Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
290/18.2T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
OBRIGAÇÕES
RESPONSABILIDADE
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RP20190710290/18.2T8PVZ.P1
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 902, FLS 33-47)
Área Temática: .
Sumário: I - No desenvolvimento da actividade de intermediação mobiliária impera o dever de informação, exigindo a lei que o intermediário preste “as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”.
II - Tendo ficado provado que ao subscreverem obrigações, os autores ficaram convencidos, em resultado da garantia prestada pelo banco, de que tinham aderido a um produto bancário, equivalente a um depósito a prazo, com as inerentes características de segurança e liquidez imediata, e que não teriam subscrito as referidas obrigações se tivessem sido informados, de forma esclarecida, que o reembolso do capital não estava assegurado, conclui-se que o intermediário financeiro incumpriu o dever de informação a que se encontrava adstrito perante clientes por si qualificados como investidores não profissionais, verificando-se nexo causal entre o facto ilícito e o dano.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 290/18.2T8PVZ.P1

Relatora: Anabela Tenreiro
Adjunta: Lina Castro Baptista
Adjunta: Alexandra Pelayo
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I-RELATÓRIO
B…, NIF ………, e C…, NIF ………, residentes na Rua …, n.º …, 2º Direito, …, Matosinhos interpuseram a presente acção declarativa condenatória contra oBanco D…, S. A.”, NIPC ………, com sede na Avenida …, n.º …, Lisboa pedindo que seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00, correspondente ao valor que dizem ter entregue ao E…, S. A., acrescida de juros de mora, contados à taxa legal desde 09/05/2016; bem como a quantia de € 10.000,00, para ressarcimento de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora por terem sido violados deveres que sobre o mesmo impendiam designadamente, o dever de informação no âmbito da relação contratual de intermediação financeira estabelecida com os Autores.
O Réu invocou, além do mais, a prescrição do direito dos Autores.
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Proferiu-se sentença que decidiu julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condena-se o Réu a pagar aos Autores a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 09/05/2016, até integral pagamento;
b) Absolve-se o Réu do demais que foi peticionado.
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Inconformado com a sentença, o Réu interpôs recurso, terminando com as seguintes
Conclusões
I.Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos à margem referenciados, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o R. aqui Rte. a pagar aos Autores a quantia de € 100.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal, desde 09/05/2016 até efectivo e integral pagamento.
II.O Banco Recorrente não pode deixar de discordar com a matéria de facto dada como provada nos pontos 2, 15, 16 e 17 dos factos provados. E isto porque não foi produzida prova que legitime tal decisão da sentença recorrida.
III. Em primeiro lugar diga-se que apenas uma das testemunhas inquiridas teve conhecimento directo dos factos, na medida em que interveio na apresentação e contratação das obrigações em causa nos presentes autos os AA.
IV. Contrariamente ao que é entendido na sentença recorrida, não podem ser dados como provados factos com base apenas nas declarações de parte do Autor.
V. As declarações de parte previstas no art. 466º do Código Processo Civil, jamais poderão ser utilizadas como único meio de prova.
VI. Nos casos em que as declarações de parte não sejam corroboradas por outros meios de prova, as mesmas não devem ser entendidas como suficientes para determinar que um facto resultou, ou não, provado.
VII. A única testemunha que presenciou a venda das obrigações F… aos AA., para além A. marido, foi o funcionário do Banco Recorrente G…, que apresentou as obrigações ao A. marido (Cfr. ficheiro áudio nº 20190204143400_15127903_2871558, min. 00:08:10 a 00:09:40).
VIII. Conforme resultou do depoimento da testemunha G… (gravado no ficheiro áudio com a refª. nº 20190204143400_15127903_2871558) este depôs de forma serena, assertiva e directa, esclarecendo quais as questões para as quais se recordava da resposta e aquelas que não podia responder com segurança dado o lapso temporal que mediou entre os factos e a inquirição na qualidade de testemunha. De facto, tais aspectos são manifestadores da verdade e sinceridade com que a testemunha depôs.
IX. No que concerne ao ponto 2, conforme resulta do depoimento da testemunha G…, as obrigações em causa nos presentes autos, foram apresentadas ao A. como sendo obrigações emitidas pela F1…, da mãe e dona do banco, nunca tendo sido comparadas com um depósito a prazo (Cfr. ficheiro áudio n.º 20190204143400_15127903_2871558, min. 00:13:07 a 00:13:30; 00:41:20 a 00:42:32 e 01:09:00 a 01:09:50).
X. De facto, tal qual resulta do depoimento da testemunha G…, foi transmitida toda a informação relativa às características do produto sendo que, inclusivamente, para os funcionários a segurança do produto era até superior pelo facto de ser emitido pela dona do banco, a F1… (Cfr. ficheiro áudio n.º 20190204143400_15127903_2871558, min. 00:36:00 a 00:36:15).
XI. Pelo que, o facto provado sob o n.º2 dos factos provados deve ser alterado nos seguintes termos: “2)...O qual lhe propôs a aplicação de € 100.000,00 em obrigações da F1…, com prazo a 10 anos, mas com total liquidez, com boa rentabilidade, pagamento semestral dos juros remuneratórios”.
XII. Por seu turno, o facto provado sob o n.º 15 deve ser dado como não provado.
XIII. Tendo em consideração a prova produzida e o facto de a testemunha G… ter referido, de forma directa e peremptória que, tal facto não foi sequer questionado aquando da aquisição das obrigações F… pelos AA. A este respeito, Cfr. Ficheiro áudio n.º 20190204143400_15127903_2871558, min. 00:58:00 a 00:58:10, o facto provado com o 16º deve ser dado como não provado.
XIV. No que se refere ao ponto 17º dos factos provados, o mesmo também foi erradamente dado como provado uma vez que, da prova produzida resulta a convicção da testemunha G… de que entregou ao Autor marido um exemplar da comunicação de cliente que serve de “formalização da operação” (Cfr. ficheiro áudio n.º 20190204143400_15127903_2871558, min. 00:27:00 a 00:31:18).
XV. Pelo que, o facto provado 17 deverá ser alterado nos seguintes termos: “Em regra, o Banco R. fornecia aos seus clientes, aquando da subscrição de Obrigações Subordinadas F…, documentação que reflectisse a formalização da operação, a natureza do produto e as condições da subscrição”.
XVI. O ónus da prova da verificação do vício de omissão de informação ou de prestação de informação falsa por parte do banco Réu ao Recorrente impende, sem qualquer dúvida, sobre este último, como decorrência natural do princípio constante do artigo 342º, nº 1 do Código Civil que afirma àquele que invoca um direito cabe a prova dos factos constitutivos do mesmo.
XVII. A possibilidade de presunção (implícita) de ilicitude e de causalidade apesar de poder ser logicamente (não legalmente, quanto a nós) concebível na responsabilidade contratual quanto à prestação principal objecto do contrato, não o é já sempre que estiver em causa uma prestação acessória ou lateral do contrato. E neste caso, não há dúvida que os deveres de informação são deveres acessórios do intermediário financeiro, e portanto nunca a sua violação poderia ser presumida!
XVIII. In casu, caberia aos Autores a prova (i) da deficiência ou omissão de informação relevante, susceptível de integrar a violação da obrigação do intermediário financeiro, ou outra violação de obrigações do Réu que julgasse relevantes; (ii) da causalidade adequada entre o dito facto ou omissão, sua ilicitude e ao dano produzido; (iii) do dano! Ao Banco-Réu caberia a contraprova da sua culpa na prático do dito acto ou omissão!
XIX. Diga-se ainda que a transmissão da informação de que as obrigações tinham como característica “garantia de 100% do capital investido” não significa que tivesse ficado provado qualquer violação do dever de informação que impendia sobre o Banco Recorrido como intermediário financeiro.
XX. De facto, as obrigações são valores mobiliários representativos de direitos de crédito, representando nuclearmente meros direitos de crédito ao reembolso da quantia emprestada (valor nominal da obrigação), pelo que tendo, no caso, o Autor, mediante a subscrição das obrigações, no valor de 400.000,00 euros, emprestado quatrocentos mil euros à “F2…, SGPS, S.A.”, entidade emitente dessas obrigações, evidentemente que lhe assistia (e assiste) o direito de crédito sobre a identificada “F1…” de, decorrido que fosse o prazo acordado para o investimento, lhe serem restituídos os quatrocentos mil euros, pelo que, nesta perspetiva, o investimento era garantido a 100%.
XXI. O investimento efectuado foi feito em Obrigações.
XXII. Tal investimento, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.
XXIII. Como é do conhecimento geral de qualquer cidadão por muito desinformado que seja, uma coisa é o direito de crédito e outra, bem diversa, é o cumprimento, o qual fica sempre condicionado à existência de possibilidades do devedor em cumprir, pelo que nunca existe a garantia de quem empresta que irá, efetivamente, receber, mesmo tratando-se de um depósito a prazo, posto que não fora a garantia conferida pelo Fundo de Garantia de Depósitos, nunca existiria a garantia do efectivo recebimento, posto que o banco poderá entrar em incumprimento e quiçá, em insolvência. “
XXIV. Qualquer direito que assistisse ao Recorrente pela violação do dever de informação praticado pelo Banco sempre estaria prescrito nos termos do artigo 324º, nº 2 do CVM. É que este artigo prevê um prazo de prescrição de 2 anos, salvo a existência de dolo ou culpa grave por parte do intermediário financeiro.
XXV. Ora, o dolo ou a culpa grave têm necessariamente de se concluir de factos, concretos, da actuação do Banco na concreta venda do produto ao cliente Autor nos presentes autos.
XXVI. Dos factos dados como provados não consta qualquer facto que suporte a conclusão de que o banco actuou com dolo ou culpa grave.
XXVII. O Autor não era inexperiente em produtos financeiros, tendo até chegado a investir em produtos de risco, que acabaram por ser ruinosos para este, conforme consta do extracto bancário junto aos autos.
XXVIII. Não logrou assim o Autor provar qualquer facto consubstanciador do dolo ou culpa grave do Banco Réu.
XXIX. Lida e relida a aliás douta sentença, a sensação que fica é que o Tribunal a quo censura o aqui Recorrente por considerar que o facto do gerente bancário do Réu ter assegurado ao Autor que a aplicação financeira em causa tinha garantia de capital e juros no termo do prazo configura a prestação de uma informação falsa por não especificar qual a entidade que garantia o produto.
XXX. Ora, há que desmistificar esta ideia, e clarificar afinal o que se pretende dizer com a expressão garantia de capital e juros no termo do prazo.
XXXI. De facto, o uso de uma tal expressão apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.
XXXII. Na realidade, é utópico pretender ver nesta singela referência qualquer espécie de garantia absoluta de investimento.
XXXIII. Até porque essa garantia não existe!
XXXIV. A ideia que perpassa é que o Tribunal a quo reputa as obrigações como um “produto de risco”, pelo facto de afinal o Recorrido não ter recebido o investimento efectuado no final do prazo.
XXXV. E, por essa razão, reputa também de falsa a garantia de capital e juros na data de maturidade do investimento, conforme informação prestada pelo Gerente da Agência do Banco Réu.
XXXVI. Ora, tal raciocínio é uma falácia, que confunde a causa com a consequência...
XXXVII. É que não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco...
XXXVIII. E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente.
XXXIX. Nesse momento não havia qualquer indiciação de que a emissão pudesse vir a não ser paga (não havia histórico nesse sentido) ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.
XL. Mas sempre se diga também que o Banco Réu não estava como não está obrigado a advertir o investidor sobre a essa hipótese de insolvência do emitente.
XLI. Tal como não estava, como não está, obrigado a advertir o depositante sobre o risco da sua insolvência quando recebe um DP!
XLII. E diga-se ainda, em abono da verdade, que qualquer garantia de capital e juros, levou apenas em conta o critério de risco acima elencado.
XLIII. Em sede de dever de informação, a ilicitude consiste na desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro.
XLIV. De facto, versando como versa aquele art. 312º do CdVM sobre os deveres de informação a cumprir quanto ao contrato de cobertura, a menção aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar, refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira (no caso a execução de ordens) enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
XLV. A expressão operações a realizar aponta para uma actividade – decorrente da intermediação financeira – e não para o objecto dessa actividade – o instrumento financeiro.
XLVI. Ora, analisando a matéria de facto provada no entender do Banco Recorrente constatamos que é por demais evidente que o Banco Réu explicou suficientemente aos Autores o funcionamento e natureza do investimento a efectuar.
XLVII. É ERRADO afirmar a ideia que o intermediário financeiro deve ser um Velho do Restelo, um Profeta da Desgraça ou um Arauto do infortúnio, que adverte o investidor do risco de incumprimento das obrigações assumidas perante ele, ou até do risco de insolvência do emitente.
XLVIII. Acresce que as disposições supra referidas resultam todas da redacção que o D.L. 357-A/2007 de 31/10 deu ao CdVM (diploma este que procedeu à transposição da D.M.I.F.).
XLIX. E, conforme se prescreve no art. 21º, tal diploma entrou em vigor no dia 01/11/2007.
L. Ora, sabendo que as aplicações aqui em crise foram TODAS subscritas em data anterior a 01/11/2007, torna-se por demais evidente concluir que aquelas disposições NÃO SÃO APLICÁVEIS ao presente caso!
LI. De facto, a esta data, a redacção do CdVM era aquela resultante das sucessivas alterações do D.L. 486/99 de 13/11 até ao D.L. 52/2006 de 15/03.
LII. De facto, a redacção do CdVM anterior à DMIF era muito mais ligeira na obrigação de informação do intermediário financeiro.
LIII. E, então, não estava sequer tão densificado o dever de informação, conforme hoje resulta das disposições dos arts. 312º-A a 312º-G, que apenas foram aditadas com o já referido D.L. 357-A/2007 de 31/10.
LIV. À data da subscrição das Obrigações, não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E nº 2 alínea a)!
LV. Convém salientar que não assiste ao autor qualquer presunção de ilicitude!
LVI. De facto, a presunção de ilicitude existirá, quando muito, no incumprimento da obrigação principal do contrato.
LVII. Ora, parece-nos que o dever de informação neste contrato será um dever secundário, genérico ou acessório da prestação principal, por estar umbilicalmente ligado àquela (não resistindo autonomamente sem ela) e podendo até condicioná-la.
LVIII. E, portanto, tinha que ser o Autor a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu deveria ter dado, que não deu!
LIX. Não o tendo feito, tem a presente acção necessariamente que claudicar.
LX. A culpa do intermediário financeiro é a censura jurídica da conduta do agente, em razão da diligência exigida pela lei para a conduta em causa.
LXI. Do que vimos de afirmar, resulta para nós evidente que não houve da parte do Banco Réu a prestação de qualquer informação falsa, ou a utilização de qualquer artifício falacioso ou substerfúgio ardiloso que fosse a apto a enganar o Autor.
LXII. O que nos parece a nós é que, quando muito, houve da parte do Autor um erro espontâneo, MAS NUNCA UM ERRO PROVOCADO!
LXIII. Assim sendo, nenhuma culpa pode ser assacada ao Banco Réu.
LXIV. Considera a sentença recorrida que o dano sofrido pelo A. é de montante equivalente ao capital que este deixou de auferir da F1…, ou seja, o valor por si subscrito em títulos de Obrigações emitidos por esta entidade.
LXV. Porém, merece reparo esta condenação, é que a mesma potencia um enriquecimento ilegítimo do Autor.
LXVI. De facto, não está provado que se tenha tornado impossível receber (total ou parcialmente) o montante investido pelo Autor nas obrigações.
LXVII. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com a critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC, uma vez que dá azo a que o Autor venha depois a receber o que lhe couber do emitente e que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo Réu e equivalente ao montante por ele desembolsado na subscrição do valor mobiliário.
LXVIII. De todo o exposto resulta que a decisão recorrida violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 236º, 570º, 595º, 628º, 220º do Código Civil, 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º, 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE.
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II-Delimitação do Objecto do Recurso
As principais questões decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem em saber se a decisão proferida sobre a matéria de facto (pontos 2, 15, 16 e 17) deve ser alterada, se o Réu, na qualidade de intermediário financeiro, incumpriu o dever de informação que lhe incumbia, quais as consequências daí advenientes e se o direito invocado pelos Autores prescreveu.
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Da Modificabilidade da Decisão sobre a matéria de facto
Nos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova revisitados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo.
À luz destas considerações e princípios, cumpre reanalisar a decisão proferida sobre os pontos que contêm os factos em causa (n.ºs 2, 15, 16 e 17):
2) …O qual lhe propôs a aplicação de € 100.000,00 num produto financeiro do próprio E…, equivalente a um depósito a prazo a 10 anos, mas com total liquidez, com boa rentabilidade, pagamento semestral dos juros remuneratórios e com total garantia de reembolso do capital investido pelo E…, S. A.
15) Os Autores subscreveram as Obrigações Subordinadas F… convencidos de que tinham aderido a um produto equivalente a um depósito a prazo, com as características referidas em 2).
16) Os Autores não teriam subscrito as Obrigações Subordinadas F… se soubessem que não teriam liquidez antes de decorridos 10 anos a contar da sua emissão ou se soubessem que o reembolso do capital não estava assegurado pelo E….
17) Aquando da subscrição das Obrigações Subordinadas F…, não foi fornecida ao Autor qualquer documentação que refletisse a formalização da operação, a natureza do produto e as condições da subscrição.
A matéria de facto que iremos apreciar contende, essencialmente, com a informação que o funcionário do Réu transmitiu ao Autor quando lhe propôs aplicar o capital num determinado produto financeiro.
Após se ter procedido à audição das pessoas directamente envolvidas na operação de investimento aqui em discussão, a testemunha G… e o Autor, conclui-se que a decisão proferida pelo tribunal a quo não podia ter sido a pretendida pelo Recorrente.
Com efeito, a testemunha G…, funcionário do Banco Réu, com responsabilidade nesta matéria e que depôs, apesar das suas naturais limitações funcionais, com clareza e serenidade, revelou o que era indispensável apurar sobre a quantidade e qualidade da informação por si comunicada ao Autor, antes e durante a operação de subscrição das obrigações.
Afirmou que teve a iniciativa de contactar o Autor, pessoa que qualificou como um cliente não profissional e prudente, propondo-lhe a aplicação do seu dinheiro num produto (obrigações) que oferecia, na altura, total liquidez, num prazo de 10 anos, com a possibilidade de levantamento quando desejasse (apenas teria de pagar os juros que se venciam semestralmente) e uma boa taxa de juros.
Sabia que este cliente não tinha conhecimentos especializados do mercado financeiro e esse dinheiro seria necessário, a breve prazo, para despender numa casa.
Por esse motivo, garantiu ao Autor que, se precisasse desse dinheiro para esse efeito, era-lhe devolvido sem qualquer problema, por se tratar de um produto com a mesma segurança de um depósito a prazo, por ser da empresa mãe.
Não explicou minimamente ao Autor o risco associado à subscrição de obrigações, ou seja, a diferença existente entre a constituição de um depósito a prazo e aquela operação de investimento.
O Autor, convicto que estava a aplicar o seu dinheiro num produto com características de segurança iguais às que oferecem os depósitos a prazo, naturalmente confiou no Banco até porque a referida testemunha tinha perfeito conhecimento que podia ter necessidade de levantar esse dinheiro, a qualquer momento, por causa da casa (obras) que tinha na aldeia.
Sempre aplicou o dinheiro de poupanças e herança em depósitos a prazo, e se alguma vez o aplicou em produtos de risco, não foi devidamente informado pelo Banco.
O Autor foi muito claro quando referiu que, se tivesse sido informado do risco dessa operação, nunca teria aceite subscrever obrigações, e esta conclusão também se extrai, de forma indirecta, do depoimento da mencionada testemunha.
Sobre a formalização propriamente dita da subscrição das obrigações resultou das declarações do Autor (o qual convenceu pela segurança e simplicidade da sua comunicação) conjugadas com o depoimento da mencionada testemunha (que não assegurou ter efectivamente entregue a documentação ao Autor) que não lhe foi entregue a documentação comprovativa dessa operação financeira porque só em 2016 a conseguiu obter, por pedido expresso formulado ao Banco nesse sentido.
Conclui-se, por isso, da mesma forma que o julgador, quando esclarece na motivação que a prova produzida demonstrou que a informação transmitida aos Autores pelo E… foi muito escassa, omitindo aspetos essenciais para o esclarecimento dos AA. e demonstrou também que a decisão de aderir ao produto financeiro proposto foi baseada em informação que não era correta e que a decisão de aderir ao produto financeiro só aconteceu por causa da informação errada que foi transmitida.
A ponderação e avaliação dos meios de prova foi feita com obediência às regras da lógica e da experiência, razão pela qual inexiste qualquer motivo que imponha a alteração pretendida pelo Recorrente.
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III-FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
Com relevo para a decisão da causa, provaram-se os seguintes factos:
1) Em Fevereiro de 2007, o Autor foi contactado telefonicamente por um funcionário do E…, S. A., G…, que à data desempenhava as funções de gestor de cliente na agência …, Matosinhos, desse banco;
2) …O qual lhe propôs a aplicação de € 100.000,00 num produto financeiro do próprio E…, equivalente a um depósito a prazo a 10 anos, mas com total liquidez, com boa rentabilidade, pagamento semestral dos juros remuneratórios e com total garantia de reembolso do capital investido pelo E…, S. A.;
3) O que o Autor aceitou, subscrevendo duas obrigações subordinadas F…, no valor global de € 100.000,00, em fevereiro de 2007, com vencimento em 09/05/2006.
4) As duas obrigações acabadas de referir foram vendidas ao Autor pelo E…, S. A., agência …, Matosinhos.
5) As Obrigações Subordinadas F… foram emitidas pela F2…, SGPS, S. A. que detinha 100% do capital social do E…, S. A..
6) Todas as ações representativas do capital social do E…, S. A. foram nacionalizadas pela Lei n.º 62-A/2008, de 11 de novembro.
7) Em 30/03/2012, o Banco D…, S. A. adquiriu ao Estado Português todas as ações representativas do capital social do E…, S. A..
8) Em 07/12/2012, ocorreu a fusão, por incorporação, do Banco D…, S. A., no E…, S. A., tendo este alterado a denominação de E…, S. A. para Banco D…, S. A..
9) O prazo de maturidade das Obrigações Subordinadas F… completou-se em 8 de maio de 2016.
10) Em 9 de maio de 2016, não foi restituída aos Autores a quantia de € 100,000,00 que aplicaram em Obrigações Subordinadas F….
11) Os AA. eram clientes do E…, S. A. pelo menos desde janeiro de 2005.
12) Até fevereiro de 2007, os Autores sempre encaminharam as suas poupanças para aplicações bancárias tidas por seguras, nomeadamente depósitos a prazo, que lhes garantissem rentabilidade e, sobretudo, o reembolso dos capitais respetivos.
13) O Autor estabeleceu com os funcionários da agência …, do E…, nomeadamente com o Sr. G…, uma relação de confiança.
14) O E…, para efeitos da sua atividade de intermediação financeira, qualificou os AA. como clientes não profissionais.
15) Os Autores subscreveram as Obrigações Subordinadas F… convencidos de que tinham aderido a um produto equivalente a um depósito a prazo, com as características referidas em 2).
16) Os Autores não teriam subscrito as Obrigações Subordinadas F… se soubessem que não teriam liquidez antes de decorridos 10 anos a contar da sua emissão ou se soubessem que o reembolso do capital não estava assegurado pelo E….
17) Aquando da subscrição das Obrigações Subordinadas E…, não foi fornecida ao Autor qualquer documentação que refletisse a formalização da operação, a natureza do produto e as condições da subscrição.
18) O Autor subscreveu o documento intitulado «comunicação de cliente», com o teor que consta a fls. 50v do processo, o qual se dá aqui por integralmente por reproduzido.
19) O documento acabado de mencionar foi preenchido por G….
20) O Autor subscreveu o documento intitulado «comunicação de cliente», com o teor que consta a fls. 51 do processo, o qual se dá aqui por integralmente por reproduzido.
21) O documento acabado de mencionar foi preenchido por G….
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Com relevo para a decisão da causa, não se provou que:
22) O documento intitulado «comunicação de cliente», com o teor que consta a fls. 50v do processo, foi preenchido depois de subscrito pelo Autor.
23) O documento intitulado «comunicação de cliente», com o teor que consta a fls. 51 do processo, foi preenchido depois de subscrito pelo Autor.
24) O funcionário do E…, S. A. que vendeu as Obrigações Subordinadas F… ao Autor não informou o Autor, aquando de tal venda, que o produto financeiro que lhe estava a propor eram obrigações subordinadas da F2…, SGPS, S. A..
25) Os Autores não sabiam da existência da F2…, SGPS, S. A..
26) Desde que souberam que o produto que subscreveram era de risco elevado e que não se encontrava revestido de solidez que lhes garantisse, não só o recebimento dos juros acordados, como o próprio capital investido, os Autores têm vivido em constante sobressalto, preocupação e ansiedade.
27) Por estarem impossibilitados de usar o dinheiro aplicado nas Obrigações Subordinadas F…, os Autores tiveram necessidade de recorrer ao crédito bancário para a construção da sua habitação e para custear os estudos universitários dos filhos, tendo passado por naturais privações para poderem honrar os compromissos daí decorrentes.
28) Devido à subscrição das Obrigações Subordinadas F… e à impossibilidade de usar o dinheiro aí aplicado, os Autores sentem-se tristes, revoltados e indignados.
29) O funcionário do E…, S. A. que vendeu as Obrigações Subordinadas F… ao Autor, aquando de tal venda, explicou ao Autor que o que estava a propor eram obrigações subordinadas da F1…, SGPS, S. A..
30) …Que a F1…, SGPS, S. A. era a «mãe» do E…, sendo este uma componente da solvabilidade daquela, por ser um dos principais ativos do seu património e que era essa a razão para ser um produto seguro.
31) O funcionário do E…, S. A. que vendeu as Obrigações Subordinadas F… ao Autor, aquando de tal venda, explicou ao Autor o que eram obrigações subordinadas.
32) …Que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da F2…, SGPS, S. A. a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
33) …E que a única forma de o investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado mediante endosso.
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IV-DIREITO
Os Autores celebraram com o Réu, em Fevereiro de 2007, um contrato de intermediação financeira, previsto no Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, alterado, na parte que interessa, pelo Decreto-Lei n.º 357- A/2007, de 31 de Outubro.
Considerando que o contrato de intermediação financeira foi celebrado entre as partes, em Fevereiro de 2007, a regulamentação legal aplicável é a que resulta do Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro.
O Réu, na qualidade de instituição financeira, pode exercer a actividade de intermediação financeira, devendo observar, tal como nas demais actividades que exerce, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência, devendo proceder, nas relações com os clientes, através dos seus funcionários, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição (cfr. arts. 73.º, 74.º e 76.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras– aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro).
Também é inquestionável que as obrigações são valores mobiliários, passíveis de serem objecto de uma actividade de intermediação mobiliária através de negociação em mercado (art. 1.º do Código dos Valores Mobiliários-CMV).
No desenvolvimento da actividade de intermediação mobiliária impera o dever de informação, que constitui a questão essencial suscitada neste processo, na medida em que os Autores imputam ao Réu a violação desse dever.
O artigo 312.º, n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários determina que incumbe ao intermediário financeiro um dever geral de informação, exigindo-se que preste “as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a […] riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar.” (itálico nosso)
A escolha pelo legislador dos vocábulos esclarecida e fundamentada, prende-se, segundo Rui Polónia[1],com a necessidade dos investidores serem titulares de todos os conhecimentos que relevam para a sua decisão de investimento em valores mobiliários, alicerçando-se tal decisão em critérios de racionalidade, ou seja, por terem sido compreendidos os conhecimentos transmitidos pelos intermediários financeiros.
Sobre a qualidade da informação rege o artigo 7.º, n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários ao prever que deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita quando seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores.
Por outro lado, um dos princípios que norteiam a actividade de intermediação financeira consiste na obtenção de informação relativa ao conhecimento e à experiência dos investidores no domínio do mercado de valores mobiliários- (cfr. art. 304.º, n.º 3)
Acrescenta o referido autor que, este princípio, revela-se nos deveres de categorização dos investidores, de adequação aos investidores e de informação em função das qualidades dos investidores a quem, concretamente, prestarem os seus serviços-artigo 312.º, n.º 2 do Código de Valores Mobiliários.[2]
Como bem se refere na sentença “apurou-se através de um estudo de mercado promovido pela CMVM que «resultou clara a influência que o gestor de conta exerce sobre esses investidores (não institucionais) através da informação que presta». Pelo que, de acordo com a doutrina, «tal permite afirmar que o comportamento dos intermediários financeiros tem um impacto directo muito significativo sobre as decisões dos investidores, pelo que aqueles representam um canal privilegiado por onde encetar a protecção destes. É também nesta perspectiva que deve entender-se o princípio geral consagrado no artigo 304.º, n.º 1 do CVM segundo o qual os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes» (cfr. Sofia Nascimento Rodrigues, A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 42 e 45).”
Ora, apurou-se que foi transmitido pelo Réu ao Autor que a aplicação de € 100.000,00 num produto financeiro do próprio E…, era equivalente a um depósito a prazo a 10 anos, mas com total liquidez, boa rentabilidade, pagamento semestral dos juros remuneratórios e com total garantia de reembolso do capital investido pelo E…, S. A..
Os Autores eram clientes do Banco Réu, pelo menos desde janeiro de 2005 e até fevereiro de 2007, e sempre encaminharam as suas poupanças para aplicações bancárias tidas por seguras, nomeadamente depósitos a prazo, que lhes garantissem rentabilidade e, sobretudo, o reembolso dos capitais respetivos.
O Autor estabeleceu com os funcionários da agência de…, do E…, nomeadamente com o Sr. G…, uma relação de confiança.
O Banco Réu, para efeitos da sua atividade de intermediação financeira, qualificou os Autores como clientes não profissionais.
Segundo o art. 312.º, n.º 2 do CVM a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menos for o grau de conhecimento e experiência do cliente.[3]
Atendendo a que este cliente não se integrava na qualificação de investidor dinâmico e/ou arrojado, competia ao Réu prestar uma informação mais detalhada e esclarecida sobre a natureza e características das obrigações e eventual risco associado a essa aplicação.
Ao subscreverem as Obrigações Subordinadas F…, os Autores ficaram convencidos de que tinham aderido a um produto bancário equivalente a um depósito a prazo, com as inerentes características.
Ficou igualmente demonstrado que não teriam subscrito as obrigações se soubessem que não teriam liquidez antes de decorridos 10 anos a contar da sua emissão ou se soubessem que o reembolso do capital não estava assegurado pelo E….
Aquando da subscrição das obrigações, não foi fornecida ao Autor qualquer documentação que refletisse a formalização da operação, a natureza do produto e as condições da subscrição.
Deste elucidativo quadro factual estamos em condições de afirmar que os Autores tinham um perfil que não se enquadra minimamente naquele que caracteriza o verdadeiro investidor, conhecedor das características dos valores mobiliários, neste caso de obrigações, e sobretudo da existência de risco na operação de investimento que decide concretizar.
Por conseguinte, os Autores não foram devidamente esclarecidos sobre o produto que lhes foi apresentado pelo Réu, razão pela qual a sua decisão não pode ser considerada consciente e fundamentada, uma vez que estavam convencidos que a garantia de reembolso do capital era equivalente à que oferece um depósito a prazo, tal como lhes foi assegurado pelo Réu, através do seu funcionário.
Atendendo à relação de confiança que se estabeleceu entre o Autor e o gestor de conta, aquele confiou, naturalmente, que, no final do prazo acordado, o capital investido seria recuperado, sem qualquer risco de perda.
Concorda-se, nesta conformidade, com a decisão proferida pelo tribunal a quo no sentido de que se verifica um comportamento ilícito e culposo do Réu (presunção decorrente do art. 314.º, n.º 2 do CVM) por ter sido violado o dever de informação a que se encontrava vinculado no desenvolvimento da actividade de intermediação mobiliária.
O dano, neste caso, consiste no facto de não ter sido entregue aos Autores, na data prevista, o capital de €100.000,00 em resultado, como bem se esclarece na sentença, da transmissão de informação que não era correcta e muito incompleta, acrescentamos nós, sobre o produto financeiro.
A falta de esclarecimento sobre a identificação da entidade emitente das obrigações bem como que o Réu não seria responsável pelo reembolso do capital, também se traduz numa violação relevante do dever de informação.
Na sentença, este aspecto é salientado na avaliação global do comportamento do Réu ao referir que ao transmitir que a aplicação financeira em causa era equivalente a um depósito a prazo; ao transmitir a ideia de que a garantia e segurança de um depósito a prazo estavam presente na aplicação em causa, referindo que era um produto financeiro do próprio banco, o E… emprestou à operação o seu nome e a sua credibilidade e serviu-se da confiança depositada pelos AA. nesse banco, para criar a ideia falsa, que não esclareceu, de que o E… garantia o reembolso do capital investido, e também a ideia falsa, que não esclareceu, que era um produto com total liquidez.
Existe, assim, nexo causal entre a informação não correcta e incompleta sobre a aplicação financeira e o dano porquanto os Autores se tivessem tido conhecimento do risco associado a este produto não teriam aplicado o seu dinheiro na subscrição de obrigações.[4]
Este comportamento do Réu, consubstanciado na prestação de um esclarecimento pouco rigoroso sobre o produto financeiro, induzindo o cliente (inexperiente e sem conhecimentos do mercado mobiliário e prudente na gestão do seu dinheiro) em erro uma vez que garantiu que se tratava de uma aplicação segura, equivalente a um depósito a prazo, deve ser censurado como culpa grave, não sendo, por esse motivo, aplicável o prazo de prescrição de dois anos previsto no artigo 324.º, n.º 2 do C.V.M.
Em resumo, a sentença deve ser mantida, na íntegra, uma vez em que a subsunção do direito aos factos não merece censura.
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V—DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirmam a sentença.
Custas pelo Recorrente.
Notifique.

Porto, 10 de julho de 2019
Anabela Tenreiro
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
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[1] Deveres de Informação dos Intermediários Financeiros, Almedina, 2019, pág. 145.
[2] Ob. cit., pág. 108.
[3] V. sobre o tema, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 4.ª edição, Almedina, 413.
[4] Neste sentido, v. entre muitos outros, o Ac. STJ de 13.09.2018; sobre esta temática v. Jurisprudência recente do STJ: Acs. de 06/11/2018, 14/03/2019 21/03/2019, 26/03/2019 e 09/05/2019 disponíveis em www.dgsi.pt.