Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
208/14.1TTVFR-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: LEI DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS
CONTRATO DE TRABALHO
CONTA DE CORREIO ELETRÓNICO PROFISSIONAL COM UTILIZAÇÃO INDISTINTA
EMAIL
CONFIDENCIALIDADE DAS MENSAGENS
PROIBIÇÃO DE UTILIZAÇÃO DE CONTA DE CORREIO ELETRÓNICO PESSOAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
DECLARAÇÕES DE PARTE
Nº do Documento: RP20161215208/14.1TTVFR-D.P1
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO E PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 249, FLS.246-292)
Área Temática: .
Sumário: I - A recolha e tratamento de dados relativos a correio eletrónico (emails, anexos e dados de tráfego) está sujeita à tutela da Lei 67/98, bem como da Lei 41/2004.
II - O conteúdo dos emails enviados ou rececionados pelo trabalhador, quer de conta de correio pessoal, quer de conta de correio profissional que tenham natureza pessoal/extraprofissional, estão abrangidos pela tutela dos direitos à privacidade e à confidencialidade das mensagens conferida pela CRP e pelo CT/2009.
III - Sendo disponibilizado ao trabalhador conta de correio eletrónico profissional, mas sem definição de regras quanto à sua utilização, mormente sem que seja proibida a sua utilização para efeitos pessoais (arts. 22º, nº 2, e 106º, nº 1, do CT/2009), não pode o empregador aceder ao conteúdo dos emails, e dos seus anexos, enviados ou rececionados nessa conta, mesmo que não estejam marcados como pessoais ou dos seus dados externos não resulte que sejam pessoais.
IV - Pelo menos nas situações em que o empregador, ao abrigo do disposto nos citados arts. 22º, nº 2, e 106º, nº 1, não haja regulamentado e proibido a utilização de contas de correio eletrónico pessoais, o controlo dos dados de tráfego dos emails enviados ou rececionados em tais contas é sempre inadmissível.
V - No que se reporta a contas de correio eletrónico profissionais com utilização indistinta para fins profissionais e pessoais, o empregador pode tomar conhecimento da data e hora do envio do email, dos dados externos dos anexos (que não do seu conteúdo), mas não do remetente e/ou destinatário do email que seja terceiro.
VI - Em qualquer caso, o acesso e tratamento de correio eletrónico (emails, anexos e dados de tráfego) pelo empregador tem que observar os princípios consagrados na Lei 67/98, designadamente os princípios da finalidade, da transparência e da notificação da CNPD.
VII - A violação da proibição de recolha e utilização dos dados de correio eletrónico (conteúdo dos emails, anexos e dados de tráfego) e/ou dos princípios previstos na Lei 67/98 determina a nulidade da prova obtida por via dessa recolha, bem como da que assente, direta ou indiretamente, no conhecimento adveniente dessa prova nula.
VIII - O art. 466º do CPC/2013 veio consagrar, como meio de prova, as declarações de parte, não estando a admissibilidade da produção desse meio de prova sujeito a um juízo de prognose, por parte do juiz, da sua utilidade.
IX - A parte pode requerer, nos termos do citado preceito, as suas declarações de parte à matéria do processo em que é parte, mas não já à matéria do processo (apenso) em que o requerente não é parte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 208/14.1TTVFR-D.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 928)
Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas
Des. Nelson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
B… e C… (de ora em diante designados por Autores) intentaram contra D…, Ldª (de ora diante designada por Ré) ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento de que foram alvo, havendo a intentada pelo segundo sido apensa à do primeiro.

A Ré apresentou articulados motivadores dos despedimentos (fls. 6 a 23, quanto ao A. B…, e 497 a 512, quanto ao A. C…) imputando-lhes em síntese:
Ao A. C…, o ter tratado, em horário de trabalho, de vários assuntos pessoais, designadamente de descobertos bancários, processos de execução em nome da sua esposa e da empresa E…, Unipessoal, Ldª, cujo único sócio gerente é o pai do A. C…, de impostos pessoais, das férias familiares e da negociação de carros, tendo recebido e enviado inúmeros emails pessoais; de, em conluio com o A. B…, ter exercido atividade particular, extraprofissional, durante o período laboral e concorrente com a da Ré, em proveito próprio ou de terceiros, designadamente de E…, Unipessoal, Ldª, bem como o furto de bens da Ré em prol da referida atividade extraprofissional, referindo para tanto e designadamente:
- a gestão da empresa do seu pai a partir das instalações da sua empregadora, usando computadores, impressoras, programas informáticos, telefones, telecópias, internet, viaturas, matérias-primas e subsidiárias, papel, moldes, formas, ferramentas, máquinas e horas de trabalho suas e de outros trabalhadores da empresa;
- no computador da empresa, para além da conta profissional que a ré lhe atribuiu (C@D1….com), o A, configurou e utilizou diversas outras contas (E@F….com, comercial@F....com, encomendas@F....com, G…@F....com, geral@F....com e C…@F….com.);
- “de 2008 até 6 de Janeiro de 2014, data em que foi suspenso preventivamente, recebeu e emitiu milhares de emails, a maioria dos quais durante o horário normal de trabalho, como se documenta a fls. 14 e segs. do PD. Em concreto:
0- Assuntos pessoais: durante o horário normal de trabalho e usando os meios da empresa, tratou de inúmeros assuntos pessoais, nomeadamente de descobertos bancários (só entre 19/12/2013 e 6/1/2014, recebeu 19 emails de descoberto bancário do H…), de processos de execução em nome da sua esposa G… da I… e da Segurança Social, de processos de execução de E…, Unipessoal, Lda, dos impostos pessoais, das férias familiares, da negociação de carros usados tais como um Mercedes …. ou um Jaguar .-…, tendo desde 2008 recebido e enviado inúmeros emails pessoais; na secretária que usava na empregadora foram encontradas pastas com alguns documentos dos negócios que dirigia a partir da empregadora, incluindo cartões-de-visita de E…, Unipessoal, Lda.
1- Na conta C…@F….com desenvolveu intensa atividade profissional em proveito próprio, em nome da empresa E…, Unip., Lda, nomeadamente realizando contactos frequentes com agentes, clientes, fornecedores, Técnico Oficial de Contas, Bancos, entidades públicas e outras. Só desta conta e no período de 19/5/2011 a 4/1/2014 foram recebidos 2.232 emails e no período de 15/10/2010 até 4/1/2014 enviados 1.336 emails, sendo que a este número acrescem os emails que foram apagados.
2- Fornecedores: pelo menos desde 2008, o trabalhador C… efetuou contactos regulares e crescentemente mais intensos com fornecedores diversificados, de formas, sacos, fechos, diversos tipos de solas, caixas, subcontratados, transportadores e transitários, de palmilhas, peles, tecidos, de grifagem e etiquetas. Esses contactos eram a maioria das vezes efetuados durante o horário normal de trabalho, mas também fora desse horário incluindo sábados e domingos uma vez que lhe estavam confiadas as chaves da fábrica. Segue-se discriminação com uma amostragem comprovativa dessa intensidade e diversidade de contactos:”, reportando-se nos pontos 2.1. a 2.28. a diversas requisições de bens (solas de sapatos, etiquetas, caixas) a fornecedores relativas a clientes seus (do A. ou da referida empresa, não da Ré) solicitando informações, pedidos de faturas e comprovativos de pagamento, e reportando-se aos emails enviados e recebidos para tanto;
- “3. Clientes”, indicando nos pontos 3. a 3.7, vendas efetuadas pelo A, respetivos clientes (seus), faturas, montantes, sendo parte delas relativas a calçado de senhora similar ao produzido pela Ré;
- “4. Clientes”: indicando nos pontos 4 a 4.11., contactos do A. com agentes desenvolvendo atividade concorrente para a empresa E…, Unipessoal, Ldª (referindo número de email enviados) e “conforme pode ser comprovado” pelos email e faturas que indica; envio de email propondo-se desenvolver vários modelos na referida empresa, contando com a colaboração do A. B…; remessa e receção de diversos emails, que indica, a agentes, relativos a diversas questões (informações, justificação de atrasos, questões técnicas, envio de amostras);
“5. Venda de calçado que furtou da Ré”, indicando nos pontos 5.1. a 5.41.: tentativas de venda “através da internet no sítio da “solostocks” onde se tinha registado sob a designação comercial de F…, calçado que furtava da empregadora. Entre 11/11/2008 e 28/10/2009, teve inúmeros contactos por email com pelo menos 20 potenciais interessados alguns dos quais de nacionalidade espanhola, remetendo sucessivas listagens do calçado que se propunha vender, incluindo fotografias dos modelos e indicando quantidades e preços”; entidades contactadas, vendas efetuadas, valores, e contactos por email para pagamento; emails enviados a determinados clientes referentes, designadamente, a encomendas e vendas; envio de ficheiros de listagens de calçado da Ré, mas que se propunha vender e vendeu a clientes que não eram da Ré; furto de cartões de calçado, clientes e entidades para quem foram expedidos, valor dos bens, despesas de transporte que foram suportadas pela Ré, trocas de emails referentes, designadamente, a pedidos de informação, fotografias, amostras, data e local da entrega (“armazéns Abreu”), custos da transportadora (“Tema Transportes” e outra) e ficheiros;”.
Mais refere que foram encontradas na sua (do A. C…) secretária pastas com documentos dos negócios que dirigia a partir da Ré, incluindo cartões de visita da empresa “E…”.
Relativamente ao A. B…, e em síntese: invoca também a factualidade descrita quanto ao A. C…; mais diz que: “6.1. O trabalhador B…, para além de colaborar com o trabalhador C…, na retirada de matérias-primas (ainda em dezembro de 2013 subtraiu um pacote de pele anix preto do fornecedor J…, de 68 pés e 25) e de produtos acabados e stocks da empregadora, ajudava na empresa do pai do C… levando meios e materiais de produção, desde cortantes, matrizes e formas a ilhós e moldes em cartão (caso do modelo 628, que levou para desenvolver fora, para a empresa do pai do C…, e os moldes das palmilhas 132 e 148).
6.2. Além disso, o trabalhador B… efetuava encomendas a partir do seu posto de trabalho e durante o horário normal de trabalho, destinadas à E…, Unipessoal, Lda, bem como recebia na empregadora correspondência e materiais dirigidos a essa empresa, que depois encaminhava para a destinatária, por si, na viatura da empregadora, ou pelo C….
Refere ainda, relativamente a ambos os AA., que toda essa atividade foi possível porque o trabalhador C… e o colega B… controlavam o processo produtivo, as compras, as vendas, os inventários/stocks e respetivos registos, as cargas do produto acabado, o processamento dos documentos e contactos com clientes e fornecedores, pelo que, atuando em conluio, puderam praticar os atos descritos sem o conhecimento da gerência, todos os atos descritos configuram o exercício de uma atividade particular, extraprofissional e concorrente, irregular, em paralelo com o desempenho de funções que tinha na empregadora e com ela incompatível, em proveito próprio e ou de outrem, em conluio com o colega B….
Juntou os procedimentos disciplinares dos quais consta inúmera documentação (fls. 41º vº a 145º vº, 148 a 235º vº, 237 a 423 vº, 425 vº a 427 junta com o articulado motivador do despedimento do A. B… e repetida a fls. 533 vº, junta com o articulado motivador do despedimento do A. C…) alegadamente comprovativa do invocado e em que se sustentaram as notas de culpa.
Arrolou 10 testemunhas, entre as quais K….

Os AA. contestaram (fls. 10121 a 1028, quanto ao A. B… e fls. 1037 a 1050, quanto ao A. C…), havendo o A. C… invocado a nulidade da prova documental que indica ao abrigo do direito à confidencialidade e privacidade, para tanto alegando, em síntese, que: grande parte da prova produzida em sede de procedimento disciplinar, designadamente de exercício de atividade concorrencial, assenta na reprodução de inúmeros emails, alegadamente emitidos ou recebidos através de uma conta pessoal do A. que estava configurada no gestor de correio eletrónico existente no computador que lhe estava adstrito na empresa e na reprodução mecânica de ficheiros que estariam alojados no computador referentes à empresa E…, Unipessoal, Ldª, designadamente faturas, pagamentos, resumos de movimentos; a R. nunca estabeleceu quaisquer regras para a utilização de meios de comunicação na empresa, nem nunca fez reparo a essa utilização por parte do A., sempre sabendo que este usava esses meios, esporadicamente, para fins pessoais; não obstante, acedeu, reproduziu e usou, em sede de procedimento disciplinar, essa informação, incluindo faturas, documentos de pagamentos e resumos contabilísticos que saber pertencerem à empresa E…, Unipessoal, Ldª; no próprio âmbito do processo criminal o acesso às comunicações e seu conteúdo é muito restrito e apenas pode ser usado com prévia autorização de um juiz; a mencionada utilização viola a reserva da vida privada do A. e constitui prova nula (arts. 32º, nº 8, e 34º da CRP); deverá, assim, desconsiderar-se e ordenar-se o desentranhamento dos documentos juntos ao procedimento disciplinar que indica.
Os AA. deduziram também pedido reconvencional.
Arrolaram testemunhas, havendo o A. B… arrolado como testemunha o A. C… e vice-versa.

A Ré respondeu (cfls. 1067 a 1069), designadamente à alegada nulidade da prova, referindo, para além, do mais, que o A. C… utilizava um computador da empresa sem palavra passe, em que existia um arquivo informático de informação profissional, no qual foram encontradas mensagens de correio eletrónico, parte numa pasta designada “…” e parte noutra com o nome “…”, ambas sem palavra passe, para além de que na documentação existente no seu posto de trabalho o trabalhador mantinha cópia de mensagens e que ainda estão a ser encontrados e mails avulsos nas gavetas da sua secretária e na pilha de documentos que tinha na mesa e no chão.
Respondeu também à reconvenção.
Para além de 3 documentos que juntou, “aditou” uma testemunha ao seu rol.

Aos 20.10.2014, foi proferido o despacho de fls. 1084 a 1086, no qual, para além do mais:
Sobre a alegada nulidade da prova documental, referiu o seguinte: Veio ainda o autor C…, em sede de contestação no apenso A, invocar a excepção da nulidade da prova ao abrigo do disposto no artigo 22º do Código do Trabalho. Isto porque grande parte da prova produzida em sede de procedimento disciplinar movido àquele, designadamente no exercício de uma actividade concorrencial paralela assenta na reprodução mecânica de inúmeros emails alegadamente emitidos ou recebidos através de uma conta pessoal do aqui autor, que estava configurada no gestor de correio electrónico existente no computador que lhe estava adstrito na empresa. E também na reprodução mecânica de ficheiros que estariam alojados nesse computador referentes à empresa «E… Unipessoal Lda.». Pelo que requer que sejam desentranhados os documentos de folhas 21 a 92, 96 a 253. Responde a ré que para além de não estarem em causa mensagens de natureza pessoal do autor certo é que os documentos de suporte de tais mensagens foram encontrados na secretária do trabalhador e não alojados no computador, sendo que o mesmo mantinha cópias das mensagens junto da documentação existente no posto de trabalho. Sendo certo que a factualidade invocada para a apreciação da excepção ora em causa é controvertida decide-se remeter para final a sua apreciação”. A Mmª. Juiz a quo ainda nesse despacho admitiu o depoimento de parte dos autores “ao artigo 2 da motivação da ré, sem prejuízo dos limites impostos pelo artigo 554º, nº1 e 2 do CPC” e indeferiu o depoimento de C… como testemunha por o mesmo “sendo parte não poderá depor nessa qualidade.”

Os AA. recorreram de tal despacho, na parte relativa ao diferimento, para final, do conhecimento da nulidade da prova documental, na sequência do que veio, aos 16.12.2015, a ser proferido por esta Relação o acórdão de fls. 1092 a 1097, no qual se decidiu julgar “a apelação procedente, se revoga o despacho recorrido na parte em que indeferiu o pedido formulado a folhas 769 pelos Autores, concretamente no que respeita ao requerimento por eles apresentado no sentido de que os seus depoimentos, no que se refere ao confronto com os documentos, sejam relegados para momento posterior, a ocorrer apenas após a decisão da invocada excepção de nulidade, e se substitui pelo presente acórdão, determinando-se que o depoimento de parte dos Autores, enquanto não for decidida a excepção de nulidade, não poderá incidir sobre meios de prova cuja nulidade invocaram.”.

Realizaram-se diversas sessões da audiência de discussão e julgamento (designadamente, aos 30.01.2015, 11.04.2016, 18.04.2016, 20.04.2016, 29.04.2016, 4.05.2016, 12.05.2016, 13.05.2016, 18.05.2016, 19.05.2016, 13.06.2016, 17.06.2016, 21.06.2016, 29.06.2016, 05.07.2016, 11.07.2016).

Aos 13.05.2016 (fls. 985 a 992), a Ré, alegando que a testemunha nº 7, K…, emigrou para o estrangeiro e que não prescinde da mesma, veio, invocando o art. 508º, nº 3, b), do CPC, requerer a substituição dessa testemunha pelas cinco testemunhas que identifica a fls. 986 vº.
Aos 01.06.2016, a Mmª Juíza proferiu o despacho de fls. 996, indeferindo, atento o art. 63º do CPT, “os aditamentos de testemunhas requeridos dada a sua extemporaneidade na medida em que a audiência se encontra em curso” e “Quanto ao pedido de substituição de testemunhas deve o requerente indicar qual a testemunha que a vem substituir de entre o rol que enumera no seu requerimento (…)”.
Em tal sequência, veio a Ré, aos 09.06.2016 (fls. 494 a 496) referir que: o que foi expressamente pedido foi, ao abrigo do art. 508º, nº 3, b), do CPC, a substituição de uma testemunha por cinco testemunhas, não tendo sido feito qualquer aditamento ao rol; a substituição de uma testemunha pode sê-lo por mais do que uma, como foi pedido, sendo que a lei não estabelece qualquer limitação, pois que a única limitação é a que decorre do prazo do depoimento previsto no art. 510º do CPC e do limite do art. 511º.
E, sobre tal requerimento foi, na sessão da audiência de julgamento de 17.06.2016 proferido o seguinte despacho (fls. 998/999): “Considera-se efetivamente que estão preenchidos os pressupostos legais para que a substituição ocorra no que toca à testemunha impedida e constante do rol da Motivação do empregador, no entanto, e não obstante a lei não ressalvar o número de testemunhas que podem substituir a impedida, certo é que o disposto no artigo 64º do Código de Processo de trabalho dispõe que o número máximo de testemunhas é de dez. Assim sendo, a substituição apenas poderá ser feita por uma única testemunha, uma vez que se assim não for ultrapassará o limite legal.”.

Inconformada, a Ré veio recorrer (fls. 1 a 3), tendo formulado, a final das suas alegações, a seguinte e única conclusão:
“Única: O despacho recorrido, admitindo embora a possibilidade de substituição da testemunha pelas cinco que foram indicadas, deferiu a substituição apenas por uma, com o
fundamento de o limite legal de testemunhas ser o do nº 1 do artº 64º do CPT, o que não é
correto, pois desconsiderou a existência de reconvenção e a aplicabilidade do nº 2 daquela
norma.”

Não consta dos autos que os AA. tenham contra-alegado.

Na sequência do já acima mencionado Acórdão desta Relação, foi, aos 04.07.2016, proferido pela Mmª Juíza a quo o despacho de fls. 1075 a 1079 (repetido a fls. 1116 a 1118), no qual se refere o seguinte:
“Está ainda pendente a questão colocada pelos autores no que toca à natureza ilícita da prova documental consubstanciada nos inúmeros emails pessoais e documentação relativa à empresa E… Unipessoal Lda, solicitando os mesmos o desentranhamento dos documentos cuja numeração identifica por referência ao processo disciplinar, conforme resulta de fls. 770 dos autos principais (abrangendo este a enumeração da documentação inserta no requerimento que o antecedeu quanto à mesma matéria”.
A decisão de tal questão está directamente ligada à decisão sobre o âmbito da matéria sobre a qual versarão os depoimentos de parte dos autores, os quais indicados à matéria do artigo 2 de ambos os articulados de Motivação pois que abrange o teor da supra identificada documentação.
(…)
Ainda no que toca a emails pessoais, isto é, àqueles emails cujas mensagens estão marcadas como pessoais ou, não o estando, o teor dos dados externos permitem deduzir que não se referem a mensagens profissionais, isto é relacionadas com a estrutura, organização ou atividade da empregadora, refere a mesma autora[1] que “Nestes casos as mensagens estão protegidas pelo direito ao sigilo das comunicações nos termos constitucionais e também pelo art. 22º do C.T. sendo assim, invioláveis. O empregador não pode controlar o conteúdo destas mensagens (…)”.
E na senda do acima expendido encontramos o Ac. Do STJ de 05.07.2007, segundo o qual “a falta de referência prévia, expressa e formal da pessoalidade da mensagem não afasta a tutela prevista no art. 21º, nº 1 do C.T” razão pela qual a autora acima identificada, concordando este tribunal com a mesma, que “Mesmo que aparentemente pareçam profissionais, se o empregador as visualizar e notar que são pessoais, tem a obrigação de não as divulgar a terceiros e parar a leitura…”. Conduta esta que igualmente deverá ser adotada perante suporte físico das referidas mensagens.
(…)
Situação diferente e a do controlo por parte do empregador dos dados externos das mensagens através de email, dados estes que permitem por si só visualizar se os trabalhadores estão a utilizar correctamente ou não os meios de comunicações que aqueles lhes disponibilizou.
Na defesa desta posição encontramos o teor da Directiva 2002/58/CE que no seu art. 6º nº 2 dispõe que “podem ser tratados dados de tráfego necessários para efeitos de facturação dos assinantes e de pagamento das interligações” (Lei nº 41/2004 de 18.08 transpôs aquela directiva para o ordenamento jurídico português.
(…)
E neste quadro “o empregador tem ao seu dispor, sem chegar a vulnerar um direito fundamental … meio jurídico suficiente para controlar e sancionar o comportamento indevido do trabalhador … (ob. Citada). E desta forma aceder a informação como a identidade dos remetentes e dos destinatários das mensagens, dos assuntos, do tipo de anexos e seu tamanho, número de mensagens enviadas e recebidas e tempo de permanência na rede. Sendo admissível que tais dados venham a ser suficientes para se concluir ou não por uma utilização inadequada ou abusiva das ferramentas de trabalho da empresa.
De todo o exposto resulta necessariamente a conclusão de que o conteúdo (e já não os dados de tráfego) das mensagens obtidas com acesso aos emails dos autores ou de terceiros referentes a conta de correio electrónico diversa daquela que o empregador colocou à disposição do trabalhador, quer enviadas quer recepcionadas por estes, quer de mensagens referentes a conta de emails da identificada empresa “E… Unipessoal Ldª”, as quais alheias à actividade profissional destes no quadro da ré, é prova ilícita em sede de jurisdição laboral, por violação do art.º 22 do C.T. e art.º 34 da CRP, pelo que não poderá ser atendida pelo tribunal.
Quanto aos conteúdos dos emails enviados ou rececionados nas contas profissionais dos autores (conta de correio electrónico que o empregador colocou à disposição do trabalhador) são estes susceptíveis de apreciação por este tribunal desde que as mensagens não estejam marcadas como pessoais e do seu conteúdo não resulte óbvia a natureza pessoal das mesmas.
Face ao supra exposto, e no que se refere à documentação encontrada nas instalações da ré, quer em suporte físico quer em suporte informático, indefere-se o solicitado desentranhamento dos documentos que abranjam dados de tráfego referente às contas de emails identificadas em sede de motivação, nomeadamente as referentes à empresa E… e a G…, os quais valerão apenas como meio de prova relativamente àqueles dados, pois que, apenas quanto a estes dados é admissível a prestação de depoimento de parte pelos autores e apenas quanto aos mesmos será valorizada a prova testemunhal.
No que se refere à documentação que não se traduz em emails mas outro tipo de documentação (guias de transporte, facturas, requisições, listagens, fotografias, mapas, etc) que foi encontrada nas pastas constantes do disco rígido e no software dos computadores afectos aos autores, e cujo acesso não estava limitado por qualquer palavra passe, e porque, não são «per se», dizeres de mensagem, documentos esses encontrados nas instalações da ré e/ou no suporte informático propriedade da mesma, conclui-se que não são prova ilícita e por isso mesmo deverão manter-se nos autos para apreciação em sede de decisão final, nomeadamente podendo a informação dos mesmos ser cruzada com a que resulta da apreciação da demais prova.
No demais, isto é, no que toca ao conteúdo do corpo da mensagem constante dos emails enviados ou recebidos pelos autores por referência às contas indicadas na motivação, tendo as mesmas natureza pessoal ou não profissional, não poderá esse corpo de mensagem ser considerado porque prova ilícita.
No entanto, e porque os dados de tráfego das mesmas continuam acessíveis para apreciação nos termos supra determinados, indefere-se o solicitado desentranhamento dos autos.
Atendendo ao teor ora determinado conclui-se que o depoimento de parte dos autores será prestado atendendo às restrições que resultam do supra exposto quanto ao que deve ser considerado prova ilícita.”.

Inconformados com o mencionado despacho de 04.07.2016, os AA. vieram recorrer, arguindo no requerimento de interposição do recurso, nulidades do mesmo (art. 615º, nº 1, als. b) e d), do CPC/2013) e tendo formulado as seguintes conclusões:
No que toca à arguição de nulidades do despacho recorrido:
“I. No Douto Despacho pode ler-se que: “no que se refere à documentação que não se traduz em emails mas outro tipo de documentação (…) que foi encontrada nas pastas constantes do disco rígido e no software dos computadores afectos aos autores, e cujo acesso não estava limitado por qualquer palavra passe, e porque, não são «per se», dizeres de mensagem, documentos esses encontrados nas instalações da ré e/ou no suporte informático propriedade da mesma, conclui-se que não são prova ilícita (…)”.
II. Data venia, tal consubstancia decisão sobre matéria de facto, que era (pelo menos até à prolação deste douto despacho) controvertida nos autos.
III. Inexiste qualquer referência, no articulado motivador e decisão de despedimento da Recorrida, que sustente a tese que tais documentos foram encontrados noutro suporte que não o de acesso directo às contas de e-mail dos Recorrentes.
IV. Os Recorrentes arguiram a nulidade de tal prova – tal como decorre dos artigos 1 a 18 da sua Contestação.
V. A Recorrida, na Resposta por si apresentada acaba por alegar que nem todos os documentos tinham obtidos via e-mail, que existiam duas pastas designadas “Mob” e “Backup” alojadas no computador, sem palavra passe, e, bem assim, que “ainda agora estão a ser encontrados emails avulsos nas gavetas da sua secretária e na pilha de documentos que tinha na mesa e no chão” – artigos 10.º e 14.º e 15.º da Resposta.
VI. Independentemente de tal alegação em sede de Resposta da Recorrida, a mesma, atentas as especialidades dos presentes autos e sua forma processual, “apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador” – artigo 98.º-J, do C.P.T.
VII. Deste modo, a Meritíssima Juiz a quo nunca poderia considerar tais factos – documentos existentes em suporte físico, ou nas pastas do computador – por não terem sido, legítima e tempestivamente, alegados em sede própria. Ou, então, tê-los-ia que considerar, em decorrência, por não provados.
VIII. Por mera cautela de patrocínio, sempre se diga que, ainda que assim não fosse, tal factualidade encontrar-se-ia, in extremis e sem conceder, controvertida.
IX. Deste passo, se tal matéria não se encontrava, pelo menos à data do douto despacho, assente, devia, por tal motivo, ser alvo de prova e, a final, análise por parte do Meritíssimo Tribunal a quo para, nos termos da convicção fundamentada que viesse a formar, se considerar (ou não) provada.
X. Do douto despacho não se descortina qualquer fundamentação que permita compreender quais os fundamentos e qual a prova produzida que permitiu ao Meritíssimo Tribunal obter a conclusão a que chegou. Data venia, tal decisão é, ainda, extemporânea, porquanto a fase instrutória ainda não findou e tal factualidade poderá, também, vir a ser infirmada pela prova que ainda se vier a produzir.
XI. Ao arrepio, do mesmo passo, do disposto nos artigos 607.º, 613.º, nº 3 e 615.º, n.º 1, alínea b) do C.P.C., aplicáveis ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do C.P.T., que determina que enferma de nulidade a sentença/despacho que não especifique os fundamentos da decisão.
XII. Desta feita e à partida, enferma o douto despacho de nulidade, tendo violado as disposições imediatamente supra citadas, a qual aqui expressamente se argui para todos os devidos e legais efeitos.
XIII. Por outro lado, entendem os Recorrentes, data venia, que o Douto Despacho recorrido está ferido de nulidade, por omissão de pronúncia – nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), aplicável por via do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do C.P.T.
XIV. Os Recorrentes, além de arguirem em sede de Contestação a nulidade daqueles documentos, em si mesmos e no seu modo de obtenção, concluíram que a sua reprodução/citação (em sede de processo disciplinar – decisão de despedimento) se encontrava, de igual modo, eivada de nulidade.
XV. Sendo, também, nula a sua reprodução/citação no articulado motivador e produção de qualquer outra prova, directa ou indirecta, quanto aos factos contidos naqueles documentos.
XVI. O douto despacho recorrido, por seu lado, ao admitir, por lícitos, determinados documentos admite, por via de lógica, a sua reprodução e produção de outra prova por confronto com aqueles – decorrendo tal, pelo menos, tacitamente da douta decisão em crise.
XVII. Contudo, no que tange aos emails pessoais/extraprofissionais entendeu-se ali que apenas os dados de tráfego configuram prova lícita e já não o seu conteúdo.
XVIII. Assim, impunha-se, salvo opinião de maior acerto, que o Douto Despacho recorrido se pronunciasse sobre a licitude de reprodução/citação (em sede de processo disciplinar e articulado motivador) do conteúdo desses documentos.
XIX. Porquanto, se o conteúdo dos emails pessoais ou extraprofissionais configura prova ilícita, a reprodução/citação daqueles factos e do seu teor no articulado motivador e na decisão de despedimento é, de igual passo e por maioria de razão, ilícita, devendo ter-se por não escrita (sob cominação de subvertemos a Lei e a sua ratio).
XX. Ao não determinar, em consequência, o desentranhamento de tais factos/alegações dos autos (ou, assim não o entendendo, pronunciando-se fundamentadamente pela sua manutenção), omite o Douto Despacho pronúncia sobre questões essenciais que não poderia ter deixado de conhecer – o que, como já expressamente arguido, configura nulidade do mesmo.
XXI. O douto despacho violou, deste modo, os artigos 98.º-J, do C.P.T., 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) e 607.º, n.º 4, ambos do do C.P.C., aplicáveis por via do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do C.P.T.
Nestes termos e nos melhores de Direito devem as nulidades arguidas ser declaradas, com todas as legais consequências.”
No que toca às conclusões das alegações de recurso:
“I. Os Recorrentes dão aqui por reproduzidas, brevitatis causae, as suas conclusões no que interessa à arguição de nulidades de sentença.
II. O Douto Despacho ora recorrido consubstancia decisão sobre a (i)licitude de meio de prova, nomeadamente sobre a validade, para efeitos probatórios, dos documentos juntos pela R. ao seu Articulado Motivador e Resposta, todos melhor identificados nas Alegações que antecedem e que, pela sua extensão e por razões de economia, consideramos aqui reproduzidos.
III. Tais documentos reportam-se a e-mails, respectivos anexos, ou informações guardadas no disco rígido do computador, ou obtidas através da conta “Outlook”, software utilizado pelo Recorrente C… para a gestão das suas diversas contas de correio electrónico (entre as quais, a que a R. havia criado e disponibilizado para o mesmo).
IV. A ilicitude da utilização dos e-mails, respectivos dados de tráfego, bem como dos documentos anexos àqueles primeiros, verifica-se independentemente da distinção (ou distinções) que entre eles se faça(m).
V. Numa primeira linha, porque competia à Recorrida fazer prova de que tais meios de prova haviam sido obtidos de forma lícita e regular e, até, que tal prova era, em si mesma, lícita - vide, mutatis mutandis, Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 17/12/2014, disponível em dgsi.pt.
VI. O que, além de não ter acontecido, não decorre, igualmente, do douto despacho recorrido.
VII. Não obstante, tal matéria (da licitude na obtenção e da prova em si) não foi, sequer, alegada em sede própria (decisão de despedimento, ou articulado motivador), mas apenas em sede de Resposta (da Recorrida), na qual esta refere ter encontrado alguns dos emails em pastas do disco rígido do computador, ou impressos/suporte físico.
VIII. Ora, atentas as especialidades dos presentes autos e sua forma processual, a Recorrida “apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador” – artigo 98.º-J, do C.P.T.
IX. Pelo que aquela alegação (em sede de resposta) é extemporânea e processualmente impossível e, por esses mesmos motivos, não merece qualquer atendimento.
X. Sem prescindir, nota-se que o direito à privacidade é um corolário da própria dignidade da pessoa humana, a qual é o bastião da nossa Lei Fundamental, da D.U.D.H., da C.E.D.H. e, particularmente, do próprio ius cogens.
XI. Invocam-se, a este título e ab initio, os artigos 26.º, n.º 1, 32.º, n.º 8, 34.º, nrs.º 1 e 4 e 35.º, n.º 8, todos da Constituição da República Portuguesa. Bem assim, os artigos 12.º e 8.º, da D.U.D.H. e da C.E.D.H, respectivamente. E, por fim, os artigos 16.º, 17.º, 21.º e 22.º do C.T., os artigos 80.º e outros decorrentes do artigo 70.º do C.C. e o artigo 4.º, entre outros, da Lei 41/2004 e suas sucessivas alterações.
XII. Os preceitos legais evocados determinam, enquanto Direitos Fundamentais, o direito à reserva da vida privada e à protecção da correspondência e comunicações dos cidadãos, comportando tal conceito, na esteira da melhor Jurisprudência Nacional e Comunitária (citada em sede de Alegações), as mensagens de correio electrónico – orientação, também, doutrinalmente pacífica.
XIII. A este propósito refere Teresa Coelho Moreira: “o e-mail, enquanto processo de comunicação, é perfeitamente assimilável aos outros tipos de comunicação clássicos (…) pressupondo por parte dos intervenientes uma razoável expectativa de segredo (…) protegido pelo direito ao sigilo das comunicações. A vulneração (…) para além de supor a lesão de um direito fundamental, (…) tem uma repercussão directa tanto na dignidade da pessoa como no livre desenvolvimento da sua personalidade. O artigo 34.º da CRP aplica-se ao e-mail, sendo que se trata de um direito inviolável, existindo uma proibição de ingerência nos meios de comunicação. A garantia prevista legalmente é bastante ampla (…) [e] a protecção que é dada por lei a este direito é formal na medida em que o sigilo impende sobre a comunicação, independentemente do seu conteúdo ser privado ou não. A protecção prevista neste artigo abrange não só o conteúdo da comunicação como o seu tráfego e engloba também os anexos dos e-mails.” – vide citação completa e indicação da obra nas Alegações que antecedem.
XIV. E, no mesmo sentido, Sónia Kietzman Lopes: “considerando o conceito amplo empregue pelo legislador, incluir-se-ão nesta norma [artigo 22.º do C.T.] designadamente o correio electrónico (…) Autorizada que tenha sido a utilização para fins pessoais (ou não tendo esta sido interdita), está vedado à entidade empregadora inteirar-se ou difundir o conteúdo das mensagens de natureza pessoal ou os acessos levados a cabo pelo trabalhador com carácter extra profissional (o que significa, também, que ainda que o empregador tenha, por qualquer motivo, acesso a tal conteúdo, não o poderá fazer valer contra o trabalhador, v.g. em sede de procedimento disciplinar (…).” – vide citação completa e indicação da obra nas Alegações que antecedem.
XV. Contudo, no caso vertente, o douto despacho recorrido distingue os documentos juntos aos autos, subdividindo-os em: emails da conta fornecida pela Recorrida; emails enviados através de outras contas pessoais (ou extraprofissionais); dados de tráfego dos emails de ambas as contas de email.
XVI. Esta distinção, salvo o devido respeito, não releva no caso em apreço, desde logo, porque inexistia, até à data do despedimento dos Recorrentes, qualquer política, regulamento, carta de boa conduta, circular, ou qualquer tipo de instrução – expressa ou tácita, mais ou menos clara – que restringisse ou regulasse a utilização de correio electrónico. Seja por referência à conta profissional, seja por reporte às demais.
XVII. Conclui-se, deste passo, que sai prejudicada a utilidade virtual de tal diferenciação, pois que a definição prévia de regras claras sobre a utilização de email e o modo de operar a correspondente fiscalização é pressuposto para que a entidade empregadora estivesse habilitada a controlar e fiscalizar aquelas comunicações.
XVIII. “No caso de não existir uma política clara sobre a utilização destes meios (…) parece-nos que o e-mail estará protegido pelo direito ao sigilo das comunicações gozando, em princípio, da inviolabilidade. O empregador não pode aceder ao mesmo, nem aos ficheiros dos trabalhadores de forma indiscriminada nem com fins preventivos para controlar ou assegurar o seu bom uso. Se o fizer estará a violar os artigos 34.º da CRP e 22.º do CT.” – cf. Teresa Coelho Moreira, obra citada em sede de alegações.
XIX. Aquela autora, que novamente se secunda, refere que apenas a definição clara de tais regras – ajustadas ao princípio da proporcionalidade em sentido lato – e o seu conhecimento por parte dos trabalhadores, permite respeitar os princípios da informação e publicidade.
XX. Estamos no campo de Direitos Fundamentais, nomeadamente Direitos, Liberdades e Garantias, cujo estrito respeito se impõe, directamente, a todas as entidades, públicas ou privadas, por força do artigo 18.º da C.R.P. e cuja compressão, além de apresentar carácter absolutamente excepcional, importa a verificação de determinados e apertados pressupostos.
XXI. “(…) a doutrina é consensual na afirmação de que o empregador jamais poderá utilizar as possibilidades de controlo que as novas tecnologias lhe oferecem sem respeitar os princípios da lealdade, transparência, pertinência e proporcionalidade. (…) É maioritariamente defendido que o procedimento de controlo deve ser adoptado na presença do trabalhador visado e, de preferência, com intervenção de um representante da comissão de trabalhadores (…)” – Sónia Kietzman Lopes, obra já citada.
XXII. Estes princípios são decorrência da boa-fé, pela qual deve o empregador nortear o seu comportamento durante este controlo, estabelecendo regras proporcionais (latu senso) sobre a utilização do correio electrónico, dando-as a conhecer ao trabalhador, a par da regulamentação precisa e, também ela, proporcional (latu senso) do modo de operar a fiscalização (quando, por que meios, para que fins e quais as formalidades a observar), sob pena de, mais do que perigar, violarmos Direitos tidos por Fundamentais.
XXIII. Só assim estará a entidade empregadora instituída no direito de controlar as mensagens de correio electrónico, o que, não se verificando, determina, inelutavelmente, que qualquer controlo seja ilícito, porque violador de preceitos constitucionais imperativos e inderrogáveis - preterição e violação essas que, manifestamente, ocorreram no caso em apreço.
XXIV. Além da concretização de tal regulamentação, impõe-se, também e sob pena de inconstitucionalidade, que o controlo a realizar seja feito na presença e com o consentimento do trabalhador. O que, também, não aconteceu.
XXV. A ausência do trabalhador durante a fiscalização determina a sua ilicitude e implica a sonegação do direito deste indicar à sua entidade empregadora quais os emails pessoais (ou extra profissionais) e quais os de cariz profissional, o que acautelaria a intromissão grosseira em assuntos de índole pessoal e privada.
XXVI. E, por outro lado, permitia que o trabalhador aferisse da própria consulta, dos seus intentos e que esta se cingia a um objectivo concreto, previamente definido e não aleatório e indiscriminado.
XXVII. “(…) o controlo destes e-mails (…) [1] deve ser a última instância a ser utilizada pelo empregador (…) [2] deve ser realizado na presença do trabalhador e de um seu representante (…) [3] podendo o trabalhador qualificar certos e-mails como pessoais, ficando o empregador inibido de os ler (…) [4] só poderá ser legítima quando for necessária e proporcionada (…). [5] a intercepção [deve limitar-se] ao menor número de mensagens possível e se circunscreva temporalmente.” – Teresa Coelho Moreira, cujas citação completa e obra se encontram em sede de alegações.
XXVIII. Deste modo, a visualização e fiscalização das comunicações (seja do seu conteúdo, seja dos seus dados de tráfego) constituem uma ultima ratio e devem reportar-se a um objectivo claro e previamente definido, a ele se restringindo. A fiscalização ou visualização de emails do trabalhador sempre será um meio e não um fim em si mesmo, que deve respeitar a intenção previamente firmada. Esse fim não pode ser definido/concretizado a posteriori, consoante aquilo que vier a resultar da visualização de tais emails.
XXIX. A finalidade do controlo é, assim, pedra de toque nestes casos. À laia do que acontece, elucidativamente, no Direito Penal Adjectivo em que saem prejudicadas e feridas de nulidade as provas obtidas mediante intercepção de comunicações que não respeitem ao concreto ilícito para o qual foram autorizadas. Tal imposição vale, aqui, em toda a sua plenitude, não podendo, por conseguinte, ser postergada.
XXX. No caso concreto, o certo é que a visualização dos emails se reportava (alegadamente) à verificação de existência de concorrência desleal, concluindo-se, após a mesma e na tese da Recorrida, pela existência de outros ilícitos disciplinares.
O que, novamente, determina a ilicitude da prova.
XXXI. E, por ser uma ultima ratio a utilizar pelo empregador, era mister que o alegado fim da fiscalização decorresse de outros elementos que a empregadora dispusesse previamente à consulta (ou, na terminologia Penal, de indícios), revelando-se que apenas (e tão só) com recurso a tal controlo se poderia obter a sua confirmação (ou infirmação).
XXXII. “(…) o empregador não pode controlar tudo e a todo o momento porque há que ter em atenção a Lei da Protecção de Dados Pessoais, nomeadamente o princípio da finalidade e da compatibilidade com a finalidade declarada (…) este tipo de controlo não pode ser permanente, devendo respeitar o princípio da proporcionalidade (…) a abertura destes e-mails deve ser excepcional, devendo ocorrer na presença do trabalhador (…) é necessária a presença de uma razão objectiva (…) não podendo realizar-se controlos arbitrários, indiscriminados, ou exaustivos dos e-mails (…) Se tal ocorre, este controlo é ilícito porque viola os princípios que têm de estar presentes aquando da adopção de medidas de controlo: princípio da proporcionalidade, da transparência e da boa fé. - – Teresa Coelho Moreira, cujas citação completa e obra se encontram em sede de alegações.
XXXIII. “(…) a doutrina é praticamente unânime na afirmação de que é ilícito o controlo permanente das mensagens (…) – Sónia Kietzman Lopes, obra e citação melhor identificadas em sede de alegações.
XXXIV. No caso sub judice deu-se, justamente, a inversa. Foi da consulta dos emails, não vocacionada para tal efeito (arriscando os Recorrentes dizer que não foi vocacionada para nenhum concreto e definido ilícito, mas sim na ânsia de conseguir um qualquer motivo, eventualmente, justificativo do despedimento) que a Recorrida chegou à conclusão de que outros ilícitos disciplinares teriam ocorrido.
XXXV. E mais, só após a análise dos emails é que consultou outra (suposta) prova na tentativa de corroborar a existência do mesmo. Prova essa que é, aliás, apresentada como estando intrínseca e indissociavelmente conjugada com os referidos emails, nada valendo se considerada em si mesma. O que, mais uma vez, consubstancia prática ilegal e inconstitucional, ferindo de nulidade a prova assim obtida e produzida.
XXXVI. Como o trabalhador não estava presente durante a fiscalização, não tem, com elevado e necessário grau, a certeza de que os emails não foram adulterados, descontextualizados, ou se porventura foram escolhidas com precisão (cirúrgica) apenas algumas partes das conversações havidas e não a sua totalidade.
XXXVII. O que cerceia, em absoluto, as garantias de defesa dos trabalhadores, porquanto a única cópia daqueles emails se encontrava armazenada/guardada no computador que ficou na sua empregadora, tendo sido apagadas do servidor on-line (o que este último faz automaticamente e com carácter regular), pelo que os Recorrentes nunca mais tiveram acesso àqueles. E, concomitantemente, também porque muita da correspondência dista mais de 5 (cinco) anos da data do procedimento disciplinar, a saber Janeiro de 2014.
XXXVIII. Levantando tal aspecto um outro problema: a fiscalização, além de não poder ser arbitrária, deve - atento o princípio da proporcionalidade em sentido lato - ser restrita ao mínimo necessário e adequado à prossecução do fim que visa alcançar, fiscalização essa que não poderá, em momento algum, ser exaustiva.
XXXIX. Ressalta à evidência que tal não foi o caso - basta atentar nas centenas de emails carreados para a lide, nas suas datas (2009, 2010, 2011, 2012 e 2013), no facto de versarem sobre os mais distintos assuntos (incluindo emails bancários de envio automático, de questões fiscais, entre outras) e de se reportarem a diversas contas de correio electrónico. Concluindo-se, outra vez, por uma grosseira, inadmissível e injustificada derrogação e atropelo de direitos fundamentais dos Recorrentes e, por conseguinte, na nulidade da prova.
XL. A este título, refere-se a Recomendação CM/Rec (2015) 5, de 1 de Abril de 2015, nos seus pontos 14.3 e 14.4, a Deliberação 1638/2013 da Comissão Nacional da Protecção de Dados (cujo teor se encontra citado em sede de alegações) e, pelo interesse comparativo, as particularidades de intercepção de comunicações em sede de Processo Penal.
XLI. Aliás, o trabalhador tem o direito de confiar que as comunicações, ainda que gravadas no computador ou no servidor da empregadora, não vão ser utilizados para fins não permitidos sem o seu consentimento, designadamente, para fins disciplinares, tanto mais que nenhuma regulamentação existia. Confiança essa que foi criada ao longo de quase 20 anos. Não que tivessem nada a esconder (ou não as colocariam no computador da empresa), mas por terem a noção que a sua leitura descontextualizada e avulsa poderia criar impressões ou até convicções erróneas.
XLII. Por fim, denota-se que o controlo por parte do empregador – mesmo quando seja devidamente balizado em disposições regulamentares internas - se encontra sujeito à Lei da Protecção de Dados e suas disposições. Assim, um determinado empregador que se abstenha de regulamentar as regras de controlo de tais dados e que, depois, os controle indiscriminadamente (valendo-se de tal omissão), sempre estará, in extremis, a defraudar a própria Lei.
XLIII. “Atento o disposto nos arts. 3.º, als. a) e b), 4.º n.º 4 e 27.º, todos da Lei da Protecção de Dados Pessoais, o controlo, pelo empregador, das comunicações efectuadas por correio electrónico (…) deverá ser notificado previamente à Comissão Nacional de Protecção de Dados, devendo ser observados os princípios que constam daquele diploma, designadamente deve ser informado o trabalhador da existência de tratamento, das suas finalidades, da existência de controlo, do grau de tolerância admitido e das consequências da má utilização ou utilização indevida dos meios de comunicação colocados à sua disposição”. – Sónia Kietzman Lopes, obra identificada em sede de Alegações.
XLIV. Pelo que, também por esta via, se torna ilícita a prova que a Recorrida carreou aos autos.
XLV. Ainda que, por mera cautela de patrocínio e sem conceder, se considerasse outro entendimento que não o que vem de se referir, é imperioso analisar, em separado, a questão relativa aos dados de tráfego que foram, indiscriminadamente, aceites como lícitos pelo Tribunal a quo (sejam os das contas profissionais, sejam o das contas pessoais/extraprofissionais).
XLVI. Logo e em termos absolutos: “a protecção (…) abrange não só o conteúdo da comunicação como o seu tráfego, tal como a espécie, a hora, a duração, os intervenientes, e a intensidade da utilização, isto é, determinados elementos externos”.
XLVII. Veja-se, a este ponto e mutatis mutandis, o Acórdão n.º 241/02 de 29 de Maio, do Tribunal Constitucional e a Jurisprudência do T.E.D.H. (caso Malone) que consideram que a protecção nas comunicações se estende aos dados de tráfego, incluindo o destinatário das mesmas.
XLVIII. E, mesmo que assim não fosse, sempre haveria de ser realizada uma distinção entre os dados de tráfego dos emails pessoais e das contas profissionais. É que, os dados de tráfego dos emails pessoais não podem, por qualquer maneira, ser controlados, fiscalizados, ou visualizados pela entidade empregadora, porquanto não lhe respeitam, nem com ela têm qualquer ligação.
XLIX. “Nestes casos [de mensagens pessoais] as mensagens estão protegidas pelo direito ao sigilo das comunicações nos termos constitucionais e também pelo artigo 22.º do CT, sendo, assim, invioláveis. O empregador não pode controlar o conteúdo destas mensagens nem mesmo em situações excepcionais em que há suspeitas de abuso.
Qualquer acto de intercepção da comunicação contida nesta parte da caixa postal constituirá uma violação dos preceitos referidos anteriormente, sendo que a prova obtida será considerada nos termos do artigo 32.º, n.º 8, da CRP. E isto independentemente do conteúdo revestir carácter privado ou não já que a tutela constitucional é realizada em termos objectivos, independentemente do conteúdo.” - Teresa Coelho Moreira, obra referida em sede de alegações.
L. Mesmo considerando, por cautela de patrocínio, que os dados de tráfego dos emails profissionais pudessem ser controlados (e, pelos motivos expostos supra, como por exemplo falta de regulação, entendem os Recorrentes que não podem) sempre se teria de se excluir daqueles o destinatário das comunicações: “sustenta-se (…) que não deve ser possível (…) o controlo dos destinatários dos e-mails na medida em que se trata de um terceiro e de dados pessoais deste, além de que este pode até desconhecer qual a política de e-mail da empresa.”
LI. Ao invés do que decorre da decisão recorrida, onde se pode ler “e desta forma aceder a informação como a identidade dos remetentes e dos destinatários das mensagens, dos assuntos, do tipo de anexos e seu tamanho, número de mensagens enviadas e recebidas e tempo de permanência em rede.”
LII. Daqui se conclui, em primeira linha, que aqueles dados de tráfego configuram, também, prova ilícita, tout court. Ainda que assim não se entenda, sempre teriam de ser considerados prova ilícita os dados de tráfego dos emails pessoais, bem como os destinatários das mensagens enviadas da conta profissional.
LIII. A decisão ora recorrida entende, de igual modo, ser lícita, enquanto meio de prova, a seguinte documentação: “(guias de transporte, facturas, requisições, listagens, fotografias, mapas, etc.) que foi encontrada nas pastas constantes do disco rígido e no software dos computadores afectos aos autores, e cujo acesso não estava limitado por qualquer palavra passe, e porque, não são «per se», dizeres de mensagem, documentos esses encontrados nas instalações da ré e/ou no suporte informático propriedade da mesma (…)”.
LIV. Discordam os Recorrentes, data venia, de tal decisão, porque tais documentos eram anexos de emails, gozando da mesma protecção que gozam aqueles. E porque são, efectivamente, dizeres de mensagem: um determinado anexo de qualquer comunicação é, em si mesmo, um dizer de mensagem, porque representa, por ele mesmo, um complemento integrante e indissociável da mensagem a que foi junto.
LV. Mais, ainda que um determinado email se encontrasse impresso e colocado na secretária do trabalhador não perdia o carácter de confidencial, porquanto não deixaria, ainda assim, de ser uma comunicação protegida constitucionalmente, também o sendo, via de lógica, os anexos do mesmo.
LVI. O facto de determinada comunicação se encontrar (ou não) protegida por password não lhe retira o carácter confidencial (por exemplo, as comunicações tradicionais como as cartas não estão protegidas por password, ou outro meio que complique o acesso à mesma). A confidencialidade das comunicações e dos anexos destas (suas partes integrantes) não provém da maior ou menor dificuldade ao seu acesso.
Decorre, outrossim, do simples facto de serem comunicações e, por tal motivo, se encontrarem Constitucionalmente tuteladas.
LVII. Sendo, em consequência, indiferente que os emails/anexos se encontrassem “nas instalações da ré”, “nas pastas do disco rígido”, “no software dos computadores”, ou se o seu acesso estava “limitado por qualquer palavra passe”. Essencial é que são comunicações (e suas partes integrantes) e, por tal motivo, não podem ser visualizadas ou utilizadas.
LVIII. Concluindo-se, também e necessariamente, pela sua nulidade e proibição de utilização enquanto meio de prova.
LIX. Ainda que tais documentos não consubstanciassem anexos de comunicações electrónicas e, em consequência, não gozassem da mesma protecção daqueles, apenas poderiam ser utilizados aqueles que respeitassem directamente à Recorrida.
LX. Pois que, inexistindo qualquer regulamentação sobre a utilização do computador na empresa, ao trabalhador é lícito naquele armazenar ficheiros pessoais (ou extraprofissionais) ou outros de que disponha, não estando a Recorrida habilitada a aceder àqueles, pelo simples facto de ser a proprietária do computador. O mesmo vale, mutatis mutandis, para os documentos que, eventualmente, existissem em suporte físico.
LXI. Não existe proibição legal que determine que o trabalhador esteja impedido de ter no seu local de trabalho documentos seus (ou de terceiros) e, bem assim, não existe qualquer habilitação legal para que a entidade empregadora os utilize, sem o necessário consentimento do trabalhador ou do seu titular.
LXII. Ora, não existindo regulação nesse sentido e não colocando tais documentos em risco a segurança no trabalho, não se vê como será de admitir, por parte da Recorrida, a sua utilização. Tanto mais que os Recorrentes exerciam funções administrativas, sendo prática comum (nestes quadros e no concreto ambiente profissional da Recorrida) que os trabalhadores disponham de documentos, seus ou de terceiros, no seu local de trabalho (física ou informaticamente), o que nenhuma relevância apresenta para a Recorrida.
LXIII. De mais a mais, respeitando tais documentos a terceiros, alheios à Recorrida, é a sua utilização, não consentida, ilícita. Concluindo-se que a sua visualização, não consentida, e a sua utilização, também não consentida, é ilegal e constitui meio de prova ilícito.
LXIV. O despacho recorrido violou, entre outros, os artigos 26.º, n.º 1, 32.º, n.º 8, 34.º, nrs.º 1 e 4 e 35.º, n.º 8, todos da Constituição da República Portuguesa; os artigos 12.º e 8.º, da D.U.D.H. e da C.E.D.H, respectivamente; os artigos 16.º, 17.º, 21.º e 22.º do C.T.; os artigos 80.º e outros decorrentes do artigo 70.º do C.C. e o artigo 4.º, entre outros, da Lei 41/2004 e suas sucessivas alterações.
LXV. Por todo o exposto, devem os documentos elencados serem considerados prova proibida e, portanto, nula, seja por via do seu modo de obtenção, seja porque o são em si mesmo.
LXVI. Consequentemente, deve ter-se por não escrita (seja em sede de articulado motivador, seja em sede de decisão de despedimento) toda a factualidade que respeite aos mesmos, com todas as legais consequências.
LXVII. E, bem assim, ser impedida e/ou não atendida toda a prova produzida ou que se vier a produzir, que tenha sido obtida, directa ou indirectamente, por via, referência ou reporte a tais documentos, pois que se encontra ferida da mesma nulidade de que enfermam aqueles – doutrina dos frutos da árvore envenenada, ou do efeito à distância.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exs.ª mui doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser o Douto Despacho substituído por Douto Acórdão que decida em conformidade com o supra exposto, (…)”.

A Ré contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso, tendo formulado a seguinte conclusão:
“Única: o despacho recorrido não cometeu as nulidades invocadas nem violou a norma do art. 22º do CT, ou qualquer outra.”.

Na sessão da audiência de julgamento de 05.07.2016 a Ré prescindiu da continuação do depoimento de parte do A. B… e do depoimento de parte do A. C…, sem prejuízo do depoimento de parte que o primeiro já havia sido prestado, ao que os AA declararam nada ter a opor, sem prejuízo da ponderação de poderem vir a requerer a prestação de declarações de parte e, face ao referido pela Ré, a Mmª juíza determinou o prosseguimento da audiência para prestação dos restantes depoimentos de parte (da Ré)[2].

Na sessão da audiência de julgamento de 11.07.2016 (fls. 1107 a 1109) os AA., alegando que eram testemunhas um do outro antes da apensação dos processos, que não estiverem presentes às anteriores sessões de julgamento e que os seus depoimentos são essenciais à descoberta da verdade e invocando o art. 466º do CPC, requereram a prestação de declarações de parte[3]:
- Do A. B…, a toda a matéria da sua contestação e à seguinte matéria da contestação do A. C…: arts. 26 a 39, 43 a 46, 53 a 60, 68, 69, 71 a 73, 78, 79, 83, 85, 88 a 91, 93, 95, 96,97, 101 a 106, 112 a 120, 133 a 139;
- Do A. C…, a toda a matéria da sua contestação e à matéria da contestação do A. B…: arts. 8 a 54 e 64 a 73.
A tal requerimento respondeu a Ré referindo, em síntese, que[4]: cada A. só pode pedir as suas próprias declarações de parte e não as da comparte, conforme Acórdão da Relação de Lisboa no processo 20022/2007, uma vez que se trata, não de um depoimento testemunhal, que foi indeferido, não podendo pedir o depoimento de comparte em matéria que lhe seja desfavorável, conforme acórdão da Relação de Lisboa, CJ 94, T 5, p.128; cada A. só pode pedir a prestação de depoimento sobre a matéria que ele próprio alegou e não sobre a matéria que apenas a comparte alegou porque, nessa parte é também um depoimento testemunhal. Ou seja, só devem ser admitidas as declarações de parte de cada um dos AA. sobre a matéria que alegou na sua contestação, não podendo depor sobre a matéria alegada pelo A. comparte, nem pedir o depoimento dessa comparte.

E, aos 15.07.2015, foi proferido o despacho de fls. 1110, indeferindo a requerida prestação de declarações por parte dos AA, os quais, inconformados, dele recorreram (fls. 1099 a 1105), tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“A- O douto despacho em crise indeferiu a prestação de declarações de parte, requeridas pelos Recorrentes, considerando que estas careciam de fundamento.
B- O principal fundamento, se bem o entendem os Recorrentes, prende-se com a conclusão de que tal acto seria processualmente inútil, uma vez que (segundo o mesmo despacho e sem conceder) “na maior parte das vezes as declarações de parte mais não são que a reiteração do que já foi alegado nos respectivos articulados” – argumento referido várias vezes no douto Despacho.
C- Declarações de parte (enquanto prova e/ou meio probatório) e alegações das partes (nos articulados) não se confundem, sendo, processualmente, distintas. A alegação de factualidade pelas partes não é, em princípio e de per si, prova da mesma, sendo por reporte àquela que esta se produz, tendo em vista confirmá-la ou infirmá-la. A inovação atinente a tal meio probatório não o descaracteriza enquanto tal. Daí que, entendem os Recorrentes e salvo o devido respeito, aquela fundamentação seja falaciosa, pois que considera igual o que, processualmente e por maioria de razão, o não é (bem como não são os seus efeitos).
D- O direito à prova é constitucionalmente chancelado, enquanto decorrência do direito de acesso aos Tribunais e ao Direito e a um processo justo e equitativo, não se vislumbrando razão bastante (e que ponderada apresente relevância constitucional ou superior àquele) que permita decidir como o fez o douto despacho.
E- Do teor literal do artigo 466.º do C.P.C. consta, apenas, que “as partes podem requerer”, não se vislumbrando, naquele ou nos demais artigos aplicáveis a tal matéria, habilitação legal que permita ao julgador indeferir tal requerimento. Desta formulação legal resulta que à parte assiste um verdadeiro direito potestativo processual de requerer a prestação de declarações suas. Na jurisprudência e na doutrina (citadas em alegações) parece prevalecer o entendimento de que, além de representar um direito potestativo processual da parte, este direito é exclusivo da parte que quer prestar declarações, não podendo ser requerido, sequer, oficiosamente ou a requerimento da contraparte, o que corrobora o que tal configuração enquanto direito potestativo.
F- Não estando numa situação limite (em que as declarações recaíssem, por exemplo, sobre factualidade que só poderia ser provada por via documental), não poderá aceitar-se o indeferimento do meio probatório requerido, principalmente por o considerar inútil e uma mera repetição.
G- A própria Recorrida não se opôs à produção de tal prova – o que referiu expressamente quando instada a pronunciar-se sobre tal requerimento -, pese embora haja aduzido as razões que entendeu justificarem uma limitação da matéria a que tais declarações deveriam reportar-se. Atento a concordância das partes na produção de determinado meio de prova, é com grande dificuldade que os Recorrentes vêm, também por esta via, a bondade da decisão recorrida.
H- As declarações de parte não devem, a bem da verdade, recair sobre qualquer factualidade controvertida, outrossim, como previsto ipsis verbis no preceito legal, só poderão ser factos em que as partes “tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo”. O douto despacho, sem embargo de partir da primeira, parece olvidar a segunda premissa, o que, porventura, determinou a decisão que veio a proferir.
Tanto mais que, não se colocou em questão que os Recorrentes tivessem conhecimento directo, ou intervenção pessoal nos factos a que requereram prestar declarações – o que, também, não consta do douto Despacho.
I- Não podem os Recorrentes acompanhar a lógica de que as Declarações de Parte culminam em repetição do já alegado, sendo, portanto, acto inútil, sob pena de considerarmos que o legislador criou um paradoxo – agindo, até, em reserva mental. Já que, seguindo tal dialética, teríamos de concluir que foi criado (e autorizado) determinado meio de prova para, depois e a final, se impedir a sua utilização e o esvaziar de sentido, considerando que sempre se revelaria processualmente inútil (porque mera repetição do já alegado) e, consequentemente, legalmente proibido.
J- Por mera cautela de patrocínio, impõe-se realçar, a este ponto, que os Recorrentes ao requerer as suas declarações, referiram que, previamente à apensação dos processos eram mutuamente testemunhas um do outro, requerendo (legitimamente e porque em tais factos intervieram pessoalmente, ou deles tinham conhecimento directo) que as suas declarações fossem produzidas quanto a matéria de ambas as Contestações.
K- Assim e desde logo, sai infirmado o juízo de prognose realizado pelo douto Despacho (e suas consequências), no sentido de que os Recorrentes apenas deporiam quanto a matéria por si mesmo alegada em sede própria.
L- Por outro lado, os Recorrentes indicaram-se, mutuamente, como testemunhas nas respectivas acções, porque, no seu entender, eram quem dispunha de conhecimento directo de grande parte dos factos por cada um alegados. No mais, apenas dispunham de duas testemunhas com conhecimento parcial dos mesmos.
M- Aquando da apensação dos processos, foi (entre outros) motivo preponderante da sua não oposição àquela a possibilidade legal de prestarem declarações enquanto parte, compensando, dessa feita, a perda de testemunha essencial que haviam arrolado. Por conseguinte, o douto despacho nega aos Recorrentes as mais básicas garantias de defesa e põe em risco a possibilidade de a exercerem em termos devidos, já que os Recorrentes não dispõe de outro meio viável para provarem o que alegaram.
N- Mesmo à luz do princípio da igualdade de armas, apresenta-se como injustificado que lhes seja vedado o recurso a tal meio de prova, conquanto à Recorrida foi permitido (e não se considerou processualmente inútil) reinquirir algumas das suas muitas testemunhas, sobre factos aos quais já haviam deposto anteriormente. Tendo outras tantas deposto ao longo de várias sessões da audiência de julgamento. Não é, também por esta via, de aceitar que aos Recorrentes, comparativamente, seja granjeada tão pouca (ou mesmo ínfima) oportunidade de demonstrar a bondade da sua versão.
O- O douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 4.º e 466.º, ambos do C.P.C., o disposto no artigo 20.º da C.R.P., o princípio da igualde de armas e de tratamento das partes, o princípio do dispositivo, o direito constitucional à prova dos Recorrentes e as suas garantias de defesa (efectiva).
Nestes termos e nos melhores de Direto, que V. Exs.ª mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, por conseguinte, ser o douto Despacho substituído por douto Acórdão que determine a produção de prova através de declarações de parte a toda a matéria requerida pelos Recorrentes, (…).”.

A Ré/Recorrida contra-alegou, tendo formulado a seguinte e única conclusão:
“Única: O despacho recorrido não violou a norma do art. 466º do CPC, nem qualquer outra.”.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do primeiro recurso interposto pelos AA. (do despacho de 04.07.2016) e do provimento do segundo recurso pelos mesmos apresentado (do despacho de 15.07.2016), ao qual apenas a Recorrida respondeu, discordando da segunda parte do parecer, entendendo que bem andou o despacho recorrido ao indeferir as declarações de parte.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Objeto dos recursos
Com é sabido, nos termos do disposto nos arts 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 5º, nº 1, da Lei 41/2013, de 26.06 e do art. 1º nº 2 al. a) do CPT (redação do DL 295/2009), as conclusões formuladas pelos recorrentes delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso.
Assim, são as seguintes as questões suscitadas:
A. No 1º recurso, interposto pela Ré do despacho de 27.06.2016: se deverá ser admitida a substituição de uma das testemunhas arroladas no articulado motivador do despedimento pelas cinco testemunhas constantes do requerimento de substituição.

B. No 2º recurso, interposto pelos AA., do despacho de 04.07.2016:
- Nulidades do despacho recorrido;
- Se os documentos indicados pelos Recorrentes devem ser considerados como prova proibida e, portanto, nula, seja por via do seu modo de obtenção, seja porque o são em si mesmo.
- Consequentemente, se deve ter-se por não escrita (seja em sede de articulado motivador, seja em sede de decisão de despedimento) toda a factualidade que respeite aos mesmos, com todas as legais consequências.
- E, bem assim, se deve ser impedida e/ou não atendida toda a prova produzida ou que se vier a produzir, que tenha sido obtida, direta ou indiretamente, por via, referência ou reporte a tais documentos.

C. No 3º recurso, interposto pelos AA. do despacho de 15.07.2015: se devem ser admitidas as declarações de parte a prestar pelos AA.
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III. Tem-se como assente o que consta do precedente relatório.
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IV. Fundamentação

A. Quanto ao 1º recurso, interposto pela Ré do despacho de 27.06.2016

1. Tem este recurso por objeto saber se deverá ser admitida a substituição, requerida pela Ré, de uma das testemunhas arroladas no articulado motivador do despedimento pelas cinco testemunhas constantes do requerimento de substituição, pretensão essa que foi indeferida pela decisão recorrida no que se reporta a quatro testemunhas [foi admitida a substituição por uma testemunha] com fundamento em que tal contrariaria o disposto no art. 64º, nº 1, do CPT [no articulado motivador eram arroladas 10 testemunhas, incluindo a testemunha a substituir].
No recurso, vem a Recorrente alegar que o despacho recorrido desconsiderou a existência de reconvenção e, por consequência, a aplicabilidade do nº 2 do citado preceito.
Vejamos.

2. Dispõe o art. 64º do CPT que: “1. As partes não podem oferecer mais de 10 testemunhas para prova dos fundamentos da acção e da defesa. 2. No caso de reconvenção, as partes podem oferecer ainda mais 10 testemunhas para prova dos seus fundamentos e respectiva defesa.”.
E, nos termos do art. 98º-L, nº 6, do mesmo, preceito este o aplicável dado tratar-se de ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, “As partes devem apresentar ou requerer a produção de prova nos respetivos articulados ou no prazo destes”, preceito que, aliás, está em consonância com o previsto, para a ação com processo comum, no art. 63º, nº 1, nos termos do qual as provas, mormente o rol de testemunhas, deve ser apresentado com os respetivos articulados. De referir ainda que o nº 2 deste art. 63º, aplicável também à ação especial em causa nos autos, dispõe que “2. O rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, (…)”.
Embora resulte do citado art. 64º que, havendo reconvenção, as partes podem apresentar um total de 20 testemunhas, dele decorre também que não é irrelevante a matéria a cuja prova se destina o rol: (até) 10 testemunhas são apresentadas para prova dos fundamentos da ação ou da defesa e, as outras, até mais 10, para prova dos fundamentos da reconvenção ou da defesa a essa reconvenção.
E, desse preceito, conjugado com os arts. 98º-J, nº 1 e 98º-L, nºs 3, 4 e 6, resulta que: no articulado motivador do despedimento, o empregador, no caso a Ré, deve juntar o rol de testemunhas para prova dos fundamentos da ação; o trabalhador, no caso os AA., na contestação devem apresentar o rol de testemunhas para prova, quer dos fundamentos da defesa ao articulado motivador (num limite de 10), quer dos fundamentos da reconvenção (num limite de mais 10 testemunhas); por sua vez, o empregador, na resposta à reconvenção, poderá apresentar mais 10 testemunhas, testemunhas estas que se destinam à prova dos fundamentos da defesa à reconvenção e não já à prova dos fundamentos da ação (articulado motivador) ou da defesa à contestação aduzida pelo trabalhador.
No caso, a Ré havia arrolado, no articulado motivador, 10 testemunhas, entre as quais a testemunha (K…) cuja substituição se pretendia e, na resposta à reconvenção, havia arrolado uma testemunha.
A testemunha a substituir, K…, constava pois do rol de testemunhas apresentado no articulado motivador e não do rol apresentado na resposta à reconvenção, sendo que, nos requerimentos de 13.05.2016 (fls. 986 vº) e de 09.06.2016 (fls. 494/495) que a Ré/Recorrente apresentou com vista à substituição da testemunha K…, não alegou o fundamento que agora vem invocar no recurso, qual seja o de que as testemunhas substitutas, designadamente as quatro “em excesso”, se destinavam à defesa da matéria relativa à reconvenção, fundamento esse que consubstancia um fundamento/“causa de pedir” novo e que não foi apreciado, nem tinha que o ser, pela 1ª instância, uma vez que tal questão não lhe foi colocada e sendo certo que a testemunha a substituir constava do rol apresentado com o articulado motivador do despedimento, ou seja, para prova dos fundamentos da ação, e não da resposta à reconvenção, ou seja para prova da defesa à reconvenção.
Se é certo que as partes não têm que concretizar, previamente, os pontos da matéria de facto constantes dos articulados a que as testemunhas irão depor, a indicação no articulado motivador e na resposta à reconvenção consubstancia uma prévia delimitação da matéria a que irão depor. E se, porventura e admitindo como hipótese de raciocínio, que a testemunha arrolada no articulado motivador iria também depor à matéria da reconvenção, então cabia à Ré tê-lo alegado oportunamente, na fundamentação do pedido de substituição, tanto mais que estava “esgotado” o limite de testemunhas a apresentar nesse articulado, fundamentação essa que, aduzida apenas agora em sede de recurso, é extemporânea.
Acresce, o que sempre se dirá, que a apresentação de mais quatro testemunhas para prova da defesa apresentada na resposta à reconvenção (sendo certo que, face ao limite legal de 10 testemunhas constante do art. 64º, nº 1, já não poderiam ser arroladas para prova dos fundamentos do articulado motivador) sempre configuraria uma alteração, por aditamento, ao referido rol (apresentado na resposta à reconvenção e no qual havia sido arrolada uma testemunha), alteração essa que, atento o disposto no art. 63º, nº 2, já não seria admissível por haver sido requerida no decurso da audiência de julgamento).
Assim sendo, deverá o recurso improceder.
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B. Quanto ao recurso dos AA. (fls. 1000 a 1018). interposto do despacho de 04.07.2016 [que tem por objeto as nulidades da decisão recorrida e a questão da nulidade de prova documental].

1. Os AA./Recorrentes vieram arguir nulidades do mencionado despacho quais sejam as previstas no art. 615º, nº 1, al. b) [falta de especificação dos fundamentos de facto] e d) [omissão de pronúncia] do CPC/2013.
Os Recorrentes arguiram, em conformidade com o art. 77º, nº 1, do CPT, as mencionadas nulidades no requerimento de interposição do recurso, pelo que nada obsta ao conhecimento das mesmas.

1.1. Quanto à primeira das mencionadas nulidades alegam os Recorrentes que: no despacho pode ler-se que: “no que se refere à documentação que não se traduz em emails mas outro tipo de documentação (…) que foi encontrada nas pastas constantes do disco rígido e no software dos computadores afectos aos autores, e cujo acesso não estava limitado por qualquer palavra passe, e porque, não são «per se», dizeres de mensagem, documentos esses encontrados nas instalações da ré e/ou no suporte informático propriedade da mesma, conclui-se que não são prova ilícita”; tal consubstancia matéria de facto que era, à data da decisão recorrida controvertida; não existe, nos articulados motivadores do despedimento e nas decisões de despedimento, qualquer referência a que tais documentos tivessem sido encontrados em outro suporte que não o de acesso direto às contas de e-mail; os Recorrentes arguiram a nulidade de tal prova, na sequência do que a Ré/Recorrida, na resposta à contestação, veio alegar que nem todos os documentos tinham sido obtidos via e-mail, que existiam duas pastas designadas “…” e “…” alojadas no computador, sem palavra passe e que “ainda agora estão a ser encontrados e-mails avulsos nas gavetas da sua secretária C… e na pilha de documentos que tinha na mesa e no chão”; independentemente disso, a Recorrida, em sede de resposta à contestação, apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador (art. 98º-J) do CPT), pelo que nunca poderia a Mmª Juiz considerar factos – documentos existentes em suporte físico, ou nas pastas do computador – por não terem sido, legítima e tempestivamente, alegados em sede própria ou, então, tê-los-ia que considerar como não provados; à cautela, ainda que assim não fosse, tal factualidade é controvertida, pelo que devia ser alvo de prova e, a final, de decisão que a considerasse, ou não, provada; do despacho recorrido não consta qualquer fundamentação que permita compreender quais os fundamentos e prova produzida que permita chegar à conclusão a que chegou; acresce que a decisão é extemporânea, porquanto ainda corre a fase instrutória, podendo tal factualidade vir a ser informada pela prova que ainda se vier a produzir. E, assim, conclui no sentido da nulidade da decisão recorrida, nos termos do art. 615º, nº 1, al. b).

1.1.1. As nulidades de sentença, aplicável também aos despachos, cujo elenco taxativo consta do art. 615º, nº 1, do CPC/2013, reportam-se a vícios formais, que não de substância, que afetam a decisão.
O citado preceito, na sua al. b), determina que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. De referir que os fundamentos de facto se reportam aos factos que devam ser, no âmbito de decisão de matéria de facto, objeto de decisão de provado ou não provado. Já a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto não se enquadra no citado preceito, tendo antes um regime próprio, qual seja o previsto no art. 662º, nº 2, al. d), do CPC (remessa do processo à 1ª instância para a fundamentação da decisão da matéria de facto).

1.1.2. Quanto ao primeiro dos fundamentos alegados, dizem os Recorrentes que a Recorrida, em sede de resposta à contestação, apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador (art. 98º-J) do CPT), pelo que nunca poderia a Mmª Juiz considerar factos – documentos existentes em suporte físico, ou nas pastas do computador – por não terem sido, legítima e tempestivamente, alegados em sede própria ou, então, tê-los-ia que considerar como não provados.
Tal argumentação não consubstancia nulidade de sentença, mormente por falta de fundamentação, mas sim eventual erro de julgamento, questão que é abordada pelos Recorrentes nas conclusões I e V a IX das conclusões do recurso e que, oportunamente, se apreciará.
Mas, ainda que assim se não entendesse, remete-se para o que adiante se dirá a propósito das mencionadas conclusões – cfr. ponto 2.1.

1.1.3. No que se reporta à nulidade por falta de fundamentação de facto por parte do despacho recorrido:
O despacho recorrido, no que se reporta à demais documentação que não se traduza em emails (guias de transporte, faturas, requisições, listagens, fotografias, mapas) assenta, efetivamente, nos pressupostos de facto de que os documentos foram encontrados em pastas constantes do disco rígido e no software dos computadores dos AA. e cujo acesso não estava limitado por qualquer palavra passe, matéria essa que era, na verdade controvertida (foi alegada pela Ré na resposta à contestação, sendo que a tramitação do processo não comporta a “tréplica”).
A “técnica” processual da decisão recorrida não é, na verdade, a mais correta, pois que deveria ela autonomizar, em termos de matéria de facto, a relevante à decisão da questão da nulidade da prova (não à demais relativa ao conhecimento do mérito da ação). Diga-se que a questão da nulidade ou não da prova documental por alegada violação da proteção de dados pessoais e do direito ao sigilo das comunicações consubstancia, em consonância com o anterior Acórdão desta Relação, uma questão prévia e que, como tal e em via incidental, deve ser tratada.
Não obstante, ainda que de forma imperfeitamente expressa, afigura-se-nos que nela se tem como assente a factualidade que nela se refere e, por consequência, contendo fundamentação em matéria de facto.
Falta, todavia e efetivamente, a fundamentação da decisão no que se reporta à factualidade que tem como assente, situação que cai no âmbito, não do art. 615º, nº 1, al. b), mas sim no âmbito do art. 662º, nº 2, al. d), do CPC/2013 e que poderia determinar a baixa dos autos à 1ª instância para efeitos de fundamentação da mesma. Não obstante, pelo que se dirá adiante e atenta a solução que se irá sufragar, para onde se remete, os factos em causa mostram-se irrelevantes à sorte do recurso, pelo que a baixa dos autos à 1ª instância para efeitos do disposto no citado art. 662º, nº 2, al. d), mostrar-se-ia inútil.

Assim, e nesta parte, improcede a arguida nulidade do despacho recorrido.

1.2. Invocam ainda os Recorrentes a nulidade do despacho recorrido por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do CPC/2013), para tanto dizendo que: para além de terem os Recorrentes arguido, em sede de contestação, a nulidade dos documentos, em si mesmos e no seu modo de obtenção, concluíram que a reprodução citação/citação em sede de processo disciplinar – decisão de despedimento e no articulado motivador é nula, assim como nula é a produção de qualquer outra prova, direta ou indireta, quanto aos factos contidos naqueles documentos; o despacho recorrido, ao admitir por lícitos determinados documentos, admite, por via da lógica, a sua reprodução e produção de outra prova por confronto com aqueles; contudo, no que tange aos e-mails pessoais/extraprofissionais entendeu aquele que apenas os dados de tráfego configuram prova lícita, mas não já o seu conteúdo; assim, impunha-se que o despacho recorrido se tivesse pronunciado sobre a licitude da reprodução/citação (em sede de procedimento disciplinar e de articulado motivador) do conteúdo desses documentos cuja prova foi considerada ilícita; se o conteúdo dos e-mails pessoais ou extraprofissionais configura prova ilícita, tal reprodução é, por maioria de razão, ilícita, devendo ter-se como não escrita; ao não se ter pronunciado sobre o desentranhamento desses factos ou, assim não o entendendo, não se tendo pronunciado fundamentadamente pela sua manutenção, omitiu a decisão o conhecimento de questão essencial que não poderia ter deixado de conhecer.

1.2.1. Dispõe o art. 615º, nº 1, al. d), do CPC/2013, que é nula a sentença, no caso despacho, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia conhecer, preceito este que se prende com o disposto no art. 608º, nº 2, do mesmo diploma, nos termos do qual “2. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.
Na contestação, o A. C… invocando a nulidade da prova documental que indica, requereu o desentranhamento dos correspondentes documentos. Não obstante, salienta-se que aí nada referiu quanto ao “desentranhamento” de factos, rectius, quanto a deverem os mesmos serem tidos como não escritos, assim como o A. B… que, na contestação, não se reportou à nulidade da prova documental. Apenas no recurso vêm ambos alegar que a decisão recorrida devia ter considerado como não escritos os factos constantes da decisão de despedimento e dos articulados motivadores que assentaram na prova documental que a Mmª Juíza considerou ser ilícita. Diga-se que os Recorrentes, ao contrário do que deveriam (tendo em conta, para além do princípio da cooperação, que é questão por eles suscitada e que é do interesse dos mesmos), não concretizaram os pontos da matéria de facto que, segundo eles, deveriam ter sido dados como não escritos, tanto mais tendo em conta a vasta e variada panóplia de factos imputados.
Não há, pois, omissão de conhecimento de questão que os AA. tivessem suscitado.
Por outro lado, uma coisa são os factos imputados e, outra distinta, os meios de prova dos factos, designadamente os documentos juntos. Ainda que a nulidade da prova documental possa “contaminar” outros meios de prova, designadamente a prova pessoal cujo conhecimento assente ou advenha dessa prova nula, e outra prova não existisse, a consequência seria a falta de prova dos factos invocados e não “ter-se por não escrito” o alegado na decisão de despedimento e no articulado motivador.
Mas, ainda que assim se não entendesse, afigura-se-nos que a decisão recorrida não seria o local e momento próprios à apreciação e decisão da pretensão dos Recorrentes. O que estava em causa, nesse momento e na sequência do anterior acórdão desta Relação, era o conhecimento da questão, prévia e de natureza incidental, relativa à licitude, ou não, dos meios de prova e não a decisão sobre matéria de facto relativa ao mérito da ação e/ou a decisão sobre se a factualidade imputada deverá, ou não, ter-se como não escrita, tanto mais tendo em conta a vasta e variada panóplia de factos imputados.
Por outro lado, e ainda na economia da decisão decorrida, os dados de tráfego dos e-mails foram admitidos como prova válida (sem prejuízo do que a esse propósito decidiremos), pelo que, na perspetiva da decisão recorrida, poderiam fazer prova, pelo menos, de parte dos factos (isto é da data, hora, remetente e destinatário dos emails).
Não se nos afigura, pois, que a decisão recorrida tenha incorrido no vício que lhe foi apontado, assim improcedendo a arguida nulidade da mesma.

2. Se os documentos indicados pelos Recorrentes devem ser considerados como prova proibida e, portanto, nula, seja por via do seu modo de obtenção, seja porque o são em si mesmo.

No despacho recorrido decidiu-se que:
i) O conteúdo (e não já os dados de tráfego) das mensagens obtidas com acesso aos emails dos AA ou de terceiros referentes às contas de correio eletrónico diversas daquela que a Ré colocou à disposição dos mesmos (quer enviadas, quer rececionadas pelos AA, quer referentes a conta de emails da empresa “E… Unipessoal, Ldª), porque alheias á atividade profissional dos AA ao serviço da Ré, consubstanciam prova ilícita;
ii) Os conteúdos dos emails enviados ou rececionados nas contas profissionais dos AA. (conta de correio eletrónico que o empregador colocou à disposição dos mesmos) poderão ser atendidos desde que as mensagens não estejam marcadas como pessoais e do seu conteúdo não resulte óbvia a natureza pessoal das mesmas;
iii) Os dados de tráfego dos emails enviados e rececionados pelos AA., seja das contas de email profissionais (colocadas à disposição dos mesmos pela Ré), seja de outras contas de emails daqueles ou de terceiros, nomeadamente referentes à empresa E… Unipessoal, Ldª, constituem meio de prova válido apenas em relação a esses dados;
iv) Quanto à demais documentação (“guias de transporte, facturas, requisições, listagens, fotografias, mapas, etc”) que não se traduzem em emails constituem meio de prova válido.

Em relação à decisão constante do mencionado ponto i), ela não foi objeto de recurso por parte da Ré pelo que a decisão recorrida, nessa parte, transitou em julgado, subsistindo para apreciação o decidido nos pontos ii), iii) e iv).
Do decidido nos mencionados pontos discordam os Recorrentes pelas razões invocadas nas conclusões de recurso, para onde se remete.

2.1. No que se reporta à primeira ordem de razões, constantes das conclusões I e V a IX do recurso, alegam os Recorrentes, em síntese, que: competia à Recorrida, para além de provar (o que não sucedeu ou, pelo menos, isso não conta da decisão recorrida), alegar, em sede própria (decisão de despedimento ou articulado motivador) os pressupostos da licitude da obtenção dos meios de prova, o que não se verificou, sendo que apenas na resposta à contestação é que aquela veio referir ter encontrado alguns dos emails em pastas do disco rígido do computador, ou impressos/suporte físico, pelo que, atento o disposto no art. 98º-J do CPT tal alegação é extemporânea e processualmente impossível e, por esses mesmos motivos, não merece qualquer atendimento.
Atento o princípio da vinculação temática consagrado nos arts. 357º, nº 4, do CT/2009 e 98º-J, nº 1, do CPT o empregador, na decisão de despedimento e na ação judicial, apenas pode invocar factos constantes da nota de culpa. Mas tal reporta-se aos factos que consubstanciam as acusações/infrações disciplinares imputadas ao trabalhador, sendo que a referência à existência de documentos em suporte físico, ou nas pastas do computador, não contém em si qualquer acusação, antes se reportando a meios de prova e ao local onde os mesmos se encontrariam. A invocação de tal matéria pode, pois, ter lugar em sede de reposta à contestação, até porque, havendo sido, em sede de contestação, alegada a nulidade da prova, a resposta à mesma consubstancia meio e local próprio para, no exercício do direito ao contraditório, a sua invocação.
Não há, pois, violação dos citados preceitos, nem havendo, por essa razão, motivo para considerar a alegação extemporânea e processualmente inadmissível.

2.2. Quanto ao mais invocado relativamente ao correio eletrónico :

É sabido que a introdução e disseminação da utilização das novas tecnologias no mundo laboral veio suscitar delicados problemas no âmbito da compatibilização entre, por um lado, os direitos de personalidade do trabalhador, mormente quanto aos direitos à privacidade e ao sigilo das comunicações, nestas se incluindo as comunicações eletrónicas, e, por outro, o poder diretivo do empregador e os direitos à empresa e iniciativa privada, sendo vasta a doutrina sobre tal matéria.

2.2.1. Enquadramento legislativo, doutrinário e princípios do tratamento de dados pessoais

No que se reporta à legislação mostram-se relevantes [pese embora extensa a sua indicação, afigura-se-nos relevante com vista à apreciação do cabal enquadramento legal][5]:
- O art. 12º da D.U.D.H, nos termos do qual “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.”
- O art. 8º da C.E.D.H., nos termos do qual “1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência. 2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem - estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros.”
- Da CRP: arts. 26º, sob a epígrafe “Outros direitos pessoais”, [“1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação. 2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias], nº 8 do art. 32º, este sob a epígrafe “Garantias do processo criminal” [“8. São nulas todas as provas obtidas mediante (…), abusiva intromissão na vida privada, (…), na correspondência ou nas telecomunicações], nºs 1 e 4 do art. 34º, sob a epígrafe “Inviolabilidade do domicilio e da correspondência” [“1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis. (…). 4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.”] e nºs 1, 2, 4 e 7 do art. 35º, sob a epígrafeUtilização da informática [“1. Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei. 2. A lei define o conceito de dados pessoais, bem como as condições aplicáveis ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização, e garante a sua protecção, designadamente através de entidade administrativa independente. (…). 4. É proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei. (…). 7. Os dados pessoais constantes de ficheiros manuais gozam de protecção idêntica à prevista nos nos números anteriores, nos termos da lei.”.
- Do CT/2009[6]: Arts. 16.º, sob a epígrafe “Reserva da intimidade da vida privada” [1.- O empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada. 2. O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a divulgação de aspetos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afetiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas.”], nºs 3 e 4 do 17º, sob a epígrafe “Proteção de dados pessoais” [“(…”). 3. O candidato a emprego ou o trabalhador que haja fornecido informações de índole pessoal goza do direito ao controlo dos respetivos dados pessoais, podendo tomar conhecimento do seu teor e dos fins a que se destinam, bem como exigir a sua retificação e atualização. 4. Os ficheiros e acessos informáticos utilizados pelo empregador para tratamento de dados pessoais do candidato a emprego ou trabalhador ficam sujeitos à legislação em vigor relativa à proteção de dados pessoais. (…)”.], 22.º, sob a epígrafe “Confidencialidade de mensagens e de acesso a informação” [“1. O trabalhador goza do direito de reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo das mensagens de natureza pessoal e acesso a informação de caráter não profissional que envie, receba ou consulte, nomeadamente através do correio eletrónico. 2. O disposto no número anterior não prejudica o poder de o empregador estabelecer regras de utilização dos meios de comunicação na empresa, nomeadamente do correio eletrónico.”] e 106º, nº 1 [“1. O empregador deve informar o trabalhador sobre aspectos relevantes do contrato de trabalho.”].
- Do Cód. Civil: arts. 70º, nº 1, sob a epígrafe “Tutela geral da personalidade” [“1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral], nº 1 do 75º, sob a epígrafe “Cartas-missivas confidenciais” [1. O destinatário de carta-missiva de natureza confidencial deve guardar reserva sobre o seu conteúdo, não lhe sendo lícito aproveitar os elementos de informação que ela tenha levado ao seu conhecimento. (…)”, nº 1 do 76º, sob a epígrafe “Publicação de cartas confidenciais” [1. As cartas-missivas confidenciais só podem ser publicadas com o consentimento do seu autor ou com o suprimento judicial desse consentimento; mas não há lugar ao suprimento quando se trate de utilizar as cartas como documento literário, histórico ou biográfico.], 78º, sob a epígrafe “Cartas-missivas não confidenciais” [“O destinatário de carta não confidencial só pode usar dela em termos que não contrariem a expectativa do autor”], 80º, sob a epígrafe “Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada” [“1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem. 2. A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.”].
Relevam também as Leis 67/98, de 26.10, relativa à proteção de dados pessoais, e 41/2004, de 18.08 [alterada pela Lei 46/2012, de 29.08], relativa à proteção de dados pessoais e privacidade nas telecomunicações, e a que mais adiante nos reportaremos, destacando-se todavia e desde já o disposto nos seguintes preceitos dos referidos diplomas:
- Da Lei 67/98:
- art. 1º, nos termos do qual o diploma transpõe a Diretiva nº 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24.10.1995 relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados;
- art. 2º, nos termos do qual “ O tratamento de dados pessoais deve processar-se de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais.”;
- art. 3º, que procede, para efeitos do diploma, à definição de diversos conceitos: “a) «Dados pessoais»: qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social; b) «Tratamento de dados pessoais» («tratamento»): qualquer operação ou conjunto de operações sobre dados pessoais, efectuadas com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a comunicação por transmissão, por difusão ou por qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição; c) «Ficheiro de dados pessoais» («ficheiro»): qualquer conjunto estruturado de dados pessoais, acessível segundo critérios determinados, quer seja centralizado, descentralizado ou repartido de modo funcional ou geográfico; d) «Responsável pelo tratamento»: a pessoa singular ou colectiva, a autoridade pública, o serviço ou qualquer outro organismo que, individualmente ou em conjunto com outrem, determine as finalidades e os meios de tratamento dos dados pessoais; (…)”; f) «Terceiro»: a pessoa singular ou colectiva, a autoridade pública, o serviço ou qualquer outro organismo que, não sendo o titular dos dados, o responsável pelo tratamento, o subcontratante ou outra pessoa sob autoridade directa do responsável pelo tratamento ou do subcontratante, esteja habilitado a tratar os dados; g) «Destinatário»: a pessoa singular ou colectiva, a autoridade pública, o serviço ou qualquer outro organismo a quem sejam comunicados dados pessoais, independentemente de se tratar ou não de um terceiro, sem prejuízo de não serem consideradas destinatários as autoridades a quem sejam comunicados dados no âmbito de uma disposição legal; h) «Consentimento do titular dos dados»: qualquer manifestação de vontade, livre, específica e informada, nos termos da qual o titular aceita que os seus dados pessoais sejam objecto de tratamento; i) «Interconexão de dados»: forma de tratamento que consiste na possibilidade de relacionamento dos dados de um ficheiro com os dados de um ficheiro ou ficheiros mantidos por outro ou outros responsáveis, ou mantidos pelo mesmo responsável com outra finalidade.”;
- Art. 4º, nº 1, relativo ao âmbito de aplicação, nos termos do qual: “1. A presente lei aplica-se ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, bem como ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos em ficheiros manuais ou a estes destinados. (…)”;
- Art. 5º, nº 1, sob a epígrafe “Qualidade dos dados”, nos termos do qual: “1. Os dados pessoais devem ser: a) Tratados de forma lícita e com respeito pelo princípio da boa fé; b) Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades; c) Adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e posteriormente tratados; d) Exactos e, se necessário, actualizados, devendo ser tomadas as medidas adequadas para assegurar que sejam apagados ou rectificados os dados inexactos ou incompletos, tendo em conta as finalidades para que foram recolhidos ou para que são tratados posteriormente; e) Conservados de forma a permitir a identificação dos seus titulares apenas durante o período necessário para a prossecução das finalidades da recolha ou do tratamento posterior.”;
- Art. 6º, sobre a epígrafe “Condições de legitimidade do tratamento de dados”, em cuja al. e) se dispõe que: “O tratamento de dados pessoais só pode ser efectuado se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento ou se o tratamento for necessário para: (…); e) Prossecução de interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou de terceiro a quem os dados sejam comunicados, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados.”;
- Art. 10º, sob a epígrafe “Direito de Informação”, nos termos do qual: “1. Quando recolher dados pessoais directamente do seu titular, o responsável pelo tratamento ou o seu representante deve prestar-lhe, salvo se já dele forem conhecidas, as seguintes informações: a) Identidade do responsável pelo tratamento e, se for caso disso, do seu representante; b) Finalidades do tratamento; c) Outras informações, tais como: Os destinatários ou categorias de destinatários dos dados; O carácter obrigatório ou facultativo da resposta, bem como as possíveis consequências se não responder; A existência e as condições do direito de acesso e de rectificação, desde que sejam necessárias, tendo em conta as circunstâncias específicas da recolha dos dados, para garantir ao seu titular um tratamento leal dos mesmos. 2. Os documentos que sirvam de base à recolha de dados pessoais devem conter as informações constantes do número anterior. 3. Se os dados não forem recolhidos junto do seu titular, e salvo se dele já forem conhecidas, o responsável pelo tratamento, ou o seu representante, deve prestar-lhe as informações previstas no n.º 1 no momento do registo dos dados ou, se estiver prevista a comunicação a terceiros, o mais tardar aquando da primeira comunicação desses dados. 4. No caso de recolha de dados em redes abertas, o titular dos dados deve ser informado, salvo se disso já tiver conhecimento, de que os seus dados pessoais podem circular na rede sem condições de segurança, correndo o risco de serem vistos e utilizados por terceiros não autorizados. 5. A obrigação de informação pode ser dispensada, mediante disposição legal ou deliberação da CNPD, por motivos de segurança do Estado e prevenção ou investigação criminal, e, bem assim, quando, nomeadamente no caso do tratamento de dados com finalidades estatísticas, históricas ou de investigação científica, a informação do titular dos dados se revelar impossível ou implicar esforços desproporcionados ou ainda quando a lei determinar expressamente o registo dos dados ou a sua divulgação. 6. A obrigação de informação, nos termos previstos no presente artigo, não se aplica ao tratamento de dados efectuado para fins exclusivamente jornalísticos ou de expressão artística ou literária.”
- Art. 11.º, sob a epígrafeDireito de acesso”, nos termos do qual: “1 - O titular dos dados tem o direito de obter do responsável pelo tratamento, livremente e sem restrições, com periodicidade razoável e sem demoras ou custos excessivos: a) A confirmação de serem ou não tratados dados que lhe digam respeito, bem como informação sobre as finalidades desse tratamento, as categorias de dados sobre que incide e os destinatários ou categorias de destinatários a quem são comunicados os dados; b) A comunicação, sob forma inteligível, dos seus dados sujeitos a tratamento e de quaisquer informações disponíveis sobre a origem desses dados; c) O conhecimento da lógica subjacente ao tratamento automatizado dos dados que lhe digam respeito; d) A rectificação, o apagamento ou o bloqueio dos dados cujo tratamento não cumpra o disposto na presente lei, nomeadamente devido ao carácter incompleto ou inexacto desses dados; e) A notificação aos terceiros a quem os dados tenham sido comunicados de qualquer rectificação, apagamento ou bloqueio efectuado nos termos da alínea d), salvo se isso for comprovadamente impossível. (…)”.
- Art. 12.º, sob a epígrafeDireito de oposição do titular dos dados”, nos termos do qual:“O titular dos dados tem o direito de: a) Salvo disposição legal em contrário, e pelo menos nos casos referidos nas alíneas d) e e) do artigo 6.º, se opor em qualquer altura, por razões ponderosas e legítimas relacionadas com a sua situação particular, a que os dados que lhe digam respeito sejam objecto de tratamento, devendo, em caso de oposição justificada, o tratamento efectuado pelo responsável deixar de poder incidir sobre esses dados; (…);
- Art. 13.º, sob a epígrafe “Decisões individuais automatizadas”, nos termos do qual: “1. Qualquer pessoa tem o direito de não ficar sujeita a uma decisão que produza efeitos na sua esfera jurídica ou que a afecte de modo significativo, tomada exclusivamente com base num tratamento automatizado de dados destinado a avaliar determinados aspectos da sua personalidade, designadamente a sua capacidade profissional, o seu crédito, a confiança de que é merecedora ou o seu comportamento. 2. Sem prejuízo do cumprimento das restantes disposições da presente lei, uma pessoa pode ficar sujeita a uma decisão tomada nos termos do n.º 1, desde que tal ocorra no âmbito da celebração ou da execução de um contrato, e sob condição de o seu pedido de celebração ou execução do contrato ter sido satisfeito, ou de existirem medidas adequadas que garantam a defesa dos seus interesses legítimos, designadamente o seu direito de representação e expressão. 3. Pode ainda ser permitida a tomada de uma decisão nos termos do n.º 1 quando a CNPD o autorize, definindo medidas de garantia da defesa dos interesses legítimos do titular dos dados.”.
- Art. 27º, sob a epígrafe “Obrigação de notificação à CNPD”, nos termos do qual: “1. O responsável pelo tratamento ou, se for caso disso, o seu representante deve notificar a CNPD antes da realização de um tratamento ou conjunto de tratamentos, total ou parcialmente automatizados, destinados à prossecução de uma ou mais finalidades interligadas. (…)”.
- Art. 28º, sob a epígrafe “controlo prévio”, nos termos do qual: “1. Carecem de autorização da CNPD: (…); d) A utilização de dados pessoais para fins não determinantes da recolha.” (…)”.
- Da Lei 41/2004, alterada e republicada pela Lei 46/2012:
- Art. 1º, sob a epígrafe “Objeto e âmbito de aplicação”, nos termos do qual: “1. A presente lei transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de julho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas, com as alterações determinadas pelo artigo 2.º da Diretiva n.º 2009/136/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro. 2. A presente lei aplica-se ao tratamento de dados pessoais no contexto da prestação de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público em redes de comunicações públicas, nomeadamente nas redes públicas de comunicações que sirvam de suporte a dispositivos de recolha de dados e de identificação, especificando e complementando as disposições da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro (Lei da Proteção de Dados Pessoais). 3. As disposições da presente lei asseguram a proteção dos interesses legítimos dos assinantes que sejam pessoas coletivas na medida em que tal proteção seja compatível com a sua natureza. 4. As exceções à aplicação da presente lei que se mostrem estritamente necessárias para a proteção de atividades relacionadas com a segurança pública, a defesa, a segurança do Estado e a prevenção, investigação e repressão de infrações penais são definidas em legislação especial. 5. (…).”
- Art. 2º, sob a epígrafe “Definições”, nos termos do qual: “1. Para efeitos da presente lei, entende-se por: a) «Comunicação» qualquer informação trocada ou enviada entre um número finito de partes mediante a utilização de um serviço de comunicações eletrónicas acessível ao público; b) «Correio eletrónico» qualquer mensagem textual, vocal, sonora ou gráfica enviada através de uma rede pública de comunicações que possa ser armazenada na rede ou no equipamento terminal do destinatário até que este a recolha; c) «Utilizador» qualquer pessoa singular que utilize um serviço de comunicações eletrónicas acessível ao público para fins privados ou comerciais, não sendo necessariamente assinante desse serviço; d) «Dados de tráfego» quaisquer dados tratados para efeitos do envio de uma comunicação através de uma rede de comunicações eletrónicas ou para efeitos da faturação da mesma; (…); g) «Violação de dados pessoais» uma violação da segurança que provoque, de modo acidental ou ilícito, a destruição, a perda, a alteração, a divulgação ou o acesso não autorizado a dados pessoais transmitidos, armazenados ou de outro modo tratados no contexto da prestação de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público. 2. É excluída da alínea a) do número anterior toda a informação difundida ao público em geral, através de uma rede de comunicações eletrónicas, que não possa ser relacionada com o assinante de um serviço de comunicações eletrónicas ou com qualquer utilizador identificável que receba a informação. 3. Salvo definição específica da presente lei, são aplicáveis as definições constantes da Lei de Proteção de Dados Pessoais e da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 51/2011, de 13 de setembro (Lei das Comunicações Eletrónicas).”.
- Art. 4º, sob a epígrafe “Inviolabilidade das comunicações electrónicas”, nos termos do qual: “1. As empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas devem garantir a inviolabilidade das comunicações e respetivos dados de tráfego realizadas através de redes públicas de comunicações e de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público. 2. É proibida a escuta, a instalação de dispositivos de escuta, o armazenamento ou outros meios de interceção ou vigilância de comunicações e dos respetivos dados de tráfego por terceiros sem o consentimento prévio e expresso dos utilizadores, com exceção dos casos previstos na lei. (…)”.
- Art. 5º, sob a epígrafe “Armazenamento e acesso à informação”, nos termos do qual: “1. O armazenamento de informações e a possibilidade de acesso à informação armazenada no equipamento terminal de um assinante ou utilizador apenas são permitidos se estes tiverem dado o seu consentimento prévio, com base em informações claras e completas nos termos da Lei de Proteção de Dados Pessoais, nomeadamente quanto aos objetivos do processamento. (…)”.
- Art. 6º, sob a epígrafe “Dados de tráfego”, nos termos do qual: “1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os dados de tráfego relativos aos assinantes e utilizadores tratados e armazenados pelas empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas devem ser eliminados ou tornados anónimos quando deixem de ser necessários para efeitos da transmissão da comunicação. 2. É permitido o tratamento de dados de tráfego necessários à faturação dos assinantes e ao pagamento de interligações, designadamente: a) Número ou identificação, endereço e tipo de posto do assinante; b) Número total de unidades a cobrar para o período de contagem, bem como o tipo, hora de início e duração das chamadas efetuadas ou o volume de dados transmitidos; c) Data da chamada ou serviço e número chamado; d) Outras informações relativas a pagamentos, tais como pagamentos adiantados, pagamentos a prestações, cortes de ligação e avisos. 3. O tratamento referido no número anterior apenas é lícito até final do período durante o qual a fatura pode ser legalmente contestada ou o pagamento reclamado. 4. As empresas que oferecem serviços de comunicações eletrónicas só podem tratar os dados referidos no n.º 1 se o assinante ou utilizador a quem os dados digam respeito tiver dado o seu consentimento prévio e expresso, que pode ser retirado a qualquer momento, e apenas na medida do necessário e pelo tempo necessário à comercialização de serviços de comunicações eletrónicas ou à prestação de serviços de valor acrescentado. 5. Nos casos previstos no n.º 2 e, antes de ser obtido o consentimento dos assinantes ou utilizadores, nos casos previstos no n.º 4, as empresas que oferecem serviços de comunicações eletrónicas devem fornecer-lhes informações exatas e completas sobre o tipo de dados que são tratados, os fins e a duração desse tratamento, bem como sobre a sua eventual disponibilização a terceiros para efeitos da prestação de serviços de valor acrescentado. 6. O tratamento dos dados de tráfego deve ser limitado aos trabalhadores e colaboradores das empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público encarregados da faturação ou da gestão do tráfego, das informações a clientes, da deteção de fraudes, da comercialização dos serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, ou da prestação de serviços de valor acrescentado, restringindo-se ao necessário para efeitos das referidas atividades. 7. O disposto nos números anteriores não prejudica o direito de os tribunais e as demais autoridades competentes obterem informações relativas aos dados de tráfego, nos termos da legislação aplicável, com vista à resolução de litígios, em especial daqueles relativos a interligações ou à faturação.”.
- Art. 8º, sob a epígrafe “Facturação detalhada”, nos termos do qual: “1. Os assinantes têm o direito de receber faturas não detalhadas. 2. As empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público devem conciliar os direitos dos assinantes que recebem faturas detalhadas com o direito à privacidade dos utilizadores autores das chamadas e dos assinantes chamados, nomeadamente submetendo à aprovação da CNPD propostas quanto a meios que permitam aos assinantes um acesso anónimo ou estritamente privado a serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público. (…)”.

Com relevância, há ainda que citar a Deliberação nº 1638/2013, da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), na qual se refere, para além do mais, que:
- Sob a epígrafe: “A. Princípios jurídicos de proteção de dados”: “O controlo da utilização para fins privados das tecnologias de informação e comunicação no contexto laboral consubstancia um tratamento de dados pessoais, pelo que está submetido às disposições da Lei nº 67/98, de 26 de outubro (…); (…). Uma adequada parametrização aplicada ao universo global dos trabalhadores (v.g., quantidade, custo e duração de chamadas telefónicas, número de mensagens enviadas e tipo de ficheiros em anexo, tempo gasto em consultas na Internet) é suficiente para satisfazer os objetivos do controlo, permitindo detetar eventuais utilizações abusivas. (…). Os dados de tráfego são dados igualmente abrangidos pelo sigilo das comunicações, pelo que os controlos individualizados não devem ocorrer. Com efeito, neste contexto, impõe-se proteger em particular dados de tráfego que são reveladores de aspetos da vida privada do trabalhador, como sejam o número de telefone chamado, o endereço de correio eletrónico do destinatário ou a identificação do sítio da Internet visitado. (…). Também por força do princípio da boa-fé tem de ser integralmente cumprido o dever de informação aos trabalhadores, em conformidade com os artigos 2º, 5º, nº 1, alíneas a) e b), e 10º da LPD e artigos 106º e 107º do CT. Deste modo, a entidade empregadora deve- antes de iniciar o tratamentoinformar o trabalhador sobre as condições de utilização dos meios da empresa para fins privados e a realização do seu controlo (formas e metodologias adotadas) sobre a existência do tratamento de dados que lhe está associado, suas finalidades, os dados tratados e o seu tempo de conservação, bem como sobre o grau de tolerância admitido e as consequências da má utilização ou utilização indevida dos meios de comunicação colocados à sua disposição. Sublinha-se que o direito à informação assume particular relevância neste tipo de tratamentos, na medida em que os referidos controlos são suscetíveis de ser efetuados sem que o trabalhador se aperceba.
- Sob a epígrafe “E. Procedimentos a adotar pelas entidades empregadoras”: “O estabelecimento de regras de utilização dos meios de comunicação da empresa ou de organismo público, a delimitação das condições do tratamento de dados e a especificação das formas de controlo devem constar de Regulamento Interno, assim se cumprindo em parte, por esta via, o direito de informação consagrado no artigo 10º da LPD. (…)”.
- No Capítulo III, sob a epígrafe “Os tratamentos de dados em especial”, ponto “A. Controlo de dados de comunicações telefónicas e dados de tráfego” refere-se o seguinte: “A entidade empregadora deve definir, com rigor, o grau de tolerância quanto à utilização dos telefones, fixos ou móveis, e as formas de controlo realizadas. (…). Caso tenha sido estabelecido o controlo de chamadas realizadas, não devem ser tratados dados não necessários à realização da finalidade de controlo; o tratamento deve limitar-se à identificação do utilizador, à sua categoria/função, número de telefone chamado/recebido com supressão dos últimos quatro dígitos, tipo de chamada – local, regional e internacional – duração da chamada e custo da comunicação. (…).”;
- Sob a epígrafe “B. Controlo de correio eletrónico e de dados de tráfego” refere-se o seguinte: “Sejam quais forem as regras definidas pela empresa para a utilização do correio eletrónico para fins privados, o empregador não tem o direito de abrir, automaticamente, o correio eletrónico dirigido ao trabalhador. Não é o facto de certas mensagens ficarem gravadas em servidores da propriedade do empregador que lhe dá o direito de aceder àquelas mensagens, as quais não perdem a sua natureza pessoal ou confidencial, mesmo quando esteja em causa investigar e provar uma eventual infração disciplinar. Mas deve ser exigida aos trabalhadores a criação de pastas próprias, devidamente identificadas, onde o trabalhador arquive os correios eletrónicos de conteúdo pessoal que constam da caixa de correio profissional. (…). A entidade empregadora deve escolher metodologias de controlo não intrusivas, que estejam de acordo com os princípios previamente anunciados, máxime, o da proporcionalidade, e que sejam do conhecimento dos trabalhadores. (…). O acesso ao correio eletrónico (…), sendo necessário que seja feito na presença do trabalhador visado (…) ou de alguém indicado pelo trabalhador. O referido acesso deve limitar-se à visualização dos endereços dos destinatários, o assunto, a data e hora do envio, (…). Impõe-se ao empregador (…) que, tendo consciência da natureza pessoal de uma comunicação, desista da leitura do seu conteúdo e não o divulgue. (…). As razões determinantes da entrada na caixa postal dos trabalhadores, com fundamento em ausência, têm de ser claramente explicitadas e semelhante controlo deve ser previamente comunicado ao trabalhador, e ser realizado também na presença de um representante da comissão de trabalhadores, ou de alguém indicado pelo trabalhador.”.

Da referida regulamentação decorre dever ser assegurado ao trabalhador o direito à reserva da intimidade da vida privada e à confidencialidade das comunicações, devendo o acesso e tratamento de dados pessoais observar, nos termos da Lei 67/98, determinados princípios, tal como também apontado pela doutrina.
A este propósito, André Pestana Nascimento[7], aponta os seguintes: princípio da transparência (art. 2º), no âmbito do qual os trabalhadores têm o direito de ser informados sobre a identidade do responsável pelo tratamento dos dados pessoais, das finalidades do tratamento e das condições de acesso, retificação e atualização dos mesmos; principio da qualidade dos dados (art. 5º, nº 1, al. b), no âmbito do qual os dados pessoais tratados devem ser adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e posteriormente tratados; princípio da finalidade (art. 5º, nº 1, al. b), nos termos do qual os dados devem ser recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, não podendo posteriormente serem tratados de forma incompatível com essa finalidade; princípio da legitimidade do tratamento dos dados pessoais (art. 6º), os quais deverão, em regra, ser tratados apenas após o titular dos mesmos dar o seu consentimento, salvo nas situações legalmente previstas no art. 6º; princípio da limitação do período de conservação dos dados (art. 5º, nº 1); princípio da proibição de tomada de decisões automatizadas (art. 13º); princípio da confidencialidade (art. 17º); princípio da notificação (art. 27º), no âmbito do qual os responsáveis pelo tratamento de dados pessoais estão obrigados a notificar previamente a CNDP de qualquer operação de tratamento de dados que pretendam levar a cabo.
E, conclui o mencionado autor, dizendo que “Resulta, assim, do exposto que quando os dados pessoais não tenham sido recolhidos de forma lícita e em obediência aos ditames legais, não poderão ser utilizados pelo empregador.”.
Assim também Teresa Alexandra Coelho Moreira[8] entende que o empregador, antes de qualquer medida de controlo eletrónico destes meios, tem de respeitar os princípios previstos na LPDP, a saber: principio da finalidade, nos termos do qual os dados pessoais apenas podem ser recolhidos quando existam motivos determinados, explícitos e legítimos, sendo essencial a definição precisa destas finalidades e, citando Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Anotada, 4ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 552, que tal definição deve ter lugar logo no momento da recolha dos dados; princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, o qual se subdivide nos princípios: da conformidade ou adequação de meios, nos termos do qual a medida adotada para a realização de um determinado interesse tem de ser a apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes; da exigibilidade ou da necessidade ou da menor ingerência possível, o qual está relacionado, quando aplicado ao direito do trabalho, com a necessidade de salvaguardar a correta execução do contrato e o da proporcionalidade no sentido restrito, nos termos do qual, “ainda que a medida seja necessária e adequada para alcançar o fim determinado, ainda assim tem de se aferir se o resultado obtido é proporcional à restrição ocorrida”; principio da transparência, que “consiste no conhecimento da vigilância e do controlo exercido pelo empregador, sendo essencial para o correcto tratamento de dados pessoais das pessoas em geral, e dos trabalhadores, em especial. Desta forma, o direito do titular dos dados a receber toda a informação relativa a si mesmo, constitui um dos princípios geralmente aceites como parte essencial e integrante do direito à autodeterminação informativa. O principio da transparência constitui um requisito prévio para poderem ser exercidas as faculdades reconhecidas legalmente ao titular dos dados pessoais, na medida em que ninguém pode actuar ou defender um direito se não sabe que ele existe na sua esfera jurídica. Na verdade, este direito é capital para o correcto funcionamento do sistema de protecção de dados, pois muito dificilmente poderão ser exercidos, v.g., os direitos de acesso ou de oposição ao tratamento se a pessoa não obteve prévia informação sobre este tratamento. (…). Por outro lado, não pode deixar de centrar-se a atenção neste princípio dada a desnecessidade de consentimento como regra geral na relação de trabalho. Ponto essencial passa a ser o da informação que tem de ser dada ao trabalhador, titular dos dados. (…), na vertente de direito à autodeterminação informativa, o que impõe o conhecimento do tipo, do tempo e por quem o controlo está a ser realizado. Assim, os trabalhadores terão de ser informados previamente de forma expressa e inequívoca da existência do controlo e dos dados recolhidos, do objecto e da finalidade destes, assim como qual irá ser a posterior utilização da informação recolhida, e, ainda, da identidade e direcção do responsável pelo tratamento. Entende-se, desta forma, que se o trabalhador não for informado devida e completamente destas circunstâncias ou de alguma parte delas para a realização destas medidas de controlo excepcionais, assim como do alcance e do â.mbito de aplicação do mesmo, o contro deverá ser considerado ilegal[sublinhado nosso]; princípios da adequação e da pertinência, nos termos do qual, embora se possa realizar “o tratamento de dados pessoais, os mesmos não podem incluir dados estranhos à finalidade que foi permitida.”; princípio da compatibilidade com a finalidade prevista inicialmente, principio este que “estabelece a proibição de o empregador aproveitar-se deste tipo de dados para um uso de diferente da finalidade originária para a qual foram aceites e impõe uma grande limitação ao poder de controlo eletrónico do empregador na medida em que ele não pode fazer um uso livre da informação recolhida. (…). Defende-se que o conteúdo deste conceito deve ser entendido tendo em atenção o resultado final pretendido e definido à partida e pelas operações de tratamento que lhe forem posteriores, não se podendo efectuar uma alteração substancial da finalidade inicial sob pena de se desvirtuar o principio da adequação e da finalidade. Desta forma, só podem ser tratados os dados que sejam adequados e pertinentes de acordo com uma finalidade legitima, não se aprovando o tratamento de tais dados com finalidades incompatíveis das que justificam o tratamento declarado no momento inicial da obtenção do consentimento”.
Sónia Kietzman Lopes[9], refere que o tratamento dos dados abrangido pelo art. 6º da Lei 67/98 deve ser precedido de notificação à Comissão Nacional de Proteção de Dados e que o empregador que a ele proceda está também sujeito ao dever de informação previsto no art. 10º do mesmo diploma.
Menezes Leitão[10], refere que o tratamento de dados pessoais deve: ser efetuado após o consentimento do titular; ser tratado de forma lícita e de boa-fé, não podendo ser utilizados para fins diferentes do que aquele para que foram recolhidos; não podem ser excessivos; a recolha dos dados implica designadamente a prestação ao titular das informações sobre a identidade do responsável, finalidades do tratamento e a existência de condições de direito de acesso.
Sobre a exigência da verificação dos requisitos a que nos temos vindo a reportar veja-se também Catarina Sarmento e Castro[11].
Por fim, de acordo com a Deliberação nº 1638/2013 da CNPD, já acima transcrita, “Também por força do princípio da boa-fé, tem de ser integralmente cumprido o dever de informação aos trabalhadores, em conformidade com os artigos 2º, 5º, nº 1, alíneas a) e b) da LPD e artigos 106º e 107º do CT. Deste modo, a entidade empregadora deve – antes de iniciar o tratamento – informar o trabalhador sobre as condições de utilização dos meios da empresa para fins privados e a realização do seu controlo (formas e metodologias adotadas), sobre a existência do tratamento de dados que lhe está associado, bem como sobre o grau de tolerância admitido e as consequências da má utilização ou utilização indevida dos meios de comunicação colocados à sua disposição. (…)”

2.2.2. Emails pessoais, profissionais e (in)existência de regulamentação da utilização do correio eletrónico

2.2.2.1. A recolha e tratamento de dados relativos ao correio eletrónico, mormente emails, enviados ou rececionados pelo trabalhador que tenham natureza pessoal/extraprofissional (por contraposição à natureza profissional, esta a levada a cabo pelo trabalhador no âmbito do exercício das suas funções ao serviço do empregador) integra a esfera de dados pessoais do trabalhador e o conceito de dados pessoais previsto no art. 3º, al. a), da Lei 67/98, bem como o conceito de correio eletrónico a que se reporta o art. 2º da Lei 41/2004, estando pois abrangido pela tutela destes diplomas, bem como, naturalmente, pela tutela conferida aos direitos à privacidade e à confidencialidade das mensagens pelos preceitos constitucionais acima referidos e pelo CT/2009 (arts. 16º, 17º e 22º).
Assim, o empregador não poderá aceder ao conteúdo, seja em suporte físico ou informático, de email de natureza pessoal/extraprofissional que haja sido enviado e/ou rececionado pelo trabalhador (à semelhança, também, do que ocorre com a comunicação telefónica, em que é proibida a escuta) [12], no que aliás parece não existir divergências relevantes na doutrina e na jurisprudência.
Como diz Teresa Coelho Moreira [13] “No caso de se tratar de mensagens marcadas como pessoais ou de mensagens que não estão qualificadas como tais mas que pelo teor dos dados externos se deduz que o sejam”, elas “estão protegidas pelo direito ao sigilo das comunicações nos termos constitucionais e também pelo art. 22 do CT, sendo assim invioláveis.”. E André Pestana Nascimento [14], in. ob. cit., pág. 247, ao referir que “é praticamente unânime que o empregador não pode aceder ao conteúdo das mensagens pessoais enviadas ou recebidas pelo trabalhador.”
E se, por qualquer razão inadvertida, o empregador acedesse ao conteúdo de email pessoal/extraprofissional do trabalhador, teria que parar imediatamente a leitura, pelo que, muito menos, se poderia socorrer do mesmo para prova de qualquer infração disciplinar – cfr. Acórdão do STJ de 05.07.2007, Processo 07S043, onde se dá também conta de diversas posições doutrinais, e Acórdão desta Relação do Porto de 08.02.2010, Processo 452/08.0TTVFR.P1[15], in www.dgsi.pt.
E tais considerações valem para o caso de mensagens enviadas ou recebidas quer em conta de correio eletrónico pessoal do trabalhador, quer em conta de correio eletrónico que o empregador haja disponibilizado ao trabalhador. Se, ainda que enviada de conta de correio eletrónico profissional, o empregador constatar pelos dados exteriores do email que o mesmo tem natureza pessoal não poderá proceder à sua leitura ou, não o constatando pelos dados exteriores, abrir o email e verificar que tem natureza pessoal/extraprofissional deverá igualmente parar a leitura. A circunstância de um email ser enviado do computador do empregador e/ou de conta de correio eletrónico pelo mesmo disponibilizado não transmuta a natureza pessoal do email, que sempre se manterá, em email profissional.

2.2.2.2. A doutrina distingue entre as situações em que existe uma definição, clara e precisa, determinada pelo empregador, e comunicada ao trabalhador, acerca da utilização dos meios informáticos, designadamente da utilização de conta de email fornecida por este e de acordo com a qual tal conta apenas deverá ser utilizada para fins profissionais, daquelas outras situações em que é permitida a utilização da conta de correio eletrónico profissional para fins profissionais e para efeitos pessoais ou em que não existe tal definição.

Naquela primeira situação - existência de definição acerca da utilização da conta de correio eletrónico para fins exclusivamente profissionais - existe uma maior expetativa e/ou “presunção” por parte do empregador de que os emails enviados da caixa de correio eletrónico profissional tenham natureza profissional. Teresa Coelho Moreira, ob. citada, pág. 49/50, refere que “parece-nos excessivo abranger dentro da proteção do sigilo das comunicações os e-mails profissionais, no caso de existir uma política clara acerca da utilização destes e contas separadas de e-mails. (…). Assim, quando existe uma política clara acerca da utilização de meios (…) que os trabalhadores conhecem, respeitando-se assim os princípios da informação e da publicidade, deve considerar-se lícita a possibilidade de acesso do empregador ao e-mail profissional do trabalhador (…)”. Mais entende, ainda quanto a estas situações, que o controlo e acesso ao email profissional deve observar os princípios estabelecidos na Lei de Proteção de Dados Pessoais, designadamente o da proporcionalidade, da finalidade e da compatibilidade com a finalidade declarada, não podendo ser indiscriminada, arbitrária ou exaustiva e que deverá ocorrer na presença do trabalhador, a não ser que se encontre ausente por algum motivo e seja este exatamente a causa da sua visualização.
Por sua vez, refere André Pestana Nascimento, ob. cit., pág. 250, que “essencial e pressuposto desta monotorização é que os trabalhadores tenham sido previamente informados dessa possibilidade por parte do empregador, seja no contrato de trabalho, através de regulamento interno ou de uma mera circular”.
Ainda quanto a essa primeira situação – existência de definição acerca da utilização da conta de correio eletrónico para fins exclusivamente profissionais – entendemos, mesmo no âmbito destas situações e como acima se disse, que se o empregador, por qualquer razão, aceder ao conteúdo de email enviado ou rececionado na caixa de correio profissional e constatar que, afinal, o email tem natureza pessoal/extraprofissional, não poderá dele tomar conhecimento, devendo parar a leitura, e, por consequência, muito menos poderá fazer uso do mesmo, sob pena de violação do direito ao sigilo das comunicações. Como diz André Pestana Nascimento, ob. cit., pág. 249 “caso o empregador proíba a utilização dos instrumentos de trabalho para fins pessoais, a violação deste dever por parte do trabalhador não legitima o acesso por parte do empregador ao conteúdo das mensagens”. E Menezes Leitão, ob. cit, págs, 162 e segs, “a violação dessas regras de utilização dos meios de comunicação não permite, no entanto, ao empregador efetuar qualquer violação da confidencialidade das comunicações efetuadas pelo trabalhador. Assim, por exemplo, a indevida utilização do telefone, correio eletrónico ou internet pode ser detectada sem ter que se determinar o conteúdo das comunicações ou quais os sites visitados”.

Já na segunda situação -de ausência de definição de regras claras e precisas quanto à utilização da conta de correio eletrónico profissional, mormente não proibição da sua utilização para fins pessoais, e/ou não comunicação das mesmas ao trabalhador - o facto de o empregador colocar à disposição do trabalhador uma conta de correio eletrónico profissional não permite automaticamente que se possa considerar, “presumir” ou partir do pressuposto de que as mensagens enviadas ou recebidas pelo trabalhador tenham natureza profissional. Nesta situação, face à inexistência de regras, designadamente de proibição da sua utilização para efeitos pessoais, é de admitir, e deve o empregador admiti-lo como possível, que essa utilização possa ter lugar para efeitos também pessoais, não havendo razão que fundamente uma maior expetativa por parte do empregador de que a utilização do email o será apenas para fins profissionais.
Teresa Coelho Moreira refere, ob. cit., pág. 52, a propósito destas situações que “Nestes casos parece-nos que o e-mail estará protegido pelo direito ao sigilo das comunicações (…)”; André Pestana Nascimento, ob. cit,, pág. 249, que “Nesta situação, (…), ao empregador não será igualmente lícito aceder ao conteúdo dos e-mails (…)”. E Sónia Kietsman Lopes, ob. cit., pág. 41, que “Autorizada que tenha sido a utilização para fins pessoais (ou não tendo esta sido interdita), está vedado à entidade empregadora inteirar-se ou difundir o conteúdo das mensagens de natureza pessoal ou os acessos levados a cabo pelo trabalhador com carater extraprofissional (o que significa, também, que, ainda que o empregador tenha, por qualquer motivo, tido acesso a tal conteúdo, não o poderá fazer valer contra o trabalhador, v.g., em sede de procedimento disciplinar. Isso é, independentemente de o trabalhador poder ser alvo de procedimento disciplinar por utilização abusiva dos instrumentos de trabalho, o procedimento não poderá ter por fundamento o conteúdo das mensagens.”.
Diogo Vaz Marecos [16], refere que “não se veda que o empregador aceda à caixa de correio eletrónico que foi por si disponibilizado ao trabalhador. Contudo, esse acesso deverá constituir o último recurso, o qual deve ser realizado não só na presença do trabalhador, como limitar-se à visualização dos endereços eletrónicos, dos destinatários, o assunto, a data e a hora do envio”. Mais refere que deverão ser cumpridos os requisitos previstos na Lei 67/98, designadamente os arts. 2º, als. a) e b) do nº 1 do art. 5º e do nº 1 do art. 10º, conjugados com o art. 97º do CT/2009, donde resulta, para além do mais, que o empregador deve, antes de iniciar qualquer tipo de tratamento – informar o trabalhador sobre as condições de utilização dos meios da empresa para efeitos particulares ou do grau de tolerância admitido, sobre a existência do tratamento, suas finalidades, existência de controlo (forma e metodologias adotadas)
Por sua vez, Júlio Manuel Vieira Gomes [17] (citado pela Recorrida) refere, reportando-se a mensagem recebida na empresa por carta, por ex, «de um cliente, fornecedor ou das Finanças, endereçada ao “responsável pelo sector de vendas X” ou ao “director dos serviços de contabilidade”, mesmo que a designação das funções exercidas pelo trabalhador venha seguida do seu nome», que: «o empregador poderá abri-la, sobretudo se tiver razões para pensar que se impõe responder com alguma urgência. A questão que se coloca é, quanto a nos, a de saber se o empregador podia legitimamente acreditar que a mensagem tinha natureza profissional e se havia uma justificação para que não fosse o trabalhador a responder-lhe (porque, por exemplo, o mesmo se encontrava suspenso preventivamente, ausente em parte incerta ou, talvez até, simplesmente, porque o seu contrato de trabalho a termo caducaria em breve, para dar alguns exemplos). Transpondo esta ideia para o correio eletrónico, parece-nos que o empregador poderá abrir as mensagens que que pode legitimamente acreditar que não são pessoais. Tal será o caso, designadamente, se não tiver autorizado o uso do correio eletrónico para fins pessoais (se do contexto da mensagem não resultar, apesar disso, que ela é efetivamente pessoal – seja porque foi mesmo qualificada como tal pelo trabalhador, seja porque tal resulta do assunto ou, porventura, do remetente ou do destinatário que é, por exemplo, a mulher do trabalhador) ou se tiver criado dois endereços, um para utilização profissional e outro para uso pessoal, relativamente àqueles. Parece-nos já impor-se maior cautela quando o empregador autorize o uso “promíscuo” do correio eletrónico». [sublinhado nosso].

Analisando tudo quanto ficou referido, a nível legal e doutrinal, afigura-se-nos que, nas situações em que é disponibilizado ao trabalhador conta de correio eletrónico profissional, mas sem definição de regras quanto à sua utilização, mormente sem que seja proibida a sua utilização para efeitos pessoais, não pode o empregador aceder ao conteúdo dos emails enviados ou rececionados nessa conta, mesmo que não estejam marcados como pessoais ou dos seus dados externos não resulte que sejam pessoais. Em nosso entendimento, e em síntese, essa é a posição que melhor se coaduna com a proteção constitucional e legal conferida ao sigilo das comunicações, bem como com a circunstância de, inexistindo proibição da sua utilização para fins pessoais estabelecida pelo empregador ao abrigo do nº 2 do art. 22º (comunicada ao trabalhador), se mostrar legítima a expetativa do trabalhador de que o direito à confidencialidade dos emails por si enviados ou recebidos irá ser, ou deverá ser, respeitado pelo empregador.
Por outro lado, mesmo existindo regras definidas quanto à proibição de utilização de conta profissional para fins pessoais, se for constatado ou constatável pelo empregador que o email não tem natureza profissional, não poderá o empregador a ele aceder. E se, porventura, tal constatação prévia não for possível e o empregador a ele aceder, deverá parar imediatamente a leitura, não podendo dele fazer uso, mormente para efeitos disciplinares.
Em qualquer dos casos, o controlo que seja efetuado deve sempre observar os mencionados princípios, decorrentes das Leis 67/98, de 26.10 e 41/2004 e apontados pela doutrina.
2.2.3. Dados de tráfego
Uma outra questão se levanta, e que se prende com a possibilidade do empregador aceder, ou não, aos dados de tráfego do correio eletrónico (e-mails) enviados e recebidos pelo trabalhador, dados esses que se reportam à data, hora, remetente, destinatário e assunto do e-mail.
A recolha e tratamento dos dados de tráfego consubstancia, para efeitos da Lei 67/98, tratamento de dados pessoais e estão também abrangidos pela inviolabilidade das comunicações eletrónicas a que se reporta o art. 4º, nº 1, da Lei de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade nas Telecomunicações (Lei 41/2004).
Não obstante, a doutrina, pelo menos maioritária ao que supomos, parece admitir tal acesso. Assim, André Pestana Nascimento, ob. cit., pág, 249; Sónia Kietzman Lopes aflora a questão, referindo que alguns autores admitem essa possibilidade; Diogo Vaz Marecos, ob. citada, conforme acima já demos conta; Guilherme Dray [18] ao referir o empregador não pode aceder a mensagens de natureza pessoal que constam da caixa de correio eletrónico do trabalhador; que a visualização de tais mensagens, que apenas se justifica em casos esporádicos, deve ser feita na presença do trabalhador ou de quem o represente e deve limitar-se à visualização do endereço do destinatário ou remetente da mensagem, do assunto, data e hora do envio; Catarina Sarmento e Castro, Questões Laborais nº 20, pág. 139 e segs.
Por sua vez, Teresa Coelho Moreira, ob. citada, pág. 243, refere que a proteção prevista no art. 34º da CRP do segredo de correspondência abrange não apenas o conteúdo das comunicações como o seu tráfego, e engloba também os anexos dos e-mails. Não obstante, a pág. 53 a 55 da mesma, sustenta que alguns, mas não todos, desses dados de tráfego externos poderão ser conhecidos pelo empregador. Podê-lo-ão ser os relativos ao remetente (supõe-se que se reporte ao trabalhador/remetente), ao assunto, à hora de envio, ao tamanho assim como ao tipo de anexo, mas não já ao destinatário, na medida em que se trata de um terceiro e de dados pessoais deste, abrangido pela direito ao sigilo. Com efeito, ali refere-se o seguinte: “O empregador, apesar de não poder controlar o conteúdo das mensagens no caso dos e-mails pessoais ou no caso de um uso indiscriminado, poderá, contudo, controlar alguns dados externos para tentar visualizar se os trabalhadores estão a utilizar correctamente ou não os seus meios de comunicação. Não se duvida de que o direito ao sigilo das comunicações também abrange estes dados, e que o próprio TEDH, no caso Malone entendeu que o simples registo dos números telefónicos realizados constitui uma ingerência ilegítima na privacidade das pessoas, sobretudo do destinatário das comunicações, na medida em que o direito ao segredo das comunicações abrange estes dados. (…)”. Contudo, apelando a uma interpretação menos restritiva do sigilo das comunicações, à necessidade de tutela também do interesse do empregador, o qual ficaria sem qualquer possibilidade de controlo se não lhe fosse permitido o controlo desses dados, ao disposto no art. 6º, nº 2, da Lei 41/2004, nos termos do qual “podem ser tratados dados de tráfego necessários para efeitos de faturação dos assinantes e de pagamento de interligações”, por um lado, mas, por outro, tendo em conta o direito à privacidade dos destinatários/terceiros, concluiu nos termos já acima apontados, isto é, no sentido de que “o conhecimento dos dados de tráfego deve ficar limitado ao remetente, ao assunto, à hora de envio, ao tamanho deste assim como ao tipo de anexo”.
No que se reporta à Deliberação nº 1638/2013 da CNPD, dela consta o seguinte: “Assim, a entidade empregadora deve privilegiar metodologias genéricas de controlo, afastando, sempre que possível, a consulta individualizada de dados pessoais. Uma adequada parametrização aplicada ao universo global dos trabalhadores (v.g.., quantidade, custo e duração de chamadas telefónicas, número de mensagens enviadas e tipo de ficheiros em anexo, tempo gasto em consultas na internet) é suficiente para satisfazer os objetivos do controlo, permitindo detetar eventuais utilizações abusivas. Por outro lado, sublinha-se que a entidade empregadora tem a possibilidade de aceder aos dados de tráfego associados às comunicações realizadas pelos trabalhadores na medida em que detém, na generalidade das situações, o seu registo. Ora, os dados de tráfego são dados igualmente abrangidos pelo sigilo das comunicações, pelo que os controlos individualizados não devem ocorrer. Com efeito, neste contexto, impõe-se proteger em particular aqueles dados de tráfego que são reveladores de aspetos da vida privada do trabalhador, como o sejam o número de telefone chamado, o endereço de correio eletrónico do destinatário ou a identificação do sítio da internet visitado. (…), Nessa medida, considera-se que os intuitos do controlo serão alcançados com a adoção de mecanismos técnicos que possibilitem apenas o tratamento de alguns dados, tais como a hora e duração da comunicação que dissociados da informação acima referida, não apresentam risco para a privacidade do trabalhador, enquanto permitem descobrir algum desvio às normas estabelecidas para os meios da entidade empregadora.(…)”. [sublinhados nossos].
Por sua vez, Gomes Canotilho e Vital Moreira [19] referem que “o conteúdo do direito de correspondência e de outros meios de comunicação privada abrange toda a espécie de correspondência de pessoa a pessoa (cartas, postais, impressos), cobrindo mesmo as hipóteses de encomendas que não contêm qualquer comunicação escrita, e todas as telecomunicações (telefone, telegrama, telefax, etc). A garantia do sigilo abrange não apenas o conteúdo da correspondência, mas o «tráfego» como tal (espécie, hora, duração, intensidade de utilização).
Aqui, as restrições estão autorizadas apenas em processo criminal (nº 4), e estão sob reserva de lei (art. 18º-2 e 3), só podendo ser decididas por um juiz (art. 32º-4). A Constituição não abre qualquer exceção ao sigilo da correspondência no âmbito de “relações especiais de poder”, salvo eventualmente no que respeita aos presos, nos estritos termos do art. 30º-5. A inviolabilidade da correspondência impõe-se naturalmente também fora das relações Estado-cidadão, vinculando toda e qualquer pessoa a não devassar a correspondência ou comunicações de outrem.”.
Com relevo mostra-se ainda o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 241/2002, de 29.05.2002, DR, II Série, de 23.07.2002, que decidiu “Julgar inconstitucional a norma ínsita no artigo 519º, nº 3, al. b), do Código de Processo Civil quando interpretada no sentido de que, em processo laboral, podem ser pedidas, por despacho judicial, aos operadores de telecomunicações informações relativas aos dados de tráfego e à facturação detalhada na linha telefónica instalada na morada de uma parte, sem que enferme de nulidade a prova obtida com a utilização dos documentos que veiculam aquelas informações, por infração ao disposto nos artigos 26º, nº 1, e 34º, nºs 1 e 4 da Constituição.” [no § antecedente à decisão, no que se reporta ao reflexo da violação constitucional no âmbito da prova, referiu-se o seguinte: “(…). A infracção à proibição constitucional de ingerência nas telecomunicações há-de, pois, ter nos processos cíveis e em matéria de prova, a mesma sanção radical: a nulidade.”].

2.2.3.1. Dados de tráfego de emails de contas de correio eletrónico pessoais/extraprofissionais do trabalhador

No que se reporta, pelo menos, a contas de correio eletrónico pessoais/extraprofissionais do trabalhador afigura-se-nos que as posições de Gomes Canotilho e Vital Moreira e o entendimento sufragado na referida decisão do Tribunal Constitucional apontam no sentido de que os dados de tráfego relativos aos e-mails estariam abrangidas pelo direito ao sigilo e pela inviolabilidade das comunicações. Nesse sentido poder-se-á também dizer que se tratam de contas de correio eletrónico pessoais do trabalhador e, fazendo o paralelismo com as comunicações telefónicas, tal como o empregador não pode solicitar ou aceder à faturação detalhada da conta telefónica particular/pessoal do trabalhador, também não poderia aceder aos dados de tráfego de emails enviados ou recebidos nas contas de correio eletrónica pessoal do trabalhador [tenha-se, também, em atenção o seguinte exemplo: admitindo, por hipótese, que o empregador proibia a realização de chamadas de natureza pessoal seja de telefone da empresa ou cedido ao trabalhador para efeitos profissionais, seja de telemóvel pessoal do trabalhador, parece não se afigurar como possível o controlo das chamadas efetuadas pelo trabalhador: na primeira situação, por via da tutela da privacidade, face à supressão dos últimos 4 dígitos do telefone chamado – cfr. art. 8º da Lei 46/2012 e Deliberação mencionada da CNPD; na segunda situação, seria manifestamente ilegítimo aceder, sem autorização do trabalhador, ao telemóvel particular deste e às chamadas realizadas a partir do mesmo, assim como o seria aceder à sua faturação ou outros dados de tráfego do mesmo].
Mas, ainda que não se sufragasse tal entendimento, sempre terá que se considerar que, pelo menos nas situações em que o empregador, ao abrigo do disposto nos arts. 22º, nº 2, e 106º, nº 1, ambos do CT, não haja regulamentado e proibido a utilização de contas de email pessoais, o controlo dos dados de tráfego de tais contas sempre será inadmissível. É que, em tal caso, o controlo não estaria, sequer, legitimado pela possibilidade conferida ao empregador, mas não utilizada, pelo citado art. 22º, nº 2. Não tendo o empregador estabelecido regras para tal utilização, comunicadas ao trabalhador, que legitimassem, nos termos do nº 2 do art. 22º, o controlo da utilização do correio eletrónico, por um lado, e tratando-se, por outro, de contas de correio eletrónico pessoais do trabalhador, não se nos afigura que fosse admissível tal controlo, desde logo por violação do princípios da finalidade, da proporcionalidade e da transparência.

2.2.3.2. Dados de tráfego de emails de contas de correio eletrónico profissionais com utilização indistinta para fins profissionais e pessoais

Já no que se reporta a contas de correio eletrónico profissionais com utilização indistinta para fins profissionais e pessoais – afigura-se-nos não dever ser a solução tão restritiva quanto a anterior. Com efeito, e novamente com apelo à comparação com a faturação detalhada, o empregador, enquanto assinante, a ela tem direito, podendo, pois, aceder à informação de que foi efetuada uma ligação, à data e hora da ligação e ao tempo da chamada. Assim, por paralelismo, e considerando ainda as posições sufragadas, entre a demais doutrina que considera admissível tal acesso, por Teresa Coelho Moreira e pela CNPD, afigura-se-nos que o empregador poderá tomar conhecimento da data e hora do envio do email e do remetente e/ou destinatário se for o trabalhador.
Mas já não poderá tomar conhecimento do remetente e/ou destinatário do email se este for um terceiro, atento o direito à proteção da privacidade e do sigilo das comunicações [nos termos do art. 8º, nº 2, da Lei 41/2004, os direitos dos assinantes que recebem faturas detalhadas devem ser conciliados com o direito à privacidade dos assinantes chamados e, quiçá por isso, na Deliberação 1638/2013 da CNPD, se referiu, no que se reporta ao controlo das comunicações telefónicas e respetivos dados de tráfego, que o controlo do número chamado/recebido tem lugar mas com a supressão dos últimos quatro dígitos, raciocínio este que vale igualmente para os terceiros que sejam remetentes ou destinatários dos e mails].
Refira-se a este propósito que, pese embora a CNPD relativamente ao acesso dos tráfego referentes ao correio eletrónico pareça admitir o controlo dos dados relativos aos endereços dos destinatários [“Controlo de correio eletrónico e de dados de tráfego. (…) O referido acesso deve limitar-se à visualização dos endereços dos destinatários, o assunto, a data e hora do envio, (…)”][20], já no que se reporta ao controlo das chamadas telefónicas e acesso à faturação detalhada parece, como referido, não admitir a possibilidade de controlo do número chamado, impondo até a supressão dos últimos quatro dígitos [atenta, face à necessidade de proteção da privacidade de terceiro]. Ora, se assim é e salvo melhor opinião, afigura-se-nos que idêntico raciocínio valerá também para os destinatários e/ou remetentes de correio eletrónico que sejam terceiros.

Não nos parece, pois, que a invocação, na decisão recorrida, da possibilidade de tratamento dos dados de tráfego para efeitos de faturação prevista no art. 6º, nº 1, da Lei 41/2004 constitua fundamento suficiente para a possibilidade de controlo de todos os elementos objeto dos dados de tráfego. Como decorre do art. 8º da Lei 41/2004 o direito à privacidade dos assinantes chamados deve ser salvaguardado e, por similitude, os terceiros remetentes ou destinatários do email também o deverão ser.

Quanto aos anexos do email estão eles, também, protegidos pelo direito ao sigilo das comunicações quanto ao seu conteúdo, mas não já, considerando a doutrina, ao que julgamos maioritária e o entendimento da Deliberação da CNPD, quanto aos seus dados externos (tipo e tamanho).

Por fim, resta referir que, em relação aos dados passíveis, nos termos apontados, de tratamento pelo empregador, sempre deverá tal tratamento obedecer às regras e princípios previstos na Lei 67/98 e 41/2004, designadamente ao da finalidade, da transparência e da notificação à CNPD.

2.2.3.3. Assim, e em conclusão do que se disse quanto aos dados de tráfego:

i) pelo menos nas situações em que o empregador, ao abrigo do disposto nos arts. 22º, nº 2, e 106º, nº 1, ambos do CT, não haja regulamentado e proibido a utilização de contas de email pessoais, o controlo dos dados de tráfego de tais contas sempre será inadmissível.
ii) No que se reporta a contas de correio eletrónico profissionais com utilização indistinta para fins profissionais e pessoais e desde que sejam observados os princípios estabelecidos na Lei 67/98 e 41/2004, o empregador pode tomar conhecimento da data e hora do envio do email, dos dados externos dos anexos (mas não do seu conteúdo) e do remetente e/ou destinatário se for o trabalhador, mas não já quer do remetente e/ou destinatário do email que seja terceiro.

2.2.4. Transpondo tudo quanto ficou dito para o caso em apreço:

Como já se deixou dito, na decisão recorrida considerou-se que o conteúdo das mensagens obtidas com acesso aos emails dos AA ou de terceiros referentes às contas de correio eletrónico diversas daquela que a Ré colocou à disposição dos mesmos (quer enviadas, quer rececionadas pelos AA, quer referentes a conta de emails da empresa “E… Unipessoal, Ldª), porque alheias á atividade profissional dos AA ao serviço da Ré, consubstanciam prova ilícita, segmento esse que transitou em julgado e, assim, não está em causa no recurso.
Importa pois apreciar:
i) Se os conteúdos dos emails enviados ou rececionados nas contas profissionais dos AA. (conta de correio eletrónico que o empregador colocou à disposição dos mesmos) poderão ser atendidos como meio de prova desde que as mensagens não estejam marcadas com pessoais e do seu conteúdo não resulte óbvia a natureza pessoal das mesmas (tal como entendido na decisão recorrida e pela recorrida) ou, pelo contrário, se o não poderão ser (como sustentam os Recorrentes);
ii) Se os dados de tráfego dos emails, e anexos dos e-mails, enviados e rececionados pelos AA. seja nas contas profissionais (colocadas à disposição dos mesmos pela Ré), seja de outras contas de emails daqueles ou de terceiros, nomeadamente referentes à empresa E… Unipessoal, Ldª, poderão ser atendidos como meio de prova (tal como entendido na decisão recorrida e pela Recorrida) ou, pelo contrário, se o não poderão ser (como sustentam os Recorrentes).

2.2.4.1. Como decorre das considerações jurídicas tecidas nos pontos anteriores, o acesso e utilização dos mencionados conteúdos dos emails, dos seus anexos e dos dados de tráfego integram os conceitos de dados pessoais a que se reporta o art. 3º, al. a), da Lei 67/98 e de correio eletrónico e de dados de tráfego a que se reporta o art. 2º, als. b) e d) da Lei 41/2004, estando abrangidos pela proteção conferida por tais diplomas, mormente pelo direito ao sigilo e inviolabilidade dessas comunicações.
E, assim e desde logo, para que pudessem ser acedidos e utilizados pela Ré, necessário seria que tivessem sido observados os princípios consagrados na Lei 67/98, a que acima fizemos referência, designadamente: que a finalidade da recolha dos dados tivesse sido definida em momento anterior à recolha dos mesmos (principio da finalidade) e que a utilização fosse compatível com essa finalidade previamente definida; que a Ré tivesse, em momento anterior à recolha, informado os AA. da existência do controlo, dos dados a recolher, do objeto e da finalidade do controlo, da identidade do responsável do tratamento, bem como que lhes tivesse permitido a presença, ou de seu representante, aquando da recolha dos dados (principio da transparência), repetindo-se, a propósito de tal princípio, o que acima se deixou dito no sentido de que “este direito é capital para o concreto funcionamento dos sistema de proteção de dados, pois muito dificilmente poderão ser exercidos, v.g., os direitos de acesso ou de oposição ao tratamento se a pessoa não obteve prévia informação sobre esse tratamento”. Diga-se também que a eventual circunstância de os AA., aquando da recolha dos dados, se encontrarem suspensos não impedia a concessão do direito decorrente de tais princípios e da presença dos mesmos ou de seus representantes, bastando à Ré que lhes tivesse feito a comunicação necessária; e era ainda necessário que tivesse sido observado o principio da notificação da CNPD (art. 27º da Lei 67/98).
Ora, a Recorrida nada alegou, seja no âmbito da nota de culpa e decisão de despedimento, seja no âmbito do articulado motivador do despedimento e da resposta à contestação do A. C…, em que é invocada a nulidade da prova (seja até nas contra-alegações alegações de recurso), no sentido de que tivesse dado cumprimento aos mencionados princípios, nem esse cumprimento decorre da decisão recorrida, pressupostos esses de dependia a licitude do tratamento efetuado e que, por consequência, integram o direito a tal tratamento, cabendo ao empregador o ónus de alegação e prova dos respetivos pressupostos [tanto do ponto de vista substantivo, como processual – arts. 342º, nºs 1 e 2, respetivamente, do Cód. Civl].
E, assim e desde logo por isso, não poderia a Ré ter acedido e atendido aos conteúdos dos emails enviados ou rececionados nas contas profissionais dos AA. (ainda que não estivessem marcados como pessoais e/ou do seu conteúdo não resulte a natureza pessoal das mesmas). Assim como não podia ter acedido ou atendido aos dados de tráfego dos emails, e anexos dos e-mails, enviados e rececionados pelos AA. seja nas contas profissionais, seja de outras contas de emails daqueles ou de terceiros, nomeadamente referentes à empresa E… Unipessoal, Ldª.

2.2.4.2. Mas, ainda que assim se não entendesse, no que se reporta ao conteúdo dos emails enviados ou recebidos na conta de correio eletrónico profissional do A., e seus anexos, não foi alegado pela Ré, seja na nota de culpa, decisão de despedimento, resposta à contestação do A. C… (seja até nas contra-alegações), que tivesse regulamentado a utilização do correio eletrónico, mormente que tivesse proibido a utilização da conta de correio eletrónico profissional para fins extra profissionais, nem isso decorre da decisão recorrida. Assim, e pelo que se disse nos pontos B.2.2.1. a 2.2.2.2., para onde se remete, não pode a Ré aceder ao conteúdo dos emails enviados ou rececionados nessa conta (atribuída pela Ré), mesmo que não estejam marcados como pessoais ou dos seus dados externos não resulte que sejam pessoais.
De referir ainda, também pelo que se deixou dito, que o conteúdo dos anexos dos emails enviados ou recebidos nas contas de correio eletrónico pessoais e/ou profissionais dos AA., também não poderão ser atendidos, anexos esses que, quanto ao conteúdo, gozam da mesma proteção que goza o conteúdo dos emails.
E, por outro lado, tendo a Ré acedido quer ao conteúdo dos emails, quer ao conteúdos dos anexos, enviados e/ou recebidos na conta de correio profissional dos AA, na medida em que consubstanciem comunicações entre o A. e terceiros por razões extraprofissionais, isto é, não relacionados com a execução de tarefas no âmbito e próprias das suas funções ao serviço da Ré, deveria ter parado a sua leitura, não podendo a eles recorrer ainda que para prova de ilícito disciplinar (ou até simultaneamente penal) atenta a inviolabilidade das comunicações pessoais/extraprofissionais. Diga-se que decorre das próprias acusações imputadas que o conteúdo dos mencionados email e anexos têm natureza extraprofissional, reportando-se a atividade dos AA., no próprio interesse destes ou de terceiros, estranhas às tarefas que levavam a cabo na execução dos contratos de trabalho (concorrência desleal, furto e outras atividades próprias suas ou de familiares).

No que se reporta aos dados de tráfego de emails enviados das contas de correio pessoal/extraprofissional dos AA. ou nestas recebidos, tendo em conta o já referido (designadamente nos pontos B. 2.2.1. e 2.2.3.1., não podem os mesmos ser atendidos.

No que se reporta a dados de tráfego de contas de correio eletrónico profissionais dos AA., pelo que se deixou dito (designadamente nos pontos B.2.2.1 e 2.2.2.2), a Ré não poderia tomar conhecimento do remetente e/ou destinatário dos email (terceiros). Apenas poderia tomar conhecimento da data e hora do envio dos email, do assunto (a atender-se à doutrina acima apontada e à Deliberação da CNPD) e dos dados externos dos anexos a esses mails. Acontece que, como já referido, o incumprimento (ou falta de alegação do cumprimento, que também não consta da decisão recorrida) dos já mencionados princípios que enformam a recolha e tratamento de dados, não poderá essa prova ser atendida.
2.3. Quanto à restante documentação
No que se reporta à restante documentação, na decisão recorrida referiu-se o seguinte:
“No que se refere à documentação que não se traduz em emails mas outro tipo de documentação (guias de transporte, facturas, requisições, listagens, fotografias, mapas, etc) que foi encontrada nas pastas constantes do disco rígido e no software dos computadores afectos aos autores, e cujo acesso não estava limitado por qualquer palavra passe, e porque, não são «per se», dizeres de mensagem, documentos esses encontrados nas instalações da ré e/ou no suporte informático propriedade da mesma, conclui-se que não são prova ilícita e por isso mesmo deverão manter-se nos autos para apreciação em sede de decisão final, nomeadamente podendo a informação dos mesmos ser cruzada com a que resulta da apreciação da demais prova.”.
Antes de mais importa referir que os documentos, na medida em que constituam anexos aos emails (o que, v.g., ocorre com várias listagens de stocks e fotografias), não poderão ser atendidos porque protegidos pela inviolabilidade das comunicações ainda que tivessem sido encontrados em pastas constantes do disco rígido e no software dos computadores afetos ao AA. e mesmo que não estivessem protegidos por palavra passe, o que se afigura irrelevante. Estas circunstâncias, bem como o facto de o computador ser da Ré, não afastam a natureza extraprofissional dos documentos, da correspondência e dos respetivos anexos, estando estes protegidos pela garantia da inviolabilidade. Ou, dito de outro, o conteúdo dos emails e o conteúdo dos anexos de e-mails, ainda que guardados em suporte informático (ou em papel), gozam de tais garantias.
Feita tal ressalva, importa apreciar a questão da nulidade da prova no que se reporta aos documentos que não constituam emails ou seus anexos:
A circunstância dos documentos poderem não estar abrangidos pela tutela conferida pela Lei 41/2004 não significa que os mesmos não gozem do direito à confidencialidade conferido pelos arts. 26º, nº 1, da CRP e 22º, nº 1, do CT.
A propósito do art. 26º, nº 1, da CRP e reportando-se ao direito à privacidade de dados pessoais, Gomes Canotilho e Vital Moreira referem, in ob. citada, pág. 181, que “(…); instrumentos jurídicos privilegiados de garantia deste direito são igualmente o sigilo profissional e o dever de reserva das cartas confidenciais e demais papeis pessoais (cfr. Cód. Civil, arts. 75º a 78º).”.
E o CT salvaguarda o direito de reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo de mensagens de natureza pessoal e acesso a informação de caráter não profissional que o trabalhador envie, receba ou consulte, independentemente do meio utilizado (o art. 22º, º 1), bem como o direito à reserva da vida privada (art. 16º, nºs 1 e 2).
Por outro lado, se os documentos pertencerem ou respeitarem a outrem, seja aos AA. ou a terceiros que não a Ré e que não se reportem à atividade que a Ré leva a cabo e/ou às relações comercias entre a Ré e esses terceiros e/ou com a atividade profissional que os AA. executam para a Ré (têm a ver, de acordo com as imputações que lhe são feitas pela Ré, com atividade dos mesmos por conta ou no interesse deles ou de terceiros, consubstanciadora de concorrência desleal e crime de furto), não pode a Ré deles se apropriar e fazer uso.
Acrescente-se que a lei protege o sigilo dos documentos do comerciante (cfr. art. 42º do CSC). Não se nos afigura pois que possa a Ré fazer uso de documentos de natureza comercial apenas relativos a terceiros, como é, por exemplo, o caso das packing-list (a título meramente exemplificativo, fls. 558) que têm como remetentes e destinatários terceiros que não a Ré, operações bancárias relativas a terceiros que não a Ré, “order” (a título meramente exemplificativo, fls. 637 e 637 vº), faturas, requisições, listagem de vendas ou outros que têm como emitentes e destinatários terceiros que não a Ré (a título meramente exemplificativo, 573, 590, 169 e 169 vº). Diga-se que as packing-list, faturas, requisições integram até o conceito de correspondência (têm um emissor, um recetor e uma mensagem, qual seja a que delas consta), afigurando-se-nos abrangida pela proteção conferida pelo art. 34º, nº 1, da CRP. Aliás, a recolha e utilização de tais documentos consubstanciaria tratamento de dados pessoais de terceiros.
Existem, todavia, documentos que, de acordo com os dados deles constantes, se reportam à Ré e/ou à atividade desta, como é o caso de faturas emitidas em nome da Ré ou a esta debitadas (a título meramente exemplificativo, fls. 728 e 723 vº), guias de transporte em que a Ré figura como destinatária ou emitente (a título meramente exemplificativo, fls. 725 vº, 726º, 728). Ora, sendo a Ré, de acordo com os dados exteriores dos documentos, a titular dos mesmos, que se reportam à sua atividade e não consubstanciando qualquer tratamento de dados pessoais dos A.A., nada afeta a validade dos mesmos como meio de prova, pelo que poderão ser atendidos; poderão também ser atendidos os documentos sem identificação de pessoas, mormente dos AA., desde que não constituam anexos aos emails.

2.2.5. Assim, e concluindo dever-se-á:
a) Considerar-se proibida e, por consequência, nula, a prova documental tendo por objeto:
i) O conteúdo de todos os emails enviados ou rececionados nas contas profissionais dos AA. (conta de correio eletrónico que o empregador colocou à disposição dos mesmos);
ii) Os dados de tráfego dos emails, e anexos dos emails, enviados e rececionados pelos AA. seja nas mencionadas contas profissionais, seja em outras contas de emails daqueles ou de terceiros, nomeadamente referentes à empresa E… Unipessoal, Ldª;
iii) Demais documentos referentes a outrem (seja aos AA. ou a terceiros) que não a Ré e que não têm a ver com as relações comercias entre a Ré e esses terceiros ou com a atividade profissional que os AA. executavam para a Ré, designadamente packing-list, operações bancárias [relativas aos AA. ou terceiros que não a Ré], “order”, faturas, requisições, listagem de vendas ou outros que têm como emitentes e destinatários terceiros que não a Ré.
b) Admitir a prova documental que se reporta à atividade da Ré, em que esta figura como emitente ou destinatária, designadamente faturas e guias de transporte e documentos, não abrangidos pelo referido nos anteriores pontos i), ii) e iii), em que os AA. ou terceiros não sejam identificados.

E, assim sendo, procedem parcialmente as conclusões do recurso.

3. Se deve ter-se por não escrita (seja em sede de articulado motivador, seja em sede de decisão de despedimento) toda a factualidade que respeite aos documentos que constituem prova ilícita, “com todas as legais consequências”.

No ponto B.1.2.1. do presente acórdão referimos que:
“Na contestação, o A. C… invocando a nulidade da prova documental que indica, requereu o desentranhamento dos correspondentes documentos. Não obstante, salienta-se que aí nada referiu quanto ao “desentranhamento” de factos, rectius, quanto a deverem os mesmos serem tidos como não escritos, assim como o A. B… que, na contestação, não se reportou à nulidade da prova documental. Apenas no recurso vêm ambos alegar que a decisão recorrida devia ter considerado como não escritos os factos constantes da decisão de despedimento e dos articulados motivadores que assentaram na prova documental que a Mmª Juíza considerou ser ilícita. Diga-se que os Recorrentes, ao contrário do que deveriam (tendo em conta, para além do princípio da cooperação, que é questão por eles suscitada e que é do interesse dos mesmos), não concretizaram os pontos da matéria de facto que, segundo eles, deveriam ter sido dados como não escritos, tanto mais tendo em conta a vasta e variada panóplia de factos imputados.
Não há, pois, omissão de conhecimento de questão que os AA. tivessem suscitado.
Por outro lado, uma coisa são os factos imputados e, outra distinta, os meios de prova, designadamente os documentos juntos, os quais consubstanciam um meio de prova. Ainda que a nulidade da prova documental possa “contaminar” outros meios de prova, designadamente a prova pessoal cujo conhecimento assente ou advenha dessa prova nula, e outra prova não existisse, a consequência seria a falta de prova dos factos invocados e não “ter-se por não escrito” o alegado na decisão de despedimento e no articulado motivador.
Mas, ainda que assim se não entendesse, afigura-se-nos que a decisão recorrida não seria o local e momento próprios à apreciação e decisão da pretensão dos Recorrentes. O que estava em causa, nesse momento e na sequência do anterior acórdão desta Relação, era o conhecimento da questão, prévia e de natureza incidental, relativa à licitude, ou não, dos meios de prova e não a decisão sobre matéria de facto relativa ao mérito da ação e/ou a decisão sobre se a factualidade imputada deverá, ou não, ter-se como não escrita, tanto mais tendo em conta a vasta e variada panóplia de factos imputados.”.
O mesmo é transponível para a pretensão, ora em apreço, que os Recorrentes formulam, para além de que, como já referido, o que foi objeto da decisão recorrida foi a validade dos meios de prova documental e não “ter-se por não escrita (seja em sede de articulado motivador, seja em sede de decisão de despedimento) toda a factualidade que respeite aos documentos que constituem prova ilícita” e, muito menos, “todas as legais consequências”. Mais se salienta que o que está em causa no recurso é uma questão incidental, relativa à validade, ou não, de determinados e concretos meios de prova, e não o mérito da ação.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.

4. Se deve ser impedida e/ou não atendida toda a prova produzida ou que se vier a produzir, que tenha sido obtida, direta ou indiretamente, por via, referência ou reporte a tais documentos.

A resposta a esta questão não poderá deixar de ser afirmativa com reporte, porém, à prova documental que acima tivemos como proibida e, por consequência, como ilícita.
No Acórdão desta relação de 17.12.2014, Processo 231/14.6TTVNG.P1, in www.dgsi.pt[21], referiu-se o seguinte[22]:
“Na verdade, tendo o depoimento da testemunha em causa – (…)– por base factos ou o seu conhecimento, a sua razão de ciência, que derivam ou têm como suporte probatório um meio ilícito e que não pode ser valorado, facilmente concluímos que também tal depoimento não pode ser valorado.
Assim, sendo a prova obtida mediante um método proibido e ilícito, ilícita é a prova adquirida mediante esse mesmo método, bem como a prova derivada ou mediata.
Só através da utilização de um meio de prova ilícito, no caso o visionamento de imagens ilicitamente obtidas para os fins disciplinares, é que a aludida testemunha teve acesso ou conhecimento de factos que posteriormente foram imputados à aqui trabalhadora. Não fosse aquele conhecimento ilícito nunca o depoimento da testemunha poderia ter ocorrido.

Ora, esta segunda prova – a mediata ou derivada – é aquilo que se chama um “fruto envenenado[29]”.
Numa aproximação ao direito penal diremos de forma breve que se trata daquilo a que se apelida de “taint doctrine” (“doutrina da nódoa” ou “Makel-Theorie”, “réplica germânica” da teoria da “fruit of the poisonous tree”). E nesta doutrina discute-se os efeitos derivados da prova ilícita, o chamado «efeito à distância”, ou seja, saber “se os seus efeitos apenas se restringem ao meio de prova obtido directamente de maneira proibida ou se são extensivos (efeito extensivo, efeito à distância) aos meios de prova indirectamente obtidos, ou seja, se os meios de prova obtidos através e na sequência de meio de prova proibido podem ser valorados pelo Tribunal”[30].
A resposta, nesta questão em apreço, não pode deixar de ser de que tais efeitos se estendem ao depoimento da testemunha, uma vez que a primeira das provas o foi contra a violação de princípios constitucionais do trabalhador, como seja, o princípio da reserva à privacidade da vida privada. E sendo esta uma prova reflexa, secundária, mediata, derivada ou indirecta, obtida através da primeira, a mesma não pode ser usada contra o trabalhador, na medida em que esta só teve lugar através de um conhecimento derivado da utilização de um meio de prova ilícito, sendo tal proibição abrangida pelo artigo 32º, são, assim, uma prova ilícita por derivação.
Aliás, defender a tese da recorrente levaria a que as entidades e empregadoras se deixassem de preocupar com a legalização e autorização da videovigilância, bastando, para isso, colocar uma câmara no local de trabalho, e fazer a prova dos factos através do operador ou de uma outra pessoa que visualizasse as imagens recolhidas.”.
Ainda que a propósito da videovigilância, tais considerações são transponíveis para a situação ora em apreço. E, daí, que a prova, designadamente pessoal (testemunhal, depoimentos e/ou declarações de parte), que haja sido produzida ou que venha a ser produzida em que a razão de ciência assente na prova documental ilícita seja também ela ilícita e, por consequência, nula, assim procedendo, nesta parte, o recurso.
***
C. Do 3º recurso, interposto pelos AA. do despacho de 15.07.2015 [se devem ser admitidas as declarações de parte a prestar pelos AA.].

1. Na sessão da audiência de julgamento de 11.07.2016 (fls. 1107 a 1109) os AA., alegando que eram testemunhas um do outro antes da apensação dos processos, que não estiverem presentes às anteriores sessões de julgamento, que os seus depoimentos são essenciais à descoberta da verdade e invocando o art. 466º do CPC,, requereram a prestação de declarações de parte[23]:
- Do A. B…, a toda a matéria da sua contestação e à seguinte matéria da contestação do A. C…: arts. 26 a 39, 43 a 46, 53 a 60, 68, 69, 71 a 73, 78, 79, 83, 85, 88 a 91, 93, 95, 96,97, 101 a 106, 112 a 120, 133 a 139;
- Do A. C…, a toda a matéria da sua contestação e à matéria da contestação do A. B…: arts. 8 a 54 e 64 a 73.
A tal requerimento respondeu a Ré referindo, em síntese, que[24]: cada A. só pode pedir as suas próprias declarações de parte e não as da comparte (Acórdão da Relação de Lisboa no processo 20022/2007); trata-se, não de um depoimento testemunhal, que foi indeferido, não podendo ser pedido o depoimento de comparte em matéria que lhe seja desfavorável (Acórdão da Relação de Lisboa, CJ 94, T 5, p.128); cada A. só pode pedir a prestação de depoimento sobre a matéria que ele próprio alegou e não sobre a matéria que apenas a comparte alegou porque, nessa parte é também um depoimento testemunhal. Ou seja, só devem ser admitidas as declarações de parte de cada um dos AA. sobre a matéria que alegaram nas respetivas contestações, não podendo depor sobre a matéria alegada pelo A. comparte, nem pedir o depoimento dessa comparte.
E, aos 15.07.2015, o Tribunal a quo proferiu o despacho de fls. 1110, indeferindo a requerida prestação de declarações por parte dos AA, constando do referido despacho o seguinte:
“(…)
“O nosso ordenamento processual civil admite a prova por declarações de parte o qual consagrado no art. 466º do CPC, preceito este inovador, sendo uma forma de produção de prova “testemunho de parte”.
Não obstante tal consagração legal tal mecanismo tem que ser interpretado com algumas cautelas, entendendo-se que as declarações de parte não devem ser efectuadas indiscriminadamente em relação a quaisquer factos que se mostrem controvertidos pois que, não obstante seja compreensível que a parte queira depor perante o juiz, o certo é que na audiência de julgamento apenas devem praticar os actos úteis e necessários para a descoberta da verdade material, sendo certo que a maior parte das vezes as declarações de parte mais não são que a reiteração do que já foi alegado nos respectivos articulados.
Não é pois propósito da lei, mormente do referido artº 446, na sua nova redacção, a repetição pela própria parte do que se encontra vertido por escrito no respectivo articulado.
Considerando que as partes já alegaram por escrito a sua versão sobre os factos que defendem, e já produziram prova testemunhal por si carreada aos autos, não sendo um caso de necessidade de obtenção de esclarecimentos ou informações, o que alias não é fundamento do requerimento apresentado, as declarações de parte por iniciativa própria apenas encontrarão justificação nos casos de ampliação da matéria que carecerá de prova e nas situações em que não exista meio de prova alternativo viável.
Não sendo esses os fundamentos do requerimento nem o caso nos presentes autos, entende-se que carece de fundamento a prestação de declarações de parte razão pela qual vão as mesmas indeferidas.”.
Do assim decidido discordam os AA./Recorrentes referindo que: declarações de parte (enquanto prova e/ou meio probatório) e alegações das partes (nos articulados) não se confundem, sendo, processualmente, distintas; a alegação de factualidade pelas partes não é, em princípio e de per si, prova da mesma, sendo por reporte àquela que esta se produz, tendo em vista confirmá-la ou infirmá-la; o direito à prova é constitucionalmente chancelado, enquanto decorrência do direito de acesso aos Tribunais e ao Direito e a um processo justo e equitativo, não se vislumbrando razão bastante (e que ponderada apresente relevância constitucional ou superior àquele) que permita decidir como o fez o douto despacho; do teor literal do artigo 466.º do C.P.C. consta, apenas, que “as partes podem requerer”, não se vislumbrando, naquele ou nos demais artigos aplicáveis a tal matéria, habilitação legal que permita ao julgador indeferir tal requerimento; desta formulação legal resulta que à parte assiste um verdadeiro direito potestativo processual de requerer a prestação de declarações suas; na jurisprudência e na doutrina (citadas em alegações) parece prevalecer o entendimento de que, além de representar um direito potestativo processual da parte, este direito é exclusivo da parte que quer prestar declarações, não podendo ser requerido, sequer, oficiosamente ou a requerimento da contraparte, o que corrobora o que tal configuração enquanto direito potestativo; não poderá aceitar-se o indeferimento do meio probatório requerido, principalmente por o considerar inútil e uma mera repetição; a própria Recorrida não se opôs à produção de tal prova – o que referiu expressamente quando instada a pronunciar-se sobre tal requerimento -, pese embora haja aduzido as razões que entendeu justificarem uma limitação da matéria a que tais declarações deveriam reportar-se; as declarações de parte não devem, a bem da verdade, recair sobre qualquer factualidade controvertida, outrossim, como previsto ipsis verbis no preceito legal, só poderão ser factos em que as partes “tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo”; o douto despacho, sem embargo de partir da primeira, parece olvidar a segunda premissa, o que, porventura, determinou a decisão que veio a proferir, tanto mais que, não se colocou em questão que os Recorrentes tivessem conhecimento direto, ou intervenção pessoal nos factos a que requereram prestar declarações; não podem os Recorrentes acompanhar a lógica de que as Declarações de Parte culminam em repetição do já alegado, sendo, portanto, ato inútil, sob pena de se considerar que o legislador criou um paradoxo – agindo, até, em reserva mental. Já que, seguindo tal dialética, ter-se-ia de concluir que foi criado (e autorizado) determinado meio de prova para, depois e a final, se impedir a sua utilização e o esvaziar de sentido, considerando que sempre se revelaria processualmente inútil (porque mera repetição do já alegado) e, consequentemente, legalmente proibido; por mera cautela de patrocínio, os Recorrentes, ao requerer as suas declarações, referiram que, previamente à apensação dos processos eram mutuamente testemunhas um do outro, requerendo (legitimamente e porque em tais factos intervieram pessoalmente, ou deles tinham conhecimento directo) que as suas declarações fossem produzidas quanto a matéria de ambas as contestações; assim e desde logo, sai infirmado o juízo de prognose realizado pelo douto Despacho (e suas consequências), no sentido de que os Recorrentes apenas deporiam quanto a matéria por si mesmo alegada em sede própria; por outro lado, os Recorrentes indicaram-se, mutuamente, como testemunhas nas respetivas ações, porque, no seu entender, eram quem dispunha de conhecimento direto de grande parte dos factos por cada um alegados. No mais, apenas dispunham de duas testemunhas com conhecimento parcial dos mesmos; aquando da apensação dos processos, foi (entre outros) motivo preponderante da sua não oposição àquela a possibilidade legal de prestarem declarações enquanto parte, compensando, dessa feita, a perda de testemunha essencial que haviam arrolado. Por conseguinte, o douto despacho nega aos Recorrentes as mais básicas garantias de defesa e põe em risco a possibilidade de a exercerem em termos devidos, já que os Recorrentes não dispõe de outro meio viável para provarem o que alegaram; mesmo à luz do princípio da igualdade de armas, apresenta-se como injustificado que lhes seja vedado o recurso a tal meio de prova, conquanto à Recorrida foi permitido (e não se considerou processualmente inútil) reinquirir algumas das suas muitas testemunhas, sobre factos aos quais já haviam deposto anteriormente. Tendo outras tantas deposto ao longo de várias sessões da audiência de julgamento. Não é, também por esta via, de aceitar que aos Recorrentes, comparativamente, seja granjeada tão pouca (ou mesmo ínfima) oportunidade de demonstrar a bondade da sua versão; o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 4.º e 466.º, ambos do C.P.C., o disposto no artigo 20.º da C.R.P., o princípio da igualde de armas e de tratamento das partes, o princípio do dispositivo, o direito constitucional à prova dos Recorrentes e as suas garantias de defesa (efetiva).
A Recorrida contra-alegou, pugnando pelo acerto da decisão recorrida e invocando, em abono: o Acórdão da RG de 12.11.2015, Proc. 7178/11.6TBBRG-A.G1, in www.dgsi.pt. Mais alega que, não sendo testemunhas, não podiam depor à matéria do articulado da comparte e não podiam requerer o depoimento da comparte à matéria do seu articulado, por se tratar de matéria que lhes era favorável; não se tratam de esclarecimentos cirúrgicos, mas apenas de reproduzir o que já estava alegado, o tribunal a quo não considerou que as declarações fossem pertinentes, sendo um ato inútil e irrelevante, tanto mais que o ónus da prova é da empregadora, não dos trabalhadores, sendo que estes declinaram a comissão das infrações, tendo tido oportunidade de exercer o contraditório; a igualdade de armas e o direito de defesa foram respeitados, seja quanto à prova testemunhal, seja quanto aos restantes meios de prova; cada parte apresentou as testemunhas e meios de prova que entendeu e se tinham algo a opor à apensação de processos deveriam tê-lo feito em tempo útil.

2. Dispõe o art. 466º do CPC/2013, sob a epígrafe “ Declarações de parteque: “1. As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto. 2. Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior. 3. O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.”.
Não poderemos deixar de deixar a nota de que, alguns aspetos inovatórios que foram sendo introduzidos no processo civil, já existiam no processo laboral. As declarações de parte, como meio de prova assim designado e introduzido no processo civil com a reforma de 2013, não estava contemplada no CPT. Mas estava já previsto no CPT/99[25], e assim continuou com as alterações introduzidas pelo DL 295/2009, de 13.10 , nos termos do qual o autor e o réu devem comparecer pessoalmente no dia marcado para o julgamento (art. 71º, nº 1). Tal norma tinha e tem a sua razão de ser.
Como dizia Albino Mendes Batista [26] “Tal obrigação de comparência pessoal das partes, ou mais correctamente tal ónus, é uma concretização peculiar dos princípios da imediação e da oralidade, uma vez que se considera relevante o contacto directo do juiz com as partes.
Este preceito encontra a sua justificação na utilidade para o juiz de ouvir as partes sobre o conflito que as opõe, sendo um elemento probatório a tomar em conta não só uma atitude positiva mas também a sua recusa, nos termos do nº 2 do art. 519º do CPC (Assim Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo Sumário Laboral, CJ, 1988, III, p. 52.
Nesse sentido, como bem diz João Palla Lizardo, “para que a sua aplicação ganhe plena razão de ser, seria positivo que os tribunais fizessem maior uso do poder de inquirirem directamente as partes (Que futuro para o Processo do Trabalho face ao actual Processo Civil?, QL, nº 11, 1998, p.96).”.
Ou seja, serve isto para dizer que, já desde longa data, a possibilidade de audição das partes, fosse por recurso à figura do “depoimento de parte” ou de “declarações de parte” (assim por vezes informalmente designadas), era já entendida como uma medida que se poderia mostrar útil à boa resolução da causa.
Mas avançando.
O CPC/2013, como se disse, veio consagrar as declarações de parte como um meio de prova admissível, meio de prova que não se confunde, naturalmente, com o que a parte alega no seu articulado. Uma coisa é o alegado pela parte no seu articulado, outra as declarações que presta em audiência de julgamento, seja em depoimento de parte, seja em declarações de parte, ambos meios de prova.
E previu igualmente a possibilidade de as partes requerem o seu próprio depoimento, apenas impondo como condição: que o requerimento seja formulado até ao início das alegações orais em 1ª instância e que as declarações incidam sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto. A estas haverá que acrescentar uma outra, que decorre da própria natureza desse meio de prova - declarações de parte -, e também por contraposição ao que é a prova testemunhal, qual seja as declarações de parte incidirem apenas sobre matéria do processo em que o declarante é parte.
Se o legislador mais nenhuma outra restrição impôs para que o requerimento para declarações de parte seja admitido, não vemos que caiba ao julgador impor qualquer outra, mormente sujeitando-o à necessidade de um juízo de prognose sobre a utilidade, ou não, desse depoimento. Tal como o juiz não pode “recusar” a audição de depoimento de testemunha que haja sido arrolada ou um depoimento de parte que haja sido regularmente requerido com fundamento em que se lhe afigura que tais depoimentos irão ser inúteis, também o não pode fazer em relação às declarações de parte. E se, em relação ao depoimento testemunhal, o juiz desconhece os termos e em que sentido a mesma irá depor, pelo menos em relação ao depoimento de parte, e seguindo o raciocínio adotado na decisão recorrida, já teria conhecimento da posição da parte face ao vertido no respetivo articulado. E, nem por isso, caberá ao juiz indeferir o depoimento de parte com fundamento em que o mesmo se irá mostrar inútil.
Se a parte não requerer as suas declarações de parte, poderá o juiz, dentro dos seus poderes oficiosos (cfr. arts. 417º, nº 1 e 452º, nº 1, do CPC), fazer uma avaliação quanto à necessidade ou não de determinar o depoimento da parte. Mas não já se for a própria parte a requerê-lo ao abrigo do art. 466º. Este é um direito que assiste à parte, sem outra limitação que não as apontadas e não cabendo ao juiz recusá-lo com fundamento em que o mesmo, com maior ou menor probabilidade, seria inútil. Para além de que, desconhecendo-se o que a parte irá declarar (podendo acontecer que as declarações prestadas em julgamento não coincidam, total ou parcialmente, com o constante do respetivo articulado), não se afigura possível ou, pelo menos, curial, antecipar um juízo de inutilidade quanto às declarações. O pressuposto legal, aliás, é o contrário, pois que, se assim não fosse, o CPC não teria previsto a possibilidade das declarações de parte a requerimento da própria parte ou, então, teria previsto que tal requerimento estivesse sujeito a prévia avaliação do juiz quanto à necessidade ou pertinência dessas declarações (para além de que, e como acima se disse, o CPT também privilegia a audição das partes).
Assim, deverão ser admitidas as declarações de parte requeridas pelos AA.
Porém, porque se tratam de declarações de parte, e não de depoimentos testemunhais, as mesmas apenas poderão incidir sobre a matéria de facto em questão em cada um dos seus respetivos processos e não já sobre a matéria contida em processo diferente, em que não é parte, ainda que apensado. Como diz Rui Pinto [27] “no requerimento a parte pede para ser ouvida; não pode pedir que a contraparte seja ouvida”; e, se assim é em relação à contraparte, também o é em relação à comparte. Diga-se também que o que os AA. requereram foi a prestação de declarações de parte e não o depoimento de parte de cada um deles à matéria alegada pelo outro, requerimento esse – de depoimento de parte – que seria extemporâneo, na medida em que, tendo embora os AA. sido, nas respetivas contestações, arrolados como testemunhas uma da outra, não reagiram à decisão que, por via da apensação de processos, considerou que não poderiam depor como testemunhas, nem requereram, então e nessa sequência, o depoimento de parte da comparte.
Assim, as declarações de parte do A. B… deverá incidir à matéria de facto alegada na sua contestação em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto e as declarações de parte do A. C… deverá incidir à matéria de facto alegada na sua contestação em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto, assim, e nesta medida, devendo ser revogado o despacho recorrido.
***
V. Decisão
Em face do exposto acorda-se em:

A. Negar provimento ao recurso interposto pela Ré, confirmando-se a decisão recorrida.

B. Quanto ao primeiro recurso interposto pelos AA. [do despacho de 04.07.2016], julgar improcedentes as nulidades da decisão recorrida e, na parte impugnada, julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revogar decisão recorrida que é substituída pelo presente acórdão em que se decide:

b.1. Considerar proibida e, por consequência, nula, a prova documental tendo por objeto:
i) O conteúdo de todos os emails enviados ou rececionados nas contas profissionais dos AA. (conta de correio eletrónico que o empregador colocou à disposição dos mesmos);
ii) Os dados de tráfego dos emails, e anexos dos e-mails, enviados e rececionados pelos AA. seja nas mencionadas contas profissionais, seja em outras contas de emails daqueles ou de terceiros, nomeadamente referentes à empresa E… Unipessoal, Ldª;
iii) Demais documentos referentes a outrem (seja aos AA. ou a terceiros) que não a Ré e que não se reportem às relações comercias entre a Ré e esses terceiros ou à atividade profissional que os AA. executavam para a Ré, designadamente packing-list, operações bancárias relativas a terceiros que não a Ré, “order”, faturas, requisições, listagem de vendas ou outros que têm como emitentes e destinatários terceiros que não a Ré.

b.2. Admitir a prova documental que se reporta à atividade da Ré, em que esta figura como emitente ou destinatária, designadamente, de faturas e guias de transporte, e documentos, não abrangidos pelo referido nos anteriores pontos b.1. i), ii) e iii), em que os AA. ou terceiros não sejam identificados.

b.3. Determinar que seja impedida e/ou não atendida toda a prova produzida ou que se vier a produzir, que tenha sido obtida, direta ou indiretamente, por via, referência ou reporte à prova documental que foi julgada ilícita.

C. Quanto ao segundo recurso interposto pelos AA. [do despacho de 15.07.2016], julgá-lo parcialmente procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida que indeferiu as declarações de parte pelos mesmos requerida, a qual é substituída pelo presente acórdão em que se decide deferir quer as declarações de parte do A. B… à matéria de facto alegada na sua contestação em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto, quer as declarações de parte do A. C… à matéria de facto alegada na sua contestação em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto, indeferindo tais declarações quanto à demais matéria requerida.

Custas do recurso interposto pela Ré por esta.
Custas do 1º recurso interposto pelos AA., por estes e pela Ré na proporção de 1/4 para os AA e ¾ para a Ré.
Custas do 2º recurso interposto pelos AA., por estes e pela Ré na proporção de 1/3 para os AA. e 2/3 para a Ré.

Porto, 15.12.2016
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
Nelson Freitas
________
[1] Reporta-se a Teresa Alexandra Coelho Moreira, in Estudos do Direito do Trabalho, pág. 49, Almedina.
[2] O que decorre da audição da gravação de tais requerimentos, sendo que dos autos não consta a ata correspondente. De referir que de fls. 1087 a 1089 e 1090 constam as atas de julgamento correspondentes às sessões de 30.01.2015 e 12.02.2015, das quais decorre que o A. B… iniciou a prestação do seu depoimento de parte, o qual não foi concluído.
[3] Tendo em conta o constante da gravação dos requerimentos, a cuja audição procedemos, uma vez que da mencionada ata do julgamento junta aos autos consta apenas súmula do requerido pelos AA. (que os AA. requereram a prestação, nos termos do art. 466 do CPC, a prestação de declarações de parte).
[4] Tendo em conta o constante da gravação da resposta, a cuja audição procedemos, uma vez que da mencionada ata do julgamento junta aos autos consta apenas que o mandatário da empregadora respondeu ao requerimento apresentado pelos trabalhadores.
[5] Os sublinhados são da nossa autoria.
[6] Abreviatura do Código de Trabalho de 2009, aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02.
[7] “O impacto das novas tecnologias no direito do trabalho e a tutela dos direitos fundamentais”, Prontuário do Direito do Trabalho, CEJ, nºs 79/80/81, págs. 227
[8] “A Privacidade e o Controlo Electrónico da Utilização da Internet”, in Estudos do Direito do Trabalho, 2016, Almedina, págs. 125 e segs e citando a mencionada A..
[9] In “Direitos Fundamentais e de Personalidade do Trabalhador” (2ª Edição), Coleção Formação Inicial, E.book, Jurisdição do Trabalho e Empresa, CEJ. Março de 2014, in http//www.cej.mj.pt, pág. 28/29,
[10] Direito do Trabalho, Almedina (págs. 62 e segs)
[11] “A Protecção dos dados pessoais dos trabalhadores”, Questões Laborais, nºs 19 e 20, pág. 27 e segs. e 139 e segs.
[12] Salvo os casos previsto na lei em processo criminal – art. 34º, nº 4, da CRP.
[13] “As novas tecnologias de informação e comunicação e o poder de controlo eletrónico do empregador”, ob. cit., pág. 51,
[14] Ob. cit., pág. 247
[15] Relatado pela ora relatora.
[16] Código do Trabalho Anotado, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, pág. 133/134,
[17] Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pág. 384.
[18] Código do Trabalho Anotado, 4ª Edição, 2005, Almedina, pág. 116.
[19] Constituição da República Anotada, 3ª Edição, Coimbra Editora, a pág. 213/214.
[20] Sublinhado nosso.
[21] Relator António José Ramos.
[22] Omitimos as notas de rodapé.
[23] Como já referido, tendo em conta o constante da gravação dos requerimentos, a cuja audição procedemos, uma vez que da mencionada ata do julgamento junta aos autos consta apenas súmula do requerido pelos AA. (que os AA. requereram a prestação, nos termos do art. 466 do CPC, a prestação de declarações de parte).
[24] Também como já referimos, tendo em conta o constante da gravação da resposta, a cuja audição procedemos, uma vez que da mencionada ata do julgamento junta aos autos consta apenas que o mandatário da empregadora respondeu ao requerimento apresentado pelos trabalhadores.
[25] Bem como no CPT/81, para o então processo sumário (cfr. art. 89º, nº1, do mesmo).
[26] Código de Processo de Trabalho Anotado, Quid Juris, pág. 141,
[27] Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 284