Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
51/16.3T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: CAUSA PREJUDICIAL
INSOLVÊNCIA IMINENTE DO RÉU
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP2017092751/16.3T8VFR.P1
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 784, FLS.228-232)
Área Temática: .
Sumário: I - A prejudicialidade entre acções (artº 272º nº1 CPCiv) ocorre por via da impossibilidade de apreciar um objecto processual, o objecto processual dependente, sem interferir na análise de um outro, o objecto processual prejudicial.
II - A insolvência iminente de determinado Réu em nada prejudica a existência do crédito do Autor, como de quaisquer outros créditos que particulares clientes possam possuir contra o Banco, por força da actividade de depósito bancário e de mediação na aquisição de outros produtos financeiros, sem prejuízo de, como execução universal, a insolvência necessariamente determinar a reclamação do crédito invocado nesse outro processo de insolvência – artº 128º nºs 1 e 3 CIRE.
III – Não ocorre motivo justificado para a suspensão da instância – artº 272º nº1 cit. – por força da iminente declaração de insolvência de um dos Réus e da subsequente inutilidade superveniente da lide na acção declarativa posta contra esse Réu (seguindo-se a doutrina do AUJ STJ 8/5/2013, pº 170/08.0TTALM.L1.S1), não apenas porque a acção corre contra um outro Réu litisconsorciado, mas também porque a referida insolvência pode ou não ser confirmada em recurso, o que torna incerta a justificação do motivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec.51/16.3T8VFR.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão de 1ª Instância de 16/1/2017.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Súmula do Processo
Recurso de apelação interpostos na acção com processo comum de declaração nº51/16.3T8VFR, do Juízo Central de Stª Mª da Feira, Comarca de Aveiro.
Autor – B….
Réus – C…, S.A., e Banco D…, S.A., ….
Pedido
Que o Réu C… seja condenado a pagar ao Autor a quantia de €80.000,00, acrescida de juros de mora, a contar da citação até efectivo pagamento, e solidariamente na mesma condenação o Réu Banco D….
Que mais sejam condenados os RR., solidariamente, no pagamento ao Autor, a título de danos não patrimoniais, da quantia de €10.000,00.
Tese do Autor
É emigrante na Suíça e era cliente do D…, antes da transferência do respectivo património para o C….
O C… vem recusando a restituição dos respectivos depósitos invocando tratarem-se de aplicações financeiras de risco, facto de que o Autor nunca foi informado e ao qual era de todo alheio, e assim incorrendo esse Banco em responsabilidade civil contratual e extracontratual.
Tese do Réu C…
Por via das diversas deliberações do Banco de Portugal, as responsabilidades invocadas pelo Autor integram passivos não transferidos para o C…, pelo que, em decorrência, o C… é parte ilegítima, bem como a manifesta inviabilidade dos pedidos, quanto ao contestante, é causa de ineptidão da petição inicial.
Igualmente se verificará extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, face às deliberações do Banco de Portugal que determinaram a retransmissão de responsabilidades do C… para o D….
Mais impugna motivadamente a tese do Autor.
Tese do Réu Banco D…
As obrigações peticionadas pelo Autor não foram transmitidas para o C… e, por força de Deliberação do Banco de Portugal e do disposto no artº 145º-L nº7 RGICSF, o cumprimento de tais obrigações não é legalmente exigível ao D….
Impugna motivadamente a tese do Autor.
Tramitação Relevante
O Réu Banco D…, em 26/08/2016, através do requerimento com a referência 23405402, informou os autos da deliberação do Banco Central Europeu (BCE) que revogou a autorização para o exercício da sua actividade, autorização essa que produzia os mesmos efeitos da declaração de insolvência.
Foi, assim, requerida a liquidação judicial do D…, que corre termos pela 1ª Secção de Comércio do Juízo Central da Comarca de Lisboa, com o nº 18588/2016.2T8LSB, e na qual foi proferido, em 21/7/2016, despacho de prosseguimento (artº 9º D-L nº 199/2006 e artº 36º al.j) CIRE).
Nestes termos, e por entender que a existência ou inexistência do crédito invocado pelo A. na petição inicial teria que ser julgada no âmbito do processo de insolvência, veio o co-réu D… – em liquidação requerer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, requerendo ainda, caso assim não se entendesse, a suspensão da instância, nos termos do artigo 272.º, n.º 1 do Código de Processo Civil até que a referida decisão do BCE se tornasse definitiva.
Notificado de tal requerimento, o A. defendeu a prossecução dos autos contra o Réu C….
Depois da informação prestada nos autos de que a decisão do BCE ainda não tinha transitado em julgado, por força de recurso interposto, o A. requereu o prosseguimento dos normais trâmites dos autos, por não se verificar qualquer inutilidade superveniente da lide quando ao co-réu D….
Despacho Recorrido:
“Requerimentos que antecedem relativos às consequências da revogação da autorização para o exercício da actividade bancária do Réu D… e subsequente decisão do Tribunal de Comércio de Lisboa que declarou o prosseguimento do respectivo processo de liquidação:”
“Caso transite em julgado a decisão do Tribunal de Comércio de Lisboa que declarou o prosseguimento do processo de liquidação do Réu D… a presente instância não poderá prosseguir contra o mesmo.”
“Resulta dos autos que a tal Réu foi, por decisão do BCE, revogada a autorização para o exercício da actividade bancária.”
“O artigo 8º, número 2 do DL 199/2006 de 14 de Agosto prevê que: “A decisão de revogação da autorização pelo Banco de Portugal produz os efeitos da declaração de insolvência.”
“O número 2 do citado preceito, por sua vez, incumbe o Banco de Portugal de “requerer, no tribunal competente, a liquidação da instituição de crédito, no prazo máximo de 10 dias úteis após a revogação da autorização, proferida nos termos do artigo 22.º do RGICSF.”
“O artigo 9º do mesmo Diploma remete para os termos subsequentes do processo especial de insolvência. Ora, preceitua o artigo 81º, número 4 do Código da Insolvência e da Recuperação das Empresa que, declarada a insolvência "o administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência".
“Face ao disposto no citado preceito, não foi, durante largos anos, pacífica a qualificação jurídica dos efeitos da insolvência.”
“Na verdade, da Doutrina e Jurisprudência emergiram várias tentativas de qualificação jurídica da referida limitação, optando alguns pela aplicação do regime da incapacidade, outros pela ilegitimidade, por irregularidade de representação quando a insolvente não haja sido citada na pessoa do administrador, impossibilidade da lide se entretanto se verifica a insolvência da Ré ou indisponibilidade.”
“Independentemente da qualificação que se faça de tal “inibição” da insolvente, dúvidas não temos que a citação da insolvente para uma acção com efeitos patrimoniais não pode ser feita na pessoa do insolvente já que o mesmo não tem já, para esses efeitos, poderes de representação da massa insolvente.”
“O poder de administração da massa insolvente passou para o seu Administrador a quem compete, representar a massa em juízo.”
“Mas mais importante ainda, os credores, como o aqui Autor, apenas podem exercer os seus direitos nos termos do CIRE, isto é, reclamando os seus créditos naquele processo – cfr. artigos 90º e 128º do referido Diploma.”
“Ora, tendo em conta o atrás explanado, consideramos que a presente acção não pode prosseguir contra o Réu insolvente caso transite em julgado a decisão proferida pelo Juízo de Comércio de Lisboa com o conteúdo previsto no artigo 36º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”
“Nesse caso, prosseguir com a presente acção traduzir-se-ia na prática de acto inútil, o que a Lei não consente – cfr. artigo 130º do Código de Processo Civil -, e a economia processual desaconselha mesmo do ponto de vista do interesse do próprio Autor que aqui obteria decisão que não teria quaisquer efeitos de caso julgado no processo de liquidação.”
“No sentido aqui propugnado importa naturalmente ter presente o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 08-05-2013 http://www.dgsi.pt/jstj onde se fixou: “transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do C.P.C.”
“Assim sendo, pendendo recurso sobre a decisão cujo trânsito determinará a inutilidade desta lide, ocorre motivo atendível para a suspensão da instância como forma de evitar a prolação de decisão absolutamente inútil por inoponível nos autos de liquidação do Réu D…, SA.”
“Assim à luz do disposto no artigo 272º, número 1 do Código de Processo Civil, suspendo a presente instância até que seja proferida decisão definitiva nos autos com o número 18588/16.2T8LSB.”
“Notifique e logo que tal informação sobre o trânsito em julgado da referida decisão seja prestada nalgum dos processos pendentes contra tal Réu neste juízo central, abra conclusão com tal informação.”
Conclusões do Recurso:
1. No Despacho recorrido referiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, com o intuito de sustentar a suspensão da presente instância, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, CPC, que, “pendendo recurso sobre a decisão cujo trânsito determinará a inutilidade desta lide, ocorre motivo atendível para a suspensão da instância como forma de evitar a prolação de decisão absolutamente inútil por inoponível nos autos de liquidação do Réu D…, SA.”
2. Nos presentes autos encontra-se insolvente o co-réu D… tendo sido já proferida decisão judicial que decretou a sua liquidação, da qual foi interposto recurso, pelo que aquela ainda não transitou em julgado.
3. Contudo, é do entendimento do tribunal a quo que a pendência de um recurso sobre a decisão judicial que decretou a liquidação do co-réu constitui motivo atendível à suspensão da instância, referindo ainda o douto Despacho de que se recorre que o prosseguimento dos presentes autos consubstanciaria a prática de um acto inútil, o que a Lei não consente.
4. Com tal entendimento não pode a Recorrente conformar-se pois, e salvo melhor entendimento, inexiste motivo justificado para a suspensão da instância.
5. O douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência citado pelo Tribunal a quo no douto despacho do qual se recorre refere que “transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do C.P.C.” (sublinhado nosso).
6. Estabelece, poi as, aquele Aresto como condição para a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide o trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, o que, claramente, não se verifica nos presentes autos.
7. Acresce ainda que o CIRE não regula os efeitos da declaração de insolvência sobre as acções declarativas que estejam pendentes, intentadas contra o insolvente, como o faz para as acções executivas, nomeadamente no artigo 88.º, n.º 1, inexistindo norma semelhante a esta que seja aplicável às acções declarativas – até porque, na verdade, as acções de insolvência não colocam directamente em causa as acções declarativas, ao contrário do que acontece com as acções executivas -, estas não se suspendem com a declaração de insolvência.
8. Aliás, o disposto no n.º 3 do artigo 128.º do CIRE expressamente regula a pendência simultânea de reclamação de créditos e de processo declarativo contra o insolvente.
9. Importa, nesta sede, ressaltar, que, precisamente, em lugar da suspensão deve a acção declarativa prosseguir os seus termos, pois que “O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não contém para as acções declarativas uma norma homóloga à das execuções – artigo 88.º – que não é aplicável àquelas. Às acções declarativas intentadas contra o insolvente, ou por este intentados (quer por via principal, quer por via cruzada) é aplicável o regime do artigo 81.º daquele diploma. Cumprindo ao administrador gerir e zelar pela massa insolvente fica, nos termos do n.º 3 daquele preceito, habilitado para em seu nome prosseguir os ulteriores termos das lides declarativas em que o insolvente seja autor ou réu aí juntando procuração e prova da declaração de insolvência.” (sic. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/03/2012, disponível em www.dgsi.pt).
10. Nos presentes autos o D… não é o único Réu, tendo sido a acção intentada também, contra a aqui Recorrente, pelo que sempre se manterá a utilidade da presente lide, até porque o prosseguimento dos presentes autos em nada prejudica os legítimos interesses da massa insolvente do co-réu D….
11. Nem fará muito sentido que os presentes autos se suspendam até que esgotadas estejam as diversas instâncias de recurso, e assim se mantenham durante, provavelmente, vários anos, pondo em causa os princípios da celeridade processual e da tutela jurisdicional efetiva, bem como o direito ao acesso a uma decisão em tempo útil, pelo que, salvo melhor opinião, ainda que declarada a insolvência de um dos co-Réus na pendência de uma acção declarativa, tal não poderá condicionar a suspensão do processo.
12. Aliás, para efeitos do estabelecido no n.º 1 do artigo 272.º do CPC invocado no douto Despacho recorrido, “uma causa está dependente do julgamento de outra já proposta, quando a decisão desta pode afectar e prejudicar o julgamento da primeira, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito.” (sic Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7/01/2010, disponível em www.dgsi.pt.), isto é, “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a razão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda. Sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta.” (sic. Ac. Relação de Lisboa, de 22/01/2008, in www.dgsi.pt).
13. Ora, a decisão da presente lide depende da apreciação da causa de pedir invocada pelo A., que assenta no alegado incumprimento contratual, o que nada contende com a dita causa prejudicial que, salvo melhor opinião, por isso o não é.
14. Na verdade, o que vier a ser decidido no processo de insolvência não influirá na decisão a proferir nos presentes autos, pelo que, e salvo o devido respeito por entendimento diverso, não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo, não se verificando qualquer causa que implique a suspensão dos presentes autos.
15. Aliás, in casu inexiste o risco de incompatibilidade de fundo entre as decisões a proferir.
16. Atendendo ao supra exposto, aliado ao facto de os presentes autos terem sido apresentados contra outra pessoa para além do Réu insolvente, é de concluir que subsiste utilidade e interesse em agir do co-réu D… no prosseguimento da acção pois, salvo o devido respeito, não fará sentido que, uma vez declarada a insolvência de um dos réus na pendência da acção declarativa, tal circunstância determine a suspensão de todo o processo.
17. De modo que, entende a Recorrente não assistir qualquer razão ao Tribunal a quo, não estando verificada qualquer causa de suspensão da instância, pelo que deve, em consequência, revogar-se o despacho ora recorrido, que viola os referidos preceitos, e ser determinada a prossecução dos ulteriores termos do processo.
Factos Apurados
Encontram-se provados os factos relativos, à tramitação processual, à alegação das partes e ao teor do despacho recorrido, supra resumidamente expostos.
Fundamentos
As questões colocadas pelo recurso serão as de saber se existe prejudicialidade da declaração de insolvência do co-Réu D…, para a tramitação dos presentes autos, sob os seguintes ângulos:
- inexiste trânsito em julgado da declaração de insolvência;
- inexiste norma no CIRE que regule o efeito da declaração de insolvência sobre as acções declarativas, podendo ambos os processos correr paralelamente; aliás o alegado incumprimento contratual, objecto da acção, em nade contende com a causa prejudicial/insolvência;
- da existência de um outro Réu, para lá do D…, sujeito a processo de insolvência, ou seja, da existência do Réu C…, decorre que sempre se verificaria, em qualquer caso, a utilidade da lide.
Vejamos pois.

Segundo o artº 272º nº1 CPCiv, o tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorra motivo justificado.
São duas as ocorrências tipificadas na norma: dependência entre causas, por um lado, motivo justificado, por outro.
Curaremos, em primeiro lugar, da existência de causa prejudicial (apenas por via de sindicar a aplicação da norma, pois não é esta a alusão expressa efectuada no douto despacho recorrido).
Como adequadamente sublinhava o Prof. J. Alberto dos Reis (Comentário, III/266 e 272), a razão de ser da suspensão por causa prejudicial é a economia e a coerência dos julgamentos – uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira razão de ser à existência da segunda.
Casos existem em que a questão pendente na causa prejudicial não pode discutir-se na causa subordinada, mas outros casos existem em que tal causa prejudicial pode discutir-se na causa subordinada, embora somente a título incidental. No primeiro caso, a dependência é necessária, no segundo é meramente facultativa ou de pura conveniência – Prof. J. Alberto dos Reis, op. e loc. cits.
O Prof. Lebre de Freitas define “causa prejudicial” como aquela que tem por objecto pretensão que constitui pressuposto de outra formulada (Código Anotado, 1999, I/501).
E para o Prof. M. Teixeira de Sousa (Prejudicialidade e Limites Objectivos do Caso Julgado, in RDES, ano XXIV, 4º, pg. 305, cit. in Ac.R.P. 6/2/2007 Col.I/184, relatado pelo Des. Cândido Lemos), “as situações de prejudicialidade entre as acções situam-se no âmbito das relações de dependência entre objectos processuais, podendo definir-se aquela como a situação proveniente da impossibilidade de apreciar um objecto processual, o objecto processual dependente, sem interferir na análise de um outro, o objecto processual prejudicial”.
Ora, não há dúvida de que a análise relativa à insolvência do Réu D… em nada prejudica a existência do crédito do Autor, como de quaisquer outros créditos que particulares clientes possam possuir contra o Banco, por força da actividade de depósito bancário e de mediação na aquisição de outros produtos financeiros.
Como execução universal, a insolvência necessariamente determinará a reclamação do crédito invocado nos presentes autos nesse outro processo de insolvência – artº 128º nºs 1 e 3 CIRE.
Esta reclamação necessária é uma imposição de carácter processual; como tal não interfere na análise da justeza material do pedido efectuado pelo Autor nos presentes autos.
A insolvência de uma das entidades bancárias demandadas não é assim causa prejudicial dos pedidos formulados neste presente processo.
II
Poderia porém ver-se no douto despacho recorrido uma expressão de “motivo justificado”, que a lei igualmente prevê como fundamento da suspensão por determinação do juiz.
Trata-se do motivo que, em ponderação judicial, deva justificar a suspensão.
E aí faz sentido a ponderação da doutrina do Ac.S.T.J. (Uniformização de Jurisprudência) 8/5/2013, pº 170/08.0TTALM.L1.S1, relatado pelo Consº Fernandes da Silva, no sentido de que “transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”.
Este acórdão formou-se na controvérsia com a posição que defendia que, sem prejuízo do disposto no artº 81º CIRE, inexistia neste CIRE qualquer norma que, à semelhança do disposto para o processo executivo (artº 88º) determinasse a suspensão das acções declarativas, encontrando-se os efeitos da declaração de insolvência, para estas acções declarativas, estritamente determinados no disposto no artº 85º CIRE (posição aliás defendida em inúmeros votos de vencido do citado AUJ).
A seguir-se a posição da jurisprudência uniformizada, de facto, seguir-se-ia uma declaração de inutilidade superveniente da lide, todavia restrita à pessoa jurídica do co-Réu D…, único envolvido na possível declaração de insolvência, não encontrando “justificação” a suspensão da acção quando, relativamente a um dos Réus (até em primeira linha, de acordo com o delineado no douto petitório) pode vir efectivamente a ser conhecido de mérito o pedido formulado.
Acrescendo que a inutilidade superveniente da lide, a seguir-se aquela posição doutrinal, repetimo-lo, só ocorrerá no momento do trânsito da sentença de declaração da insolvência – até lá, é incerta a “justificação” do motivo para a suspensão da instância.
Daí que não exista, em nosso entendimento, a pretendida “justificação” para a suspensão da acção nos presentes autos, ocorrendo antes o sucesso da douta pretensão recursória.
Resumindo a fundamentação:
I - A prejudicialidade entre acções (artº 272º nº1 CPCiv) ocorre por via da impossibilidade de apreciar um objecto processual, o objecto processual dependente, sem interferir na análise de um outro, o objecto processual prejudicial.
II - A insolvência iminente de determinado Réu em nada prejudica a existência do crédito do Autor, como de quaisquer outros créditos que particulares clientes possam possuir contra o Banco, por força da actividade de depósito bancário e de mediação na aquisição de outros produtos financeiros, sem prejuízo de, como execução universal, a insolvência necessariamente determinar a reclamação do crédito invocado nesse outro processo de insolvência – artº 128º nºs 1 e 3 CIRE.
III – Não ocorre motivo justificado para a suspensão da instância – artº 272º nº1 cit. – por força da iminente declaração de insolvência de um dos Réus e da subsequente inutilidade superveniente da lide na acção declarativa posta contra esse Réu (seguindo-se a doutrina do AUJ STJ 8/5/2013, pº 170/08.0TTALM.L1.S1), não apenas porque a acção corre contra um outro Réu litisconsorciado, mas também porque a referida insolvência pode ou não ser confirmada em recurso, o que torna incerta a justificação do motivo.
Deliberação (artº 202º CRP):
Julga-se procedente, por provado, o recurso interposto, e, em consequência, revoga-se a douta decisão recorrida, devendo o processo prosseguir os seus normais termos.
Sem custas.

Porto, 27/IX/2017
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença