Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1074/15.5PIPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: HONORÁRIOS
DEFENSOR OFICIOSO
SESSÃO DIÁRIA
Nº do Documento: RP201705101074/15.5PIPRT-B.P1
Data do Acordão: 05/10/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 2/2017, FLS.45-52)
Área Temática: .
Sumário: De acordo com as regras de integração de lacunas (artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil), na fixação dos honorários devidos a defensor oficioso, deverá ser considerada intervenção em duas sessões a intervenção desse defensor num julgamento que decorre na manhã e tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc 1074/15.5PIPRT-B.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – O ilustre advogado Dr. B… veio interpor recurso do douto despacho do Juiz 11 da 1ª Secção Criminal da Instância Central do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que indeferiu a sua reclamação da fixação dos honorários devidos pela sua intervenção processual como defensor oficioso.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
Iª- Pelo douto despacho recorrido foi indeferida a reclamação apresentada pelo ora recorrente contra o ato da secretaria que não confirmou os honorários por si pedidos, por o Mmº Juiz a quo ter sido entendido que a contabilização de uma só sessão, para efeitos de atribuição da compensação devida a título de honorários ao ora recorrente, pela intervenção deste na audiência de julgamento no dia 8 de março de 2016, quer durante o período da manhã, quer durante o período da tarde, não viola qualquer preceito legal, atenta a revogação da nota 1 da Portaria n° 1386/2004, de 10 de novembro.
2ª- Como bem entendeu a Relação de Coimbra, no seu aresto de 12/10/2016, processo 107/13.4TND-B.C 1:
«I - A revogação da Nota 1 da Tabela de honorários para a protecção jurídica, anexa, da Portaria n.° 1386/2004, de 10 de Novembro, operada pelo art. 2.°, a) da Portaria n.° 210/2008, de 29 de Fevereiro significa que a lei, pura e simplesmente, deixou de prever qualquer critério para a determinação do número de sessões de cada diligência processual.
II - Não se descortina qualquer razão atendível para que uma audiência que tenha decorrido da parte da manhã e da parte da tarde de um mesmo dia equivalha, para este efeito, a uma sessão, e que uma audiência que tenha decorrido na manhã de um dia e na manhã ou na tarde de outro dia equivalha, para o mesmo efeito, a duas sessões, originado retribuições diversas para o mesmo tempo de serviço prestado, sem um mínimo de razoabilidade.
III - Deve considerar-se, para os efeitos previstos no n.° 9 da Tabela de honorários para a protecção jurídica, anexa à Portaria n° 1386/2004, de 10 de Novembro, atento o princípio que se extrai do disposto no art. 328.°, n.° 2 do Código de Processo Penal, que há lugar a nova sessão sempre que a diligência, iniciada no período da manhã, seja interrompida para almoço.»
3a - Assim, o douto despacho recorrido violou as normas conjugadas do art. 25°, n° 1, da Portaria n° 10/2008, de 3 de janeiro, com a redação da Portaria n° 210/2008, de 29 de fevereiro, do n° 9 da Tabela de Honorários para a Proteção Jurídica anexa à Portaria 1386/2004, de 10 de novembro, com as alterações resultantes do art. 2o, alínea a), da refe­rida Portaria n° 210/2008, de 29 de fevereiro, e do art. 328°, n° 2, do Código de Processo Penal, pelo que deve ser revogado e, em consequência, deferida a reclamação apresentada pelo ora recorrente contra o ato da secretaria que não confirmou os honorários por si pedidos.
4a - A não se entender assim, o que só por mera cautela se aduz, deve ser declarada a inconstitucionalidade material da constelação normativa formada pelo art. 25°, n° 1, da Portaria n° 10/2008, de 3 de janeiro, e pelo n° 9 da Tabela de Honorários para a Proteção Jurídica anexa à Portaria n° 1386/2004, de 10 de novembro, conjugados com a revogação da Nota 1 desta Tabela operada pelo art. 2o, alínea a), da Portaria n° 210/2008, de 29 de fevereiro, se interpretados no sentido de dever contabilizar-se, para efeitos de pagamento de honorários ao respetivo Advogado/Patrono nomeado, como uma única sessão o ato ou diligência que decorra no período da manhã de um determinado dia e, depois de interrompido, no período da tarde desse mesmo dia, e como duas sessões autónomas o ato ou diligência que decorra naqueles mesmos períodos de dias diferentes, por violação do disposto nos arts. 59°, n.° 1, al. a) e 208° da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem co­mo do consignado no artigo deste Diploma fundamental, que consagra o princípio do Estado de Direito, com todas as consequências jurídicas.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes
- saber se, à luz da legislação vigente, na fixação dos honorários devidos a defensor oficioso, deverá ser considerada intervenção em uma ou duas sessões a intervenção desse defensor num julgamento que decorre na manhã e tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço;
- caso se entenda que deverá considerar-se intervenção em apenas uma sessão, saber se será materialmente inconstitucional tal interpretação da lei vigente, por violação dos artigos 59.º, n.º 1, a), e 208.º da Constituição da República e do princípio do Estado de Direito, consignado no artigo 2.º deste diploma.

III – É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:

« Fls.783 – 1. O ilustre advogado nomeado defensor oficioso nos presentes autos veio reclamar do ato da secretaria referente à não confirmação dos honorários pedidos e respeitantes ao dia 08.3.2016, em que a sessão de julgamento iniciou de manhã e foi interrompida para almoço e continuou de tarde e a secretaria apenas contabilizou como uma sessão, quando-aduz- deveria ter contabilizado como duas sessões, aliás em consonância com a jurisprudência plasmada no recente acordão da RC de 12.10.2016. Requer se atenda à reclamação e se contabilizem os honorários conforme pedido já efetuado nos autos.

2. A secção de processos esclareceu que a decisão foi tomada de acordo com orientação da DGAJ, DGPJ e IGFEJ,IP.e que juntou, sendo que o parecer da Direção Geral estriba-se no AC da RP de 02.07.2014.

3. Cumpre apreciar e decidir.
A questão objeto da presente reclamação reconduz-se a saber qual o critério de cálculo dos honorários devidos relativamente ao número de sessões de julgamento relevadas, nomeadamente quando o julgamento do mesmo processo se inicia da parte da manhã, interrompe-se para almoço e continua da parte da tarde: deverá ser considerada uma sessão ou duas sessões, conforme os períodos da manhã e tarde, atenta a interrupção para almoço?
Ora, são duas as posições jurisprudenciais a respeito:
1) - a que defende estarmos perante uma sessão a considerar para efeitos de contabilização de honorários, porquanto atentos os avanços e retrocessos das portarias que procederam à revisão da “regulamentação do sistema de acesso ao Direito”, fazendo o cotejo das mesmas, conclui-se que o legislador revogou a nota 1 interpretativa ou explicativa da portaria 1386/2004, pelo que quis afastar a interpretação de que, decorrendo a audiência durante todo o dia, com interrupção para almoço, deveriam ser contabilizadas duas sessões, uma de manhã e outra de tarde. A portaria 654/10, de 11.08 que revê a regulamentação em cumprimento do art. 34º da portaria 10/2008, com a redação que lhe foi conferida pela Portaria 210/2008, de 29.02 e procede à republicação da portaria 10/2008, mantém a mencionada redação do nº1 do art. 25º e a revogação do art. 36º, mas nada dispõe a respeito do art. 2º da portaria 210/2008, que assim permanece em vigor.
2) a que defende estarmos perante duas sessões a considerar para efeitos de contabilização de honorários, porquanto atentos os avanços e retrocessos das portarias que procederam à revisão da “regulamentação do sistema de acesso ao Direito”, fazendo o cotejo das mesmas, conclui-se que a revogação daquela nota 1 da portaria em nada releva a respeito, pois a sua previsão não visava qualquer interpretação sobre a temática, pelo que chega-se à conclusão das duas sessões pois “para os efeitos previstos no nº 9 da Tabela de honorários para a protecção jurídica, anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, atento o princípio que se extrai do disposto no art. 328º, nº 2 do C. Processo Penal, que há lugar a nova sessão sempre que a diligência, iniciada no período da manhã, seja interrompida para almoço”. As razões aduzidas são citadas no AC da RC de 12.10.2016:
“ em primeiro lugar, porque não foi esta específica questão que a referida Nota quis esclarecer mas apenas, depois de fixar o critério da interrupção da diligência para determinar o seu número, a de afastar da contabilização as interrupções verificadas no mesmo período, da manhã ou da tarde;
- Em segundo lugar porque, a revogação da Nota 1 significa, objectivamente, a ausência de previsão legal do critério da interrupção da diligência, abrangendo então, quer interrupção entre o período da manhã e o período da tarde do mesmo dia, quer a interrupção entre um dia e o dia seguinte;
- Em terceiro lugar, porque não prevendo a lei vigente antes da entrada em vigor da Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro qualquer critério para solucionar esta questão que, então, nem sequer se colocava, da operada a revogação não pode resultar automaticamente, o critério defendido no nAC da Relação do Porto de 02.07.2014, por falta de previsão legal;
- Em quarto lugar porque a Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, se bem que para específicas situações, continua a distinguir o período da manhã e o período da tarde do mesmo dia, como sucede com o seu art. 5º, nº 1 ou com o nº 10 da sua Tabela anexa; e,
- Em quinto lugar, porque, perante o vazio legal criado e uma vez que não foi revogado o nº 9 da referidaTabela anexa, a manutenção do critério da interrupção da audiência, nos termos em que o art. 328º, nº 2 do C. Processo Penal a admite, é a solução que se nos afigura mais razoável e capaz de obstar aos inconvenientes decorrentes das desigualdades apontadas, tanto mais que a Constituição da República Portuguesa qualifica o patrocínio forense – onde se inclui o acesso ao direito e aos tribunais por via, além do mais, da protecção jurídica, de que o apoio judiciário é modalidade – de elemento essencial à administração da justiça, o que só será alcançável com a prestação de serviços de qualidade que, naturalmente, pressupõem a justa e adequada remuneração.”

Ora, ambas as posições são unânimes em considerar que atualmente está em vigor a portaria nº 1386/2004, com as alterações implementadas pela portaria 210/2008, de 29.02, a qual alterou a portaria 10/2008, de 03.01 e republicada pela portaria 654/2010, de 11.08. Sem necessidade de análise de cada um dos diplomas legais e normas revogatórias, assim o consideramos também.
Destarte, nos termos do art. 25º,nº1 da portaria 10/2008 “ Os valores das compensações devidas aos profissionais forenses pela inscrição em lotes de processos ou pela nomeação isolada para processos são os estabelecidos na portaria 1386/2004, de 10.11”
E, uma das alterações foi a revogação da nota 1 daquela portaria 1386/2004, nos termos da qual se lia (antes da revogação) “ considera-se haver lugar a nova sessão sempre que o ato ou diligência sejam interrompidos, exceto se tal interrupção ocorrer no mesmo período da manhã ou da tarde”.
Fazendo o cotejo destes regimes e posição tomada pelo legislador ao longo dos tempos, concluímos que pelo elemento gramatical ( isto é, o texto, a letra da lei) e o elemento lógico ( e que se subdivide em três elementos:a) racional ( ou teleológico), b) o sistemático e c) elemento histórico), concluímos que o sentido da revogação daquela nota 1 da portaria 1386/2004 é o de que o legislador quis afastar a interpretação de que decorrendo a audiência num só dia, a interrupção para almoço significava a contabilização de duas sessões.
Aliás o Ac da RC acima citado admite expressamente ser este um dos sentidos possíveis. Diverge desta interpretação, pelas razões acima indicadas, mas estas sim, entendo, salvo o devido respeito, que são contraditórias, porquanto assentam numa primeira premissa, nos termos da qual não admite que a existência daquela nota 1 antigamente servisse para sustentar a contabilização de duas sessões, por não ser o critério da interrupção o eleito pelo legislador, para depois e mais à frente, afirmar que deverão ser contabilizadas duas sessões, chamando à colação o critério da interrupção.
Entendemos que apenas se poderá compreender a revogação da nota 1 com o sentido de que o legislador quis afastar a contabilização de duas sessões no caso da continuidade da audiência no mesmo dia, com interrupção para almoço, pelas seguintes razões:
- atento o teor da nota 1 da portaria 1386/04, quando ainda em vigor, e demais normas relativas à problemática das compensações devidas aos profissionais forenses, a mesma era uma nota interpretativa do critério do legislador para efeitos de contabilização de “nova sessão”, como ali dizia: era o critério da interrupção de almoço, e não apenas o de afastar a contabilização das interrupções nas manhã e nas tardes, tudo no suposto de que o legislador soube exprimir com correção o seu pensamento (argumento gramatical);
- e, se os elementos sistemáticos não nos ajudarão a deslindar a questão, vejamos os elementos históricos e teleológicos. Estes últimos e concernentes ao fim visado pelo legislador ao elaborar aquela nota 1 apenas tem como razão de ser tratar-se de uma nota explicativa do que se entendia por “nova sessão”. E, – e nisto vai o argumento histórico- o legislador ao revogar aquela nota explicativa apenas poderá ser porque entendeu já não dar apoio a tal tese e afastar aquela nota explicativa e sentido de interpretação, tudo de acordo com o que se lê no preâmbulo da portaria 210/2008 e que revogou tal nota 1: “ permite-se, com o acordo que origina as alterações agora aprovadas, conciliar três fatores: … a sustentabilidade financeira do sistema de acesso ao direito e a introdução de rigor financeiro acrescido…”( sublinhado nosso). Com efeito, desde 2004 e com entrada em vigor daquela portaria que se contabilizavam os honorários de acordo com aquela nota 1, conjugada com o ponto 9 da tabela de honorários. Assim sendo, e o legislador ao revogar a nota 1 apenas poderá ter como fim afastar aquela interpretação que até ali vigorava.
Por conseguinte, e destes argumentos gramaticais e lógicos (teleológicos e históricos) concluímos que dever-se-á considerar uma sessão para efeitos de contabilização de honorários, quando a audiência tem início de manhã e se prolonga, no mesmo dia, para a tarde com interrupção para almoço, tudo porque:
- em primeiro lugar, atentos os fatores hermenêuticos (elementos de interpretação) acima enunciados, conclui-se que a nota 1 da portaria 1386/04 teve como fim explicar o que se entendia por “nova sessão”, elegendo o critério da interrupção para almoço como tal e não apenas para afastar da contabilização as interrupções verificadas no mesmo período, da manhã ou da tarde;
- em segundo lugar, a revogação da nota 1 não significa objetivamente a ausência de previsão legal do critério de interrupção da diligência, o qual continua a ser previsto nomeadamente no art. 328º do CPP, norma esta que, conjugada com as restantes normas da regulamentação reativa à tabela de compensações dos profissionais forenses, apenas poderá significar que existe uma sessão quando a audiência tem lugar no mesmo dia, com início de manhã e continuação de tarde, interrompendo para almoço. É claro, que a interrupção que tem lugar para a audiência continuar no dia seguinte ou outro dia, é outra sessão, com outra deslocação ao tribunal. Os honorários são pagos pelo serviço prestado, contemplando o tempo gasto e deslocações feitas, pelo que estando previsto que a audiência é contínua e, estando assim agendada, o advogado sabe com o que pode contar e a deslocação é só uma, diferente do que se houver uma sessão de manhã num dia e outra sessão de manha ou tarde de outro dia.
- assim sendo e, em terceiro lugar, não existe vazio legal, mas sim tomada de posição do legislador, à contrario, sobre a questão em que anteriormente expressamente tinha tomado posição, e em consonância com o regime legal em vigor e de acordo com o Código Processo penal, não se vislumbrando que esta interpretação da lei provoque desigualdades de situações, nomeadamente se a audiência que iniciou de manhã tem continuidade não no mesmo dia de tarde mas noutro dia, pois, como já vimos, são situações diferentes.
- Acresce que, se é verdade que a portaria 1386/04 contém normas que continuam a distinguir o período da manhã e da tarde ( por ex. o art. 5º, nº1 ou o ponto 10 da tabela anexa), contudo fá-lo para situações específicas e que nada têm a ver com a problemática que nos ocupa, porquanto têm na sua finalidade e razão de ser outras componentes que justificam o seu regime, nomeadamente respeitam às situações de escala de urgência, pelo que não poderão ser suscetíveis de uma interpretação extensiva (v.g, sobre o tema da interpretação das normas, Batista Machado, in “Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador”,1987, p. 185).

4- Decisão:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, a contabilização de uma sessão por dia, para efeitos de atribuição da compensação devida pelos honorários ao defensor naquele dia 08.03.2016, não viola qualquer norma legal, pelo que consideram-se corretamente contabilizados pela secção os honorários do ilustre defensor.»

IV – Cumpre decidir.
A questão suscitada pelo recorrente (saber se, à luz da legislação vigente, na fixação dos honorários devidos a defensor oficioso, deverá ser considerada intervenção em uma ou duas sessões a intervenção desse defensor num julgamento que decorre na manhã e tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço) foi objeto de duas deliberações contraditórias de Tribunais da Relação: a do acórdão da Relação de Coimbra de 12 de outubro de 2016, proc n.º 107/13.4TND-B.C1, relatado por Heitor Osório (que segue a tese invocada pelo recorrente), e a do acórdão desta Relação de 2 de julho de 2014, proc. n.º 47/03.5DAVR.P1-A, relatado por José Piedade (que segue a tese sustentada no douto despacho recorrido). A argumentação de um e outro desses acórdãos é explanada na motivação do recurso e no douto despacho recorrido.
Há que optar por uma ou outra dessas teses.
Está em questão o alcance da revogação da nota 1 da tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de janeiro. Esta Portaria, que havia sido revogada pela Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, foi repristinada pela Portaria n.º 210/2008, de 29 de fevereiro. No entanto, esta repristinação não foi integral: o artigo 2.º, a), desta última Portaria revogou expressamente a referida nota 1 da tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de janeiro.
Essa nota era do seguinte teor: «Considera-se haver lugar a nova sessão sempre que o acto ou diligência sejam interrompidos, excepto se tal interrupção ocorrer no mesmo período de manhã ou de tarde». Ora, se a interrupção não ocorresse no mesmo período de manhã ou de tarde, se ocorresse para almoço, ou de um dia para o outro, estaríamos perante mais do que uma sessão.
A tese a que adere o douto despacho recorrido (na esteira do referido acórdão desta Relação de 2 de julho de 2014) considera que foi intenção do legislador, com a revogação dessa nota, alterar a regra de que se considera a existência de duas sessões quando o ato ou diligência é interrompido para almoço.
A tese invocada pelo recorrente (na esteira do referido acórdão da Relação de Coimbra de 12 de outubro de 2016) considera que com tal revogação se criou um vazio legislativo, pois deixou de haver qualquer regra relativa à contabilização de sessões de um mesmo ato ou diligência.
Na verdade, e como se sustenta no referido acórdão da Relação de Coimbra, com a revogação da referida nota, não deixaria de vigorar apenas a regra de que se considera a existência de duas sessões quando o ato ou diligência é interrompido para almoço. Também deixaria de vigorar a regra de que se considera a existência de duas sessões quando o ato ou diligência é interrompido de um dia para outro, e independentemente do número de interrupções (solução manifestamente irrazoável). E - acrescentamos nós – também a regra de que não se considera a existência de duas sessões quando o ato ou diligência é interrompido n mesmo período da manhã ou de tarde (o que também não será razoável).
Assim, a revogação da referida nota 1 não nos conduz, por si só, a uma solução unívoca quanto à real intenção do legislador. Estamos, na verdade, perante um vazio legislativo, perante uma lacuna.
O douto despacho recorrido considera, no entanto, que haverá que recorrer, no que se refere à audiência de julgamento em processo penal, ao disposto no artigo 328.º do Código de Processo Penal, de onde decorrerá que se consideram tantas sessões de julgamento quantos os dias em que este possa decorrer. Ou seja, que só se consideram que dão origem a nova sessão as interrupções de julgamento de um dia para o outro.
No entanto, não vislumbramos que desse artigo 328.º do Código de Processo Penal decorra tal consequência. Na verdade, e como bem se afirma no referido acórdão da Relação de Coimbra, tal artigo não distingue entre interrupções no mesmo dia, ou de um dia para o outro. O seu n.º 2 estatui: «Se a audiência não puder ser concluída no dia emn que se tiver iniciado, é interrompida para continuar no dia útil imediatamente posterior». Mas também estatui: «São admissíveis, na mesma audiência, as interrupções estritamente necessárias, em especial para alimentação e repouso dos participantes» (ou seja, também se consideram interrupções as que ocorrem no mesmo dia).
Portanto, o recurso ao artigo 328.º do Código de Processo Penal não nos permite suprir a lacuna em questão.
De acordo com o artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil, as lacunas deverão ser integradas com a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
A este respeito, invoca o recorrente, na esteira do referido acórdão da Relação de Coimbra, o princípio da igualdade: não se justifica que se considere estarmos perante duas sessões quando uma audiência ocupe a manhã ou a tarde de um dia e a manhã ou a tarde de outro dia e já se considere estarmos perante uma única sessão quando uma audiência ocupa a manhã e a tarde de um mesmo dia.
É certo que poderá dizer-se que no primeiro caso as intervenções em causa implicam duas deslocações ao tribunal, com as despesas e tempo inerentes, e no segundo caso implicam apenas uma deslocação. Mas, para este efeito, não é decisivamente relevante essa diferença, relevante é o trabalho efetuado (é ele que justifica a refribuição) e, na verdade, esse trabalho será igual num caso e noutro. Um critério de razoabilidade e igualdade aponta no sentido da tese invocada pelo recorrente, na esteira do referido acórdão da Relação de Coimbra.
Assim, de acordo com a regra do artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil, justifica-se que se considere, para efeitos de cálculo dos honorários devidos a defensor oficioso, intervenção em duas sessões a intervenção desse defensor não só num julgamento que é interrompido de um dia para o outro, mas também a que decorre na manhã e tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço. Já assim não será se a interrupção ocorrer no mesmo período da manhã ou da tarde.
Deve, pois, ser concedido provimento ao recurso.

Não há lugar a tributação.

V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, determinando a substituição do douto despacho recorrido por outro, que determine que, na fixação dos honorários que lhe são devidos, considere a intervenção do recorrente em duas sessões de julgamento quando este foi interrompido para almoço.

Notifique

Porto, 10/5/2017
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo