requisito da falta do administrador é extensiva aos casos em que ocorre omissão do dever de agir. Assim, a falta do administrador que permite a actuação do condómino não se restringe à ausência física ou à falta de resposta imediata mas ainda aos casos (frequentes) em que a inércia na resolução dos problemas se prolonga no tempo, agravando os danos. Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04/07/2024[8] reconheceu legitimidade ao condómino para intervir no caso aí analisado, já que as obras urgentes e necessárias, não se compadeciam “…com as delongas da intervenção do administrador, que se manteve passivo apesar das sucessivas comunicações da Autora.” Por isso, ao contrário do defendido pelo Recorrido, a morosidade do administrador ou da assembleia preenche o requisito legal respeitante à falta do administrador ou ao seu impedimento, eventualmente por não lhe ser permitido actuar pelos condóminos. Se for esta a situação vivenciada, qualquer condómino pode e deve agir, sem prévia deliberação colectiva, com o objectivo de reparar as patologias/vícios que causam as infiltrações nas zonas comuns e na sua habitação, não lhe sendo exigido que aguarde indefinidamente pelo cumprimento da lei por parte do condomínio e do administrador. Por conseguinte, a intervenção directa do condómino, por sua iniciativa, substituindo-se ao administrador do condomínio, tem natureza excepçional.[9] No caso concreto, apurou-se que na assembleia de condóminos, realizada a 12 de novembro de 2020, um dos pontos de trabalho agendado foi justamente a análise, discussão e aprovação das obras de reparação e impermeabilização na cobertura e fachada da fração da Recorrente. O orçamento apresentado pela Recorrente para reparar os danos ocorridos na sua fracção não foi aprovado pelos condóminos. A Recorrente declarou, nessa assembleia, que, “atendendo à urgência da resolução do problema de infiltração na sua fração não reconhece a necessidade desta Assembleia Extraordinária, como tal informa que irá dar início à obra e remeter a responsabilidade de pagamento ao Condomínio uma vez que não foram determinados prazos para o início da obra acima mencionada.” Ora, ficou provado que são vários os condóminos que têm infiltrações provocadas por danos nas fachadas, desde pelo menos 2019, e ocorreram infiltrações de água nos quartos e na sala da fração AG, pertencente à Autora. O condomínio nada tinha feito nos anos anteriores, mesmo perante o aumento gradual da fissuração da fachada e das infiltrações no edifício. Em suma, perante o quadro factual descrito, resulta que, no ano de 2020, a fracção da Autora registou infiltrações de água em três compartimentos em consequência da falta da impermeabilização da cobertura e da fachada do edifício. A urgência na reparação desses vícios decorre da imperiosa necessidade de evitar a continuidade e o inevitável agravamento dos danos na habitação, o que foi reconhecido pelo condomínio na assembleia desse ano. Na verdade, foi deliberado, por unanimidade dos presentes, minimizar as infiltrações na fracção da Autora, com a máxima urgência, até ao prazo de sessenta dias, sob pena, de avançar com a obras completas, sendo que o orçamento deverá ser remetido para os condóminos para conhecimento. Aliás, o administrador do condomínio deve intervir em todas as situações de urgência que o exijam, convocando de imediato assembleia extraordinária de condóminos para ratificação da sua atuação, como prescreve o art. 1436.º, n.º 1, al. r) do C.Civil. A Administração do condomínio recebeu, em 13.01.23, um e-mail da empresa “C...” com a proposta de orçamento, tendo respondido que seria levado ao conhecimento e análise da Assembleia de Condóminos. Essa empresa executou, segundo a factura apresentada, a impermeabilização da fachada ao nível do último andar, removeu cerâmicas que se encontravam em queda eminente, com a recolocação de cerâmica igual à existente, procedeu ao tratamento de fissuras superiores a 1 mm, à decapagem de produto existente e à lavagem e desincrustação da fachada, pelo valor global de 3.490,00€, montante esse que a Autora suportou integralmente. Como o próprio Recorrido reconheceu, os problemas de infiltrações são conhecidos do condomínio desde 2019, e mesmo após a reclamação da Autora na assembleia de condóminos, realizada no ano seguinte, em 2020, nada foi feito para reparar as anomalias existentes nas partes comuns do edifício e que causavam as infiltrações designadamente na fracção da Autora. Neste particular, importa salientar que não é de acolher a argumentação no sentido de afastar a urgência da reparação por já ser conhecido o problema desde 2019. Não se deve confundir morosidade na intervenção do condomínio e/ou do administrador com a absoluta necessidade de evitar, quanto antes, que as infiltrações continuem a afectar as condições de habitabilidade dos condóminos. Por outras palavras, a inércia do condomínio e/ou do administrador não significa que as obras não devessem ser executadas, no mais breve prazo possível, para impedir o aumento dos danos resultantes das infiltrações no edifício. Até porque a lei é muito clara ao prescrever, como uma das funções do administrador, a realização de actos conservatórios do edifício. O cumprimento desta importante função exige do administrador uma permanente vigilância das áreas comuns do edifício por forma a evitar a ocorrência de danos. Mutatis mutandis quando a situação já é deveras grave perante o aumento gradual da fissuração na fachada e das consequentes infiltrações em várias habitações durante quatro anos, não sendo aceitável a passividade decisória e interventiva do condomínio. Concluindo, assiste à Autora o direito de ser reembolsada pelo Recorrido da quantia despendida com a execução das referidas obras (€3.490,00) nas zonas comuns acima identificadas e respectivos juros moratórios a contar desde a citação até integral pagamento, sendo que deve ser deduzida a essa quantia monetária a proporção que lhe incumbe suportar em conformidade com a permilagem da sua fracção. * V-DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso, e em consequência, condenam o Réu a pagar à Autora a quantia de €3.490,00 e respectivos juros moratórios a contar desde a citação até integral pagamento, sendo que deve ser deduzida a proporção que incumbe à Autora suportar em conformidade com a permilagem da sua fracção. Custas pelo Recorrido. Notifique. |