Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
22650/15.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAUL ESTEVES
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
PROCESSO
Nº do Documento: RP2016062222650/15.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 1010, FLS.94-99)
Área Temática: .
Sumário: O formalismo da decisão administrativa em sede contraordenacional obedece ao disposto no artº 58º RGCO não lhe sendo aplicável o disposto no artº 379º CPP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 22650/15.0T8PRT.P1
Acordam os juízes que integram o Tribunal da Relação do Porto

1 Relatório

Nos autos de recurso de contra-ordenação nº 22650/15.0T8PRT.P1 que correram os seus termos na Comarca do Porto, secção de Pequena Criminalidade, J2, em que é arguido B…, após recurso deste referente a decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, foi proferida sentença que decidiu:
Julgar o recurso de contra-ordenação improcedente e, consequentemente:
Condenar o recorrente B…, pela prática da contra-ordenação, prevista e sancionada nos artigos 81º, nºs 1, 5 b) e 138º, 146º, j) e 147º, nº 2, todos do Código da Estrada, na sanção acessória de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 120 (cento e vinte) dias.
Não conformado, veio o recorrente interpor recurso para este Tribunal, alegando para tanto o que consta de fls. 71 e seguintes, concluindo em suma o seguinte:
I - Invocada a nulidade de decisão administrativa que condenou o recorrente como reincidente, sem que dela constem todas as circunstâncias e os fundamentos de direito que determinaram tal qualificação, a sentença que conhece do recurso de impugnação, ao elencar explicitamente aquelas circunstâncias que conduzem à percepção por parte do destinatário da decisão agora confirmada, evidencia a nulidade de que enfermava a decisão administrativa.
E, mantendo aquela decisão, enferma a sentença de igual nulidade.
II - A sentença judicial que vem acrescentar elementos qualificativos que não constam da decisão administrativa, acrescenta e julga por factos que não constam da acusação, e, tendo o recorrente anuído na prolação de sentença por despacho, fica prejudicado nos seus direitos de contraditório, do mesmo passo que a sentença enferma de nulidade à luz do disposto nas alíneas c) do nº 1 do art. 379º do CPP.
III - Pedindo-se ao tribunal que julgue a nulidade de decisão administrativa a que falha a fundamentação que permita ao recorrente perceber porque é sancionado com uma determinada sanção acessória, ao elencar como provados factos que desta não constam e com estes criar a convicção de que a medida acessória aplicada é justa e adequada, conhece de questão que lhe não foi submetida, tanto mais que esta se fundamenta implicitamente nestes factos, pelo que enferma de nulidade a sentença recorrida.
IV - Se a decisão administrativa se limita a descrever os factos objectivos que materializam o ilícito contra-ordenacional, omitindo completamente os factos que haveriam de preencher o elemento subjectivo do mesmo ilícito, esta omissão gera a nulidade da decisão administrativa, que o tribunal, no exercício dos seus poderes de controlo da legalidade, pode declarar, ordenando a remessa dos autos à autoridade administrativa competente para sanação do vício.
V - Se a sentença se limita a descrever os factos objectivos que materializam o ilícito contra-ordenacional, omitindo completamente os factos que haveriam de preencher o elemento subjectivo do mesmo ilícito, esta omissão gera a nulidade da decisão.
Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª Instância, tendo pugnado pelo não provimento do recurso.
Neste Tribunal o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, tendo pugnado pela sua rejeição liminar.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.

Cumpre assim apreciar e decidir:

2 Fundamentação

Resultam assentes nos autos os seguintes factos:
1 – No dia 13/04/2013, pelas 06:45 horas, na Rua …, no Porto, o arguido B… conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-IA-...
2 – O arguido foi submetido ao teste de pesquisa de álcool através do alcoolímetro, aparelho de marca Drager Alcotest, modelo 7110 MK III P, nº Arra, nº …., verificado em 15-10-2012, pelo I.P.Q., cuja utilização foi autorizada através do Despacho nº 19684/09, de 27/08 e acusou a taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 0,82 g/l, correspondente à TAS de 0,89 g/l registada, deduzindo o valor do erro máximo admissível.
3 – O arguido não requereu contraprova.
4– O arguido efectuou o pagamento voluntário da coima.
5 – Do registo individual de condutor do arguido consta a prática em 27/08/2011, de uma contra-ordenação grave, decorrente da condução de veículo com excesso de velocidade (auto nº 906859018), na sequência do que lhe foi aplicada a inibição de conduzir pelo período de 30 dias, suspensa na sua execução por 180 dias, com o início em 06/09/2012 e termo em 05/03/2013.
6 – Foi então proferida decisão administrativa onde foi o recorrente condenado pela prática da contra-ordenação, prevista e sancionada nos artigos 81º, nºs 1, 5 b) e 138º, 146º, j) e 147º, nº 2, todos do Código da Estrada, na sanção acessória de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 120 (cento e vinte) dias.
7- Não conformado veio o recorrente interpor recurso para o Tribunal de 1ª Instância onde pugna pela nulidade da decisão administrativa pois, segundo concluiu, tal decisão manifesta-se incompleta e excessiva, não contendo todos os elementos de facto e de direito, designadamente à luz do disposto no artigo 50º do RGCO.
8 – Concluiu ainda que a decisão administrativa violou a lei pois condenou o recorrente como reincidente sem indicar, como devia, a data em que foram praticadas as infracções estradais.
9- Foi então proferida a seguinte decisão pelo Tribunal de 1ª Instância:
“I – RELATÓRIO:
Nos presentes autos, B…, portador do B.I. nº ……., residente no Largo …, nº .., …, ….-… - …, veio impugnar judicialmente a decisão de fls. 6 e segs. da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, na qual foi-lhe aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 (cento e vinte) dias, por infracção dos artigos 81º, nºs 1, 5 b), 138º, 146º, j) e 147º, nº 2, todos do Código da Estrada, sancionável com coima de €500,00 a €2.500,00 e sanção acessória de inibição de conduzir de 2 a 24 meses.
O recorrente apresenta as seguintes conclusões:
- a decisão administrativa manifesta-se incompleta e excessiva, não contendo todos os elementos de facto e de direito, designadamente, à luz do que dispõem os artigos 50º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO) aprovado pelo DL nº 433/82, de 27/10 e 181º do Código da Estrada;
- a decisão administrativa viola a lei, uma vez que pune o arguido como reincidente, sem indicar – como devia à luz do disposto no artigo 143º do CE – a data em que foram praticadas as infracções estradais registadas no cadastro do condutor, a data em que foram proferidas as respectivas decisões e o respectivo trânsito em julgado, as sanções aplicadas, o início e/ou termo da execução das mesmas;
- a decisão recorrida não indica, pois, com clareza e de forma completa todas as circunstâncias relevantes para a decisão proferida, o que constitui irregularidade da decisão administrativa e que se invoca desde já, por violação do disposto no artigo 181º, nº 1, alínea b), do CE e, bem assim, na alínea c) do nº 1 do artigo 58º do RJCO, por falta de fundamentação;
- a falta de notificação do recorrente dos factos agora descritos na decisão administrativa, os quais diferem dos contidos no auto de notícia, constitui nulidade processual grave que acarreta a nulidade de todo o procedimento contra-ordenacional, por violação do disposto no artigo 50º do RGCO, comprometendo a validade de toda a instrução processual, incluindo a decisão administrativa – Acórdão do STJ nº 1/2003, in www.dgsi.pt.
Conclui que a decisão administrativa é ilegal e deve ser revogada.
*
Notificados para o efeito, o Ministério Público e o recorrente não se opuseram a que se decida por mero despacho nos termos do disposto no artigo 64º, nº 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas.
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Antes de mais e porque se trata de uma questão prévia, importa apreciar se o auto de contra-ordenação e a decisão objecto de recurso enfermam de nulidade.
O arguido alega, além do mais, que a decisão administrativa manifesta-se incompleta e excessiva, não contendo todos os elementos de facto e de direito, nos termos dos artigos 50º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO) aprovado pelo DL nº 433/82, de 27/10 e 181º do Código da Estrada.
Alega, também, que a decisão administrativa viola a lei, uma vez que pune o arguido como reincidente, sem indicar – como devia à luz do disposto no artigo 143º do CE – a data em que foram praticadas as infracções estradais registadas no cadastro do condutor, a data em que foram proferidas as respectivas decisões e o respectivo trânsito em julgado, as sanções aplicadas, o início e/ou termo da execução das mesmas.
Ao aqui recorrente imputa-se a prática da contra-ordenação, prevista e sancionada pelos artigos 81º, nºs 1, 5 b), 138º, 146º, j) e 147º, nº 2, todos do Código da Estrada.
Nos termos do artigo 181º, nº 1 do Código da Estrada, “A decisão que aplica a coima ou a sanção acessória deve conter: a identificação do infractor; a descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão; a indicação das normas violadas; a coima e a sanção acessória e a condenação em custas”.
No auto de contra-ordenação imputa-se ao recorrente o seguinte:
“O arguido após ter sido fiscalizado no dia 13/04/2013, pelas 06:45h local sobredito (Rua …., Porto), e submetido ao teste qualitativo, com resultado positivo, foi conduzido à Divisão de Trânsito e submetido ao teste quantitativo no aparelho Drager Alcootest 7171 MKIIIP, verificado em 2012-10-15, aprovado pelo I.P.Q. e cuja utilização foi autorizado através do Despacho nº 19684/09, da ANSR, tendo acusado a TAS de 0,89 g/l, talão nº 7773 que se junta. Não requereu contraprova”.
Por sua vez, na decisão administrativa imputa-se ao recorrente tais factos, considerando-se o arguido reincidente, fazendo constar o seguinte:
“o facto de o arguido ter averbado no seu registo de condutor 1 contra-ordenação grave – auto de contra-ordenação nº 906859018, praticada e sancionada nos últimos cinco anos, o que torna o arguido reincidente, nos termos do artigo 143º do Código da Estrada, implicando que o limite mínimo da sanção acessória aplicável seja elevado para o dobro…)
Elementos essenciais da fundamentação de uma decisão sancionatória são os factos que forem considerados provados, que constituem a base da aplicação das normas.
A indicação precisa e descriminada dos elementos indicados no citado artigo 181º constitui, também, elemento fundamental para garantia do direito de defesa do arguido, que só poderá ser efectivo com o adequado conhecimento dos factos imputados, das normas que integrem e das consequências sancionatórias que determinem.
Da análise do auto de contra-ordenação, bem como, da decisão administrativa resulta que a mesma contém os factos essenciais que respeitam à contra-ordenação ora em apreço, não violando os preceitos legais indicados.
Pelo exposto, conclui-se que não se verifica a nulidade suscitada.
*
Não se verificam quaisquer outras questões prévias que importe desde já apreciar e que obstem à decisão do mérito da causa.

II – FUNDAMENTAÇÃO:
FACTOS PROVADOS:
Com interesse directo e relevante para a decisão da causa, o tribunal tem por provada a factualidade que se segue:
1 – No dia 13/04/2013, pelas 06:45 horas, na Rua…, no Porto, o arguido B… conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-IA-...
2 – O arguido foi submetido ao teste de pesquisa de álcool através do alcoolímetro, aparelho de marca Drager Alcotest, modelo 7110 MK III P, nº Arra, nº …., verificado em 15-10-2012, pelo I.P.Q., cuja utilização foi autorizada através do Despacho nº 19684/09, de 27/08 e acusou a taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 0,82 g/l, correspondente à TAS de 0,89 g/l registada, deduzindo o valor do erro máximo admissível.
3 – O arguido não requereu contraprova.
4 – O arguido revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a conduta descrita nos autos é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.
5 – O arguido efectuou o pagamento voluntário da coima.
6 – Do registo individual de condutor do arguido consta a prática em 27/08/2011, de uma contra-ordenação grave, decorrente da condução de veículo com excesso de velocidade (auto nº 906859018), na sequência do que lhe foi aplicada a inibição de conduzir pelo período de 30 dias, suspensa na sua execução por 180 dias, com o início em 06/09/2012 e termo em 05/03/2013.

Não se logrou provar qualquer outro facto susceptível de influir na boa decisão da causa.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Com interesse relevante para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos articulados que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.

III - MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
A decisão da matéria de facto tem por base o teor do auto de contra-ordenação, o requerimento de interposição de recurso, o auto de contra-ordenação e os documentos juntos aos autos, nomeadamente, os de fls. 2, 3, 4, 5, 21, 22 e 23.

IV - ENQUADRAMENTO JURÍDICO:
Por decisão da Autoridade Nacional Segurança Rodoviária, o arguido foi condenado, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias.
Pretende o arguido a procedência do presente recurso e a revogação da decisão administrativa proferida.
Vejamos.
Nos termos do artigo 81º, nº 1 do Código da Estrada, “É proibido conduzir sob influência de álcool ou substâncias psicotrópicas”.
Nos termos do nº 5, b) do mesmo preceito e diploma legal, quem infringir o disposto no nº 1 é sancionado com coima de €500 a €1250, se a taxa de álcool no sangue for igual ou superior a 0,8 g/l e inferior a 1,2g/l ou, sendo impossível a quantificação daquela taxa, o condutor for considerado influenciado pelo álcool em relatório médico ou ainda se conduzir sob influência de substâncias psicotrópicas.
Da matéria de facto dada como provada, resulta, além do mais, que no dia 13/04/2013, pelas 06:45 horas, na Rua …, no Porto, o arguido B… conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-IA-….
Ficou demostrado que o arguido foi submetido ao teste de pesquisa de álcool através do alcoolímetro, aparelho de marca Drager Alcotest, modelo 7110 MK III P, nº Arra, nº …., verificado em 15-10-2012, pelo I.P.Q., cuja utilização foi autorizada através do Despacho nº 19684/09, de 27/08 e acusou a taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 0,82 g/l, correspondente à TAS de 0,89 g/l registada, deduzindo o valor do erro máximo admissível.
Ficou, também, provado que o arguido não requereu a contraprova.
Resultou, igualmente, demonstrado que o arguido não procedeu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.
Resulta, assim, que o arguido praticou a infracção prevista e sancionada pelos artigos 81º, nºs 1, 5 b) e 138º, 146º, j) e 147º, nº 2, todos do Código da Estrada, sancionável com coima de €500,00 a €2.500,00 e sanção acessória de inibição de conduzir de 2 a 24 meses.
Nos termos do disposto no artigo 138º do Código da Estrada, as contra-ordenações muito graves e graves, como é o caso, são sancionáveis com coima e com sanção acessória.
Quando a contra-ordenação for praticada no exercício da condução, além dos critérios referidos no número anterior, deve atender-se, como circunstância agravante, aos especiais deveres de cuidado que recaem sobre o condutor, designadamente, quando este conduza veículos de socorro ou de serviço urgente, de transporte colectivo de crianças, táxis, pesados de passageiros ou de mercadorias, ou de transporte de mercadorias perigosas (nº 3).
Nos termos do disposto no artigo 143º, nº 1 do Código da Estrada “É sancionado como reincidente o infractor que cometa contra-ordenação cominada com sanção acessória, depois de ter sido condenado por outra contra-ordenação ao mesmo diploma legal ou seus regulamentos, praticada há menos de cinco anos e também sancionada com sanção acessória”.
O arguido procedeu ao pagamento da coima.
A infracção em causa nos termos do artigo 146º, j) do Código da Estrada é considerada muito grave.
O arguido agiu com negligência.
Do registo individual de condutor do arguido consta a prática nos últimos 5 anos de uma infracção grave, tendo sido condenado na inibição de conduzir pelo período de 30 dias, suspensa na sua execução que se mostra cumprida, o que torna o arguido reincidente nos termos do artigo 143º do Código da Estrada, implicando que o limite mínimo da sanção acessória aplicável seja elevado para o dobro, ou seja, para 4 (quatro) meses.
Conforme se refere no douto Acórdão proferido recentemente, em 23/09/2015, pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do Processo nº 3878/15.0T8PRT deste mesmo Tribunal, “O Código da Estrada tem uma norma própria sobre reincidência e, por razões que bem se intuem (a necessidade de combater e evitar a sinistralidade rodoviária, a impraticabilidade e desnecessidade de submeter a verificação da reincidência a um juízo de rigor semelhante ao vigente na lei penal), a declaração de reincidência depende apenas das condições referidas naquele nº 1 do artigo 143º, com a consequência automática de os limites mínimos de duração da sanção acessória previstos para a respectiva contra-ordenação serem elevados para o dobro (nº 3 do citado normativo)”.
O nº 1 do artigo 141º do Código da Estrada dispõe que pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas (que, atendendo à personalidade do agente, às condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime (no caso, a infracção) e às circunstâncias deste, se conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão (no caso, da sanção acessória da inibição de conduzir) realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - artigo 50º, nº 1 do Código Penal) desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.
Nos termos do nº 2 do mesmo artigo e diploma legal, a suspensão pode ainda ser determinada, pelo período de seis meses a um ano, se o infractor não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contra-ordenação muito grave.
Por sua vez, de acordo com o nº 3 do citado preceito e diploma legal, a suspensão pode ainda ser determinada, pelo período de um a dois anos, se o infractor, nos últimos cinco anos, tiver praticado apenas uma contra-ordenação grave, devendo, neste caso, ser condicionada, singular ou cumulativamente: a) À prestação de caução de boa conduta; b) Ao cumprimento do dever de frequência de acções de formação, quando se trate de sanção acessória de inibição de conduzir; c) Ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros diplomas legais”.
Pressupostos para a aplicação da suspensão da execução da inibição de conduzir, são que não se trate de infracção muito grave e que o arguido não tenha sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contra-ordenação muito grave ou duas contra-ordenações graves.
Da factualidade provada, resulta, além do mais, que no âmbito destes autos praticou uma infracção muito grave.
Não estão, assim, verificados, os pressupostos para a dispensa da inibição de conduzir que lhe foi aplicada pela entidade administrativa nem para a aplicação ao arguido do instituto da suspensão da sua execução.
Conforme já salientamos, a decisão administrativa não padece de qualquer irregularidade ou nulidade.
Acresce, ainda, que o período de inibição de conduzir aplicado corresponde ao limite mínimo aplicável.
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a inibição de conduzir pelo período fixado de 120 (cento e vinte) dias.

V – DECISÃO:
Pelo exposto, julgo o presente recurso de contra-ordenação improcedente e, consequentemente:
Condeno o recorrente B…, pela prática da contra-ordenação, prevista e sancionada nos artigos 81º, nºs 1, 5 b) e 138º, 146º, j) e 147º, nº 2, todos do Código da Estrada, na sanção acessória de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 120 (cento e vinte) dias.”
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Atentas as conclusões do recurso, sendo as mesmas a delimitar o seu objecto, podemos assentar que a única questão colocada a este Tribunal – se bem se percebem as conclusões do recurso – é, tão-somente a de saber se a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância se mostra ferida de nulidade por ter deixado de conhecer questões que deveria ter conhecido ou se alicerçou a sua fundamentação em factos novos inexistentes na decisão administrativa recorrida.
Na verdade, alega e conclui o recorrente que primeira questão cuja apreciação se peticiona é o facto de a decisão administrativa referir – no ponto 7. - os elementos determinantes da medida da sanção constantes do artº 139º, mas apenas nomeia a circunstância agravante de o arguido ter averbado no seu cadastro um antecedente contra-ordenacional, tendo o Tribunal recorrido acrescentado que «do registo individual de condutor do arguido consta a prática em 27/08/2011, de uma contra-ordenação grave, decorrente da condução de veículo com excesso de velocidade (auto nº 906859018), na sequência do que lhe foi aplicada a inibição de conduzir pelo período de 30 dias, suspensa na sua execução por 180 dias, com o início em 06/09/2012 e termo em 05/03/2013».
Vejamos então.
A decisão administrativa veio a considerar o recorrente como reincidente pois, consta do seu cadastro de condutor o averbamento de contra-ordenação consubstanciada no auto nº 906859018, ocorrida em 27 de Agosto de 2011 – documento junto a fls. 5 dos autos
Ora, tal facto não é colocado em causa.
O que levou o recorrente a reagir foi não ter a decisão administrativa, indicado – como devia à luz do disposto no artigo 143º do CE – a data em que foram praticadas as infracções estradais registadas no cadastro do condutor, a data em que foram proferidas as respectivas decisões e o respectivo trânsito em julgado, as sanções aplicadas, o início e/ou termo da execução das mesmas.
Dispõe o artigo em causa o seguinte:
Artigo 143.º
Reincidência
1 - É sancionado como reincidente o infractor que cometa contra-ordenação cominada com sanção acessória, depois de ter sido condenado por outra contra-ordenação ao mesmo diploma legal ou seus regulamentos, praticada há menos de cinco anos e também sancionada com sanção acessória.
2 - No prazo previsto no número anterior não é contado o tempo durante o qual o infractor cumpriu a sanção acessória ou a proibição de conduzir, ou foi sujeito à interdição de concessão de título de condução.
3 - No caso de reincidência, os limites mínimos de duração da sanção acessória previstos para a respectiva contra-ordenação são elevados para o dobro
Ora, podemos concluir assim, atenta a qualificação da reincidência constante do artigo transcrito, que o recorrente, tendo cometido infracção estradal em 27 de Agosto de 2011, pela qual foi condenado, e tendo agora cometido nova infracção estradal, datada de 13 de Abril de 2013, estão verificados os pressupostos para essa mesma qualificação.
Do teor da decisão administrativa, não resulta que fosse ai expressamente referida a data da infracção anterior, limitando-se a fazer referência a esse facto e a dar notícia do número do auto.
Ora, o formalismo da decisão administrativa em sede contra-ordenacional deverá obedecer ao disposto no artigo 58º do RGCO, que, e na parte que agora nos interessa dispõe:
1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
A referência à reincidência do recorrente, com excepção da data da infracção anterior qualificativa dessa situação, mostra-se satisfeita, ai se referindo que: “o facto de o arguido ter averbado no seu registo de condutor 1 contra-ordenação grave – auto de contra-ordenação nº 906859018, praticada e sancionada nos últimos cinco anos, o que torna o arguido reincidente, nos termos do artigo 143º do Código da Estrada, implicando que o limite mínimo da sanção acessória aplicável seja elevado para o dobro…)”
Com o devido respeito, o formalismo da decisão administrativa em sede de apreciação contra-ordenacional, é diferente daquele que é exigido ao formalismo da decisão criminal, não sendo aplicável o disposto no artigo 379º do CPP, sendo uma decisão claramente administrativa é regida pelo próprio processo administrativo e deverá reger-se pelos seus princípios fundamentais, sendo certo que a referência à reincidência do recorrente revela-se devidamente aplicada e justificada atenta a factualidade constante dos autos.
Ou seja, dúvidas ninguém tem, nem o recorrente, que foi autor de infracção estradal anterior e cometida antes do decurso do prazo de 5 anos, contados da que agora cometeu, o que determina a sua reincidência, o que pretendia era que a decisão administrativa tivesse dito expressamente a data em que essa anterior infracção foi cometida e tivesse dai concluído pela necessidade da sua punição qualificada, o que, convenhamos, se revela uma exigência que ultrapassa o âmbito dos requisitos de fundamentação da decisão administrativa constantes do citado artigo 58º do RGCO, e que andam longe daqueles que se exige a uma sentença crime.
Por outro lado, nenhum direito de defesa do recorrente ficou afectado, e prova disso mesmo foi o facto de ter recorrido para o Tribunal de 1ª Instância que apreciou a questão e a julgou improcedente, tal qual agora este Tribunal o faz.
O recorrente é efectivamente reincidente e como tal foi, e bem, condenado.
O facto de o Tribunal de 1ª Instância ter descrito com maior rigor os factos que determinaram a reincidência, também, e com o devido respeito, não se afigura a apreciação de questão nova, ou de facto não constante da acusação, pelo que, dai, não pode o recorrente retirar a existência de nulidade nascida do conhecimento de questão que não podia conhecer.
A segunda questão colocada pelo recorrente no presente recurso consiste na apreciação da nulidade da decisão recorrida por falta de factos sobre o elemento subjectivo do ilícito contra-ordenacional
Na verdade, alega o recorrente que como resulta dos autos, a decisão administrativa e a decisão/sentença agora proferida, concluem que o arguido actuou com negligência.
Mas o tribunal recorrido não supriu uma omissão na decisão administrativa, que afecta a sua validade: a falta de factos sobre o elemento subjectivo do ilícito contra-ordenacional.
Ora, conforme resulta da decisão administrativa, o recorrente foi punido por infracção cometida a titulo de negligência, ai se tendo afirmado que: “Com a conduta descrita o arguido revelou desatenção e irreflectiva inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a conduta descrita nos autos é proibida e sancionada pela lei contraordenacional”.
A decisão proferida em sede de recurso, pelo Tribunal de 1ª Instância fixou factualmente que: “O arguido revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a conduta descrita nos autos é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.”
Ora, da factualidade fixada, facilmente se retira que o recorrente agiu negligentemente, nada nos permitindo concluir que a sua conduta fosse dolosa.
Quer a decisão administrativa – que como vimos não obedece estritamente ao rigor processual penal – quer a decisão do Tribunal de 1ª Instância, agora em apreço, preenchem a tipicidade subjectiva da infracção em causa com a revelação da negligência do recorrente, o que advém da subsunção factual a um comportamento humano expectável, sendo a conduta negligente aceite como verificada, pois se assim não fosse, outos elementos factuais teriam que ser assentes, o que não aconteceu, pelo que, e também nesta parte, se julga improcedente o recurso.

3 Decisão
Pelo exposto, julga-se não provido o recurso, mantendo-se nos seus precisos termos a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se taxa de justiça em 3 uc´s

Porto, 22 de Junho de 2016
Raul Esteves
Élia São Pedro