Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16/13.7GDOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: PENA SUSPENSA
JUÍZO DE PROGNOSE
Nº do Documento: RP2015011416/13.7GDOAZ.P1
Data do Acordão: 01/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – No juízo de prognose necessário à aplicação da pena suspensa exige-se uma valoração total de todas as circunstâncias que permitam uma conclusão sobre a capacidade daquela pena de impor ao arguido a advertência necessária para que não volte a delinquir.
II - Essas circunstâncias são a sua personalidade, a sua vida anterior, as circunstâncias do crime, o seu comportamento posterior, o seu modo de vida e os efeitos que se esperam da suspensão da pena.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 16/13.7GDOAZ.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis com o nº 16/13.7GDOAZ. foram submetidos a julgamento os arguidos B…, C…, D…, E…, F…, tendo a final sido proferida sentença depositada em 12.06.2014, que condenou os arguidos:
- B…, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204° nº 2 alíneas a) e e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova;
- C…, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204° nº 2 alíneas a) e e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova;
- D…, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204° nº 2 alíneas a) e e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão;
- E…, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204° nº 2 alíneas a) e e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- F…, pela prática de um crime de auxílio material, p. e p. pelo artigo 232° nº 1 do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, acompanhada de regime de prova.
Inconformado com a sentença condenatória, dela veio o arguido E… interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões, em síntese:
[…]
1. Ora, no caso concreto, verifica-se que apesar da ilicitude ser acentuada, na altura dos factos tinha o arguido duas condenações por crimes contra a liberdade pessoal, uma condenação por coacção e outra por sequestro, por factos praticados em 21.04.2009 e 02.09.2010, quando tinha a idade de 17 e 19 anos respetivamente;
2. Vindo a posteriori a verificar-se a condenação ora posta em causa;
3. Mas à altura dos factos o arguido não havia cometido qualquer crime contra o património, contrariamente ao que ficou dito a fls. 33 da sentença;
4. “À primariedade dos arguidos C… e F… e ao passado criminal dos restantes arguidos, especialmente do arguido B…, E… e D… que já contam com várias condenações por diversos crimes, e designadamente por crimes contra a propriedade, o que faz acrescer fortes necessidades de prevenção, não descurando que estes dois últimos em pena de prisão efetiva que cumprem neste momento”;
5. O arguido E…, contrariamente ao que é referido na sentença, por diversas ocasiões, o seu CRC não regista qualquer condenação por crime contra o património;
6. Mesmo assim, na aplicação da medida da pena e na sua não suspensão foram avocados fundamentos como se o arguido já tivesse sido condenado por crimes da mesma natureza do ora em questão;
7. A Juiz a quo ajuizou erradamente a personalidade do arguido E…, uma vez que este arguido não tem registo de nenhuma condenação por crime contra o património;
8. O arguido nunca beneficiou da suspensão da execução de uma pena, nem se verifica qualquer reincidência no que respeita a este tipo de crime;
9. O arguido é “primário” quanto à natureza deste tipo de crime;
10. A Juiz a quo não podia ter igualado, como o fez, os percursos do arguido E… com o arguido D…;
11. A haver coincidências, e confrontados os vários CRC, o arguido E… estaria em igualdade de circunstâncias com o arguido B…, e a este, a Meritíssima Juiz a quo suspendeu a execução da sua pena;
12. Com todas as dificuldades que possam estar inerentes à sua situação de reclusão, o arguido mantém a convivência com a sua filha menor de 2 anos de idade, com a sua companheira, pais e avós, que o visitam semanalmente no estabelecimento prisional;
13. Como ficou dito a fls. 10 da sentença, o arguido tinha iniciado uma atividade profissional quando foi preso;
14. Finda a pena que se encontra a cumprir, o emprego do arguido está assegurado;
15. O relatório social junto ao processo diz que “(…) a entidade patronal referenciou positivamente o seu comportamento, avaliando-o como empenhado, competente e cumpridor, motivo porque está disponível para o reintegrar quando a sua situação jurídica se definir e assim o permitir”;
16. O facto de ser condenado a uma pena detentiva e efetiva, em nada o ajudará a encontrar o equilíbrio que necessita para a sua melhor reinserção em sociedade, até porque, se agora tem o emprego assegurado, daqui a 3 anos e 6 meses não o terá;
17. Afastar o arguido do seu meio social, obrigando-o a estar ausente durante mais de 3 anos e 6 meses, em nada vai contribuir para a ressocialização do mesmo, não lhe vai permitir estabilidade psico-emocional, pois a adaptação ao contexto prisional são fatores que o irão conduzir posteriormente a maiores dificuldades da sua reinserção;
18. Ponderando, por um lado a medida da culpa, os interesses de ressocialização, contando com os efeitos previsíveis da pena e por outro as exigências de prevenção geral, a não suspensão da execução da pena efetiva é demasiado penoso para o recorrente;
19. Até porque tendo em conta o que vivencia nos estabelecimentos prisionais, não ajudará em muito a ressocialização;
20. O recorrente necessita de medidas de reinserção social de especial relevo, mas sobretudo de não ser afastado por mais tempo da sua família e do seu emprego, pois face à crise económico social que se vivencia no nosso país, estar a afastar o arguido do emprego por muito precário que seja, é posteriormente ter mais um desempregado na nossa comunidade tão extensa inscrita nos centros de desemprego;
21. Mais necessário seria sim, consolidar o seu tratamento no que respeita à sua abstinência de consumo de haxixe e álcool, permitindo-lhe a aquisição e desenvolvimento das competências pessoais e sociais que lhe permitam resolver os problemas e atingir os objetivos de acordo com as normas e valores que regulam a vida em sociedade;
22. O que não se coaduna com a aplicação de uma pena efetiva de prisão de 3 anos e 6 meses, como a aplicada ao aqui recorrente;
23. Face à posição do arguido nestas alegações e a ser procedente este recurso, a sua pena terá que ser suspensa na sua execução, mesmo que sujeita a deveres ou regras de conduta que se demonstrem necessários e adequadas à realidade em concreto, e que seja acompanhado com regime de prova, o que pode ser aplicado cumulativamente;
24. Devendo para isso o tribunal correr o risco “prudencial” sobre a manutenção do arguido em liberdade;
25. No que toca à indagação de uma conexão entre o ilícito presente e os que anteriormente foi condenado em nada se assemelham, sendo o tipo de crimes diferentes;
26. Após a prática dos factos objeto da presente condenação, o arguido mantém um comportamento exemplar, passou a viver com a companheira e filha, assumiu as suas responsabilidades parentais e até tinha, dada a grande dificuldade, arranjado emprego;
27. Tendo em conta a idade do arguido e a possibilidade de reintegração do mesmo na sociedade, não é de todo benéfico ou aconselhável que o mesmo seja retirado do meio social em que vive, e do seu emprego, por mais 3 anos e 6 meses, uma vez que não facilita a futura reintegração do mesmo na sociedade;
28. Quando sair da prisão, a possibilidade de reintegração será muito reduzida no mercado de trabalho;
29. No caso dos autos, atento o anteriormente alegado, deverá a pena de prisão ser suspensa por um período que o tribunal achar adequado, tendo em conta as razões de prevenção geral e especial, por um período pelo menos igual ao da pena, sujeitando o arguido a regras ou deveres de conduta e regime de prova, nomeadamente no que respeita aos seus hábitos de consumo de haxixe e álcool, impedindo assim a sua desintegração do meio profissional e familiar, que em nada irá facilitar a sua posterior reintegração no meio social onde se insere;
30. É que finda a pena que se encontra a cumprir, o arguido mantém o seu trabalho e o apoio da companheira e família, o que poderá não acontecer no final da pena em que foi agora condenado.
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Na 1ª instância, o Mº Público respondeu às motivações de recurso, concluindo que lhe deve ser negado provimento.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer concordante com a resposta do Mº Pº na 1ª instância.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos: (transcrição)
1.No dia 14/01/2013, no período da manhã, os arguidos B… e C… após um telefonema efetuado pelo arguido D…, dirigiram-se à sua habitação conduzindo um veículo automóvel Renault …, de cor preta e matrícula ..-..-ZI, pertencente à arguida;
2. Ali chegados os arguidos D… e E… entraram na identificada viatura e dirigiram-se a um café sito nas proximidades.
3. Os quatro arguidos, porque se encontravam desempregados e com necessidades económicas conversam sobre o modo como arranjarem dinheiro.
4. No decurso da aludida conversa os quatro arguidos acordaram e planearam entre si encontrar uma habitação que exteriorizasse sinais de riqueza e se encontrasse em condições acessíveis a aceder ao seu interior e dali ser retirado pelos arguidos bens de valor de valor económico.
5. De acordo com o plano assim planeado combinaram encontrarem-se após o almoço, pelas 14,30h, na habitação do D…, o que ocorreu.
6. Em conformidade com o plano que haviam traçado, o arguido D… munido de um saco de desporto onde levava uma pedra de diamante e uma ventosa, a fim de serem utilizados para cortar vidro e o agarrar impedindo a provocação de ruído e a atenção de terceiros, juntamente com o arguido E… entraram no veículo supra identificado conduzido pelo arguido B… onde no lugar do passageiro se encontrava a arguida C….
7. Após circularem pelos arredores cada um dos quatro arguidos foram indicando aleatoriamente várias casas que preenchiam os requisitos que procuravam, mas por circunstâncias várias, e designadamente pela existência de gente apeada nos arredores ou cães na propriedade ou ainda porque situadas em zonas movimentadas e junto à via pública, delas desistiram por unanimidade.
8. Regressam a … e por indicação do arguido B… é sugerida a casa do assistente G….
9. O arguido B… sabia e disso partilhou com os demais arguidos que no interior da aludida habitação existiam bens de valor, sendo por todos os arguidos conhecido o assistente como dono de alguns estabelecimentos comerciais em São João da Madeira e como pessoa de boa condição económica.
10. Do mesmo modo partilhou o arguido B… as rotinas dos residentes naquela habitação, designadamente horas de chegada dos mesmos e dos horários dos empregados daquela residência.
11. Decidiram então, estacionar o veículo nas proximidades da aludida residência, próximo de um cemitério e dali controlar as entradas e as saídas dos aludidos empregados.
12. Nesse compasso de espera e por volta das 17 horas os quatro arguidos, no interior do aludido veículo acordaram nas tarefas que a cada um incumbia e designadamente que os arguidos D… e E… subiriam o muro e rede que circundava a casa e depois de subirem a uma varanda que visualizavam do exterior, pela respetiva porta de vidro entravam no interior da mesma, utilizando os objetos que levavam consigo.
13. Mais acertaram que, por sua vez incumbia aos arguidos C… e B… ficarem de vigia no exterior da habitação e por contacto telefónico avisarem os outros arguidos (D… e E…) em caso de aproximação de alguém à residência ou após receberem contacto telefónico destes últimos estivessem prontos com o veículo automóvel por forma a recolhê-los à saída da aludida residência.
14. Em obediência ao plano assim combinado, os arguidos D… e E… saíram do aludido veículo, aproximaram-se da habitação e treparam o muro que circunda a habitação do ofendido, logrando entrar no jardim da residência.
15. De seguida, estes dois arguidos acercaram-se da habitação e agarrando as grades, por elas subiram conseguindo aceder à varanda existente no 1º andar da habitação.
16. Utilizando a pedra de diamante o arguido D… cortou uma parte do vidro segurando-o com uma ventosa por forma a não se cortar nem o partir, assim evitando barulhos.
17. Através do buraco no vidro de uma das portas de acesso ao interior da habitação e através de um dos quartos os dois arguidos nela entraram.
18. Uma vez no interior da residência, depois de percorrerem as várias divisões da casa e de remexer em vários móveis e gavetas, os arguidos encontraram e retiraram os seguintes objetos:
a) Um computador da marca Toshiba;
b) Uma câmara de filmar, da marca Sony;
c) Um Alfinete de peito, com o desenho de um lagarto;
d) Um colar de fantasia e respetivos brincos, com cerca de 30 anos, de valor não apurado;
e) Três Salvas de estanho com dedicatórias inscritas, de valor não apurado;
19. Os arguidos D… e E… além dos objetos supra escritos e que introduziram no saco de desporto por eles levado encontraram um cofre, de cor cinzenta que se encontrava fechado.
20. Os dois arguidos tentaram mover o aludido cofre, porém, não logrando arrastá-lo mais do que dois ou três metros atento o peso do mesmo.
21. Por via disso, o arguido D…, contacta telefonicamente o arguido B… dando-lhe conta do sucedido e da necessidade da presença daquele para movimentar e dali levar o cofre.
22. De imediato o arguido B… desloca-se à residência e juntamente com aqueles dois arguidos arrastaram o cofre, com a ajuda de uma manta, até à varanda, levantaram-no sobre o gradeamento e atiraram-no para o jardim.
23. Já no rés-do-chão da habitação, designadamente ao jardim, os arguidos utilizaram um carrinho de mão que aí se encontrava para transportar o referido cofre até ao veículo automóvel Renault …, de cor preta, de matrícula ..-..-ZI, o qual já se encontrava no interior do pátio.
24. Com efeito na mesma sequência a arguida C… conduziu o veículo até á entrada do portão e após o arguido B… o abrir do seu interior, esta circulou até ao seu interior.
25. Em seguida os três arguidos movimentam o cofre para a bagageira do veículo, sendo levado pelo arguido D… para o interior do carro também o saco com os objetos que ele e o arguido E… haviam recolhido e descritos em 18..
26. O arguido B… conduzindo o veículo automóvel identificado em 1. onde se encontravam os demais arguidos, sai para o exterior daquela habitação levando no aludido veículo todos os supracitados objetos e que fizeram seus, os quais pertenciam ao ofendido.
27. Porque as dimensões do cofre ultrapassavam aquelas da mala do veículo em causa e ainda porque o arguido B… tinha o compromisso de ir buscar a mãe diariamente ao respetivo local de trabalho, designadamente à pastelaria do assistente G… onde aquela ali trabalhava, teve necessidade de esconder o cofre.
28. Percorrendo caminhos pouco frequentados por forma a não chamar as atenções de terceiros o arguido B… escolhe um local escondido e isolado, atrás de uns arbusto e fora da via pública, onde ali deixam o aludido cofre coberto com vegetação.
29. Combinam os arguidos B…, E… e D… que à noite se encontrariam novamente para abrir o cofre ou levá-lo para lugar seguro.
30. Nesse mesmo dia, cerca das 20h30, o arguido D… contactou telefonicamente o arguido F…, solicitando-lhe que se encontrasse consigo, ao mesmo tempo que telefona ao arguido D… para se deslocar ao local onde o cofre fora deixado e se encontrava.
31. Acedendo ao pedido do arguido D… o arguido F… deslocou-se à habitação do arguido D…, sita na Rua …, nº …, em …, Oliveira de Azeméis, onde também se encontrava o arguido E...
32. Nesse local, os arguidos D… e E… contaram ao arguido F… que haviam furtado o referido cofre da casa do assistente G… e acordaram entre eles que este último utilizando a sua viatura de dimensões superiores fosse buscar o cofre.
33. Com este propósito deslocaram-se ao local onde simultaneamente aparece o arguido B….
34. Já no aludido mato, situado na Rua 10 de Maio, em …, local onde se encontrava escondido o cofre retirado da residência do ofendido G…, os quatro arguidos agarraram o cofre e colocaram-no, conforme acordado entre todos, na mala do veículo do arguido F…, de matrícula ..-..-EE.
35. Sugerido pelo arguido B… os arguidos acordaram entre si deslocarem-se a casa de um sucateiro conhecido pelo B… e a quem este previamente contactou telefonicamente com o propósito de abrirem o cofre.
36. Ali chegados, o aludido sucateiro tentou abrir o cofre com uma rebarbadora mas atenta a presença de familiares na residência que se aproximavam do local, o sucateiro desistiu.
37. Ora, não havendo lugar para guardar o cofre e uma vez que o arguido F… iniciava o seu turno profissional cerca das 23 horas acordaram os arguidos que o cofre ficaria durante a noite no interior do veículo do arguido F…, o qual acedeu, tendo este tapando o cofre com uma manta.
38. Mais combinaram que no dia seguinte, após terminar o turno, os arguidos D…, E… e B… se deslocariam ao exterior das instalações da H…, próxima da “I…, S.A”, sita na …, local de trabalho do arguido F…, e após transportariam o cofre para a …, designadamente, para a E.M. …, … – Arouca.
39. No dia 15/01/2013, pelas 8.00h como o arguido B… não aparecia, os três arguidos F…, D… e E… conduziram a viatura em direção à … contactando telefonicamente o arguido B… da necessidade de gasóleo para o veículo do arguido F… e que já se dirigiam ao acordado local.
40. O arguido B… foi então ao encontro dos demais arguidos, porém sem levar o combustível.
41.Uma vez que o veículo do F… ficou sem gasóleo o arguido B… e E… foram buscar o combustível e depois de abastecerem o aludido veículo continuaram o percurso até à ….
42. Ali chegados, escolheram o local mais alto e escondido, tendo os quatro arguidos retirado o cofre da mala da viatura do arguido F… levando-o para o meio do mato e no lugar assim escolhido.
43. O arguido B… levou consigo ferramentas várias, entre elas, chaves de fendas, alicates, uma marreta e com elas, principalmente com a marreta, todos tentaram abrir o aludido cofre, o que não conseguiram.
44. Foi então que o arguido D… ligou para uns amigos que sabia terem um gerador e uma rebarbadora e lhos pediu emprestado, combinando encontro numas bombas de gasolina próximas do local.
45. Munidos desse gerador e rebarbadora, os quatro arguidos regressaram novamente ao local onde haviam levado o cofre e tentaram abrir o dito cofre, sem sucesso, pois que partiram todos os discos.
46. Nessa sequência, o arguido B… telefonou para a arguida C…, solicitando-lhe que levasse àquele local discos novos para a rebarbadora, indicando expressamente a localização dos mesmos na sua residência, ao que esta acedeu e fez.
47. Munidos de novos discos para a rebarbadora, os arguidos B…, E…, D… e F…, um de cada vez, tentaram abrir o cofre, utilizando a rebarbadora, ao mesmo tempo que a arguida C… subiu para um ponto mais alto por forma a vigiar e a controlar a aproximação de alguém ao local.
48. Volvidas horas na abertura do cofre, conseguiram abrir mesmo e, todos os arguidos retiraram, um de cada vez, do seu interior molhos de notas várias, no valor total de € 85.110,00 (oitenta e cinco mil, cento e dez euros), em notas do BCE, até esvaziar o cofre e introduziram-nas num saco que se encontrava no local.
49. Nesse momento, os cinco arguidos abandonaram o cofre e deslocaram-se para junto das suas viaturas, levando a arguida C… o dinheiro consigo a fim de o contarem junto às viaturas que se encontravam afastados do local e com o intuito de contarem o dinheiro e o dividirem entre os arguidos B…, D…, E… e C….
50. Ali chegados e na posse do dinheiro retirado do cofre, foram detidos pela GNR-NIC de Oliveira de Azeméis.
51. Ao agirem do modo supra descrito, os arguidos B…, C…, E… e D…, em conjugação de esforços e intentos, e, mediante plano previamente delineado para o efeito, atuaram com o intuito concertado de subtrair do interior da identificada habitação os objetos de valor que ali encontrassem e fazer seus, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade do legitimo proprietário.
52. Ainda agiram estes arguidos em conjugação de esforços e intentos, de forma livre, voluntária e consciente e com conhecimento que as suas condutas eram proibidas e penalmente punidas, circunstância que não os inibiu de atuar conforme descrito, o que pretendiam fazer e lograram conseguir levando os objetos descritos supra fazendo-os coisas suas.
53. Do mesmo modo o arguido F… com o intuito de ajudar os restantes arguidos a abrirem o cofre que haviam retirado do interior da residência do ofendido e com a ajuda prestada permitir guardar, transportar e ajudar a abrir o cofre em causa agiu com intenção de, bem sabendo do modo como o cofre adveio à posse dos arguidos, permitir aos demais arguidos de fazerem suas as quantias em dinheiro ou outros objetos que se encontrassem no seu interior, não obstante saber que tal objeto havia chegado às mãos daqueles mediante a prática de um crime de furto, conduta que quis e fez.
54. Os arguidos B…, C…, D…, E… e F… agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
55. O arguido B…l é solteiro, vive com os pais.
56. A vida profissional do arguido B… é marcada por um percurso de grande instabilidade e precaridade laboral, sendo que desde o mês de Outubro de 2013 até ao momento exerce atividade de empregado Fabril/moldes, auferindo cerca de €550 mensais.
57. O arguido B… tem o 9º ano de escolaridade e um curso de instalação elétrica.
58. O arguido B… conhece desde criança o assistente, tendo frequentado a casa do mesmo, sendo que a sua mãe é funcionária num estabelecimento comercial do assistente sito em São João da Madeira.
59. O arguido B… já foi julgado e condenado por fatos praticados em 17/10/2010 e decisão datada de 07/12/2011, transitada em 10/01/2012 em pena de 150 dias de multa pela prática de um crime de detenção de arma proibida; Por fatos praticados em 13/07/2011 foi condenado em 27/05/2012 pela prática de um crime de falsas declarações em pena de 90 dias de multa.
60. A arguida C… é divorciada, vive juntamente com os seus pais e tem a seu cargo uma filha de 8 anos de idade.
61. Pese embora a instabilidade profissional no seu percurso laboral, desde o mês de maio de 2013 e até ao momento exerce atividade profissional por conta doutrem auferindo mensalmente o salário de €560 mensais.
62. A arguida C… tem o 9º ano de escolaridade.
63. A arguida C… é primária.
64. O arguido F… é solteiro e vive com a sua avó materna desde os seus 3 anos de idade, tendo concluído o 6º ano de escolaridade.
65. O arguido F… desde os 16 anos de idade que exerce atividade laboral, tendo exercido várias funções desde ajudante da construção civil, operário num aviário, na construção civil enquanto emigrante na Argélia, vindo a ser operário no setor dos plásticos até à data dos fatos e desde Janeiro de 2014 que exerce funções de operário no ramo de utilidades domésticas, auferindo cerca de € 500 mensais, contribuindo para as despesas domésticas.
66. O arguido F… é primário.
67. Os arguidos B…, C… e F… beneficiam de uma imagem positiva e estruturante na sociedade marcado por um crescendo de integração profissional e familiar, beneficiando de apoios e afetos familiares.
68. O arguido E… é solteiro, havia iniciado atividade profissional 15 dias antes de ser detido para cumprimento de pena efetiva em Estabelecimento prisional onde se encontra.
69. O arguido E… tem um percurso de vida associado a comportamentos decorrentes de ingestão de álcool e consumo de haxixe e à prática de crimes de furto, fatores que determinaram a aplicação de medidas tutelares educativas de internamento no J… aos fins de semana.
70. O arguido E… tem uma filha nascida em 26/05/2012, não assumindo, até à data da detenção referida sufra, responsabilidades e comportamentos parentais procurando convívio entre os seus pares em contexto de rua e vida noturna, marcado pela inatividade e dependência funcional de terceiros.
71. Desde a data da reclusão em que se encontra o arguido E… vem beneficiando de uma maior proximidade familiar e interação paternal com a filha menor, verbalizando propósitos de mudança ante a realidade prisional em que vive.
72. O arguido E… apresenta fatores de risco relacionados com os aludidos consumos que tinha antes da data da reclusão de álcool e haxixe, recusando qualquer adesão a tratamento ou acompanhamento especializado e continuado quer antes quer depois da detenção.
73. O arguido E… já foi julgado e condenado por factos praticados em 21/04/2009 por decisão datada de 21/01/2010 e transitada em 22/02/2010 pela prática de um crime de coação em pena de 120 dias de multa; por factos praticados em 02/09/2010, decisão datada de 22/11/2012, transitada em 17/09/2013 foi julgado e condenado em 10 meses de prisão efetiva pela prática de um crime de sequestro, que cumpre.
74. O arguido D… é solteiro, vivia à data dos factos sozinho numa casa de família e à data dos factos trabalhava ocasionalmente na área da construção civil, sendo que grande parte da sua vida laboral é caraterizada por inatividade e desocupado dependente de apoios familiares.
75. O arguido D… no seu percurso vivencial integrou-se em grupos conotados com envolvência delinquente.
76. O arguido D… por fatos praticados em 30/11/2006 e decisão datada de 24/05/2007 foi julgado e condenado pela prática de um crime de furto qualificado na pena de 13 meses de pena suspensa na sua execução por 18 meses; pela prática de um crime de roubo por fatos datados de 29/03/2007 e decisão proferida em 12/07/2010, transitada em julgado em 04/10/2010 foi o arguido julgado e condenado na pena de 3 anos e 8 meses suspensa na sua execução condicionada ao regime de prova; por fatos praticados em 02/09/2010 foi o arguido julgado e condenado em 22/11/2012 por decisão transitada em 17/09/2013 na pena de 12 meses de prisão efetiva pela prática de um crime de sequestro, que cumpre.
77. Os arguidos E…, D… e F… confessaram integralmente os fatos contribuindo de forma relevante e determinante para a descoberta da verdade.
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Foram considerados não provados os seguintes factos: (transcrição)
1. Que os arguidos B… e C… tenham simultaneamente aos arguidos E… e D… saltado o muro, escalado as grades da habitação subindo ao primeiro andar da mesma e partindo o respetivo vidro, entrando os quatro simultaneamente no interior da aludida residência do ofendido, ou outro comportamento para além do que se deixa descrito e participação de todos os arguidos nos fatos provados.
2. Que os objetos descritos em a) e b) do fato positivo 18. tenham o valor de € 1500,00 e aquele descrito na al c) do mesmo fato o montante de € 150,00.
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A matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos: (transcrição)
A convicção do Tribunal relativamente aos factos considerados provados e não provados, fundou-se na apreciação crítica e análise global da prova produzida em audiência, designadamente na conjugação das declarações de todos os arguidos, do assistente, depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas e na sua coerência, segurança e isenção, bem assim nas respetivas hesitações, incongruências e inexatidões, tudo de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, o qual impõe uma apreciação de acordo com critérios lógicos e objetivos, que determinem uma convicção racional, objetivável e motivável.
Assim, a convicção positiva do tribunal relativamente aos factos que se deram como provados e supra descritos, assentou na sua essência, nas declarações confessórias de todos os arguidos.
Com efeito o recorte dos acontecimentos nos termos levados ao acervo probatório assentaram das descrições abundantemente pormenorizadas de todos e cada um dos arguidos, os quais de forma esclarecida e uniforme convenceram o tribunal sobre o modo de execução dos fatos objetivos positivos.
Com efeito, à generalizada confissão por parte dos arguidos B… e C… e àquela concretizadamente assumida pelos arguidos F…, D… e E…, nelas o Tribunal alicerçou a sua convicção, apelando aos princípios da razoabilidade e normalidade do acontecer e às regras da experiência para dessas confissões, com segurança, extrair o recorte histórico contado nos fatos positivos.
Senão vejamos:
Os arguidos B… e C… num contexto assumido e confessado de dificuldades económicas que atravessavam, mercê da sua situação de desemprego, assim justificam terem acedido ao pedido dos arguido D… e E… quando na sequência do telefonema a que se alude nos fatos provados por parte do arguido D…, se encontram nos termos descritos e são confrontados com a necessidade de assaltar uma das residência locais, por forma a obter bens de valor e assim angariarem dinheiro.
Em pormenor ambos os arguidos descrevem abundantemente o modo de execução que planearam e aceitaram executar, tudo em conformidade com a factualidade assente, ainda que, segundo eles, a pretexto de um pagamento pelos serviços da respetiva intervenção.
Porém, tal vitimização e tentativa desesperada de tentar convencer o tribunal que arrastados pelos demais arguidos e alheios a qualquer partilha do resultado a obter, cai por terra, quando, de forma espontânea e gradual, ambos vão descrevendo os contornos das respetivas intervenções e decisões unanimemente aceites por todos os arguidos e em conformidade com elas atuam em conjunto e cada tarefa atribuída a cada um dos arguidos ultrapassa a mera “boleia onerosa”, com a qual iniciam a justificação e a tentativa de passar um alheamento total à assunção da execução de um plano, que efetivamente acabam por descrever detalhadamente e da qual resulta inequívoca os moldes de participação e execução acordada.
Com efeito não se descura os conhecimentos e iniciativa do arguido B… na indicação do sucateiro “K…” para a abertura do cofre na aludida noite, conforme descreve a arguida C… e a coincidência, no mínimo estranha, em o arguido levar consigo para a … utensílios “por acaso” utilizáveis na abertura de cofres, confessando o próprio arguido B… que usou a marreta que levava consigo para abrir o cofre.
A entrada do arguido na residência para ajudar a arrastar o cofre após o contato telefónico do arguido D…, é bem descrita pela arguido C…, a qual não deixa de descrever, tal como os demais arguidos os conhecimentos sobre a atividade do assistente e aqueles veiculados pelo arguido B…, a que acresce não ter sido deixado aleatoriamente o cofre em qualquer lugar, antes escolhido e indicado pelo arguido B… um local escondido por arbustos e desviado da via publica.
Do mesmo modo, não deixa a arguida C… de admitir o papel de vigia quer aquando da entrada dos demais arguidos na residência quer aquando da abertura do cofre, referindo expressamente ter-se deslocado a um ponto mais alto por forma a vigiar e a acautelar a aproximação de alguém ao local.
A não comparência da arguida na noite do dia 14 ou na manhã do dia 15 é justificada pelo arguido E… com a necessidade de assistência por parte da arguida, enquanto mãe, à sua filha, o que à luz das regras da experiência e vivendo esta em casa dos pais e tendo a seu cargo uma filha menor, se apresenta verosímil, tanto mais que a relação de namoro com o arguido B…, à data dos fatos, lhe garantia a “fatia do bolo”, fato que, em nada retira a ação concertada e executada em conjunto ao desiderato planeado, com a intervenção que resulta descrita.
Da análise destas declarações e depois de conjugadas com aquelas produzidas pelos demais arguidos que de forma unânime e pormenorizada descrevem o ocorrido, conclui o tribunal inexistirem divergências que permitam sequer suscitar dúvidas da ação e comportamento descrito nos fatos provados.
As declarações destes três arguidos resulta com espontaneidade e um pormenor descritivo o modo de execução dos fatos, que da sua análise se retira de forma inequívoca a ação concertadamente planeada e nessa conformidade executada, realçando à evidência do comportamento assim descrito a consciência e a vontade de cooperação em conjunto que não se esgota na prática de um só ato (“boleia”), ou atuação paralela, pois que em nenhum momento e depois de uma noite de reflexão nenhum dos arguidos B… e C… desistem ou denunciam a situação, levando e colaborando desta forma no projeto até fim.
Destas declarações e daquelas produzidas pelo assistente no que respeita aos valores dos objetos descritos no fato 18. resultam não provados os demais em contradição com aqueles positivos por contradição à prova produzida e nenhuma outra sobre aquela lograda obter no decurso da audiência de julgamento.
Quanto aos elementos pessoais, familiares e económicos de cada um dos arguidos alicerçou o tribunal a sua convicção quanto aos fatos a eles atinentes quer nas declarações produzidas pelos mesmos e o teor confirmado por cada um dos arguidos dos relatórios sociais individuais com os quais o tribunal os confrontou no decurso da audiência de julgamento.
Ademais, se a testemunha L…, mãe do arguido B… descreve a situação económico profissional e familiar do arguido à data dos fatos, confirma as rotinas do assistente, aquele que entra em primeiro lugar do estabelecimento comercial onde a testemunha trabalha e dele sai em último, sendo um homem trabalhador e conhecido como um homem de posses. Também o tio do arguido, a testemunha M… e N…, e o último conhecido do arguido B… e da arguida C…, revelaram conhecer o respetivo modus vivendi.
Acrescem às declarações da arguida C… também o depoimento da testemunha O…, padrinho da arguida que descreve as relações interpessoais e familiares que presencia nos termos levados aos fatos provados.
Também as testemunhas P… e Q…, irmã e mãe do arguido D…, respetivamente, manifestaram e exteriorizaram o apoio familiar e a proximidade decorrente da reclusão do arguido, revelando os propósitos verbalizados de mudança nos termos assentes.
O arguido E… se exterioriza em julgamento a vontade de querer recomeçar uma nova vida, as testemunhas S…, namorada do arguido e de quem tem uma filha comum é abundantemente descritiva no apoio incondicional que manifesta o arguido e nas alterações decorrentes da sua reclusão, agora mais próximo e interativo com a filha aquando das visitas regulares que estabelece, não deixando de referir o percurso de toxicodependência do arguido e a resistência por parte do arguido, quando em liberdade, assumia comportamentos de vida noturna e desresponsabilizante, ainda que confiante na mudança do arguido e vontade do mesmo em arrepiar caminho noutras direções. Também a avó do arguido com quem vive desde os três anos manifestou dor e sofrimento do percurso do arguido marcado por ausências ou más referências paternais, ainda que o referenciasse carinhosamente num contexto familiar de proximidade.
Além dos relatórios individuais relevaram os CRC juntos aos autos.
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
No caso em apreço, resulta das conclusões do recurso que o recorrente delimita o respetivo objeto à suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.
Pretende o recorrente que a pena de prisão aplicada seja suspensa na respetiva execução, invocando para tanto apenas que na altura dos factos não havia cometido qualquer crime contra o património, apesar de já ter sofrido duas condenações, nada referindo quanto aos concretos requisitos de que depende a aplicação da pena de substituição pretendida.
Vejamos:
Em conformidade com o disposto no artº 50º do Cód. Penal tem o tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido[3].
Como se salientou no Ac. do STJ de 08.05.97 (Proc. nº 1293/96) “factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir”.
Ponto é que as exigências mínimas de prevenção geral fiquem também satisfeitas com a aplicação da pena de substituição. “O sentido destas é, aliás, nesta sede, o de se imporem como limite às exigências de prevenção especial, constituindo então o conteúdo mínimo de prevenção geral de integração de que se não pode prescindir para que não sejam, em último recurso, defraudadas as expetativas comunitárias relativamente à tutela dos bens jurídicos”[4].
Como afirma Figueiredo Dias, a suspensão de execução da pena constitui entre nós a mais importante das penas de substituição[5], a qual depende da formulação de um prognóstico favorável incidente sobre a capacidade do arguido para atingir a sua ressocialização em liberdade.
Na expressão de H.H. Jescheck «a prognose social favorável do arguido, que deve acontecer em todos os casos, consiste na esperança de que o condenado sentirá a condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum delito. Com razão, não se exige já a perspetiva de uma “vida futura ordenada e conforme com a lei [...], já que para o fim preventivo da suspensão basta que não volte a delinquir no futuro. Esperança não significa certeza [...]. O tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente, mas se existem dúvidas sérias sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa, o que de facto supõe um "in dubio contra reu". A prognose exige uma valoração total de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido. Estas circunstâncias são a sua personalidade (por ex., inteligência e carácter), a sua vida anterior (por exemplo, outros delitos anteriormente cometidos da mesma ou de outra natureza), as circunstâncias do delito (por exemplo motivações e fins), o seu comportamento depois de ter cometido o crime (por exemplo reparação do dano, arrependimento), as circunstâncias da sua vida (por exemplo, profissão, casamento e família) e os efeitos que se esperam da suspensão [...][6]».
Porém, ainda que centrada na pessoa do arguido no momento atual e na avaliação da respetiva capacidade de socialização em liberdade, ou seja, em considerações radicadas na prevenção especial, a decisão que aprecie a propriedade de escolha por esta, ou outra, pena de substituição, deve atender igualmente às exigências de prevenção geral positiva, para que a reação penal responda adequadamente às expetativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada e assegure a proteção do bem jurídico afetado, como imposto pela parte final do nº1 do artº 50º do CP. Esse necessário balanceamento entre as finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização, em que a primeira exerce função limitadora da segunda, encontra relação direta com a gravidade da pena e a proximidade do limite de admissibilidade da pena de substituição. Nas palavras do S.T.J.: «A suspensão da mesma pena deve afigurar-se como compreensível e admissível perante o sentido jurídico da comunidade. A lei não o diz, mas é uma questão de razoabilidade e lógica jurídica, dimanada dos princípios, a afirmação de que, em termos de prevenção especial, não tem o mesmo significado na aferição na possibilidade de suspensão de execução da pena uma pena de seis meses de prisão ou uma pena de cinco anos de prisão»[7].
Neste ponto, as questões que se colocam passam por aquilatar se existem condições para confiar que o arguido será capaz de se ressocializar em liberdade, sem voltar a práticas similares às aqui censuradas, e, mesmo que esse risco fundado possa ser afirmado, se a pena de substituição não coloca em causa o «limite mínimo de prevenção geral constituído pela defesa irrenunciável do ordenamento jurídico».
A estas duas questões deu o tribunal a quo resposta negativa e não vemos razões para censurar essa decisão.
A este respeito escreveu-se na sentença sob recurso:
«Da análise efetuada pela DGRS ao percurso normativo do arguido, espelhado no relatório social junto aos autos (fls. 591 a 594 e 538 a 542, respetivamente), resulta que os arguidos vem progressivamente interiorizando a censurabilidade dos atos que cometeram, vem adotando uma postura de cumprimento das regras vigentes na cadeia.
Porém, se dos identificados relatórios ressaltam propósitos verbalizados de mudança de comportamentos por parte de ambos os arguidos e ainda a proximidade relacional dos familiares e apoios que ali se vem demonstrando nesta área afetiva, pois que se trata da primeira reclusão de ambos os arguidos, não deixa de ser verdade que os fatores de risco de reincidência e de inserção em grupos de risco e as condenações sofridas por crimes de igual gravidade e natureza […] e pese embora a juventude dos arguidos, o comportamento desviante dos arguidos marcado por condenações em crime de sequestro (pelos quais cumprem pena de prisão efetiva) […], à luz das circunstâncias acima identificadas, cremos não ser possível, no caso em concreto, efetuar um juízo de prognose favorável aos arguidos D… e E…, de molde a suspender-lhe a pena aplicada. Na verdade, neste caso em concreto, existem indicadores de que os arguidos, com o cumprimento da pena de prisão em que se encontram vem refletindo sobre os valores em causa e vem gizando projetos positivos para o seu futuro, porém apenas propósitos verbalizados sem sustentação probatória não permitindo ao tribunal acreditar que existe ainda a possibilidade de os arguidos se reintegrar de modo progressivo e de forma positiva na sociedade, beneficiando da suspensão. Na verdade, destes arguidos pode dizer-se que, face aos seus antecedentes criminais, o juízo de prognose quanto ao seu comportamento futuro é, necessariamente, negativo, pois muito dificilmente deixarão de cometer crimes, comportamento que denota claramente uma falta de preparação para manterem um conduta conforme aos normais padrões jurídicos vigentes, bem patente na desconsideração que ao longo dos anos vêm fazendo das decisões de que foram alvo.
O que reclama o cumprimento efetivo das penas, de molde a fazê-los sentir a censura social de tais condutas e a intimidá-los suficientemente para futuros comportamentos idênticos.
Ou seja, e dito de outro modo – atendo-nos à própria letra da lei – nada nos factos provados sustenta um juízo de prognose favorável a tais arguidos no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ademais, uma eventual suspensão da execução das penas, no que tange a tais arguidos, não seria compreensível para o sentimento jurídico da comunidade e para a manutenção da sua confiança no direito e na administração da justiça.
Nada indica que seja esse o caminho que estes arguidos querem trilhar e, bem pelo contrário, dos factos provados resulta que eles revelam traços da sua personalidade desvaliosos, como é a tendência para cometer crimes, designadamente crimes contra a propriedade. Entendemos, pois, que só as penas de prisão poderão assegurar o efeito essencial de prevenção geral e satisfazer a necessidade de socialização dos arguidos D… e E…».

Concordamos com as considerações da sentença recorrida, acrescentando apenas que os factos por que foi julgado nos presentes autos ocorreram volvidos apenas dois meses sobre a anterior condenação em pena de 10 meses de prisão efetiva, podendo assim concluir-se que a referida condenação não constituiu suficiente contramotivação para afastar o arguido da conduta antijurídica ou garantia de ultrapassagem de carência de socialização no domínio dos comportamentos antijurídicos do tipo aqui censurado.
Por outro lado, não se demonstrou que se encontre integrado social e profissionalmente. Antes pelo contrário, da matéria de facto provada resulta que o arguido/recorrente tem um percurso de vida associado a comportamentos decorrentes de ingestão de álcool e consumo de haxixe e à prática de crimes de furto (fatores que determinaram a aplicação de medidas tutelares educativas de internamento em J…), procurando convívio em contexto de rua e vida noturna, marcado pela inatividade e dependência funcional de terceiros, apresentando fatores de risco relacionados com os aludidos consumos e recusando qualquer adesão a tratamento ou acompanhamento especializado e continuado quer antes quer depois da detenção.
Conclui-se, assim, que todo o comportamento do arguido, quer anterior quer posterior aos factos, não constituem bom augúrio relativamente à sua efetiva reinserção na sociedade.
Não obstante o juízo de prognose não deva assentar necessariamente numa «certeza», bastando uma «expetativa» fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização em liberdade do arguido[8], o certo é que as circunstâncias supra referidas não permitem estabelecer, antes pelo contrário, afastam a formulação de um juízo de prognose favorável, ou mera expetativa razoável, relativamente ao comportamento futuro do arguido/recorrente e ao grau mínimo de tutela do ordenamento jurídico.
Como refere Costa Andrade[9] “nenhum ordenamento jurídico suporta pôr-se em causa a si mesmo, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral – isto é conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição. Já não tolera a sua ineficácia”.
No caso em apreço, as condições pessoais do arguido emergentes da matéria de facto provada, demonstram que não é possível formular o juízo de prognose favorável relativamente ao seu comportamento futuro, não se mostrando por isso preenchido o requisito material previsto no artº 50º do Cód. Penal para a suspensão da execução da pena.
Pensamos, assim, que a aplicação da pena de substituição, com ou sem condições, ou acompanhada de regime de prova, sempre será de afastar, pois assim o exige o «limite mínimo de prevenção geral constituído pela defesa irrenunciável do ordenamento jurídico» e o comportamento do arguido num passado recente não constitui garantia de que a simples censura do facto e a ameaça de execução da pena serão suficientes para o afastar da criminalidade.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido E…, confirmando consequentemente a sentença recorrida.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s – artº 8º nº 9 do RCP e tabela III anexa.
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Porto, 14 de Janeiro de 2015
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Lobo
Alves Duarte
__________
[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Cfr. Figueiredo Dias “Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão da execução da pena”, RLJ, Ano 124º, pág. 68 e “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Lisboa, 1993, § 518, págs. 342/343.
[4] V. Ac. do STJ de 28.07.2007, Proc. nº 1488/07, rel. Consº. Rodrigues da Costa, louvando-se na lição de Figueiredo Dias, supra cit..
[5] V. Figueiredo Dias, In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 337.
[6] Cfr. H.H. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, vol. I, Bosch, 1981 (tradução da 3ª ed. original alemã), págs. 1154 e 1155.
[7] Cfr. Ac. do STJ de 05/12/2007, Pº 07P3396, relator Cons. Santos Cabral, disponível em www.dgsi.pt
[8] Cfr., neste sentido, Ac. do STJ de 08.07.1998, in CJ.Acs.STJ, Ano VI, Tomo II, pág. 237.
[9] In RLJ., 134º, p. 76.