Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
654/18.1GAVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: ACUSAÇÃO PARTICULAR
IDENTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
ACUSAÇÃO
MANIFESTAMENTE INFUNDADA
CONVITE
MP
INDICAR NOME
SEGUNDA ACUSAÇÃO
RENOVAÇÃO (NÃO) DO ACTO
Nº do Documento: RP20201118654/18.1GAVFR.P1
Data do Acordão: 11/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A acusação, pública ou particular, tem de conter, sob pena de nulidade sanável, "as indicações tendentes à identificação do arguido".
II - Será rejeitada, por ser manifestamente infundada, a acusação que "não contenha a identificação do arguido".
III - A acusação deduzida, contendo em si indicações tendentes à identificação da arguida, embora por remissão, não cumprido, nesse momento, de forma completa o que lhe é exigido pelo disposto no artigo 283º, n.º 3, al. a) do CPP, contém, ainda assim, "as indicações tendentes à identificação da arguida".
IV - Se a acusação foi deduzida tempestivamente e se foi corrigida na sequência de despacho do MP, se o MP no seu despacho de acompanhamento da acusação, considera que a acusação foi deduzida contra a arguida (...), não se verifica uma qualquer nulidade e nem a acusação particular pode ser rejeitada por ser manifestamente infundada.
V - A acusação corrigida não renova o acto já que não substitui a acusação deduzida por uma outra, apenas pretende, no seguimento da notificação mencionada, aditar à acusação apresentada o nome da arguida, que confere com a arguida do processo, razão pela qual, se a primitiva acusação era tempestiva, também o é a segunda.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal. n.º 654/18.1GAVFR.P1
Comarca de Aveiro
Instância Local Criminal de Santa Maria da Feira
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I - Relatório.
No Processo Comum singular n.º 654/18.1GAVFR do juízo local criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 1, da Comarca de Aveiro, foi proferido o seguinte Despacho [fls. 124 e 124/v.], datado de 28.01.2020 (transcrição):
«B…, assistente, vem, atempadamente, deduzir acusação particular imputando à “arguida” um crime de injúrias, p. e p. pelo art.º 181.º do Cód. Penal.
O Ministério Público acompanhou a acusação particular e considerando a falta de menção do nome da arguida na acusação particular um “lapso de escrita” notificou a assistente para corrigir o lapso indicando o nome completo da arguida “(podendo remeter os seus dados de identificação para fls. 93)”; a assistente veio apresentar nova acusação no dia 29.11.2019 (6.º dia útil posterior ao términus do prazo legal ).
Cumpre apreciar e decidir.
A acusação particular, pese embora impute factos “à arguida” que no entender da assistente consubstanciam o preenchimento do tipo legal de crime supra referenciado, nunca identifica a arguida.
Sendo correspondentemente aplicável à acusação particular o disposto no art.º 283.º, 3 do CPP (cfr. art.º 285.º, 3 do CPP), terá a mesma de conter, sob pena de nulidade “As indicações tendentes à identificação do arguido (art.º 283.º, 3 a) do CPP).
A acusação particular, efectivamente, não só não indica o nome da arguida como não contém as indicações tendentes à sua identificação.
A omissão da identificação da arguida, conduz à nulidade da acusação particular – No mesmo sentido, vd. Ac. da Relação de Coimbra de 26.04.2017 [Proc.º n.º 399/15.4T9GRD.C1], acessível in www.dgsi.pt - nulidade essa que obsta à apreciação quer do teor da acusação particular quer do mérito da causa, não sendo a nulidade suprível pela apresentação de nova acusação particular (com a indicação do nome da arguida ) decorrido o prazo legal (de 10 dias) de que dispunha ao abrigo do disposto no art.º 285.º, 1, do CPP, porquanto o acto do MP não é constitutivo de novos direitos processuais, até porque o decurso do prazo peremptório, como é o prazo em análise, preclude o direito de praticar o acto (art.º 139.º, 3, do Cód. Proc. Civil ex vi art.º 4.º do Cód. Proc. Penal) - No mesmo sentido se pronuncia o Ac. da Relação de Lisboa, de 16.03.2006 [ Proc. 1666/06 9ª Secção ], quando, depois de considerar ser caso de acusação manifestamente improcedente, acrescenta que “não se impõe ao juiz ao proferir o despacho a que alude o art.º 311.º CPP um convite ao aperfeiçoamento ou correcção da omissão, na medida em que não se deve substituir à actividade das partes nem tão-pouco deve ser permissivo a suprir as eventuais insuficiências dos profissionais do foro”. Ora se o juiz não é passível tal acto, igualmente se acha vedado ao MP, sob pena de ficar na dependência do Magistrado, titular do processo, a boa vontade ou permissividade na prática de actos cujos prazos legais são imperativos.
Face ao exposto, nos termos do art.º 311.º, 1, 2 a) e 3 a), do Cód. Proc. Penal, rejeita-se a referida acusação particular, porque nula e manifestamente infundada.
Custas pela assistente.
Taxa de justiça: 1 UC (art.ºs 515.º, 1 f), do CPP e 8.º, 1, do RCP).
Not.
Oportunamente arquive.»
*
Inconformado, o assistente veio interpor o presente recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões: (…)
*
O recurso foi liminarmente admitido.
O Ministério Público ofereceu resposta ao recurso interposto, que rematou com as seguintes conclusões: (…)
*
Nesta Relação o Exmo. PGA emitiu parecer no sentido de o recurso não deve proceder, respigando-se por pertinente o seguinte: (…)
*
Foi cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP, sem resposta.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.- Questões a decidir
- Averiguar da manutenção ou não do despacho recorrido que rejeitou a acusação por falta de identificação da arguida.
*
2.- Apreciação do mérito do recurso.
A questão a decidir é somente a de averiguar da manutenção ou não do despacho recorrido que rejeitou a acusação por falta de identificação da arguida.
Sustenta a recorrente que o despacho recorrido deve ser revogado.
Para tanto defende que:
- sendo embora a identificação da arguida fundamental, no entanto, tal falta foi rectificada, sendo certo também que, tal identificação é passível de ser suprida através de consulta de outros elementos dos autos;
- entende que tal facto não determina a rejeição da Acusação Particular, sendo de admitir que a rejeição da acusação criaria um desproporcionado obstáculo no acesso ao direito, que não se conforma com o direito garantido pelo art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa;
- há que tentar conciliar os interesses da segurança e da celeridade processual, sacrificando uma exaustiva caracterização da arguida, desde que tenham sido colhidos dados nos autos que permitam a sua individualização - a complementar no decurso do processo;
- a lei basta-se com uma identificação que permita ter por seguro que o indivíduo acusado é um, certo e determinado - ou seja, que seja possível a sua existência;
- a razão de ser da exigência legal sobre a identificação o mais completa possível do arguido, prende-se com as garantias constitucionais dos seus direitos de defesa, de modo a não deixar dúvidas sobre a pessoa concreta que está a ser acusada e poderá vir ser sujeita a julgamento;
O MP, como vimos, tem posição diversa, sustentando a improcedência do recurso.
Para tanto argumenta:
- A rejeição da acusação com base na al. a) do n°3 do art° 311° do CPP, é de considerar se e quando for manifestamente infundada, por resultar evidente, a omissão da identificação da arguida, que é cominada com nulidade sanável da acusação – 283º, nº 3, al. a) do mesmo diploma.
- A possibilidade conferida à assistente de corrigir a acusação, redundaria numa compressão desproporcional do direito de defesa da arguida, cuja autoria não resulta definida na acusação particular deduzida pela Assistente;
- Inexiste, pois, fundamento para a pugnada revogação da rejeição da acusação particular por manifestamente infundada, constatada a omissão da identificação da arguida, não se impondo ao juiz determinar o aperfeiçoamento da acusação dada a estrutura acusatória que o processo criminal assume por imposição constitucional – art.º 32º nº 5 da CRP, sendo a decisão de manter nos seus exactos termos.
**
Impõe-se uma breve incursão aos autos para apurar o acontecido.
Nestes autos a denúncia foi apresentada tendo como suspeita C….
Foi efetuado exame pericial com recolha de autógrafos à suspeita para determinar a autoria da carta que continha expressões consideradas injuriosas pela assistente, e esse exame concluiu “como muitíssimo provável que a escrita suspeita dos dizeres (doc. 1) seja da autoria de C…”.
Em virtude das conclusões do relatório pericial a suspeita foi constituída arguida, prestou TIR, e prestou declarações tudo como decorre de fls. 90 a 93 dos autos.
Nenhuma outra pessoa foi constituída arguida, nos autos.
Compulsando a acusação particular constante dos autos a fls. 106 a 108, aquela que todos concordam foi tempestivamente deduzida, verificamos que dela consta o seguinte, para o que ao caso releva:
«(…)
“B…, viúva, e com os demais sinais dos autos de inquérito, referenciados em epígrafe, em que é assistente, vem deduzir acuação particular e formular pedido de indemnização civil, nos termos dos artigos 285º, 77º do Código de Processo Penal
CONTRA:
Com os seguintes fundamentos:
ACUSAÇÃO PARTICULAR”
1º. A arguida escreveu e enviou uma carta dirigida à assistente…
2º. Tais expressões foram proferidas pela arguida por escrito….
3º. Sabe a arguida que a assistente….
4º.
5º. Com tais expressões, quis a arguida…
6º. Bem sabia a arguida….
7º.
8º.
(Seguindo-se os factos do PIC e o pedido.).»
Seguidamente à acusação particular deduzida, o MP proferiu o seguinte despacho, datado de 25.11.2019:
«(…)
Notificada a assistente nos termos e para os efeitos do artigo 285º do CPP, veio a mesma, deduzir acusação particular quanto à prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, n.º 1 do Código Penal contra C…, nos termos aí expostos.
De facto, pelos elementos recolhidos em sede de inquérito, há, como já o referimos, indícios suficientes da prática do crime de injúria por parte do arguido.
Ora, face a estes indícios, que reputamos de suficientes, o Ministério Público acompanha a acusação particular deduzida por B… contra C…, com o enquadramento jurídico constante da acusação particular, com a prova aí indicada.
Certamente por lapso de escrita a assistente não faz menção ao nome da arguida na acusação particular.
Assim sendo, notifique a Ilustre Advogada da assistente para, em 5 dias, corrigir o lapso indicando o nome completo da arguida (podendo remeter os seus dados de identificação para fls. 93).
(…)»
Em consequência veio a arguida apresentar nova acusação com o exacto conteúdo da anterior, mas com a identificação da arguida, onde constava “Contra”, consta agora “Contra:
C…”
Cumpre decidir.
No que respeita à identificação do arguido, nos termos do art. 283º, n.º 3, al. a) ex vi art. 285º, n. º3, ambos do CPP, aplicável à acusação particular, a acusação conterá, sob pena de nulidade “as indicações tendentes à identificação do arguido”.
Por sua vez, o artigo 311º do CPP dispõe que:
2 - Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:
a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada;
(…)
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada:
a) Quando não contenha a identificação do arguido;
As exigências em relação à identificação da arguida são diferentes, no artigo 283º, n.º
3 a) e no artigo 311º, n.º 3 al. a), como resvala de imediato da mera leitura dos dois dispositivos legais.
Por isso que tenhamos por certa a jurisprudência expressa no Ac. do TRE de 10.12.2009 proc. 17/07.4GBORQ.E1 quando entende que “…apesar de poder falar-se de sobreposição entre as causas de rejeição da acusação previstas nas alíneas a), b) e c) do nº3 do art. 311º do CPP e a nulidade da acusação (pública ou particular …) por falta dos elementos respectivos, de acordo com o disposto no art. 283º nº3, corpo, do CPP, a rejeição da acusação não se confunde com nenhuma daquelas nulidades.
Não se encontrando prevista no art. 119º do CPP, a nulidade de acusação é sanável, pelo que se não for deduzida por algum dos interessados no prazo legalmente estabelecido, perante a autoridade judiciária competente, não pode ser conhecida enquanto tal em momento posterior, nomeadamente ao abrigo do disposto no art. 311º nº1, ou no art. 338º nº1, ambos do CPP.»
Entremos, então, no caso concreto
Só há uma arguida nos autos e está cabalmente identificada a fls. 93, como sendo C…, nascida a ...07.1962, casada, mas separada de facto, filha de D…, natural de …, Santa Maria da Feira, Aveiro, onde reside na Rua…, n.º ….
Compulsando a acusação particular, mesmo na versão prévia à correcção, dirigida apenas “Contra” a “arguida” descrita como autora dos factos da acusação, não vemos como se pode afirmar como faz o despacho recorrido, que da acusação não constam quaisquer elementos tendentes à sua identificação, uma vez que aquela indicação, por referência à única pessoa que tinha aquele estatuto processual, não pode deixar de se considerar feita para a mesma, embora por remissão e não de maneira expressa.
Se o processo só tem um arguido cabalmente identificado, como acontece nos autos e a acusação se dirige a esse arguido, poderemos dizer que a acusação omite de todo as indicações tendentes à sua identificação, de maneira a não ser possível saber a quem se dirige?
A acusação deduzida, que é a acusação acompanhada pelo MP, ao referir-se múltiplas vezes à arguida - nos autos – continha em si indicações tendentes à identificação da arguida por remissão, visto que existia apenas uma.
Daqui concluímos que a acusação particular, embora não cumprindo, nesse momento, de forma completa o que lhe é exigido pelo disposto no artigo 283º, n. º3, al. a) do CPP, contém, ainda assim, por uma remissão, mais tarde corrigida, “as indicações tendentes à identificação da arguida”.
Por outro lado, convém não esquecer esse acto, dedução da acusação particular, foi praticado tempestivamente.
O MP no seu despacho de acompanhamento da acusação, considera que a acusação foi deduzida contra a arguida B…, sem mais, porque é uma evidência.
É, claro que, além dessa consideração, notifica a assistente para, em 5 dias, corrigir o lapso indicando o nome completo da arguida.
A acusação que foi depois apresentada pela assistente, veio aditar o nome da arguida, restando a acusação intocada na sua materialidade, assim ratificando a identificação que já havia sido considerada no despacho de acompanhamento da acusação.
Portanto, a acusação que foi apresentada em 29.11.2019 não renova o acto, pois, não pretende substituir a acusação deduzida por uma outra, apenas pretende, no seguimento da notificação mencionada, aditar à acusação apresentada o nome da arguida, que confere com a arguida do processo.
A conduta processual visa apenas sanar a falta formal, claramente por lapso [esquecimento], de identificação da arguida.
Não há qualquer dúvida sobre quem é a arguida acusada (mesmo sem a correcção da omissão na acusação particular) pois essa acusação foi acompanhada pelo MP onde a arguida é já identificada, exatamente porque a acusação particular continha “as indicações tendentes à sua identificação”.
Não há norma que proíba o MP de no despacho de acompanhamento da acusação identificar a arguida, pelo nome próprio, quando é evidente a quem se dirige aquela acusação e de, consequentemente, providenciar pela correção de um lapso de escrita da acusação particular que pretende acompanhar.
Com já dissemos a acusação corrigida com o nome da arguida não é uma acusação nova, mas apenas a mesma acusação agora com o nome da arguida.
Assim, não é correcto dizer que a acusação foi apresentada fora de prazo. A acusação é só uma, a única, numa primeira versão com um erro material e na sua versão definitiva sem esse erro.
Em consequência, também entendemos não corresponder à verdade que a acusação, no momento do despacho do artigo 311º tivesse chegado ao juiz sem identificação da arguida. Essa correção tinha sido feita e reporta-se à versão apresentada num primeiro momento, corrigida no segundo momento.
Portanto, entendemos que, no caso, não é aplicável a consequência do 311º nº 3 b) de rejeição da acusação por falta de identificação da arguida porque esse vício simplesmente não existia nesse momento. Poderia ter existido anteriormente, mas o uso pelo MP de mecanismos, conferidos pela existência na acusação particular de indicações tendentes a identificar a arguida, sanou essa falta.
Acresce que a possibilidade de rejeição tem de se aferir em relação à acusação que é recebida (no caso a acusação corrigida).
Também não pode ser oficiosamente anulada, de acordo com o regime das nulidades processuais porque trata-se de nulidade sanável que não foi arguida por quem tinha legitimidade para fazê-lo nos dez dias seguintes à notificação da acusação e do despacho de acompanhamento ou nos 20 dias para requerer a abertura da instrução.
Não havendo impulso da arguida que contrarie o procedimento de correcção operado, a actuação da assistente e do MP permite a integral consolidação dos efeitos processuais da acusação primeiramente apresentada, para efeitos de recebimento.
Não há norma que permita ao tribunal "destruir" o efeito do convite do MP à correção de lapso material na acusação particular. A possibilidade deste convite, apesar de não estar expressamente previsto na lei, decorre de um princípio geral de aproveitamento dos actos e de prevalência das questões de substância em detrimento das objecções de forma.
O despacho do artigo 311º não confere ao juiz essa possibilidade porque não está previsto na lei para esse fim. Apenas seria admissível o juiz invalidar aquele acto processual do MP se numa interpretação da lei conjugada com os princípios do processo justo e da tutela penal efetiva, o mesmo violasse esses princípios. Não é claramente o caso.
O acórdão uniformizador nº 7/2005 do STJ de 12/05 impede ao juiz o convite à correcção da acusação, mas não impede ao MP, pois o que resulta inadmissível da estrutura acusatória do processo é que o Juiz possa ordenar ou até sugerir ao Ministério Público os termos em que deve formular a acusação, vide Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2a edição, página 62, já que consequência da estrutura acusatória do processo é a independência do Ministério Público em relação ao juiz na formulação da acusação.
Por isso o procedimento do MP não viola o princípio do acusatório nem os direitos de defesa.
Com efeito, como já dissemos, a defesa da arguida poderia ter invocado a nulidade ou irregularidade num prazo razoável, nomeadamente nos dez dias que se seguiram à notificação operada a 04.12.2019, ou mesmo no prazo de vinte dias para requerer a abertura de instrução e não o fez.
Se o juiz, no momento a que se refere o artigo 311º do CPP, tem para receber uma acusação apresentada no prazo legal, com a identificação completa da arguida, em virtude da correcção de um erro que não pode nesse momento anular, a lei não lhe pode permitir ficcionar que existiram duas acusações, para daí extrair uma conclusão materialmente injusta, numa operação de formalismo jurídico alheia aos princípios do processo penal, afirmando que a segunda não pode ser recebida por ter sido apresentada fora de prazo e que a primeira não pode ser recebida porque não continha a identificação da arguida.
Por todas estas razões entendemos que é de revogar o despacho proferido que deve ser substituído por outro que, na inexistência de outros impedimentos legais, receba a acusação e designe data para julgamento.
Procede, assim, o recurso.
*
III- Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes da segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pela assistente revogando o despacho proferido que deve ser substituído por outro que, na inexistência de outros impedimentos legais, receba a acusação e designe data para julgamento.
*
Sem custas, artigo 513º, n. º1, do CPP, a contrario.
*
Notifique.
*
Observou-se o disposto no artigo 94º, n.º 2, do CPP.
*
Porto, 18 novembro 2020
Maria Dolores Silva e Sousa
Manuel Ramos Soares