Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
138/14.7GCSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO
VALORAÇÃO
Nº do Documento: RP20150605138/14.7GCSTS.P1
Data do Acordão: 06/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I -Pode ser valorado um depoimento indireto quando a testemunha-fonte é chamada a depor, mas não o faz, por fazer uso da faculdade que decorre do artigo 134º do Código de Processo Penal.
II -Para que um depoimento indireto possa ser valorado, o artigo 129º, nº 1, do Código de Processo Penal exige que se diligencie no sentido da prestação de depoimento por parte da testemunha-fonte, mas não que este seja efetivamente prestado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pr138/14.7GCSTS.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… veio interpor recurso da douta sentença do Juiz 2 da Secção Criminal da Instância Local de Santo Tirso do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que o condenou, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, a), do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, assim como na pena acessória de proibição de contacto (que inclui o afastamento da residência e local de trabalho) com a vítima D…, pelo período de um ano.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:

«1. O tribunal “a quo” deu erradamente como provado que:
• “Sucede que, desde a separação, o arguido vem perseguindo constantemente a ofendida, quer na via pública quer nas imediações da sua residência, controlando os seus movimentos, causando mau estar e receio na ofendida.”
• “Em data não concretamente apurada mas no decurso do Verão de 2012, em …, junto ao estabelecimento comercial de restauração de nominado “C…”, ao início da tarde, o arguido deferiu um murro na cabeça da ofendida e agarrou-a pelos braços.”
• “Como consequência da conduta descrita a ofendida não necessitou de recorrer assistência médica, mas sofreu dores e as lesões melhor descritas no relatório de exame médico-legal constante da certidão de fls. 80 a 83, designadamente, no crânio, pequeno hematoma e mal definido na região temporal esquerda, no membro superior direito, equimose com 3 x2 cm na face interna do terço distal do braço e algumas escoriações punctiformes no antebraço.”
• “Tais lesões terão determinado, em condições normais, 8 dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e da capacidade de trabalho profissional.”
• “Em data não concretamente apurada do Inverno de 2014, à noite, na execução dos seus intentos persecutórios, o arguido tentou introduzir-se na residência da ofendida, sita na Rua …, num rés-do-chão, em …, Trofa sem autorização e contra a vontade desta, através da janela de um quarto.”
• “Tal conduta do arguido provoca receio na ofendida e causa-lhe um constante sobressalto.”
• “Com o seu comportamento o arguido molestou a ofendida D… na sua integridade física e saúde, bem como lhe causou sofrimento, psíquico, mercê da humilhação, medo, nervosismo e constrangimento que a expôs, atento o seu comportamento.”
• “O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito, concretizado, de molestar a ofendida, sua mulher, na sua integridade física e psíquica e de lesar a sua integridade moral e dignidade pessoal.”
• “Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.”
2. O tribunal recorrido baseou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas E…, amiga da ofendida, F…, prima da ofendida, G…, irmã da ofendida e H…, antiga colega de trabalho da ofendida e sua amiga. O Tribunal “a quo” na “motivação” quanto à matéria de facto provada e não provada refere ainda que: “O arguido optou por não prestar declarações sobre os factos de que vinha acusado.” “Também a ofendida D…, que se mantém casada com o arguido embora separada de facto, exerceu o seu direito de não prestar depoimento.”
3. Não entende o Recorrente como pode o Tribunal “a quo” entender através do depoimento das testemunhas que o facto dado como provado na sentença no ponto 2 dos factos dados como provados que o facto de o Recorrente estar na via pública consubstancia que o mesmo estava a perseguir a ofendida, até porque se atentarmos nos autos o arguido habita na mesma freguesia e concelho em que habita a ofendida. O tribunal “a quo” fez uma errada apreciação dos depoimentos das testemunhas, valorando-os e, em consequência, condenando o Recorrente. DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA F… (DIA 16/01/2015; DURAÇÃO 19:02 MINUTOS – 14:44:43H ÀS 15:03:45): (…)Sra. Procuradora: “Olhe a Sra. sabe se a sua prima e o Sr. B… ainda vivem juntos? Testemunha: “Se eles vivem juntos?! Não, não vivem juntos!”Sra. Procuradora: “Sabe quando se separaram, mais ou menos há quanto tempo?” Testemunha: “Sei que é há mais ou menos três anos, ou já passou dos três anos. Que ele ronda as casas todas por onde ela tem passado que já é a quarta casa que ela está a morar e ele ronda-lhe as casas todas e ela é obrigada a sair da casa onde está a morar por causa de se livrar dele.”Sra. Procuradora: “Olhe e como é que sabe isso que o Sr. B… ronda as casas que…“Testemunha: “Ronda as casas porque eu como tenho o número de telefone dela e ela o meu logo que lhe aconteça isso ele liga-me logo e uma vez agora esta última vez que ele, desta ultima casa que ela está a morar eu calhei de ir de sair e passei de carro e vi-o nas traseiras de uma casa que fica virada para a frente da casa dela e ela nessa altura estava doente ou de férias ou assim em casa e ela ligou-me a dizer que ele estava lá e eu por acaso fui lá e vi que ele que estava lá!”Sra. Procuradora: “Olhe e isso quando é que foi?” Testemunha: “Eu sei lá, não sei isto foi no verão.”Sra. Procuradora: “Agora neste último Verão?“ Testemunha: “sim, sim. Ele estava assim lá parado a olhar para de costas encostado e virado mesmo de frente para a casa dela.”Ainda mais à frente no seu depoimento afirma a testemunha: Sra. Procuradora: “Quanto tempo é que ela esteve nessa segunda casa?“ Testemunha: “Ela nessa segunda casa esteve três ou quatro meses, esteve pouco tempo.” Sra. Procuradora: “E durante esses três ou quatro meses que ela esteve nessa casa ela telefonou-lhe com medo do marido quantas vezes mais ou menos se tem ideia?” Testemunha: “Não assim está tudo bem está é tudo mais ou menos na mesma como está e tal e assim e assado, pronto e não havia nada de queixas, não me deu assim nada de queixas. Depois acabou por sair dessa segunda casa e foi…”Sra. Procuradora: “Porquê?“ Testemunha: “Porquê. Porque ele a frequentava, diz que a frequentava lá à porta andava sempre lá para trás e para a frente e ela estava cheia disso tinha vergonha que era numa estrada principal e que tinha vergonha de estar ali que as pessoas estavam a desconfiar não sei quê(…)DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA G… (DIA 16/01/2015; DURAÇÃO 18:04 MINUTOS – 15:17:32H ÀS 15:35:35): (…)Sra. Procuradora: “Desde que ela se separou até agora em quantas casa ela já viveu?” Testemunha: “Quatro.”Sra. Procuradora: “Porque é que ela mudou tantas vezes em três anos? ”Testemunha: “Porque ele não para de a perseguir.”Sra. Procuradora: “Sabe isso porque ela lhe diz não é? ”Testemunha: “E porque vi.”Sra. Procuradora: “Porque viu e o que é que pode contar ao Tribunal?” Testemunha: “Eu vi na altura em que a minha irmã se separou, ela foi viver para …, foi a primeira casa que ela arranjou perto da minha. E então eu via sempre ele atrás dela em qualquer lado que nós íamos ele estava escondido, sempre a espia-la sempre a espia-la. Ela frequentava mais a minha casa ao fim de semana porque eu trabalho e então nós íamos a qualquer lado e lá estava ele, tanto que vários vizinhos me vinham perguntar, chegaram-me a vir perguntar se eu conhecia aquele senhor que estava escondido ali e eu perguntei onde e ela estava-me a explicar onde é que ele estava escondido e eu disse-lhe que sim, pronto que conhecia porque é meu cunhado. E ela disse é que nós estávamos a ficar com receio porque nós vimos ele entrar em tua casa, assim no pátio e depois ficou lá um bocado e veio para fora e agora está ali escondido e pronto eu disse-lhe que sim que conhecia que ele andava atrás da minha irmã.”Sra. Procuradora: “E isso quando foi? ”Testemunha: “É assim, foi na altura logo que ela se separou por isso…”Sra. Procuradora: “Pouco tempo depois de se ter separado? ”Testemunha: “Sim pouco tempo depois.”Sra. Juiz: “Ele entrou no pátio de sua casa foi?”Testemunha: “Sim. Ele pronto conhecia a minha casa. ”Sra. Juiz: “Entrou no pátio de sua casa e depois escondeu-se lá?”Testemunha: “Escondeu-se não. Escondeu-se na rua pública depois.”Sra. Juiz: “Mas porquê, porque a sua irmã estava em sua casa é isso?”Testemunha: “A minha irmã estava em minha casa.”Sra. Juiz: “Isso em que altura é que foi? 2011?”Testemunha: “Foi na altura que ela se separou. “Atentemos agora no depoimento da testemunha H…, a respeito deste ponto. DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA H… (DIA 16/01/2015; DURAÇÃO 08:14 MINUTOS – 15:08:49H ÀS 15:17:02):(…)Sra. Procuradora: “Olhe alguma vez viu o Sr. B… a perseguir a D. D…?”Testemunha: “Sim, vi nós íamos caminhar a pé todos os dias de manhã e às vezes quando calhávamos de olhar para o lado lá estava ele numa esquina a espreitar, a ver o que nós andávamos a fazer, aliás a ex-esposa dele o que é que ela andava a fazer. Presenciei mais do que uma vez.”Sra. Procuradora: “Mais do que uma vez e em que altura recorda-se? Quando é que foi essa fase em que caminhavam as duas de manhã?” Testemunha: “Devia ser 2012 mais ou menos, Janeiro Fevereiro.”
4. Quanto ao facto dado como provado no ponto 3 e por consequência os factos dado como provados nos pontos 4 e 5 dos factos provados é manifesta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Não existe, nos presentes autos, prova que comprove a existência de nexo causal entre a suposta agressão infligida pelo aqui recorrente à ofendida e os danos corporais que a mesma sofreu. Os dois depoimentos das duas testemunhas, mostram - se insuficientes e até mesmo contraditórios conforme decorre da transcrição dos seus depoimentos e da própria sentença do tribunal “a quo”. DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA F… (DIA 16/01/2015; DURAÇÃO 19:02 MINUTOS – 14:44:43H ÀS 15:03:45): (…) Testemunha: “… e ela ía para o trabalho a pé e ele esperou-a aos quatro caminhos e bateu-lhe e ela telefonou-me a dizer que foi agredida pelo marido que ele que lhe tinha batido nos quatro caminhos, chamam-lhe uma cruzilhada é uma cruzilhada, chamam-lhe os quatro caminhos.”Sra. Procuradora: “E isso onde é que é? ”Testemunha: “Isso é em …, quem vai para … ou ….”Sra. Procuradora: “Olhe isso é perto de um restaurante que se chama “C…”? ”Testemunha: “D…, não é bem perto, mas é na mesma freguesia.”Sra. Procuradora: “Olhe e a senhora esteve com ela nesse dia?”Testemunha: “Não, não estive, não estive com ela, ela só me disse que ele lhe tinha batido(…)” (…)Sra. Procuradora: “Isso foi ao pé do C…?”Testemunha: “É nesses quatro caminhos, lá não tem restaurante nenhum ali, ali é um ermo, é quatro bouças.”
5. Não entende nem pode aceitar o recorrente que o Tribunal “a quo” possa ter dado como provado que a ofendida foi agredida pelo Recorrente ao pé do restaurante “C…”, quando é a própria testemunha a afirmar peremptoriamente que a história que a sua prima, a ofendida nos autos lhe contou, supostamente ocorreu num local completamente diferente. E supostamente porque a testemunha limita-se a contar o que a ofendida lhe terá dito por telefone, sem conseguir concretizar. Não é plausível que a testemunha se realmente estivesse convencida que a ofendida sua irmã tivesse medo e com receio do Recorrente a deixasse ir sozinha confrontá-lo. Não é plausível que ao saber que a irmã podia estar a correr risco de ser agredida a testemunha se deixasse ficar tranquilamente em casa, como ela própria diz sem qualquer visibilidade para o local dos factos. Se a testemunha soubesse e e estivesse convencida que o seu cunhado, ora Recorrente era violento para com a sua irmã não iria acompanha-la. Não é plausível que a testemunha inclusivamente, nunca tenha falado com o seu cunhado sobre o assunto porque a irmã não queria que ela se metesse naquele assunto. Não aceita o Recorrente que o Tribunal “a quo” tenha a certeza sem qualquer margem para dúvidas de que foi o Recorrente quem agrediu a ofendida não tendo nenhuma testemunha presenciado os factos, a ofendida não prestou depoimento e o arguido optou por não falar. DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA G… (DIA 16/01/2015; DURAÇÃO 18:04 MINUTOS – 15:17:32H ÀS 15:35:35): (…)Sra. Procuradora: “Olhe e a senhora quando estava a passear com a sua irmã ou estava em casa com a sua irmã e se apercebia que o seu cunhado andava por lá alguma vez o abordou foi falar com ele? ”Testemunha: “Não.”Sra. Procuradora: “Não. E porquê, nunca lhe disse pára lá com isso vai para tua casa? ”Testemunha: “Não, mesmo porque a minha irmã não queria que a gente se metesse nesses problemas que isso era com ela, tanto que houve uma altura que foi a um domingo, agora a data precisa não sei dizer, sei que era verão e que nós estavamos na minha varanda e eu vi o meu cunhado estava escondido atrás de uma árvore no parque de estacionamento do restaurante, que eu moro em cima de um restaurante que é o C… e eu vi-o lá atrás da árvore e depois a minha irmã foi lá e disse não isto tem de parar eu vou lá confrontá-lo porque é que ele anda sempre atrás de mim. Eu até lhe disse não vás. E ela não, eu vou lá e foi, só que é assim eu não fui atrás dela era entre ela e ele e eu não fui e eu também não tinha visibilidade para lá para o parque, depois sei que a minha irmã chegou a casa toda arranhada com sangue na boca, estava assim com arranhões no pescoço e com um braço todo apertado de lhe estarem a apertar. Pronto ela diz que foi ele que lhe bateu. Isso eu não vi. Sei que a minha irmã chegou a minha casa assim.
6. O Recorrente não compreende nem pode aceitar que tenha sido dado como provado o ponto 6 dos factos provados em que é manifesta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada tendo o tribunal “a quo” fundamentado a sua convicção através do depoimento das testemunhas E…, F…, G… e H…. DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA E… (DIA 16/01/2015; DURAÇÃO 09:00 MINUTOS – 14:35:10H ÀS 14:44:10): (…)Sra.Procuradora: “E como é que a senhora sabe isso, que ele andava atrás dela a persegui-la?”Testemunha: “Porque ela dizia que ele uma vez à noite, que lhe tentou abrir a persiana da janela e que ainda viu a mão dele, eu isso não vi!”(…)Sra.Procuradora: “então ela disse-lhe que ía mudar de casa, e mudou? Testemunha: “e mudou.”Sra.Procuradora: “e mudou, porque um dia à noite o arguido tinha tentado abrir-lhe a persiana? “Testemunha: “Sim, ela diz que viu a mão dele, mesmo, e que lhe disse ah ladrão, tu estás-me aqui a querer assaltar-me a casa!”Sra. Juiz: “Mas como é que ela sabia que era ele se estava a persiana fechada e viu só a mão a aparecer?” Testemunha: “não sei ela diz que viu só a mão, por isso não posso dizer que era ele.”Sra. Juiz: “Mas percebe a minha pergunta?” Testemunha: “sim, sim” Sra. Juiz: “Ela explicou porque é que achava que era ele? ”Testemunha: “ela disse que devia ser ele, não sei”(…) Sra.Procuradora: “Ela disse-lhe se ele nessa altura falou com ela, lhe disse alguma coisa?”Testemunha: “eu?”Sra.Procuradora: “A D. D… quando falou com a senhora e lhe contou essa história da janela disse-lhe se se o Sr. B… lhe tinha dito alguma coisa, se falou com ela? ”Testemunha: “não ela não me disse nada que ele que lhe disse nada, só viu a mão dele a fechar a persiana”Sra. Juiz: “Mas percebeu a pergunta, porque se se ela tivesse ouviu a voz dele podia ter reconhecido que era ele, ela não lhe disse isso?”Testemunha: ” sim, não ela disse que não…”Sra. Juiz: “Foi só a mão?”Testemunha: ”Sim, sim.”(…) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA F… (DIA 16/01/2015; DURAÇÃO 19:02 MINUTOS – 14:44:43H ÀS 15:03:45): (…)Testemunha: “E depois foi para outra casa que é à beira do banco que é um apartamento rés-do chão, aí é que ela me telefonou vou ter que sair daqui porque ele hoje tentou saltar, tinha as janelas abertas, a janela aberta para trás e ele já estava com uma perna alçada para me entrar aqui dentro e eu tenho medo que ele entre aqui dentro e me mate, e saiu dessa casa também.”(…)Sra.Procuradora: “Olhe e ela disse-lhe como é que sabia que era o marido que estava a tentar entrar dentro de casa?” Testemunha: “Sabia que era ele, pois era de dia.”Sra.Procuradora: “Era de dia? “Testemunha: “Era, isto foi de dia.”(…) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA G… (DIA 16/01/2015; DURAÇÃO 18:04 MINUTOS – 15:17:32H ÀS 15:35:35): (…)Sra.Procuradora: “Olhe, e alguma vez a sua irmã lhe contou de, do marido ter tentado entrar dentro de casa? ”Testemunha: “Sim. Houve um episódio que ela ligou-me agora também não sei dizer a hora, era de noite.”(…)Sra.Procuradora: “Mas em que casa é que ela vivia? ”Testemunha: “Era na terceira casa.”Sra.Procuradora: “Portanto em frente à D. E…? ”Testemunha: “Exactamente. Ligou-me a dizer que ele tentou entrar lá dentro. Tentou levantar a persiana e que ela viu que era ele. (…)Sra.Procuradora: “Olhe, como é que a sua irmã percebeu que era o marido que estava a tentar entrar em casa ”Testemunha: “É assim ela diz que o viu.”Sra. Juiz: “Que o viu?”Testemunha: “Sim que o viu, porque a persiana acho que já estava um bocado levantada e já dava para ver de dentro para fora, ver quem era a pessoa e ela diz que o viu.”(…)
7. O Recorrente não aceita que o Tribunal “a quo” tenha a certeza sem qualquer margem para duvidas que o arguido tentou entrar em casa da ofendida sem a autorização desta. As três testemunhas não conseguiram explicar como é que a ofendida teve a certeza de que era o arguido quem estava a tentar a introduzir-se na sua residência. A testemunha E… e G… afirmaram peremptoriamente que o referido acontecimento terá ocorrido à noite. A testemunha F… afirmou que a ofendida sabia que era o arguido porque era de dia. Mais a testemunha E… diz que a persiana estava fechada e que o arguido a tentou abrir tendo a ofendida visto a mão do arguido e por isso reconheceu que era ele. A testemunha F… diz que a ofendida lhe contou que tinha as janelas abertas para trás e que o arguido já tinha uma perna alçada para entrar dentro de casa. Por outro lado a testemunha G… diz que a ofendida lhe contou que tinha a persiana fechada e que o arguido tentou levantá-la para entrar dentro de casa e que reconheceu que era ele, sem no entanto conseguir explicar ao tribunal “a quo” como a ofendida reconheceu o recorrente. Senhores Juízes desembargadores, esta descrição mais parece o provérbio popular: “Quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto.”
8. Verifica-se uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, tal como prevê a alínea a) do n.° 2 do artigo 410° do C.P.P., havendo ainda manifesta contradição insanável entre a fundamentação e a decisão quanto à matéria de facto a que alude a alínea b) do n.° 2 do artigo 410° do C.P.P., dado que os depoimentos das testemunhas de acusação, mostram-se contraditórios e insanáveis entre si.
9. A prova produzida em audiência de julgamento não foi bastante para condenar o arguido pela prática de um crime de violência doméstica pelo qual foi condenado pelo tribunal de Primeira Instância. Desde logo porque a prova produzida não permite apurar com a certeza que o Direito exige, que o arguido perseguia a ofendida que a agrediu ou que tentou entrar em sua casa sem autorização da mesma e, depois, porque todas as testemunhas ouvidas em audiência de julgamento não presenciaram nenhum dos factos dado como provados, limitaram-se a transmitir o que supostamente a ofendida lhes terá contado sendo a prova produzida indirecta e imprecisa. Mais, o Direito tem de ser certo para levar à condenação de um arguido e, como tal, não havendo certeza devem os Exmos. Srs. Desembargadores atender ao princípio do “in dúbio pro reo” e absolver o arguido do crime de que vinha acusado.
10. Como resulta da douta sentença do Tribunal “a quo” e dos depoimentos das testemunhas supra transcritos, é inquestionável que o depoimento das referidas testemunhas é um depoimento indirecto.
11. Quanto à proibição do depoimento indirecto como meio de prova, em processo penal, o regime regra é o que ocorre na primeira parte do n.° 1 do artigo 129° do C. P. P..: "Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.”. O regime de excepção para a valoração de depoimentos indirectos encontra-se vertido na segunda parte do n.° 1 do aludido artigo 129°, e que prevê o seguinte: "(...) salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas." O que equivale dizer que a valoração de depoimentos indirectos só são válidos se ocorrerem as circunstâncias melhor descritas na segunda parte da norma atrás citada, do exposto, resulta em regra que está proibido o depoimento indirecto. Acresce ainda, que a lei diferencia claramente a inquirição das testemunhas (artigos 138° e 348°), as declarações do assistente e das partes civis (artigos 145°, 346° e 347°) e o interrogatório do arguido (artigos 141° a 143° e 343°) e do que a lei fala no artigo 129° é apenas da "inquirição" das pessoas indicadas, isto é, da inquirição de testemunhas.
12. Vale isto por dizer, que o depoimento indirecto só vale como prova quando a "inquirição" de testemunhas não for possível por força das referidas circunstâncias previstas na lei.
13. Portanto, não vale como prova o depoimento indirecto de uma testemunha sobre o que ouviu dizer ao arguido, ao assistente ou às partes civis, porque as " pessoas" a que a ressalva do n.° 1 do artigo 129° se refere são apenas as testemunhas. E, sendo o artigo 129° uma norma excepcional, ela não pode, em prejuízo do princípio constitucional da imediação, ser aplicada analogicamente ao depoimento de uma testemunha sobre o que ouviu dizer ao arguido, ao assistente e às partes civis.
14. Assim, o depoimento indirecto só pode ser valorado como meio de prova, se o juiz proceder à sua confirmação através da audição das pessoas a quem a testemunha ouviu dizer. Apenas assim não será quando não for possível proceder à confirmação, seja por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada da pessoa a quem a testemunha ouviu dizer.
15. Ora, reportando-nos ao caso dos autos verificamos que as testemunhas no que concerne à matéria de facto nos pontos 2, 3, 6 e 7 dos factos provados, são testemunhas de ouvir dizer. O que as testemunhas relataram na audiência de julgamento, segundo o seu depoimento e tal como consta da sentença do tribunal “a quo”, foi – lhes unicamente transmitido pela ofendida. E esta, como resulta da sentença do tribunal “a quo”, recusou-se validamente a depor. Deste modo, não se mostra verificado o pressuposto de que depende a validade do depoimento indirecto das testemunhas, o que significa que o mesmo não poderia ter fundamentado a convicção da Mma. Juíza “a quo” quanto aos factos provados em questão.
16. Assim, resultando da motivação de facto da sentença, sem margem para qualquer dúvida, que a convicção do tribunal “a quo”, quanto aos pontos 2, 3, 6 e 7 dos factos provados como, quanto a todos aos demais factos provados preenchedores do tipo do crime pelo qual foi o arguido condenado, se fundou, exclusivamente, no depoimento das testemunhas E…, F…, G…, e H… não pode este, face à proibição de prova, ser valorado quanto aos especificados factos provados, e não existindo outros meios de prova que possam suportar aquela convicção.
17. Assim, com o reconhecimento da existência de prova proibida tendo por objecto o único meio de prova de que se serviu o tribunal “a quo” para suportar a decisão de facto relativamente aos pontos 2, 3, 6 e 7 dos factos provados, devem estes factos serem excluídos da matéria de facto provada e passar a constar da matéria de facto não provada.
18. Reapreciadas as provas supra indicadas nos termos do n.º 3 do art.º 412 do CPP, impõe-se uma decisão que absolva o Arguido/Recorrente da prática em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 10º, 14º, 26º 1ª proposição e 152.º, n.ºs 1, al. a) do Código penal na pena principal de 1(ano) e 6 (seis) meses de prisão, suspensa por igual período ao abrigo do disposto nos artigos 50º nº 1 e 5 do Código penal e na pena acessória de proibição de contato com a vitima, pelo período de um ano, que inclui o afastamento da residência ou do local de trabalho da ofendida.

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo provimento do recurso, no que se refere à proibição de valoração dos depoimentos indiretos.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
- saber se não poderá ser valorada toda a prova assente nos depoimentos das testemunhas inquiridas sobre o que ouviram dizer à suposta ofendida;
- saber se a prova produzida impõe (também à luz do princípio in dubio pro reo) decisão diferente da tomada na decisão recorrida

III – Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte:

«(…)
II. Fundamentação:
Dos Factos Provados:
(Da acusação:)
1. O arguido e D… celebraram casamento entre si em 24 de março de 1979, encontrando-se separados de facto desde há cerca de dois anos.
2. Sucede que, desde a separação, o arguido vem perseguindo constantemente a ofendida, quer na via pública quer nas imediações da sua residência, controlando os seus movimentos, causando mau estar e receio na ofendida.
3. Em data não concretamente apurada mas no decurso do Verão de 2012, em …, junto ao estabelecimento comercial de restauração denominado “C…”, ao início da tarde, o arguido desferiu um murro na cabeça da ofendida e agarrou-a pelos braços.
4. Como consequência da conduta descrita a ofendida não necessitou de recorrer a assistência médica, mas sofreu dores e as lesões melhor descritas no relatório de exame médico-legal constante da certidão de fls. 80 a 83, designadamente, no crânio, pequeno hematoma e mal definido na região temporal esquerda, no membro superior direito, equimose com 3 x 2 cm na face interna do terço distal do braço e algumas escoriações punctiformes no antebraço; no membro superior esquerdo algumas escoriações punctiformes no antebraço.
5. Tais lesões terão determinado, em condições normais, 8 dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e da capacidade de trabalho profissional.6. Em data não concretamente apurada do inverno de 2014, à noite, na execução dos seus intentos persecutórios, o arguido tentou introduzir-se na residência da ofendida, sita na Rua …, num rés do chão, em …, Trofa, sem autorização e contra a vontade desta, através da janela de um quarto.
7. Tal conduta do arguido provoca receio na ofendida e causa-lhe um constante sobressalto.
8. Com o seu comportamento o arguido molestou a ofendida D… na sua integridade física e saúde, bem como lhe causou sofrimento psíquico, mercê da humilhação, medo, nervosismo e constrangimento a que a expôs, atento o seu comportamento.
9. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito, concretizado, de molestar a ofendida, sua mulher, na sua integridade física e psíquica e de lesar a sua integridade moral e dignidade pessoal.
10. Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.
(…)
III. Da Motivação dos Factos:
O tribunal formou a sua convicção no respeito e observação das orientações decorrentes do princípio da aquisição da prova articulado com os princípios da investigação e da verdade material e da presunção de inocência do arguido, e, bem assim, da apreciação da prova produzida segundo a orientação decorrente do princípio da livre apreciação da prova, isto é, da apreciação desta de acordo com as regras da experiência e a análise crítica, à luz do princípio da imediação e da oralidade e da conjugação de toda a prova produzida.
Relativamente à prova do facto vertido em 1., no que se refere ao casamento, baseou-se o tribunal no teor do assento de nascimento da ofendida, no qual se mostra aquele averbado.
O arguido optou por não prestar declarações sobre os factos de que vinha acusado.
Também a ofendida D…, que se mantém casada com o arguido embora separada de facto, exerceu o seu direito de não prestar depoimento.
Assim, o Tribunal valorou o conjunto dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, bem como o relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal realizado à pessoa da ofendida (cfr. fls. 81 a 83).
A testemunha E…, amiga da ofendida e que chegou a viver perto de D… alguns meses depois desta se separar do arguido, atestou que aquela residiu num rés do chão na Rua … e que acabou por sair do local devido ao comportamento assumido pelo arguido. E… referiu, de forma isenta e descomprometida, e embora sem especificar a data do sucedido, que a ofendida lhe contou que o arguido tentou entrar na casa onde a mesma viveu na aludida rua, através de uma janela e levantando a preciana, e que por isso tinha receio de viver no rés do chão, acabando depois por mudar de residência.
F…, prima da ofendida, explicou que esta e o arguido se separaram de facto há cerca de 3 anos e que D… teve já se mudar de casa quatro vezes em virtude de o arguido a perseguir e aparecer várias vezes junto ao(s) local/locais da sua residência. Sobre o episódio ocorrido no rés-do-chão da Rua …, onde D… viveu, a testemunha disse que a prima lhe telefonou a contar o sucedido, ou seja, que o arguido tentou entrar-lhe em casa por uma janela. Sobre os factos referidos em 3. F… referiu que D… lhe confidenciou uma única agressão, com murros, ocorrida em …, não tendo, porém, indicado, por desconhecimento, a data concreta da agressão.
G…, irmã da ofendida, não obstante a relação familiar existente entre ambas, relatou ao Tribunal o seu conhecimento sobre os factos de forma credível e tanto circunstanciada quanto possível.
A testemunha G… explicou que a irmã, desde que se separou do arguido, já mudou quatro vezes de casa por causa de o mesmo a perseguir e ter tentado entrar-lhe até pela janela de um dos locais onde viveu.
Adiantou que na primeira casa para onde foi viver a irmã, perto de si, em …, chegou a ver o arguido várias vezes nas imediações a espiá-la e a esconder-se, e que foi precisamente numa dessas ocasiões, no Verão de 2012, num domingo após o almoço, que perto do restaurante “C…” e junto à casa da testemunha, D… decidiu ir ao encontro do arguido que estava escondido e foi agredida pelo mesmo, ficando com sangue na boca e com o braço magoado/vermelho. Embora G… não tenha presenciado a agressão, atestou que a irmã estava consigo nesse dia, saiu para ir ao encontro do arguido e quando voltou apresentava os aludidos ferimentos, tendo-lhe relatado o sucedido.
A ocorrência desta agressão, nos termos em que foi relatada pelas testemunhas G… e F…, e as lesões daquela resultantes para a ofendida D… (factos provados sob os números 4 e 5) são corroboradas pelo relatório de perícia de avaliação do dano corporal cujo rigor e carácter técnico e científico e valor probatório saiu incólume da audiência (cfr. fls. 81 a 83).
De referir ainda que mereceu também credibilidade o depoimento de G… sobre o facto vertido em 6., pela forma impressiva como o descreveu, explicando como dele teve conhecimento, pela irmã D… na própria noite do sucedido e que um irmão de ambas teve de ir buscar a ofendida para que não pernoitasse sozinha e com medo, por tudo ter ocorrido na 3.ª casa onde a ofendida viveu e que era um rés do chão.
Foi da conjugação entre os depoimentos das testemunhas G… e F… que o tribunal ficou convencido de o facto constante do ponto 6. ocorreu no Inverno do ano passado, na medida em que ambas foram consentâneas em afirmar que a tentativa de entrada na casa de D… pelo seu marido foi quando a mesma vivia num rés do chão, onde se manteve, segundo a testemunha F… até ao verão de 2014 (altura em que foi viver para a 4.ª casa após a separação), sendo que, por outra banda, a irmã de D… foi peremptória em dizer que essa situação ocorreu na aludida época do ano (Inverno).
Além de todas as testemunhas cujos depoimentos já foram analisados terem retratado o medo e a apreensão que a ofendida sente por o arguido lhe “seguir os passos” de forma persistente, também H…, antiga colega de trabalho da ofendida e sua amiga, relatou que em passeios que fazia na companhia de D… se apercebeu que o arguido aparecia e as “espreitava”, o que aconteceu duas ou três vezes, ainda no início do ano de 2012, facto que causa medo à ofendida.
Da apreciação conjunta das declarações prestadas pelas testemunhas ficou o Tribunal convencido, nos exactos termos que se deram como provados, de que o arguido além de ter agredido fisicamente a ofendida por uma vez, igualmente seguiu os seus movimentos, a perseguiu e tentou até entrar em sua casa, causando-lhe medo e inquietação.
Os factos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta do arguido, foram considerados assentes a partir do conjunto das circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
(…)»

IV 1. – Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente alegar que não poderá ser valorada toda a prova assente nos depoimentos das testemunhas inquiridas sobre o que ouviram dizer à suposta ofendida. À luz do disposto no artigo 129º, nº 1, do Código Penal, para que esses depoimentos fossem valorados teriam de ser confirmados pela testemunha-fonte, o que não se verificou neste caso, pois esta (suposta ofendida) usou da faculdade de não prestar declarações que lhe confere o artigo 134º, nº 1, b), do mesmo Código. Neste sentido, o recorrente invoca o teor dos acórdãos desta Relação de 12 de maio de 2010 (proc. nº 402/07.1PBVLR, relatado por Maria Deolinda Dionísio) e da Relação de Coimbra de 19 de setembro de 2012 (proc. nº 63/10.0GJCB, relatado por Eduardo Martins) e de 10 de dezembro de 2014 (proc. nº 155/13.4PBLMG, relatado por Vasques Osório, todos acessíveis in www.dgsi.pt). Esta posição é sufragada pelo Ministério Público junto desta instância no seu douto parecer.
O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância, por seu turno, na sua resposta à motivação do recurso, alega que os depoimentos em questão não deixam de poder ser valorados pelo facto de a testemunha-fonte se ter recusado a depor no uso de uma faculdade legal. O que exige o artigo 129º, nº 1, do Código de Processo Penal é, apenas, que a testemunha-fonte seja chamada a depor. Neste sentido, são invocados o teor dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de outubro de 2010 (proc. nº 08P1212, relatado por Rodrigues da Costa) e de 27 de junho de 2012 (proc. nº 127/10.0JABRG, relatado por Santos Cabral, ambos acessíveis in www.dgsi.pt). Para o primeiro desses acórdãos, a situação integrar-se-á nas situações de impossibilidade de prestação de depoimento que estão previstas na última parte do referido nº 1 do artigo 129º, como exceção à impossibilidade de valoração do depoimento indireto. Para o segundo desses acórdãos, o que exige o preceito em causa é apenas que o tribunal diligencie no sentido de confrontar o depoimento indireto com a testemunha-fonte (em homenagem ao princípio da imediação, por um lado, e à salvaguarda das garantias de defesa do arguido, por outro lado), não que esse confronto necessariamente se efetive.
Vejamos.
Convém esclarecer, em primeiro lugar, que nem todas as vertentes dos depoimentos das testemunhas inquiridas assumem as caraterísticas de depoimento indireto. Assim é no que se refere ao que essas testemunhas ouviram dizer à suposta ofendida, não ao que elas observaram diretamente: ferimentos, um estado de medo e angústia, sistemáticas tentativas de contacto do arguido, etc..
Deve considerar-se, na linha do que afirma o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 27 de junho de 2012, que o artigo 129º, nº 1, do Código de Processo Penal exige apenas, para que o depoimento indireto possa ser valorado, que se diligencie pelo confronto desse depoimento com a testemunha-fonte, não necessariamente que esta efetivamente preste declarações, ou (ainda menos) que esta confirme o teor do depoimento indireto (pode não o fazer de forma não convincente, menos convincente do que a do próprio depoimento indireto). Exigir alguma destas ocorrências até poderia ter alguma justificação, mas é ir além da exigência legal.
Neste sentido pronuncia-se Carlos Adérito Teixeira, no seu aprofundado estudo «Depoimento Indirecto e Arguido: Admissibilidade e Livre Valoração versus Proibição de Prova», in Revista do CEJ, 1º semestre de 2005, nº 2, pgs. 139 a 142, com a argumentação seguinte, que merece a nossa inteira adesão:
«(…)
Assim, no quadro da excepções atípicas e desde que verificado o pressuposto de necessidade probatória (maxime, qualificada) e o princípio da prossecução da “melhor prova disponível”, a utilizibilidade do depoimento indirecto poderá, em meu juízo, ser sufragada por uma de duas vias.
«Uma, consubstanciada na consideração de que, realizados os esforços exigíveis no caso para obter o depoimento directo, se cumpriu o condicionamento imposto pela norma para a produção da fonte de informação probatória originária, só não se efectivando em razão de contingências (impedimentos de facto, impedimentos de direito ou auto-exclusão da fonte) a que não só o tribunal mas também as partes são alheios.
«Se o legislador pretendesse impedir a utilizibilidade do depoimento indirecto ou restringir, drasticamente, o seu âmbito e valor deveria fazer depender o mesmo – para além das condições procedimentais expressas na lei (indicação da testemunha-fonte e seu chamamento a depor) – de três condições adicionais que ali não constam: primeira, exigir a efectividade de prestação de depoimento indirecto, requisito que implicaria a irrelevância dos depoimentos indirectos cujas testemunhas–fonte não comparecessem ou, comparecendo, se recusassem, legitima ou ilegitimamente, a depor, não podendo o tribunal socorrer-se, por coerência, do mecanismo previsto no artigo 135º do CPP; segunda, exigir a confirmação pela testemunha-fonte da existência de conversa com a testemunha indirecta ou reconhecimento de que prestara (perante esta ou por forma que esta pudesse ter ouvido) as declarações cuja autoria lhe é atribuída, havendo muitas situações reais em que a testemunha-fonte não se recorda ou não está em condições de garantir ter feito o relato à testemunha indirecta; terceira, exigir a confirmação pela testemunha-fonte do conteúdo do depoimento indirecto no sentido de se tornar necessário estabelecer uma sobreposição coerente e perfeita entre ambos os depoimentos, sendo certo que, as mais das vezes, ocorrerão imprecisões, incoerências e contradições entre aqueles.
«Por outro lado, não se descortina razão bastante - à margem de uma discricionariedade ao sabor de certa conjuntura ou de uma insuficiente representação pragmática – para o legislador não contemplar outras excepções, de natureza idêntica às previstas na norma; nem se alcança sentido lógico para o legislador fazer depender, sem apresentar solução congruente, a validade e eficácia de valoração de certo meio de prova (depoimento indirecto) da produção de outro meio probatório que, simultaneamente, proíbe ou cuja recusa tutela em nome de interesses de atendível relevância social e jurídica (“impossibilidade jurídica”).
«Por sua vez, a sindicabilidade da credibilidade da testemunha, na generalidade dos casos de excepções “atípicas” é efectivamente operada – quer no estrito plano de determinação da razão de ciência quer no da justificação do seu conhecimento – e a não utilizibilidade só pode ficar-se a dever a impedimento bastante, de facto ou jurídico, em depor ou à falta de vontade da testemunha em colaborar com a descoberta da verdade ou à exiguidade de relevância do depoimento. A este nível, não se vislumbram razões que desaconselhem valoração diversa dos casos em que ocorreu a morte, anomalia psíquica ou impossibilidade de ser encontrada a testemunha fonte. Nestes casos de admissibilidade legal, nem sequer se verifica o condicionamento inerente à sindicabilidade da testemunha de referência.
«Além do mais, do ponto de vista da lei, a invocação formal do direito a não prestar declarações (v.g. ao abrigo do artigo 134.º) é suficiente, independentemente de ser outra a verdadeira razão para o não fazer (v.g. evitar incómodos, ter sido coagida, ter sido “comprada”), sem que o tribunal tenha de averiguar se são motivos decorrentes de parentesco ou da afinidade a verdadeira razão que move a testemunha wem não colaborar.
(…)».
Carlos Adérito Teixeira afasta, como fundamento alternativo para a relevância do depoimento indireto em casos como o que está em apreço, a interpretação extensiva da parte final do nº 1 do artigo 129º, de modo a incluir nas excepções aí previstas todas as situações de “impossibilidade de depor” (neste sentido, aponta o acima referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de outubro de 2008), por considerar tal solução menos aceitável «na lógica de uma interpretação conforme à Constituição, em presença de conflito relativo a direitos fundamentais». Mas não é necessário recorrer a alguma interpretação extensiva, pelas razões indicadas.
Também pode invocar-se, como faz o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de junho de 2012, em favor da tese da possibilidade de valoração do depoimento indireto em casos como o que está em apreço, e embora a situação aí diretamente contemplada diga respeito ao depoimento indireto relativo a declarações do arguido, a doutrina seguida no acórdão do tribunal Constitucional nº 440/99 (acessível in www.tribunalconstitucional.pt): «O artigo 129º, nº 1 (conjugado com o artigo 128º, nº 1), do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indiretos de testemunhas que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recuse a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido.
Assim, a douta sentença recorrida não é merecedora de reparo por ter valorado os depoimentos indiretos em questão.
Deve ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.

IV 2. -
Vem o arguido e recorrente alegar, por outro lado, que a prova produzida (concretamente, o teor dos depoimentos de testemunhas que transcreve) impõe (em relação aos aspetos que de seguida serão indicados) decisão diferente da que foi tomada na sentença recorrida.
Estamos perante uma impugnação da matéria de facto provada, nos termos do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal.
Ao invocar o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nos termos do artigo 410º, nº 2, a), do mesmo Código, o recorrente incorre em claro equívoco. Este vício decorre do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não do confronto da mesma com o teor da prova efetivamente produzida. Uma coisa é a insuficiência da prova efetivamente produzida para a decisão da sentença sobre a matéria de facto, outra a insuficiência da matéria de facto considerada provada na sentença para a decisão (sobre qualificação jurídica, escolha e medida da pena) nesta tomada. É este segundo o vício a que se reporta a alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.
O recorrente também incorre em claro equívoco quando invoca a existência do vício de insanável contradição na fundamentação e entre esta e a decisão, previsto na alínea b) do nº 2 do mesmo artigo 410º, pelo facto de os depoimentos das testemunhas serem contraditórios entre si. Este vício, como os restantes previstos no nº 2 desse artigo 410º, há de decorrer do próprio texto da decisão recorrida, não do confronto desta com a prova efetivamente produzida.
A respeito da impugnação da decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, há que considerar o seguinte.
Como se refere nos doutos acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2005 e de 9/3/2006 (procs. Nº 2951/05 e 461/06, respetivamente, ambos relatados por Simas Santos e acessíveis in www.dgsi.pt), e é jurisprudência uniforme, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse: antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros».
A gravação das provas funciona como uma “válvula de escape” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações-limite de erros de julgamento sobre matéria de facto (assim, o acórdão do S.T.J. de 21/1/2003, proc. nº 02ª4324, rel. Afonso Correia, também acessível in www.dgsi.pt).
E, como se refere no douto acórdão da Relação do Porto de 26 de Novembro de 2008 (relatado por Maria do Carmo Silva Dias e publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 139º, nº 3960, pgs. 176 e segs.), «não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador na 1.ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas. O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é “colhido directamente e ao vivo”, como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª. Instância». A credibilidade das provas e a convicção criada pelo julgador da primeira instância «têm de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores» (assim, o citado acórdão do S.T.J. de 21/1/2003), fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento. Neste, «para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam» (assim, o acórdão do S.T.J. de 9/7/2003, proc. nº 3100/02, rel. Leal Henriques, acessível em www.dgsi.pt).
Deste modo, o recurso da decisão em matéria de facto da primeira instância não serve para suprir ou substituir o juízo que o tribunal da primeira instância formula, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprimido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento, mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. Esses erros ocorrerão quando, por exemplo, o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário.
Quando, no artigo 412º, nº 3, b), do C.P.P., se alude às «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida», deve distinguir-se essa situação daquelas em que as provas em causa, sem imporem decisão diversa, admitiriam decisão diversa da recorrida na base de um outro juízo sobre a sua fidedignidade.
Mas vejamos em que aspetos impugna o recorrente a decisão sobre matéria de facto.
Alega o recorrente, por um lado, que dos depoimentos que transcreve não resulta que o arguido perseguisse a suposta vítima. Mas é isso mesmo que resulta com clareza desses depoimentos. As testemunhas falam em perseguições muito frequentes, com o arguido escondido na rua a vigiar os passos da esposa, e rondando a casa desta com o mesmo objetivo. Afirmam também que esta mudou de casas várias vezes para evitar essas perseguições.
Não se vislumbra em que é que possa ser merecedora de reparo a sentença recorrida quanto a este aspeto.
Alega, por outro lado, o recorrente que dos depoimentos que transcreve não resulta que possa considerar-se provada a agressão descrita no nº 3 do elenco dos factos provados constante da sentença recorrida e o nexo de causalidade entre essa agressão e as lesões descritas nos nºs 4 e 5 do mesmo elenco.
A testemunha G… viu a esposa do arguido (suposta ofendida) com sangue na boca e arranhões no pescoço, depois de ela se ter dirigido ao arguido, no local indicado, para o confrontar com o facto de ele a perseguir constantemente. Essas lesões são corroboradas pelo relatório de avaliação de dano corporal junto a 81 a 83. Daqui retirar que foi o arguido o autor da agressão descrita no nº 3 do elenco dos factos provados constante da sentença recorrida e que dessa agressão resultaram as lesões descritas nos nºs 4 e 5 do mesmo elenco é perfeitamente conforme às regras da lógica e da experiência comum. Não é, de modo algum, verosímil que essas agressões tenham resultado de outra qualquer agressão, acidente ou auto-mutilação. E não é a imprecisão do depoimento da testemunha F… (que soube do sucedido através de um telefonema da suposta ofendida), quanto ao local em que terá ocorrido a agressão, que impede que se considerem provados os factos tal como vêm descritos na sentença recorrida.
Alega também o recorrente que não é crível que a testemunha G…, irmã da suposta ofendida, sabendo que esta corria risco de vir a ser agredida pelo arguido, a deixasse ir sozinha ter com ele nessa ocasião. Mas, apesar das constantes perseguições do arguido, não consta que já anteriormente ele tivesse recorrido à violência como fez nessa ocasião. Poderia não ser previsível que o fizesse, apesar do seu comportamento anterior.
De qualquer modo, na apreciação da credibilidade dos depoimentos dessa e das outras testemunhas concorrem fatores ligados à imediação que é caraterística do julgamento em primeira instância e de que nesta sede estamos privados.
Por último, alega o recorrente que dos depoimentos das testemunhas E…, F… e G…, que transcreve, não resulta a prova do facto descrito no nº 6 do elenco dos factos provados constante da sentença recorrida, uma vez que esses depoimentos são contraditórios entre si, designadamente no que se refere à circunstância de esse facto ter ocorrido de dia ou de noite.
Na verdade, há contradições nos depoimentos referidos. A circunstância de se tratar de depoimentos indiretos poderá contribuir para isso. Mas a sentença recorrida não se baseia em todos esses depoimentos. Baseia-se, sobretudo, no depoimento da testemunha G…, pela sua forma “impressiva”. E, por isso, foi considerado provado que o facto ocorreu de noite, como afirmou essa testemunha. As contradições apontadas não retiram, necessariamente credibilidade a esse depoimento. Também quanto a este aspeto, o juízo de credibilidade desse depoimento depende de fatores ligados à imediação que é caraterística do julgamento em primeira instância e de que nesta sede estamos privados.
Não se verifica, na sentença em apreço, alguma violação do princípio in dubio pro reo. Ela assenta num juízo de certeza (segundo a fórmula tradicional, «para além de toda a dúvida razoável»), e não de mera suspeita ou probabilidade.
Dever, pois, ser negado provimento ao recurso, também quanto a estes aspetos.

O arguido e recorrente deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).

V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Condenam o arguido e recorrente em três (3) U.C.s de taxa de justiça

Porto, 5/6/2015
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo