Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | TELES DE MENEZES | ||
Descritores: | LIMITES DA CONDENAÇÃO SERVIDÃO DE PASSAGEM EXERCÍCIO DA SERVIDÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20100708939/08.5TBOVR.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/08/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA. | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Tendo sido pedida a retirada da vedação, que se constata ser um portão com cerca de 4,10 m de largura, a condenação na entrega da respectiva chave não ultrapassa os limites estabelecidos pelo art. 661º, nº1 do CPC, porquanto se tem entendido que constitui um minus relativamente ao que foi pedido. II – No conflito entre o direito de passagem do proprietário do prédio dominante e o direito de vedação do proprietário do prédio serviente, a colocação de um portão no início do local de exercício da servidão só constitui estorvo para o uso dela se não for acompanhada da entrega da respectiva chave, sendo o mesmo munido de fechadura, ou se impossibilitar ou dificultar o respectivo exercício, estando excluído o mero incómodo dele decorrente. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 939/08.5TBOVR.P1 (21.05.2010) – 3.ª Teles de Menezes e Melo – n.º 1160 Des. Mário Fernandes Des. Leonel Serôdio Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. B…………. intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra C……….., pedindo que: a) seja declarado que a autora é dona e legítima possuidora do prédio prédio rústico "Mato e Pinhal", sito no Lugar …., freguesia de …., concelho de Ovar, a confinar do norte com C……….. (Réu), do sul com D…………., do nascente com a auto-estrada, e do poente E……….. e outro, inscrito na respectiva matriz sob o art. 9640 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o n°. 22992, fls. 62, verso, do livro B - 61, b) seja o réu condenado a reconhecer um direito de servidão de passagem a pé, pé carregado e carro, na extrema poente do seu prédio rústico, sito no Lugar de ……, freguesia de ….. e concelho de Ovar, que confina do sul com a autora e do poente com E……… (F………..), inscrito sob o artigo matricial n.º 3338, desde a via pública até ao referido prédio da autora, tendo esse caminho de servidão o comprimento de cerca de 20/30 metros, por uma largura de 4,5 metros, c) seja o réu condenado a retirar, no prazo de 5 dias, todo o lixo que deitou para o prédio da autora, a vedação que colocou no início do caminho de servidão junto à via pública, os ferros que colocou na linha divisória dos dois prédios (o da A e o do R) em causa e a vedar a porta por si aberta, na linha divisória desses dois prédios, d) bem como, a abster-se de praticar qualquer acto que impeça ou dificulte o exercício do sobredito direito de passagem, como também de todo o seu prédio, e) seja o réu condenado a pagar à autora uma indemnização a liquidar em execução de sentença, com vista a ressarcir os prejuízos que com a sua actuação causou, e ainda, f) seja condenado nas custas e procuradoria. Alegou que é dona de um prédio rústico que não tem acesso directo a qualquer via pública, a não ser pelo prédio do réu. Há mais de 40 anos que o acesso ao seu prédio se faz pelo prédio do réu e que esse acesso sempre consistiu em passagem de pé e carro. Em 1983, por virtude da construção de uma casa destinada à habitação do réu e armazém, por acordo entre este e os pais da autora, G……….. e H………., então proprietários do prédio agora da autora, foi alterado o local da referida passagem para a parte mais a poente do referido prédio rústico do réu, concretamente junto à estrema do prédio do Réu com o prédio de E…………, de forma a que esse caminho ficasse com quatro metros e meio de largura. Durante mais de 20/30/40/50 anos, esses caminhos foram utilizados para acesso ao prédio da autora, por esta e seus antepossuidores, para aí plantarem árvores, cortarem lenha, apanharem mato e agulhas, umas vezes de pé, outras de pé carregado e outras de carro, ininterruptamente, sem oposição e sem violência, em todas as épocas do ano, à vista de toda a gente, a qualquer hora do dia, na convicção de exercer um direito de passagem próprio. Há pelo menos 4 anos, o Réu obstruiu a entrada para o prédio da autora, na linha divisória do seu prédio com o daquela, com uma barreira de ferros e tapou, por completo, com uma vedação e um portão a parte inicial do caminho de servidão, junto à via pública, impedindo a autora de colher os matos e administrar convenientemente o seu prédio, causando-lhe prejuízos que se agravam à medida que o tempo passa. O réu abriu uma porta, na vedação que separa o seu prédio do da Autora, que deita directamente sobre este último, sem deixar entre esses prédios qualquer intervalo. O réu contestou, alegando que há cerca de 6/7 anos a esta parte, a autora ou qualquer outra pessoa deixou de utilizar o caminho referido como acesso ao prédio daquela, não mais passando pelo mesmo, fosse a pé, pé carregado ou carro, tendo tal acesso passado a fazer-se por um "caminho/passagem" com início na Rua da ……. Quando colocou o portão na parte inicial do caminho junto à via pública e a vedação na linha divisória do seu prédio com o prédio identificado na petição inicial, fê-lo sem consciência de prejudicar quem quer que fosse e muito menos a autora, mas apenas por uma questão de segurança e privacidade da sua própria casa, e na convicção de que o referido caminho não mais seria utilizado nem pela autora, nem por ninguém, como vinha sucedendo. Após ter tido conhecimento da presente acção, retirou a vedação que havia colocado na linha divisória do seu prédio com o prédio referido na petição inicial e deixou e deixa, durante o dia, o portão acima referido, com as portas abertas para trás, de forma a permitir o acesso ao prédio identificado na petição inicial. Concluiu pela improcedência da acção e absolvição dos pedidos contra si formulados. Foi proferido despacho saneador, não se tendo procedido à selecção da matéria de facto considerada assente e que constitui a base instrutória. Procedeu-se ao julgamento e veio a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e: a) declarou que a autora é dona e legítima possuidora do prédio rústico "Mato e Pinhal", sito no Lugar de ….., freguesia de ….. e concelho de Ovar, a confinar do norte C……….. (Réu), sul D…….., nascente com a auto-estrada, poente E……….. e outro, inscrito na respectiva matriz sob o art. 9640 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o n°. 22992, fls. 62, verso, do livro B - 61; b) condenou o Réu, C………. a reconhecer que o prédio rústico, sito no Lugar de ….., freguesia de …. e concelho de Ovar, que confina do sul com a autora e do poente com E……… (F…………), inscrito sob o artigo matricial n.º 3338, se encontra onerado com uma servidão de passagem a pé, pé carregado e carro, a favor do prédio da autora, constituída por negócio jurídico, passagem que se situa na estrema poente de tal prédio, com início na via pública e se prolonga até ao supra referido prédio da autora, tem cerca de 15,60 metros de comprimento e 4,5 metros de largura; c) condenou o Réu a entregar à Autora, no prazo de 5 dias, a chave da vedação/portão existente no início do caminho de servidão, junto à via pública, e a retirar, no mesmo prazo, os ferros que colocou na linha divisória dos dois prédios dos autos, bem ainda a vedar a porta por si aberta, na linha divisória desses dois prédios; d) condenou o Réu a abster-se de praticar qualquer acto que impeça ou dificulte o exercício do direito de passagem acima reconhecido à Autora, bem como o direito de propriedade desta sobre todo o seu prédio; e) condenou o Réu a pagar à autora uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, com vista a ressarcir os prejuízos por esta sofridos por força da actuação daquele. f) Absolveu o Réu do demais peticionado. II. Recorreu a A., concluindo: ………… ………… ………… Não houve resposta. III. A questão colocada no recurso é a da inadmissibilidade da substituição do pedido de retirada pelo R. da vedação que colocou no início do caminho de servidão, junto à via pública, pela entrega à A. da chave dessa vedação/portão. IV. Factos provados: 1 ) A autora é dona de um prédio rústico "Mato e Pinhal", sito no Lugar de …., freguesia de …. e concelho de Ovar, a confinar do norte C………. (Réu), sul D………., nascente com a auto-estrada, poente E………. e outro, inscrito na respectiva matriz sob o art. 9640 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o n°. 22992, fls. 62, verso, do livro B - 61. 2) O prédio referido em 1) foi adquirido pela autora por escritura de doação de 12 de Maio de 1983, conforme cópia de escritura que se mostra junta a fls. 7 e 8 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 3) Há mais de 20 anos que a autora, por si e antepossuidores, apanham os matos, plantam e cortam árvores e aí fazem obras e pagam as respectivas contribuições e impostos. 4) Ininterruptamente, sem oposição e sem violência, com o conhecimento da generalidade das pessoas do lugar e em qualquer época do ano. 5) Na convicção de exercer um direito próprio, com ânimo de dona. 6) O réu é dono de um prédio rústico, sito no Lugar de ….., freguesia de …. e concelho de Ovar, que confina do sul com a autora e do poente com E……….. (F………), inscrito sob o artigo matricial n.º 3338, conforme certidão junta a fls. 10 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 7) O prédio da autora não tem acesso directo a qualquer via pública. 8) Há mais de 40/50 anos que o acesso da via pública ao referido prédio da autora e vice-versa, se faz através do prédio do réu, referido em 6). 9) Esse acesso, que sempre consistiu em passagem de pé e carro, tinha a largura de cerca de quatro metros, o qual estava transformado em caminho. 10) Em 1983, por virtude da construção de uma casa destinada à habitação do réu e armazém, por acordo entre este e os pais da autora, G………. e H………., então proprietários do prédio referido em 1), alterou-se o local da referida passagem para a parte mais a poente do referido prédio rústico do réu, concretamente junto à estrema do prédio do Réu com o prédio de E………., de forma a que esse caminho ficasse com quatro metros e meio de largura. 11 ) A passagem passou a fazer-se da via pública para o prédio da autora, através de uma parcela, primeiro em terra batida e depois asfaltada, com cerca de 15,60m de comprimento por 4,5m de largura, a qual atravessa toda a parte poente do prédio do réu, ou seja, desde a via pública até ao prédio da autora. 12) Durante mais de 20/30/40/50 anos, os caminhos referidos em 9) a 11) foram utilizados para acesso ao prédio da autora, por esta e seus antepossuidores, para aí plantarem árvores, cortarem lenha, apanharem mato e agulhas, umas vezes de pé, outras de pé carregado e outras de carro. 13) Ininterruptamente, sem oposição e sem violência, em todas as épocas do ano, à vista de toda a gente, a qualquer hora do dia. 14) Na convicção de exercer um direito de passagem próprio. 15) Há pelo menos 4 anos, o Réu obstruiu a entrada para o prédio da autora, na linha divisória do seu prédio com o daquela, com uma barreira de ferros. 16) E, para além de continuar com a obstrução referida no artigo anterior, tapou, por completo, com uma vedação e um portão a parte inicial do caminho de servidão, junto à via pública. 17) Instado por diversas vezes pela autora, o réu recusa-se a deixar livre e desocupado o caminho referido em 11), recusando-se a repô-lo na situação em que se encontrava. 18) Com tal atitude, o réu impede a autora de colher os matos e administrar convenientemente o seu prédio, causando-lhe prejuízos que se agravam à medida que o tempo passa. 19) O réu abriu uma porta, na vedação que separa o seu prédio do da Autora, que deita directamente sobre este último, sem deixar entre esses prédios qualquer intervalo. 20) Actualmente, no fim do acesso referido em 11), isto é, na linha divisória entre os dois prédios dos autos, não existe qualquer vedação. V. Na sentença abordou-se este tema da seguinte forma: Isto significa que, a servidão que se acha constituída, comprime o direito de propriedade do réu sobre o seu prédio, devendo este facultar a passagem por ele, não podendo prejudicar o exercício da mencionada servidão. Assim, provado (factos 15 a 18) ficou que, há, pelo menos, 4 anos, o Réu obstruiu a entrada para o prédio da autora, na linha divisória do seu prédio com o daquela, com uma barreira de ferros, e, para além de continuar com a obstrução referida, tapou, por completo, com uma vedação e um portão a parte inicial do caminho de servidão, junto à via pública e que instado por diversas vezes pela autora, o réu recusa-se a deixar livre e desocupado o caminho referido em 11), recusando-se a repô-lo na situação em que se encontrava, impedindo a autora de colher os matos e administrar convenientemente o seu prédio, causando-lhe prejuízos que se agravam à medida que o tempo passa. A servidão confere, assim, ao seu titular poderes para fruir e utilizar a coisa, extraindo dela benefícios limitando, em consequência, o gozo do proprietário da coisa. E desse modo, a servidão é, portanto, um direito real de gozo (ius in re aliena) sobre coisa alheia, limitando o gozo efectivo do proprietário dessa coisa, na medida em que inibe este titular de praticar actos que possam prejudicar o exercício daquele direito, em benefício do titular do direito de servidão. Benefício, esse, que se traduz em utilidades para o dono do prédio dominante, mas que este só pode gozar como tal por intermédio do seu prédio. Em face do disposto no artigo 1305°do CC «o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso e fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas». Quanto ao direito de tapagem, o artigo 1356° do CC expressa que «a todo o tempo o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de qualquer modo». Pese ser este o entendimento da maioria da Jurisprudência, a verdade é que não podemos deixar de evidenciar que, apesar da lei permitir a tapagem das zonas de entrada e de saída da servidão de passagem por cancela ou portão, mediante a entrega das chaves aos proprietários do prédio dominante, tal só é, legalmente, possível desde que se mantenha idêntica facilidade de acesso. A colocação de portões não pode inviabilizar ou sequer criar dificuldades acrescidas aos proprietários do prédio dominante em acederem, através da dita serventia, aos seus prédios com carros ou animais. O caso em análise é paradigmático do encargo que recai sobre o prédio do réu e daí a necessidade de se ponderarem os seus legítimos interesses, pese o facto, repete-se, da obrigação legal de ceder passagem, na extrema poente do seu prédio, desde a via pública até ao referido prédio da autora, tendo esse caminho de servidão o comprimento de cerca de 15,60 metros, por uma largura de 4,5 metros, a favor do prédio da autora. É que a servidão de passagem deverá satisfazer as necessidades normais e previsíveis dos proprietários dos prédios dominantes, no entanto, a sua satisfação deve ter em conta o menor prejuízo possível para o prédio serviente. Nesta colisão de direitos - de passagem da proprietária do prédio dominante e de personalidade e segurança do proprietário do prédio serviente - artigo 335.º do CC - devem estes dotar aqueles das condições técnicas - entrega de chaves - que lhes permitam aceder ao seu terreno através da servidão de passagem e devem aqueles suportar o incómodo de terem de abrir e fechar dois portões para acederem aos seus prédios. Deve, pois, ser o réu condenado a entregar, no prazo de 5 dias, a chave da vedação/portão no início do caminho de servidão junto à via pública, a retirar, no mesmo prazo, os ferros que colocou na linha divisória dos dois prédios em causa, bem como, a abster-se de praticar qualquer acto que impeça ou dificulte o exercício de tal direito, como também de todo o seu prédio. Não está em causa a existência da servidão de passagem onerando o prédio do R. a favor do prédio da A.. Apenas se perfila a questão apontada, relativamente à qual é necessário ponderar os seguintes argumentos da apelante: - O caminho de servidão vedado com o referido portão de duas folhas torna-se, só por si, num local isolado, para além de que, não existe em redor dessa servidão, qualquer casa habitada. - Mais, o R. tem três ou quatro cães nesse caminho de servidão, à solta, conforme se pôde verificar aquando da inspecção judicial ao local. - A entrega das chaves ao proprietário do prédio dominante só é legalmente possível desde que se mantenha idêntica facilidade de acesso, o que não se verifica no caso da permanência do portão. - As relações entre Autora e Réu são más, estando totalmente cortadas. - A A. é uma senhora solteira, que se sente intimidada e atemorizada com o R., que sempre actuou na tentativa de extinguir esse mesmo direito de passagem. - Deve, pois, nesta parte, o R. ser condenado de acordo com o pedido formulado pela A. na P. I., ou seja, condenado a retirar a vedação que colocou no início do caminho de servidão junto à via pública, de modo a deixar tal caminho livre, tal como se encontrava inicialmente. - O Tribunal a quo ao decidir como decidiu extravasou os seus poderes, pois que, nenhuma das partes alegou tal matéria nem formulou tal pedido, violando, por conseguinte, o disposto nos arts. 3° e 661° do C.P.C.. Começamos por responder à última afirmação da apelante, dizendo que não existe violação das normas legais citadas. O art. 661.º/1 proíbe que a sentença condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Ora, tendo sido pedida a retirada da vedação, que se constata ser um portão com cerca de 4,10 m de largura (cfr. acta da inspecção ao local – fls. 56), a condenação na entrega da respectiva chave não ultrapassa os limites estabelecidos pela norma, porquanto se tem entendido que constitui um minus relativamente ao que foi pedido[1]. Ora, sendo assim, também não se pôs em causa a norma do art. 3.º do mesmo diploma legal. É a própria apelante que admite a possibilidade de se condenar na entrega das chaves do portão, quando haja sido requerida a remoção do mesmo desde, acrescenta, que se mantenha idêntica facilidade de acesso, que considera não acontecer in casu. Aquilo que se perspectiva, em situações como esta, é a colisão de dois direitos: o do proprietário do prédio dominante a não ser estorvado no exercício da servidão (art. 1568.º/1 do CC); e o do proprietário do prédio serviente a proceder à sua tapagem ou vedação (art. 1356.º do mesmo diploma). A jurisprudência tem entendido, o que já acontecia no domínio do Código de Seabra, que o dono do prédio serviente pode vedar o seu prédio, mas de modo a que não impeça ou dificulte o uso da servidão. Estando em causa uma servidão de passagem, não pode torná-la mais onerosa para o proprietário dominante, embora se admita que na entrada ou saída se coloquem cancelas ou portões, desde que se entreguem as chaves a este, quando a cancela ou portão estejam munidos de fechadura, e conquanto o acesso mantenha idêntica facilidade, que não pode considerar-se agravada pelo simples incómodo da abertura do portão[2]. A jurisprudência também é uniforme no sentido de que a conciliação dos interesses opostos dos proprietários deve ser analisada em função de cada caso concreto, de modo a poder ou não concluir-se pela existência de maior onerosidade no uso da servidão e consequente prejuízo para o prédio dominante. Assim, se o portão diminuiu a largura inicial da passagem constituirá, em princípio, estorvo da servidão, e não poderá ser imposto ao proprietário do prédio dominante[3]. No entanto, não se equaciona um mero incómodo no exercício da servidão, o qual não basta para que o proprietário dominante se oponha com o argumento, por exemplo, de que é preciso abrir um portão que se encontra fechado à chave. Tem de antever-se, no caso concreto, que a obra de vedação ou tapagem implica uma maior onerosidade no uso da servidão e consequentemente um prejuízo para o prédio dominante. Já se decidiu que os interesses do proprietário do prédio dominante que contam para o efeito são, tão só, os dignos de ponderação, os que se prendem com uma impossibilidade ou grande dificuldade do uso da servidão e já não os de mera comodidade agravada nesse exercício[4]. A servidão de passagem deve satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante, mas a sua satisfação deve ter em conta o menor prejuízo possível para o prédio serviente. Por isso, em princípio, a colocação de um portão no topo de uma serventia em nada bole com o direito de passagem que a lei concede aos proprietários do prédio dominante, desde que para tanto lhes seja facultada a respectiva chave[5]. Provou-se que depois do acordo celebrado entre o R. e os pais da A., a passagem passou a fazer-se da via pública para o prédio desta, através de uma parcela, primeiro em terra batida e depois asfaltada, com cerca de 15,60m de comprimento por 4,50m de largura, a qual atravessa toda a parte poente do prédio do réu, ou seja, desde a via pública até ao prédio da A. (11). Bem como que o R. tapou, por completo, com uma vedação e um portão a parte inicial do caminho de servidão, junto à via pública (16). Por conseguinte, o R. não se ficou pela colocação do portão no início da servidão, junto à via pública, colocou-o juntamente com uma vedação. Se repararmos na acta da inspecção ao local, verificamos que aí se fez constar que “ao início do caminho há um portão de 2 folhas encostado a poente, com cerca de 4,10 m de largura. O que significa que aos iniciais 4,50m de largura o R. comeu 40 cm preenchidos com a vedação e não com as folhas do portão. Este comportamento poderia integrar agravamento do exercício da servidão, não por ter causado à A. um mero incómodo resultante da necessidade de o abrir, mas porque estreitou o espaço que ela tinha para entrar. No entanto, a apelante não faz qualquer referência a este elemento, pelo que forçoso á concluir que o não tomou como relevante. Para ela, a colocação do portão acarreta consequências relativamente ao isolamento do local, à existência de cães no espaço por onde se processa a servidão, bem como ao temor por estar de relações cortadas com o R. Ora, todos estes elementos, que não se reflectem na matéria de facto, mesmo a existirem, estão cobertos pela parte da condenação contida na al. b) do dispositivo, na qual se impôs ao R. que se abstenha de praticar qualquer acto que impeça ou dificulte o exercício do direito de passagem da A.. Face ao exposto, a apelação deverá improceder. Sumário: No conflito entre o direito de passagem do proprietário do prédio dominante e o direito de vedação do proprietário do prédio serviente, a colocação de um portão no início da servidão só constitui estorvo para o uso dela, se não for acompanhada da entrega da respectiva chave, sendo o mesmo munido de fechadura, ou se impossibilitar ou dificultar o respectivo exercício, estando excluído o mero incómodo dele decorrente. Julga-se, pois, a apelação improcedente e confirma-se a sentença. Custas pela apelante. Porto, 8 de Julho de 2010 Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes Leonel Gentil M. Serôdio ________________ [1] Acórdão da RC de 27.05.2008, Proc. 386/2002.C1, www.dgsi.pt [2] Acórdão do STJ de 19.04.1995, Proc. 086608, com extensa doutrina citada; desta Relação de 17.01.2005, Proc. 0457016, onde se citam outras decisões no mesmo sentido; de 19.02.2001, Proc. 0051634; de 24.01.2000, Proc. 9951299, www.dgsi.pt [3] Cfr. o mencionado acórdão do Supremo, que cita Tavarela Lobo neste particular [4] Acórdão do STJ de 08.06.2006, Proc. 06B1480, no mesmo sítio [5] Cfr. acórdão da RC de 27.05.2008, supra referido |