Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3221/20.6T8PNF-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RP202110183221/20.6T8PNF-A.P1
Data do Acordão: 10/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Se a parte requereu a junção de documentos, no decurso da audiência de julgamento, invocando que a sua apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior, concretizada no falso depoimento por parte do legal representante da Recorrida, a que visa retirar credibilidade, estamos perante a ocorrência posterior a que alude a parte final do nº 3 do art. 423º do CPC.
II – Sendo desse modo, nada obsta à junção dos documentos, cuja razão de ser é a de retirar credibilidade às declarações prestadas em sede de depoimento de parte e, por isso, a mesma só se torna necessária depois do depoimento prestado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3221/20.6T8PNF-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo do Trabalho de Penafiel- Juiz 1
Recorrente: B…
Recorrida: C…, S.A.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
O presente recurso, em separado, dos autos principais, acção comum, Proc. nº 3221/20.6T8PNF, intentada pela A., B…, contra C…, S. A., vem interposto do despacho proferido, na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada, em 14.05.2021, na sequência dos requerimentos apresentados pela Autora com ref. ª 38864904 e ref.ª. ª 38865519, no qual se decidiu:
Relativamente aos dois documentos apresentados pela autora na data de ontem e hoje, verifica-se da sua análise que o aí alegado e os documentos juntos são referentes a factos oportunamente alegados pelas partes em sede de articulados, que poderiam ter sido juntos no momento processual próprio e previsto no artigo 423º do CPC, ex vi art.º 1º n.º 2 al. a) do CPT., o que não foi feito.
Por outro lado, o teor dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento não justifica a apresentação neste momento processual de tais documentos, já que os factos aos mesmos respeitantes foram oportunamente alegados.
Assim, e por se considerar que o invocado não se enquadra no n.º 3 do artigo 423º do CPC, indefere-se a junção aos autos dos referidos requerimentos e documentos apresentados, mais se determinando o seu desentranhamento, tanto físico como electrónico, e a sua devolução à apresentante.”.
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Inconformada a A. interpôs recurso, nos termos das alegações juntas, que terminou com as seguintes “CONCLUSÕES
A) Nos requerimentos com ref. ª38864904 e ref.ª. ª 38865519 de 13.05.2021 e 14.05.2021, a Recorrente requereu a junção de documentos cuja apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior, concretizada no falso depoimento por parte do legal representante da Recorrida, em especial quanto aos seguintes aspetos:
1) a COVID-19 como fundamentos da retirada das “falsas” ajudas de custo no decurso de 2020;
2) a consequente alteração da política de ajudas de custo em 2020, na parte em que disse que até então o reembolso de despesas não estava sujeito à apresentação de faturas (documentos comprovativos das despesas);
3) a consequente alteração completa/total do modo de exercício de funções dos vendedores (o “novo modelo de vendas”, o “novo perfil de vendedor C…”), focada no teletrabalho;
B) Nada obsta à junção dos documentos após a prestação do depoimento de parte, se com eles se visa retirar credibilidade às declarações prestadas e contribuir para a descoberta da verdade.
C) Em tais circunstâncias, estamos perante a ocorrência posterior a que alude a parte final do nº 3 do art. 423º do CPC.
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Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o Despacho recorrido, substituindo-se por outro que admita os documentos apresentados com os requerimentos com ref.ª 38864904 e ref.ª. 38865519 de 13.05.2021 e 14.05.2021, a fim de serem devidamente apreciados e valorados pelo Tribunal a quo na sentença final a proferir.”.
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A R. não apresentou contra-alegações.
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No despacho proferido, em 08.07.2021, a Mª Juíza “a quo” admitiu a apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo, ordenou a instrução do apenso e determinou a remessa do mesmo a esta Relação.
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Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso da Autora, no essencial, por entender que, “para uma completa apreciação dos factos e uma boa decisão da causa, atendendo à jurisprudência citada, deveriam ser admitidos”
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Notificado este, as partes, nada disseram.
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Cumpridos os vistos, electronicamente, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvo as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, a questão suscitada e a apreciar é a de saber se deve ser admitida a junção dos documentos apresentados pela A..
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A factualidade a atender é a que decorre do relatório que antecede, devidamente documentada nos autos.
E, ainda, por o considerarmos relevante do teor, dos requerimentos apresentados pela A., respectivamente:
- em 13.05.2021, o seguinte:
“Requer a V. Exa. se digne admitir a junção dos documentos ora apresentados por serem essenciais à descoberta da verdade, por estarem em causa documentos que a Ré, necessariamente, tem conhecimento, e pelo facto de sua junção se ter tornado manifestamente necessária em virtude do depoimento do legal representante da Ré, que faltou à verdade, designadamente, quanto aos seguintes aspetos: (i) a COVID-19 como fundamentos da retirada das “falsas” ajudas de custo no decurso de 2020; (ii) a consequente alteração da política de ajudas de custo em 2020, na parte em que disse que até então o reembolso de despesas não estava sujeito à apresentação de faturas (documentos comprovativos das despesas); (iii) a consequente alteração completa/total do modo de exercício de funções dos vendedores (o “novo modelo de vendas”, o “novo perfil de vendedor C…”)”.
- em 14.05.2021, o seguinte:
“B…, Autora nos autos supra referidos, em complemento ao requerimento anterior e pelos fundamentos aí constantes requer a junção de documento que, por lapso, não juntou com tal requerimento.”.
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Vejamos.
Começando, pela análise da decisão recorrida, verifica-se que nela se assentou o indeferimento dos referidos requerimentos e documentos apresentados, na consideração de que, “o teor dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento não justifica a apresentação neste momento processual de tais documentos, já que os factos aos mesmos respeitantes foram oportunamente alegados”.
Ora, sempre com o devido respeito, atento o teor dos requerimentos, que transcrevemos em síntese, cremos que o cerne da questão não pode ser apreciado com base naquela referida consideração.
A questão a considerar, como bem o notou o Ex.mo Procurador, é saber, se após o depoimento de parte do R. e, em face das suas declarações, e com vista a tirar credibilidade a tal depoimento ou, mesmo demonstrar que não corresponde à verdade, tal situação equivale a ocorrência posterior que cabe na previsão do nº 3 do art. 423º do CPC.
E, sendo esta a questão, o argumento de que os factos a que respeitam os documentos “foram oportunamente alegados” e, por isso, não se justifica a sua apresentação neste momento processual não é fundamento para não admitir os documentos apresentados pela A., sob a alegação de que, a sua junção se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior, ou seja, como, agora, alega “A necessidade resulta do falso depoimento prestado pelo legal representante da Recorrida (D…) na primeira sessão de julgamento do dia 16.04.2021”.
Explicando.
Apesar de não ser objecto de discussão, atento o disposto no art. 423º, do CPC, em primeira instância, os documentos devem ser apresentados com os articulados em que se aleguem os factos correspondentes a fazer prova dos fundamento da acção ou da defesa (cfr. nº1, daquele) e, se não forem juntos com eles, após os respectivos articulados, mas, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, hipótese em que, a parte será condenada em multa se não provar a impossibilidade de os apresentar com o articulado (cfr. nº 2 daquele).
Também não se discute que, após o limite temporal referido no nº 2, nos termos do nº 3, a apresentação de documentos é, ainda, possível, até ao encerramento da discussão. Mas, neste caso, só são admitidos “os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja junção se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”.
Sendo deste modo, no caso, não sendo nenhuma das situações contempladas, nem no nº 2, nem na primeira parte do nº 3, a admissibilidade ou não, da junção dos documentos apresentados pela A., teria de ser analisada na perspectiva de saber se a prestação do, alegado, depoimento por parte do legal representante da Recorrida constituiu uma “ocorrência posterior” que justifica a necessidade de apresentação de documentos pela Recorrente de modo a convencer o Tribunal da falsidade do depoimento do legal representante da Recorrida e, assim, abalar a sua credibilidade.
Desde logo diremos que, percorrendo os articulados podemos verificar que o declarado pelo legal representante, no sentido de que, a Autora não terá direito às quantias que reclama desde Maio a Dezembro de 2020 por no contexto do Covid, a actividade empresarial ter mudado e terem alterado o modelo retributivo e alterado a forma de reembolsar as despesas de alguns colaboradores, não consta do articulado da ré. Ou seja, é circunstancialismo que foi invocado, pela primeira vez, em audiência. Por isso, não podemos acompanhar a afirmação constante do despacho recorrido de que os documentos visam factos “oportunamente alegados”. E, se assim é - se estamos perante defesa que só é suscitada em audiência, - assiste à recorrente o direito de reagir a “novo circunstancialismo que fundamenta a defesa da Ré”.
Deste modo, cremos, sem dúvida, que a situação é um dos casos em que, a junção dos documentos, se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior. Ou seja, ocorreu circunstância, de todo imprevisível para a apelante, que justifica, no caso, o pedido de junção dos ditos documentos.
Acresce ainda dizer, que o alegado “falso” depoimento de parte do legal representante da recorrida configura a existência de uma ocorrência posterior “fundada”, usando a expressão do (Ac. desta Relação de 02.07.2020, Proc. 285/14.5TVPRT.P1, in www.dgsi.pt), daquelas que são pressuposto para a junção de documentos no decurso da audiência. Pois, como se sumariou naquele, “II - Não integra esse fundamento a necessidade de confrontar uma testemunha com esses documentos, pois os factos carecidos de prova são fixados em momento anterior. III - Todavia regulamentação do art. 424º, do CPC não impede a aplicação de normas especiais ou princípios gerais. IV - Por causa disso, os documentos devem ser juntos ao abrigo do princípio do inquisitório se o interesse destes para a decisão da causa for superior às desvantagens provocadas na sua tramitação, e afectação do direito de defesa da parte contrária.”
Cremos, sem dúvida, que com vista a uma completa e melhor apreciação dos factos e à boa decisão da causa, era o que deveria ter sido decidido no caso, tendo em consideração a razão pela qual a Recorrente requereu a junção de documentos.
Acrescendo, ainda, como se sumariou no, (Ac. da RG, de 18.12.2016, 7664/13.TBBRG-A.G1 in www.dgsi.pt), citado na alegação de recurso e no parecer do Ex.mo Procurador, que, “a) Mesmo que não tenha havido “confissão” em sentido técnico-jurídico, nada impede que o depoimento de parte seja atendido e valorado relativamente a todos os factos em causa, de acordo com a livre convicção do julgador: art. 452º nº 1 do CPC e art. 361º do CC. b) Nessa medida, também nada obsta à junção dos documentos após a prestação do depoimento de parte, se com eles se visa confrontar o depoente e retirar credibilidade às declarações prestadas. c) Em tais circunstâncias, estamos perante a ocorrência posterior a que alude a parte final do nº 3 do art. 423º do CPC.”.
Precisamente o que, entendemos, ocorre no caso, sendo a junção dos documentos apresentados pela recorrente, admissíveis, com fundamento na parte final do n.º 3 do art.º 423º do CPC, já que a razão invocada para a junção dos mesmos, retirar credibilidade às declarações prestadas em sede de depoimento de parte, obviamente, só se tornou necessária depois do depoimento prestado sendo, por isso, o momento processual, em que foi requerida, o adequado.
Assim, sem necessidade de outras considerações, há que julgar procedente a apelação.
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III – DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se nesta secção em julgar o recurso procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que defira a requerida junção dos documentos.
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Custas pela parte vencida a final.
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Porto, 18 de Outubro de 2021
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão