Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1303/13.0TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
PRIMEIRO EMPREGO
ABUSO DE DIREITO
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP201503231303/13.0TTVNG.P1
Data do Acordão: 03/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – O conceito de trabalhador à procura de primeiro emprego pressuposto na hipótese legal da LCCT e dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009 traduz a situação de facto de um trabalhador que ainda não tem uma posição definida no mercado de trabalho por nunca ter sido contratado por tempo indeterminado.
II – As menções insertas no contrato de trabalho de que o motivo da contratação é encontrar-se o trabalhador “à procura de primeiro emprego” e de o mesmo ter declarado “nunca ter trabalhado por conta de outrem através de contrato de trabalho sem prazo”, representam a realidade correspondente à situação de primeiro emprego segundo o conceito jurisprudencialmente acolhido e concretizam suficientemente o motivo justificativo do termo aposto ao contrato de trabalho celebrado.
III – Incorre em abuso do direito o trabalhador que declara no contrato de trabalho a termo que nunca tinha sido contratado por tempo indeterminado, vindo, posteriormente, a invocar essa falsidade, para passar a trabalhador permanente.
IV – Ainda que o documento contratual tenha sido elaborado pelo empregador com a menção da declaração do trabalhador, o que releva é a subscrição por ambas as partes, passando então a pertencer a ambas as partes a “paternidade” do documento que relata aquela declaração.
V – Ao abrigo da possibilidade legal de renovação prevista na Lei n.º 3/2012, é possível que o referido contrato a termo, ao atingir o limite máximo de duração assinalado no Código do Trabalho, seja objecto de duas renovações de natureza extraordinária, sendo a primeira por 6 meses e a segunda por 12 meses.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1303/13.0TTVNG.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B… intentou em 6 de Novembro de 2013 a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra C…, S.A., pedindo que seja julgada nula a estipulação do termo nos contratos de trabalho celebrados entre A. e R., por falta de justificação legal e declarada a ilicitude do despedimento, sendo a R. condenada a reintegrar ou indemnizar o A. de acordo com a sua opção a exercer até à sentença e a pagar-lhe as prestações vencidas e vincendas até decisão final.
Alegou para tanto, em síntese: que manteve dois contratos de trabalho com a R. entre 2006 e 2007; que voltou de novo a ser contratado a termo certo em 8 Set. 2010, contrato que caducou em 7 Mar. 2011, por iniciativa da empresa, mas foi renovado por mais 3 vezes, por períodos de 6 meses cada, tendo terminado em 07 Set. 2012, data em que A. e R. celebraram uma adenda contratual prorrogando o contrato iniciado em 08 Set. 2010, por um período de 12 meses, tendo terminado em 07 Set. 2013; que o último contrato foi celebrado ao abrigo da alínea b) do nº 4 do artigo 140.º do CT, mas a sua justificação (“o segundo contraente se encontra à procura de primeiro emprego”) não corresponde à verdade, pois, o trabalhador já havia sido contratado sem termo em 4 Dez. 2004, pelo que desde 08 Set. 2010 que o A. mantinha com a Ré um contrato de trabalho sem termo; que o contrato celebrado não contém, por forma suficiente, o motivo da estipulação do termo pois para se concluir que foi efectuada a contratação de um trabalhador à procura do 1º emprego, não é suficiente a mera declaração constante no contrato de que o trabalhador se encontra à procura de primeiro emprego, o que importa que o contrato de trabalho seja considerado sem termo nos termos do artigo 147.º do CT; que mesmo que assim se não entenda, o A terá sempre de ser considerado trabalhador permanente, pois, tendo a R. celebrado com o A o último contrato em 08 Set. 2010 e renovando este contrato 4 vezes e tendo durado o mesmo 36 meses, violou o disposto no nº 1 e na alínea a) do art. 148º do CT, cuja consequência é a sua conversão em contrato de trabalho sem termo, nos termos da alínea b) do nº 2 artigo 147º do CT; que, por outro lado, a Ré admitiu para o lugar do A outros trabalhadores contratados a termo que, entretanto, tem vindo a substituir, o que infirma a justificação da Ré de necessitar da contratação a termo por acréscimo de clientes que previa ser temporário e que a R., com esta incessante série de contratos a prazo para satisfazer a necessidade permanente de mão-de-obra de um mesmo posto de trabalho, apenas tem tido como objectivo iludir as disposições que regulam a contratação a termo certo, pelo que a manifestação da R. em fazer cessar o contrato constitui um despedimento que tem as consequências peticionadas.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da R. para contestar, o que esta fez, sustentando desde logo a caducidade do direito do A. a impugnar o despedimento com base na invalidade dos dois contratos de trabalho que manteve com a R. entre 2006 e 2007. Sustentou ainda o abuso do direito ao intentar a presente acção pois, ao expressamente declarar no seu contrato de trabalho que se encontrava em situação de trabalhador à procura de primeiro emprego, criando na ora Ré, por ser um facto próprio daquele, a convicção de que se encontraria na situação alegada, vir agora alegar o erro em que deliberadamente induziu a ora Ré em seu beneficio constitui uma situação clara de "venire contra factum proprium”, pelo que deve ser absolvida do pedido. Impugnou também os factos alegados pelo A. e sustentou serem válidos os contratos e renovações celebrados, respeitando a adenda a renovação extraordinária prevista no artigo 2.º da Lei n.º 3/2012, de 10 de Janeiro. Pugna pela sua absolvição do pedido.
O A. apresentou resposta à contestação nos termos de fls. 74-75 alegando que a questão não se prende com a contratação de 2006-2007 e que, sendo os contratos de trabalho celebrados meros contratos de adesão, não existe abuso do direito.
Foi proferido despacho saneador (fls. 77 e ss.) em que se julgou prejudicado o conhecimento da excepção da caducidade e se considerou que os autos fornecem elementos suficientes para julgar a excepção do abuso do direito, bem como o próprio mérito da causa –art. 61º, nº 2, do CPT –, concluindo-se pela improcedência da acção e absolvição da R. dos pedidos formulados pelo A..
1.2. O A., inconformado, interpôs recurso de apelação defendendo que deve a decisão de 1ª instância ser revogada no sentido de ser declarada a subsistência de um contrato de trabalho sem termo, entre apelante e apelada, e como tal ilícito o seu despedimento, por falta de justa causa. Formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
1. O despedimento do apelante deve ser declarado ilícito, com as legais consequências, por:
a)Apelante e apelada celebraram, entre outros, um contrato de trabalho a termo certo, em 10SET2010;
b) A declaração subscrita pelo apelante na cl. 10ª deste contrato de trabalho não preenche os requisitos do artº 141º do CT, nomeadamente, o disposto no seu nº 3;
c) O apelante não actuou com abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium;
d) A haver abuso de direito esse abuso é da própria apelada que através de um contrato de adesão violou o princípio da boa-fé contratual e face ao circunstancialismo do emprego em Portugal induziu o apelante a aceitar tal contrato;
e) O contrato de trabalho a termo certo celebrado em 10SET10 foi renovado 4 vezes e durou 36 meses;
f) Aquando da 3ª renovação este contrato já durava há 24 meses;
g) No dia 07MAR11 – após o contrato ter caducado por iniciativa da apelada - a apelada comunicou, por correio, ao apelante a prorrogação do contrato por mais 6 meses;
h) Esta prorrogação trata-se de um novo contrato que não reveste os requisitos do artº 141º do CT, sendo o termo nulo;
i) Assim, a 3ª renovação já não era possível de ser feita, pois o contrato convertera-se num contrato sem termo;
j) Em 07SET13 a apelada fez caducar o contrato;
k) Sendo o contrato sem termo, estamos perante um despedimento;
g’) Tendo sido o apelante despedido sem procedimento disciplinar e sem justa causa, o despedimento é ilícito.
2. Violou, assim, a douta sentença em recurso, os artigos 140º, 141º, 147º, 148º e 149º do CT, bem como o artigo 53º da Constituição da República Portuguesa.”
1.3. Respondeu a R. recorrida C…, SA., pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida e rematando as suas alegações do seguinte modo:
“A. A questão essencial, a apreciar, ao contrário do que quer fazer crer o Recorrente, prende-se com o recurso do autor, em abuso de direito, à modalidade do venire contra factum proprium.
B. É entendimento dominante da Doutrina e Jurisprudência que o conceito de trabalhador à procura de primeiro emprego é aplicável a trabalhadores que nunca foram contratados sem termo.
C. A justificação aposta nos considerandos constantes do contrato foram subscritas e aceites pelo Autor, sem colocar em causa o seu teor.
D. Aliás, resultando o mesmo de informação fornecida pelo próprio Autor.
E. Pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que a falsidade do motivo invocado pelo Autor e ora Recorrente para a contratação não poderia proceder já que constituiria abuso de direito sem tal exercício abusivo.
F. O que releva juridicamente é a subscrição por ambas as partes (trabalhador e empregador).
G. Havendo, pois, a conclusão de que o Autor e ora recorrente, não poderia por em causa o motivo expresso no contrato como motivo atendível à sua contratação, por abuso de direito,
H. Pelo que, por maioria de razão, terá de se considerar que a sua contratação não está dependente da existência ou não de necessidades temporárias ou acréscimos excepcionais de serviço por parte da ora Recorrida.
I. Foi apreciada pelo Tribunal a quo a relação material controvertida tal como configurada pelo Autor
J. Pelo que não poderá o mesmo vir, em sede de recurso, alegar factos diversos dos alegados em sede de petição inicial,
K. Como o faz ao alegar que o Tribunal a quo não atentou “numa questão de direito que exigia pronuncia”,
L. Quando a mesma nunca foi pelo Autor alegada.
M. Não podendo, pelo exposto, ser conhecidas as alegadas invalidades de que quer fazer o Recorrente crer que os mesmos padeciam.
N. Pelo que, andou bem a decisão ora recorrida, não merecendo qualquer reparo, não podendo, em consequência, proceder a pretensão do recurso interposto pelo Autor.
O. Devendo a sentença recorrida ser integralmente confirmada.”
1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 111, com efeito devolutivo.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que o acórdão a proferir deve ser no sentido da continuidade da sentença, improcedendo o recurso.
Devolvidos os autos ao tribunal a quo para fixação do valor da acção, e após fixado este através de despacho devidamente notificado às partes, foi cumprido nesta instância o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
Uma vez realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal prendem-se com saber:
1.ª – se se verifica a nulidade do termo aposto ao contrato de trabalho celebrado entre as partes em 8 de Setembro de 2010 por insuficiente concretização do motivo justificativo do termo estipulado [conclusão b)];
2.ª – se o recorrente actuou em abuso do direito ao invocar a falsidade do motivo da contratação a termo, por não ser trabalhador à procura do primeiro emprego [conclusões c) e d)];
3.ª – se foi excedido o limite legal de duração do contrato de trabalho a termo [conclusões e) e f)];
4.ª – se a prorrogação do contrato verificada em 7 de Março de 2011 constitui um novo contrato de trabalho que não observa os requisitos do artigo 141.º do CT [conclusões g) a i)];
5.ª – se a comunicação da caducidade do contrato de trabalho para o dia 7 de Setembro de 2013 constitui um despedimento ilícito por o contrato dever considerar-se sem termo [conclusões j) a l)].
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Mostra-se definitivamente decidida a questão de saber se a contratação do recorrente está, ou não, dependente da existência de necessidades temporárias de mão de obra, uma vez que a sentença de 1.ª instância – que decidiu não estar a contratação em causa dependente da existência de necessidades temporárias ou acréscimos excepcionais de serviço por parte da empresa da R. ora recorrida – não foi neste aspecto impugnada no recurso de apelação, o que acarretou o seu trânsito em julgado (cfr. o artigo 635.º, n.º 5 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013).
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3. Fundamentação de facto
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Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida com base no acordo das parte e na prova documental junta aos autos, nos seguintes termos:
«1 - O A. outorgou com a R., em 8 de Setembro de 2010, um contrato de trabalho a termo por 6 meses, nos termos que constam do documento junto a fls. 26 a 29, assinado por ambas as partes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2 - Tal contrato foi objeto de renovações, por 3 vezes, até 7 de Setembro de 2012, conforme se infere das sucessivas comunicações de caducidade e renovação que constam de fls. 33 a 37, cujo tero também aqui se dá por reproduzido.
3 - Em 7 de Setembro de 2012, o mesmo contrato foi ainda objeto de uma renovação extraordinária por 12 meses, conforme resulta da comunicação de fls. 38 (onde é invocada a Lei nº 3/2012, de 10/01) e da adenda contratual de fls. 39, assinada por ambas as partes e cujo teor também aqui se dá por reproduzido.
4 - Por comunicação escrita de 13/08/2013, a R. declarou ao A. que o contrato de trabalho caducaria em 7 de Setembro de 2013, conforme cópia junta a fls. 47 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo desde então cessado a prestação de trabalho.
5 - O A. foi contratado pela R. para, sob a sua direção, subordinação e fiscalização lhe prestar os serviços típicos de Distribuidor.
6 - Ultimamente auferia a remuneração mensal de 485 euros por 40 horas de trabalho semanais.
7 - No contrato de trabalho de 8/09/10 (fls. 26 a 29) indica-se como motivo justificativo da contratação do A. a termo o seguinte: “o segundo contraente se encontra à procura do primeiro emprego, facto que permite a celebração de contrato a termo, nos termos da alínea b) do nº 4 do art. 140º do Código do Trabalho” (vd. considerandos iniciais e cl. 6ª). Mais se explicita, na cl. 10ª, que “o segundo contraente declara estar abrangido pela previsão da alínea b) do nº 4 do art. 140º do Código de Trabalho, estando à procura de primeiro emprego, nunca tendo trabalhado por conta de outrem através de contrato de trabalho sem prazo”.»
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais o artigo 607.º, n.º 4 (por força do qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação os factos admitidos por acordo e os provados por documento ou confissão reduzida a escrito), pelo que os factos admitidos por acordo ou plenamente provados por documento que não constem da matéria dada como provada pela 1.ª instância ou nela se não encontrem relatados em termos que correspondam fielmente a tais meios de prova plena, devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito.
Em face destes poderes oficiosos, tendo em consideração que os documentos não são factos mas meios de prova destinados a demonstrar a realidade de certos factos, e para melhor esclarecimento, entendeu-se por bem reproduzir efectivamente, na parte relevante, o teor dos escritos referenciados no ponto 2. da decisão de facto (ao invés de os dar por integralmente reproduzidos como fez a 1.ª instância), porque se trata de factos documentalmente provados nos autos. Pelo mesmo motivo se retira a referência à reprodução do documento constante do ponto 4. da matéria de facto, nada mais nele se alterando por ser suficiente a alusão ali constante aos factos que o documento comprova.
Retira-se ainda do ponto 2. a referência ao número de vezes por que foi renovado o contrato de trabalho, por se tratar de conclusão que se retira da análise dos factos nele relatados referentes às renovações documentadas nos autos.
Dentro da mesma lógica de apelar à parte relevante do documento na decisão de facto e de não adoptar a técnica incorrecta de o dar como reproduzido – pois a mera remissão para documentos na matéria de facto tem apenas o alcance de dar como provada a existência desses documentos, que constituem meios de prova, o que é bem distinto de dar como provada a existência dos factos que, com base neles, podem considerar-se como provados –, retira-se a referência à integral reprodução do documento de fls. 26 a 29 constante do ponto 1. da decisão de facto na sentença, acolhendo neste número 1. a matéria do ponto 7. em que, por referência justamente ao documento dado como reproduzido no ponto 1., se fazia alusão à parte relevante daquele documento de fls. 26 a 29. O que acarreta se elimine o ponto 7. da decisão de facto.
Além disso, uma vez que o ponto 3. da decisão de facto se reporta a dois actos praticados com vista à prorrogação do contrato, através do documento de fls. 38, que se mostra datado de 28 de Fevereiro de 2012 e se reporta à renovação do contrato pelo período de 6 meses, de modo a vincular as partes entre 8 de Setembro de 2010 e 7 de Setembro de 2012, e em 7 de Setembro de 2012, por um ano, através da adenda documentada a fls. 39, entendeu-se por bem, por uma questão de lógica e de conferir clareza à redacção do ponto da matéria de facto, autonomizar no mesmo ponto 3. os factos que os referidos documento de fls. 38 e 39 comprovam.
Assim, tendo em consideração o acordo das partes e a referida prova documental, julgam-se provados os seguintes factos:
1 - O A. outorgou com a R., em 8 de Setembro de 2010, o contrato de trabalho a termo por 6 meses, nos termos que constam do documento junto a fls. 26 a 29, assinado por ambas as partes, do qual consta, designadamente:
- nos considerandos iniciais e cl. 6ª, como motivo justificativo da contratação a termo do A., que “o segundo contraente se encontra à procura do primeiro emprego, facto que permite a celebração de contrato a termo, nos termos da alínea b) do nº 4 do art. 140º do Código do Trabalho”
- na cl. 10ª, que “o segundo contraente declara estar abrangido pela previsão da alínea b) do nº 4 do art. 140º do Código de Trabalho, estando à procura de primeiro emprego, nunca tendo trabalhado por conta de outrem através de contrato de trabalho sem prazo”.
2 – Em relação a tal contrato foram emitidas as sucessivas comunicações de caducidade e renovação que constam de fls. 33 a 37, com o seguinte teor, na parte relevante:
- datada de 8 de Fevereiro de 2011 – “vimos comunicar que o seu contrato caduca no próximo dia 07/03/2011”;
- datada de 7 de Março de 2011 – “pela presente comunicação e de harmonia com o disposto no artigo 148, 149 e 344 da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, vimos declarar-lhe que o seu contrato foi renovado a 08/03/2011 por um período de 6 meses, com a mesma carga e organização horária e a mesma categoria profissional do contrato inicial, pelo que o seu termo ocorrerá em 07/09/2011”;
- datada de 5 de Agosto de 2011 – “vimos por este meio informar que o seu contrato caduca no próximo dia 07/09/2011”;
- datada de 16 de Agosto de 2011 – “pela presente comunicação e de harmonia com o disposto no artigo 148, 149 e 344 da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, vimos declarar-lhe que o seu contrato foi renovado a 08/09/2011 por um período de 6 meses, com a mesma carga e organização horária e a mesma categoria profissional do contrato inicial, pelo que o seu termo ocorrerá em 07/03/2012”;
- datada de 13 de Fevereiro de 2012 – “vimos por este meio informar que o seu contrato caduca no próximo dia 07/03/2012”.
3 – O referido contrato foi ainda objecto de duas renovações extraordinárias operadas na sequência dos documentos de fls. 38 e 39, no seguintes termos:
- comunicação da R. ao A. datada de 28 de Fevereiro de 2012 – “pelo presente e no âmbito do disposto nos artigos 1.º e 2.º da Lei nº 3/2012, de 10 de Janeiro a C… manifesta a vontade de renovação extraordinária do contrato de trabalho a termo certo que mantemos com V. Exa. desde 8 de Setembro de 2010 a 7 de Setembro de 2012, pelo período de 6 meses, com o mesmo regime relativo a horários, duração do trabalho e categoria profissional do contrato inicial”;
- adenda contratual de 7 de Setembro de 2012, documentada a fls. 39, assinada por ambas as partes, na qual foi invocado o artigo 2.º da Lei nº 3/2012, de 10/01 e na qual se convencionou que o mesmo contrato era objecto de uma renovação extraordinária por 12 meses com término em 7 de Setembro de 2013.
4 - Por comunicação escrita de 13 de Agosto de 2013, a R. declarou ao A. que o contrato de trabalho caducaria em 7 de Setembro de 2013, conforme cópia junta a fls. 47, tendo desde então cessado a prestação de trabalho.
5 - O A. foi contratado pela R. para, sob a sua direcção, subordinação e fiscalização lhe prestar os serviços típicos de Distribuidor.
6 - Ultimamente auferia a remuneração mensal de 485 euros por 40 horas de trabalho semanais.
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4. Fundamentação de direito
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4.1. Da concretização do motivo da contratação a termo no contrato celebrado entre as partes em 8 de Setembro de 2010
As questões a analisar nos presentes autos deverão sê-lo à luz do regime jurídico constante do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, entrado em vigor no dia 17 de Fevereiro de 2009 (artigo 2.º da Lei n.º 74/1998, de 11 de Novembro), uma vez que o contrato cuja validade está em causa no recurso foi celebrado em 8 de Setembro de 2010, em plena vigência daquele código, o mesmo sucedendo com a sua cessação [cfr. o artigo 7.º, n.ºs 1 e 5, alínea c) da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro].
As partes celebraram o “Contrato de Trabalho a Termo” documentado a fls. 26 a 29, com data de 8 de Setembro de 2010, de acordo com o qual o A. foi admitido ao serviço da R. para desempenhar as funções de “Distribuidor”, mediante retribuição mensal. Segundo a cláusula 6.ª do documento, o referido contrato “é celebrado pelo prazo de seis meses” e “terá o seu início em 08-09-2010 e termo em 07-03-2011”[1].
A estipulação do termo ficou fundamentada:
- nos considerandos iniciais e na cláusula 6ª do escrito, referenciando como motivo justificativo da contratação a termo do A., que “o segundo contraente se encontra à procura do primeiro emprego, facto que permite a celebração de contrato a termo, nos termos da alínea b) do nº 4 do art. 140º do Código do Trabalho”
- na cláusula 10ª, segundo a qual “o segundo contraente declara estar abrangido pela previsão da alínea b) do nº 4 do art. 140º do Código de Trabalho, estando à procura de primeiro emprego, nunca tendo trabalhado por conta de outrem através de contrato de trabalho sem prazo”.
Nos termos do preceituado no artigo 140.º, nº 1, do Código do Trabalho “o contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade”, sendo que no nº 2 desta norma se exemplificam algumas situações que se o legislador considerou “necessidade temporária da empresa”.
A estas situações, o n.º 4 do artigo 140.º acrescentou duas outras hipóteses em que é possível a contratação a termo: o lançamento de nova actividade de duração incerta ou início de laboração de uma empresa ou estabelecimento [alínea a)] e a contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego, em situação de desemprego de longa duração ou noutra prevista em legislação especial de política de emprego [alínea b)].
Perante o que estabelecem os artigos 140.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 141.º, n.º 1, alínea e), n.º 3 e 147.º, para que se possa afirmar a validade do termo resolutivo aposto ao contrato é necessário:
i. que o motivo invocado se reconduza aos casos do artigo 140.º (em que o legislador considera lícita a celebração do contrato de trabalho a termo);
ii. que se explicitem (com “menção expressa”) no texto do contrato factos recondutíveis a um motivo justificativo da estipulação do termo;
iii. que o texto permita estabelecer “a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado” e,
iv. que os factos ali relatados tenham correspondência com a realidade.
Estes pressupostos da licitude da aposição do termo mais não constituem, afinal, do que uma consequência do carácter excepcional da contratação a termo e do denominado princípio da tipicidade funcional que se manifesta no art. 140.º do Código do Trabalho: o contrato a termo só pode ser validamente celebrado para certos fins e na medida em que estes o justifiquem.
A tarefa do tribunal para aferir da licitude da contratação a termo, pressupõe, em suma, análises que se processam em momentos distintos.
Num primeiro momento, a montante do mais, cabe verificar se o texto contratual obedece aos pressupostos legais da contratação precária (pressupostos assinalados sob i. a iii., a analisar à face do documento contratual subscrito pelas partes).
Ultrapassado, sem mácula, esse crivo liminar, a de saber se o motivo invocado e o prazo previsto têm correspondência com a realidade prestacional do trabalhador contratado e com a conjuntura laboral da empresa (pressuposto assinalado sob iv., a analisar à face da prova produzida)[2].
Não está em causa no recurso que o motivo invocado para a contratação se reconduza, em abstracto, à hipótese prevista na alínea b) do artigo 140.º, n.º 4, em que o legislador considera lícita a celebração do contrato de trabalho a termo com trabalhador à procura de primeiro emprego.
Invoca contudo o recorrente que a declaração subscrita pelo apelante na cláusula 10ª do contrato de trabalho não preenche os requisitos do artigo 141.º do CT, nomeadamente, o disposto no seu nº 3, por não mencionar concretamente os factos e circunstâncias que integram o motivo da contratação.
A sentença da 1.ª instância não acolheu a tese da insuficiente justificação do termo com base nas seguintes considerações:
«[…]
Alega ainda o A. que a justificação do termo, sendo uma formalidade ad susbtantiam, deveria conter, não só a menção à circunstância de não estivera antes contratado por conta de outrem sem prazo (como consta da cl. 10ª), mas também a menção a que tinha mais de 16 anos e menos de 30 e a que estava inscrito no centro de emprego (aquando da contratação).
Contudo, estes 2 últimos factos já não são definidores da noção legal de trabalhador à procura de 1º emprego, nem relevam para a justificação prevista no art. 140º, nº 4, al. b), do C.T..
Ao invés, aqueles factos apenas são definidores da noção de “jovem à procura de primeiro emprego” e apenas relevam para os apoios financeiros previsto no Dec.- Lei nº 34/96, de 18 de Abril – vd. os respectivos arts. 1º e 2º, sendo que este refere expressamente a noção de “jovens à procura de primeiro emprego” e esclarece que essa é a noção “para efeitos deste diploma”, cujo objeto é a “atribuição de apoios financeiros” a esse tipo de contratação (cfr. art. 1º).
Não tinham pois de vir expressos no contrato, nem de se verificarem, os factos cuja omissão o A. entende ser causa de invalidade do termo, agora ex vi da alínea c) do nº 1 do art. 147º do Cód. Trabalho.
Também há diversa jurisprudência neste sentido, a concluir pela diversidade dos conceitos e fins, bem como que a justificação do termos se basta com a “indicação de que o trabalhador nunca fora contratado por contrato de trabalho sem prazo”.
[…]»
E fê-lo com acerto.
Na verdade, como constitui jurisprudência pacífica e sedimentada já desde idêntica previsão constante do artigo 41°, n.º 1, alínea h), do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, o conceito de “trabalhador à procura de primeiro emprego” ínsito na alínea b) do art. 140.º, n.º 4 do Código do Trabalho equivale ao trabalhador que nunca tenha sido contratado por tempo indeterminado, não sendo sobreponível ao de “jovem à procura de primeiro emprego” (constante dos sucessivos Decreto-Lei n.° 257/86, de 27 de Agosto e Decreto-Lei n.º 34/96, de 18 de Abril), que releva apenas para a definição do âmbito pessoal da concessão de apoios financeiros à criação, pelas empresas, de novos postos de trabalho[3].
O conceito de trabalhador à procura de primeiro emprego pressuposto na hipótese legal da LCCT e dos Códigos do Trabalho traduz assim a situação de facto de um trabalhador que ainda não tem uma posição definida no mercado de trabalho, correspondendo ao trabalhador que nunca foi contratado por tempo indeterminado.
Esta orientação jurisprudencial, que não se vê razões para alterar, manteve-se mesmo depois da entrada em vigor das Portarias n.º 196-A/2001, de 10/3 e n.º 1191/2003, de 10/1, que apenas vieram regular a atribuição de incentivos financeiros concedidos às empresas que criem novos postos de trabalho destinados a jovens à procura de primeiro emprego. A definição de jovens à procura de primeiro emprego inserta nestes diplomas (que implica, além do mais, ter uma idade compreendida em determinada faixa etária e estar inscrito em Centro de Emprego) apenas releva para os efeitos neles contemplados, de criação de incentivos de emprego[4], não interferindo com aquela outra noção de trabalhador à procura de primeiro emprego que, como se tem referido na .jurisprudência citada, traduz a situação de um trabalhador que “ainda não tem uma posição definida no mercado de trabalho”, o que equivale a dizer que aqueles requisitos não podem ser perspectivados como requisitos a acrescer aos constantes do Código Trabalho que, como se viu, admite a celebração de contrato de trabalho a termo certo no caso de trabalhador à procura de primeiro emprego, mas não impõe qualquer outra condição, nomeadamente, quanto à idade do trabalhador ou à duração de anterior actividade laboral.
Na palavra do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 2009[5], enquanto a noção de «jovens à procura do primeiro emprego» é direccionada para acesso a apoios financeiros concedidos aos empregadores, visando incentivar a celebração de contratos de duração indeterminada, a noção de «trabalhador à procura de primeiro emprego», corresponde a uma situação de facto por parte de quem, independentemente da idade, não desfruta ainda de posição definida no mercado de trabalho, relevando, aqui, uma posição estável e procurando o legislador, por isso, fomentar a sua ocupação laboral, ainda que de forma precária, pelo que interessa para o segundo conceito, a situação de quem nunca esteve contratado por tempo indeterminado.
Daí que, para efeitos de admissibilidade de contratação a termo ao abrigo da referida hipótese legal do Código do Trabalho, não seja necessário que o trabalhador preencha qualquer requisito de idade, ou que esteja inscrito em Centro de Emprego.
Deste modo, as menções insertas no contrato de trabalho de que o motivo da contratação é encontrar-se o trabalhador “à procura de primeiro emprego” e de o mesmo ter declarado “nunca ter trabalhado por conta de outrem através de contrato de trabalho sem prazo”, representam a realidade correspondente à situação de primeiro emprego segundo o conceito jurisprudencialmente acolhido e concretizam suficientemente o motivo justificativo do contrato de trabalho a termo celebrado ao abrigo da citada alínea b), do n.º 4, do art. 140.º do Código do Trabalho, não carecendo o motivo justificativo da contratação a termo de trabalhador à procura de primeiro emprego de ser objectivado no texto contratual através da menção de outros factos concretos.
Nesta sequência, forçoso é concluir que o motivo justificativo da estipulação do termo, além de se enquadrar na hipótese legal da alínea b), do n.º 4, do art. 140.º do Código do Trabalho, se encontrava devidamente concretizado no texto do contrato celebrado em 8 de Setembro de 2010.
Refira-se, finalmente, que esta interpretação não colide com o princípio da segurança no emprego, constitucionalmente consagrado no art. 53.º da Constituição da República Portuguesa, também citado pelo recorrente. Aceitando-se que este princípio abrange não apenas o direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, mas também as situações de precariedade no trabalho, o que é certo é que o próprio legislador ordinário instituiu como um dos fundamentos materiais da contratação a termo a existência de circunstâncias que se relacionem com a política de emprego, incluindo a possibilidade de criação de postos de trabalho que se destinem a dar ocupação a trabalhadores à procura de primeiro emprego[6].
Improcede, neste aspecto, o recurso.
*
4.2. Da falsidade do motivo da contratação e do abuso do direito na sua invocação por parte do recorrente
Alega o recorrente que não actuou com abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium como diz a sentença e que, a haver abuso de direito esse abuso é da própria apelada que através de um contrato de adesão violou o princípio da boa-fé contratual e face ao circunstancialismo do emprego em Portugal induziu o apelante a aceitar tal contrato [conclusões c) e d)].
A sentença recorrida, a este propósito, concluiu que não poderá a acção proceder com base na falsidade do motivo invocado para a contratação do A. a termo – trabalhador à procura de primeiro emprego –, já que constituiria abuso de direito por parte do A., sendo como tal ilegítimo o seu exercício nos termos do art. 334º do Código Civil.
Exarou, em fundamento desta conclusão, as seguintes considerações:
«[…]
Os pedidos do A. – de reintegração ou indemnização e de pagamento das retribuições vencidas e vincendas depois do despedimento – assentam na tese de que o contrato de trabalho em causa, iniciado em 8/09/2012, não tem uma justificação válida do termo estipulado.
Desde logo e ao contrário do que teria ficado a constar do texto contratual, o A. não era à data de 8/9/2012 um trabalhador à procura de 1º emprego, pois que teria já estado antes – desde 4/12/2004 - contratado sem termo pela empresa D…, S.A., conforme declaração desta junta a fls. 48. Não se verificaria assim o motivo de contratação a termo previsto no art. 140º, nº 4, al. b), do C.T., o que implicaria que o contrato se tivesse de haver como sem termo, face ao preceituado no art. 147º, nº 1, al. b), do mesmo Código. Ora, este argumento não pode, salvo o devido respeito, proceder.
É certo que só se considera “trabalhador à procura de primeiro emprego”, para os efeitos do art. 140º, nº 4, al. b), do C.T. (ou da legislação anterior que lhe corresponde), aquele que nunca tenha sido contratado por tempo indeterminado” – vd., de entre a vasta jurisprudência sobre o assunto, o Ac. do Trib. Const. in D.R. II, de 3/06/2004; os Acs. do S.T.J. de 4/06/03, in C.J., 2º, p. 271, de 28/01/2004, in C.J., I, p. 262, e de 12/01/06, in www.dgsi.pt; e os Acs. Rel. Lisboa de 10/12/03, in C.J., V, p. 166, e de 12/01/05, in www.dgsi.pt.
Contudo, ainda que fosse ou seja verdade que o A. já tivera um contrato de trabalho sem termo antes de celebrar coma R. o contrato de 8/09/10 – facto que a R. impugna -, a verdade é que o A. aceitou subscrever este último contrato, declarando nele que estava à procura do primeiro emprego. Ao fazê-lo e ao se aproveitar da manutenção dessa relação contratual até 7/09/2013 tomou uma atitude que jamais legitimaria, segundo os ditames da boa fé, à R. supor que viria depois alegar que não era, afinal, trabalhador à procura de 1º emprego e pretender, com base na falsidade dessa motivo, obter uma relação contratual sem termo. O que vale por dizer que, ainda que tivesse direito a ver reconhecida a falsidade da justificação aposta no contrato e, por essa via, as prestações que reclama na ação, o A. está a agir em abuso de direito, nos termos e com as consequências do art. 334º do Cód. Civil.
Não altera esta conclusão o facto de a informação constante do contrato – de que o A. estava à procura do 1º emprego – ter ou não sido prestado pelo próprio A. ou de ter ou não sido aposta exclusivamente pela R.. Além de não estarmos perante um contrato de mera adesão, com clausulas contratuais gerais destinadas a uma multiplicidade de destinatários, a verdade é que o A. não o deixou de subscrever, inexistindo, face aos factos alegados, qualquer vicio da vontade relevante – cfr. arts. 240º e segs. do Cód. Civil.
Em concreto, o abuso de direito reveste, in casu, a modalidade de "venire contra factum proprium”, a qual tem sido entendida pelas doutrina e jurisprudência como implicando: i) uma primeira conduta (que se poderá traduzir numa declaração negocial), entendida como uma tomada de posição vinculante em relação ao futuro e, por essa razão, geradora de uma situação objetiva de confiança; ii) a boa-fé da contraparte, que justificadamente confiou nessa conduta; iii) uma segunda conduta, contraditória com a anterior, que frustra a confiança gerada. O que claramente se verifica nos presentes autos.
O Sup. Trib. de Justiça, em Acórdão de 9 de Outubro de 1997, in B.M.J., 470, p. 546, veio também explicitar, a propósito da boa fé a que alude o dito art. 334º, que “agir de boa fé é atuar com diligência, zelo e lealdade face aos interesses da contraparte; é ter uma conduta honesta e conscienciosa, numa linha de correção e probidade, visando não prejudicar os legítimos interesses da outra parte”. O que claramente não corresponde à conduta do A..
Assim e com base na falsidade do motivo invocado para a contratação do A. a termo – trabalhador à procura de primeiro emprego – não poderá a presente ação proceder, já que sempre constituiria abuso de direito, sendo como tal ilegítimo o exercício deste (art. 334º do Cód. Civil).
[…]»
Subscrevemos, na sua essencialidade, estas considerações.
Com efeito, a lograr o A. provar na acção em que defende a invalidade da estipulação do termo, que esteve vinculado em 2004 a uma outra empregadora através de um contrato de trabalho sem termo (como alegou no artigo 12.º da petição inicial), o A. não era, realmente em 8 de Setembro de 2010, um trabalhador à procura de primeiro emprego, por ter trabalhado já mediante contrato de trabalho sem termo para a identificada empresa, o que implicaria se devesse ter como não verdadeiro o fundamento invocado para a contratação a termo com o fundamento enunciado na alínea b) do n.º 4 do artigo 140.º do Código do Trabalho.
A questão que se coloca consiste em saber se o A. incorreu em abuso do direito ao invocar que o motivo indicado no contrato celebrado para justificar a estipulação do termo, não era verdadeiro, apesar de ter declarado, no mesmo contrato, que nunca tinha sido contratado por tempo indeterminado.
O art. 334.º do C. Civil define o abuso do direito nos seguintes termos:
“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Não basta, para o efeito de considerar ser ilegítimo o exercício do direito, que o seu titular exceda os limites referidos naquele preceito, sendo ainda necessário que tal excesso seja manifesto e gravemente atentatório da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito que é exercido.
Além disso, não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, bastando que, objectivamente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito tenham sido excedidos, de forma nítida e intolerável.
Ora, como tem sido também jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça[7] emitida em casos idênticos ao presente, incorre em abuso do direito o trabalhador que declara no contrato de trabalho a termo que nunca tinha sido contratado por tempo indeterminado, vindo, posteriormente, a invocar essa falsidade, para passar a trabalhador permanente, com manifesta penalização do empregador, que confiou naquela afirmação do trabalhador.
Esta conduta excede manifestamente os limites impostos pela boa fé na celebração e cumprimento dos contratos - arts. 227.º, n.º 1 e 762.º, n.º 2 do CCivil - que exige a cada uma das partes contratantes que proceda honesta e lealmente, adoptando a conduta de um bonus paterfamilia.
Como se referiu no Ac. do STJ de 13 de Setembro de 2006, “o exercício abusivo reside no facto de a falsidade do motivo ser imputável ao trabalhador, afinal quem pretende colher vantagens da arguição. Ou seja (…) o trabalhador indica falsamente a sua situação laboral; por causa disso, consegue ser contratado a termo; todavia quando a entidade patronal lhe comunica o fim do contrato, impugna a cessação do mesmo, argumentando que aquela comunicação configura um despedimento ilícito por ter passado a trabalhador permanente, em virtude de ser falsa a declaração que emitiu (…). Neste contexto, a consequência que se mostra adequada para travar o abuso do direito é justamente a da supressão do direito (direito de impugnação da cessação do contrato com fundamento na invalidade do termo”[8].
Não estando demonstrado – nem tão pouco alegado – que a recorrida estivesse conivente com a invocada falsidade desta declaração do trabalhador quando outorgou no contrato que firmou com o recorrente, constitui abuso do direito a invocação da nulidade da estipulação do termo nestas circunstâncias, precisamente com vista a impugnar a cessação de um contrato de trabalho que deveria ser considerado sem termo em virtude de não ser verdadeiro o motivo justificativo do termo aposto.
É de notar que, havendo o A. declarado no contrato de trabalho “nunca ter trabalhado por conta de outrem através de contrato de trabalho sem prazo”, competia-lhe a alegação e prova de que tal declaração, da sua responsabilidade, não corresponderia à verdade por, anteriormente, já ter celebrado contrato de trabalho por tempo indeterminado e, bem assim, de que tal seria do conhecimento da Ré[9], sendo certo que o A. não fez esta última alegação.
Uma vez reconhecida a autoria da assinatura pelo trabalhador, o documento faz prova plena de que o trabalhador fez aquela declaração - de que nunca fora contratado por tempo indeterminado - de acordo com o preceituado no art. 376.º do Código Civil.
Assim, configura um evidente abuso do direito o comportamento do A. que, depois de ter declarado no instrumento contratual, “nunca ter trabalhado por conta de outrem através de contrato de trabalho sem prazo”, veio a propor a presente acção contra a recorrida invocando a nulidade da estipulação do termo, além do mais, por já ter sido contratado nessa qualidade por outra empresa, pretendendo com esse fundamento que o contrato seja considerado sem termo.
Deve acrescentar-se que não se vê por que razão a contratação do A. constitua um acto abusivo da R., a isso não levando, ao contrário do que afirma o recorrente, a alegação de que a apelada induziu o apelante a aceitar o contrato, que qualifica como de adesão, face ao circunstancialismo do emprego em Portugal.
Com efeito, não se mostram alegados factos suficientes para que se qualifique o contrato de trabalho celebrado entre as partes em 8 de Setembro de 2010 como contrato de adesão – sendo certo que vemos com dificuldade que várias das cláusulas nele contidas, vg. as relativas à categoria profissional e ao início da vigência do contrato, bem como a que descreve a declaração do trabalhador, não tenham sido objecto de estipulação individual –, pelo que não há que chamar à colação o regime das cláusulas contratuais gerais fixado no Decreto-Lei n.° 446/85 de 25 de Outubro[10] quanto aos aspectos essenciais desse acordo, valendo na sua plenitude o princípio da liberdade contratual acolhido no n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil.
Ainda que tenha sido elaborado pelo empregador o documento (contrato de trabalho a termo) com aquela menção da declaração do trabalhador, o que releva juridicamente é a subscrição por ambas as partes (trabalhador e empregador), passando a pertencer a ambas as partes a “paternidade” do documento que relatava aquela declaração, imputando-a ao recorrente, ainda que a sua elaboração material tenha cabido unicamente a uma[11].
Improcedem, pois, as conclusões das alegações nesta matéria.
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4.3. Do excesso do limite legal de duração do contrato de trabalho a termo
Alega ainda o apelante que foi excedido o limite legal de duração do contrato de trabalho a termo uma vez que o contrato de trabalho a termo certo celebrado em 10 de Setembro de 2010 foi renovado 4 vezes e durou 36 meses e, aquando da 3ª renovação, este contrato já durava há 24 meses [conclusões e) e f)].
Teriam assim sido ultrapassados os limites previstos no artigo 148º, nº 1, alínea a), do Código do Trabalho, o que também implicaria a conversão do contrato em contrato sem termo, por força do disposto no art. 147.º, nº 2, alínea b), do mesmo Código.
A sentença recorrida, aceitando ter-se verificado o excesso alegado, considerou, também aqui, que a ser acolhida esta conclusão, tal implicaria uma vez mais um abuso de direito por parte do A., já que é o próprio quem alega que a justificação vertida no contrato – a de se encontrar à procura de primeiro emprego – não correspondia à verdade.
Vejamos.
Nos termos do preceituado no artigo 148º, nº 1, alínea a), do Código do Trabalho, o contrato de trabalho a termo só pode ser renovado até três vezes e a sua duração total não pode exceder “18 meses, quando se tratar de pessoa à procura de primeiro emprego”.
Para além destas 3 renovações ordinárias, a Lei nº 3/2012, de 10 de Janeiro, veio permitir, no seu artigo 2.º, que “[p]odem ser objecto de duas renovações extraordinárias os contratos de trabalho a termo certo que, até 30 de Junho de 2013, atinjam os limites máximos de duração estabelecidos no n.º 1 do artigo 148.º do Código do Trabalho”.
Recordemos a cronologia das renovações verificada no caso sub judice, tal como emerge dos pontos 2. e 3. da decisão de facto, em conformidade com a prova documental junta aos autos:
- através da comunicação datada de 7 de Março de 2011 – “pela presente comunicação e de harmonia com o disposto no artigo 148, 149 e 344 da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, vimos declarar-lhe que o seu contrato foi renovado a 08/03/2011 por um período de 6 meses, com a mesma carga e organização horária e a mesma categoria profissional do contrato inicial, pelo que o seu termo ocorrerá em 07/09/2011” – 1.ª renovação, de acordo com a qual o contrato de 8 de Setembro de 2010, que durava já há 6 meses, se prolongou por mais 6 meses até 7 de Setembro de 2011;
- através da comunicação datada de 16 de Agosto de 2011 – “pela presente comunicação e de harmonia com o disposto no artigo 148, 149 e 344 da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, vimos declarar-lhe que o seu contrato foi renovado a 08/09/2011 por um período de 6 meses, com a mesma carga e organização horária e a mesma categoria profissional do contrato inicial, pelo que o seu termo ocorrerá em 07/03/2012” – 2.ª renovação, de acordo com a qual o contrato de 8 de Setembro de 2010, que durava já há 12 meses, se prolongou por mais 6 meses até 7 de Março de 2012;
- através da comunicação datada de 28 de Fevereiro de 2012 – “pelo presente e no âmbito do disposto nos artigos 1.º e 2.º da Lei nº 3/2012, de 10 de Janeiro a C… manifesta a vontade de renovação extraordinária do contrato de trabalho a termo certo que mantemos com V. Exa. desde 8 de Setembro de 2010 a 7 de Setembro de 2012, pelo período de 6 meses, com o mesmo regime relativo a horários, duração do trabalho e categoria profissional do contrato inicial” – 3.ª renovação (extraordinária) de acordo com a qual o contrato de 8 de Setembro de 2010, que durava já há 18 meses, se prolongou por mais 6 meses até 7 de Setembro de 2012;
- através da adenda datada de 7 de Setembro de 2012 – o mesmo contrato foi ainda objecto de uma renovação extraordinária por 12 meses com término em 7 de Setembro de 2013, nos termos da “adenda contratual” documentada a fls. 39, assinada por ambas as partes, na qual foi invocado o artigo 2.º da Lei nº 3/2012, de 10/01– 4.ª renovação (extraordinária), de acordo com a qual o contrato de 8 de Setembro de 2010, que durava já há 24 meses, se prolongou por mais 12 meses até 7 de Setembro de 2013.
Destes factos resulta que o contrato em apreço perfez o limite legal de 18 meses de duração previsto no artigo 148.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho para o contrato a termo cujo motivo justificativo é o do trabalhador se encontrar à procura de primeiro emprego, uma vez concluído o período temporal pelo qual operou a 2.ª renovação ordinária (até 7 de Março de 2012).
E resulta também que foi justamente ao abrigo da possibilidade legal de renovação prevista na Lei n.º 3/2012, em vigor desde 11 de Janeiro de 2012[12] que se operaram, quer a 3.ª, quer a 4.ª renovações (em cujos textos se invoca este diploma legal), ambas de natureza extraordinária, sendo a primeira por 6 meses e a segunda por 12 meses, o que observa o limite legal de 18 meses estabelecido no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 3/2012, segundo o qual a “duração total” das duas renovações extraordinárias que o n.º 1 do preceito admite – para os contratos de trabalho a termo certo que até 30 de Junho de 2013 atinjam os limites máximos de duração estabelecidos no n.º 1 do artigo 148.º do Código do Trabalho – “não pode exceder 18 meses”.
O contrato iniciado em 8 de Setembro de 2010 esteve em vigor até 7 de Setembro de 2013, por força de todas as renovações operadas.
Ou seja, esteve em vigor durante 3 anos (que equivale a 36 meses), sendo os primeiros 18 meses por força do texto contratual originário e das 1.ª e 2.ª renovações (todos por 6 meses) e os segundos 18 meses por força das 3.ª e 4.ª renovações (a inicial por 6 meses e a subsequente por 12 meses).
Não se pode afirmar pois, com o recorrente, que foi excedido o limite legal de duração do contrato de trabalho a termo.
E será igualmente de reputar menos correcta a afirmação da 1.ª instância de que na altura da renovação extraordinária já o contrato durava há 24 meses e ultrapassara o limite temporal de 18 meses fixado na alínea a) do art. 148º do C.T., razão por que, sem necessidade de fazer apelo ao instituto do abuso do direito, cabe confirmar o seu veredicto no sentido de não proceder a pretensão do A. de ver o contrato convertido em contrato sem tempo por ultrapassagem do prazo de duração estabelecido na al. a) do nº 1 do art. 148º do C.T.
O contrato de trabalho sub judice era passível das duas renovações ordinárias a que foi submetido e, ainda, de duas renovações extraordinárias, tal como sucedeu, ao abrigo, respectivamente, do nº 1 do artigo 148.º do Código do Trabalho e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º da Lei nº 3/2012, de 10 de Janeiro.
Confirma-se assim, também neste aspecto, a decisão da 1.ª instância, embora por fundamento não totalmente coincidente.
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4.4. Da configuração da prorrogação do contrato verificada em 7 de Março de 2011 como um novo contrato de trabalho que não observa os requisitos do artigo 141.º do Código do Trabalho
Vem o recorrente, no final da sua alegação, invocar que constitui um novo contrato a comunicação, por correio, ao apelante da prorrogação do contrato por mais 6 meses que a apelada efectuou no dia 07 de Março de 2011, após o contrato ter caducado por iniciativa da apelada. E invocar, ainda, que esta prorrogação constitui um novo contrato a partir de 08 de Março de 2011 que não reveste os requisitos do artigo 141º do Código do Trabalho, pelo que também por este fundamento é nulo o termo [conclusões g) a i)].
Nos termos do preceituado no artigo 552º, nº 1, als. d) e e) do Código de Processo Civil, o A. deve, na petição inicial “[e]xpor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção” (causa de pedir) e “[f]ormular o pedido”, exigências estas que constituem corolário necessário do principio do dispositivo enunciado no art. 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Por seu turno o artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil estabelece que “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” A violação desta norma determina a nulidade da sentença, atento o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do mesmo Código de Processo Civil.
Ou seja, o poder cognitivo do tribunal está, salvas as questões de conhecimento oficioso, limitado àquelas que as partes lhe submetam, sendo que ao A. compete delimitar o objecto da acção, através da formulação do pedido e da indicação dos fundamentos de facto (e de direito) que o fundamentam (causa de pedir).
Define o Prof. Alberto dos Reis[13] a causa de pedir como sendo o acto ou facto jurídico de que procede a pretensão do autor. Ao invocar determinado direito, ao autor compete especificar a respectiva causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, os factos donde, no seu entendimento, procede tal direito, neles alicerçando, numa relação logico-jurídica, o pedido deduzido.
Vigora no nosso sistema jurídico a chamada teoria da substanciação, a qual exige sempre a indicação do acto ou facto jurídico em que se funda o direito afirmado pelo autor. Como ensina Manuel de Andrade[14], o objecto da acção – e com ele o objecto da decisão e a extensão objectiva do caso julgado – é identificado através do pedido e da causa de pedir, consubstanciada esta em factos concretos (arts. 186º, nº2, al. a), 580.º e 581.º do Código de Processo Civil).
A causa de pedir exerce uma função individualizadora do objecto do processo, conformando-o. Por isso o tribunal tem de a considerar ao apreciar o pedido e não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor, sob pena de nulidade da sentença. E por isso, também, a sentença de mérito que vem a ser proferida só vincula no âmbito objectivamente definido pelo pedido e pela causa de pedir (art. 581.º do CPC). Mesmo a regra emergente do disposto no art. 5.°, n.º 3 do CPC, segundo o qual “[o] juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” tem como pressuposto que tal livre actuação do julgador se encontra balizada pela causa de pedir enunciada na petição inicial. Como resulta do que estabelecem os nºs 1 e 2 do preceito, os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as excepções devem ser necessariamente articulados pelas partes, apenas podendo ser considerados pelo tribunal factos não articulados pelas partes quando os mesmos sejam factos complementares ou concretizadores, observado que tenha sido o contraditório quanto aos mesmos, sejam factos instrumentais ou se tratem de factos notórios ou de que o tribunal tem conhecimento no exercício das suas funções.
É certo que no âmbito do processo laboral são reconhecidos ao juiz especiais poderes inquisitórios atribuindo-lhe a lei o poder-dever de diligenciar pelo apuramento da verdade material, atenta a natureza dos interesses conflituantes. Mas, mesmo neste domínio, a enunciação da causa de pedir continua submetida a um rigoroso princípio dispositivo, constituindo terreno reservado à parte que recorre ao tribunal e formula a sua pretensão de tutela judiciária delinear os fundamentos da sua pretensão[15].
Assim, os poderes inquisitórios emergentes do art. 72.º do Código de Processo do Trabalho estão sujeitos a limitações, sendo uma delas, precisamente, a de que tais factos só poderão fundar a decisão se não implicarem uma nova causa de pedir, nem a alteração ou ampliação da causa ou causas de pedir iniciais[16]. Igualmente o uso do poder de condenação “extra vel ultra petitum” consagrado no art. 74.º do CPT, que constitui uma das mais significativas limitações ao princípio do dispositivo, ao impor ao juiz o dever de condenar para além ou em objecto diferente do pedido quando isso resulte de aplicação à matéria provada ou aos factos de que possa servir-se de preceitos inderrogáveis, como decorrência natural do princípio da irrenunciabilidade de determinados direitos subjectivos do trabalhador, está limitado pela causa de pedir que traça os limites da actividade cognitiva do tribunal[17].
Ou seja, tendo em consideração que o A. não colocou na sua petição inicial a questão da invalidade do termo por a prorrogação do contrato verificada em 7 de Março de 2011 se configurar como um novo contrato de trabalho que não observa os requisitos do artigo 141.º do Código do Trabalho e que lhe competia, atento o principio do dispositivo, alegar com clareza os vários fundamentos em que sustenta a sua pretensão de ver o contrato de trabalho celebrado a termo convertido em sem termo, é manifesto que não cabia à sentença sobre a mesma pronunciar-se.
E o suscitar de tal questão em via de recurso configura o suscitar de uma questão nova que não é de conhecimento oficioso – pois com a cessação do contrato de trabalho cessa igualmente a natureza indisponível dos direitos que, para o trabalhador, dele decorram, os quais passam a ter natureza disponível e que o trabalhador apenas exercitará se assim o entender – pelo que não cabe a este Tribunal da Relação pronunciar-se sobre a mesma.
Como decorre do disposto no artigo 627.º do Código de Processo Civil, e constitui jurisprudência uniforme (à luz do artigo 676.º do anterior CPC), os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não equacionadas perante o tribunal recorrido e por este não apreciadas, mas, sim, a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso[18].
Aliás, é de notar que no decurso da sua alegação o recorrente invoca que a sentença não atentou nesta questão de direito que exigia pronúncia, o que denota que o próprio recorrente reconhece não ter a Mma. Julgadora a quo se debruçado sobre a questão que agora enuncia ex novo nas alegações da apelação.
Deve acrescentar-se que, a entender que se verificava uma omissão de pronúncia na sentença se impunha ao recorrente proceder à sua arguição expressa e separada no requerimento de interposição de recurso nos termos do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho e, ainda, que dificilmente se poderia considerar procedente uma arguição de nulidade que a este propósito se fizesse na medida em que, mesmo a entender-se constituir a questão em causa uma questão de conhecimento oficioso, o facto de não ter sido suscitada pelo A. na 1.ª instância não acarretaria a omissão de pronúncia nos termos do preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
Em suma, está subtraída a este Tribunal da Relação a possibilidade de analisar a questão de saber se a prorrogação do contrato de trabalho por mais 6 meses operada pela comunicação de 7 de Março de 2011 constitui um novo contrato de trabalho e se é inválida a aposição do termo a este novo contrato por alegadamente não observar os requisitos do artigo 141.º do Código do Trabalho.
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4.5. Do despedimento ilícito
Tendo-se por verificada a validade da contratação a termo certo da A., bem como a observância da duração máxima prevista na lei, o contrato de trabalho celebrado em 8 de Setembro de 2010 não se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Pelo que a comunicação da R a pôr fim ao contrato de trabalho, sob a alegação de caducidade, não constituiu um despedimento ilícito e operou validamente a extinção do contrato [vide os artigos 340.°, alínea a), 343.º, alínea a) e 344.°, n.º 1, do Código do Trabalho de 1009].
Impõe-se, assim, a confirmação da douta sentença recorrida.
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4.6. Porque ficou vencido no recurso que interpôs, incumbe ao recorrente o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), atendendo-se à isenção de que beneficia atento o disposto no art. 4.º, n.º 1, al. h), do Regulamento das Custas Processuais pois o seu rendimento anual é inferior a 200 UC (demonstração da liquidação de IRS de fls. 55), estando gratuitamente representada pelos serviços jurídicos do sindicato (declaração deste de fls. 48). A isenção não abrange, todavia, a responsabilidade do A. pelos encargos a que tenha dado origem, uma vez que a sua pretensão foi totalmente vencida (art. 4º, nº 6, do Regulamento das Custas Processuais), nem pelos reembolsos previstos no art. 4º, nº 7, do mesmo Regulamento.
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5. Decisão
Em face do exposto, decide-se negar provimento à apelação.
Custas pelo recorrente, sendo a sua condenação restrita aos encargos a que deu lugar e às custas de parte que haja.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 23 de Março de 2015
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
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[1] Este ano de 2011 mostra-se rasurado, sem ressalva, mas tudo indica que seja esta a indicação correcta, até porque se mostra em consonância com os 6 meses anteriormente aprazados no texto.
[2] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.06.09, Recurso n.º 1389/07.6TTPRT.S1, in www.dgsi.pt.
[3] Vide, além do mais, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 2004 (Proc. n.º 2474/03), de 27 de Maio de 2004 (Proc. n.º 3873/03), de 6 de Julho de 2004 (Proc. n.º 1149/04), de 13 de Julho de 2004 (Proc. n.º 1195/04), de 12 de Janeiro de 2005 (Proc. n.º 3590/04), de 12 de Janeiro de 2005 (Proc. n.º 2602/04), de 10 de Março de 2005 (Proc. n.º 4232/04), de 20 de Abril de 2005 (Proc. n.º 4627/04), de 29 de Junho de 2005 (Proc. n.º 1455/05), de 7 de Dezembro de 2005 (Proc. n.º 2559/05) e de 12 de Janeiro de 2006 (Proc. n.º 3138/05), de 08 de Março de 2006 (Recurso n.º 1923/05), de 20 de Setembro de 2006, (Recurso n.º 980/06), de 04 de Outubro de 2006 (Proc. n.º 1625/06), de 17 de Janeiro de 2007 (Recurso n.º 3750/06), de 02 de Maio de 2007 (Recurso n.º 179/07), de 26 de Setembro de 2007 (Recurso n.º 1934/07) e de 14 de Maio de 2009 (Recurso n.º 3916/08) todos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt. Também se perfilhou idêntica perspectiva nos Acórdãos desta Relação de 10 de Dezembro de 2012 (Processo 48/10.7TTVRL.P1, em que a ora relatora interveio como adjunta), de 22 de Outubro de 2012 (Processo 173/11.7TTGMR.P1), ambos in www.dgsi.pt e de 6 de Outubro de 2014 (Processo 1296/12.0TTVNG.P1), este inédito, ao que supomos.
[4] Também de acordo com a alínea c) do nº 1, do artigo 3º da Portaria nº 129/2009, de 30.01, que regulamenta o programa de estágios profissionais, “para efeitos da presente portaria, entende-se jovem à procura do primeiro emprego” aquele que “não tenha exercido uma ou mais actividades profissionais por um período de tempo, no seu conjunto, superior a 12 meses”. E na Portaria n.º 131/2009, de 30.01 que regulamenta o “programa de estágios qualificação-emprego”, considera-se desempregado à procura do primeiro emprego aquele “que se encontra numa das seguintes situações: a) Inscrito no centro de emprego como tal; b) Nunca teve registos de remunerações na segurança social; c) Não tenha exercido uma ou mais actividades profissionais por um período de tempo, no seu conjunto, superior a 12 meses; d) Prestou trabalho indiferenciado em profissão não qualificada integrada no grande grupo 9 da Classificação Nacional de Profissões” – artigo 3.º, n.º 1.
[5] Citado na nota 3.
[6] Vide o Ac. do Tribunal Constitucional de 207/2004, in DR, II série de 3 de Junho de 2004 e os Acórdãos n.ºs 210/2004, 267/2004 e 516/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt. Ainda, versando sobre esta questão de constitucionalidade, pronunciou-se, além do mais, o Acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2006 (Revista n.º 2067/06, da 4.ª Secção).
[7] Neste sentido os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2006 (Processo n.º 3921/05), de 10 de Maio de 2006 (Processo n.º 12/06) e de 13 de Setembro de 2006 (Processo n.º 9/06), todos da 4.ª Secção.
[8] Processo n.º 9/06, sumariado in www.stj.pt.
[9] Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de Julho de 2005 (Recurso n.º 1044/05), da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt. Assim também já decidiu esta Relação no citado Acórdão de 6 de Outubro de 2014, subscrito pela ora relatora como primeira adjunta e inédito, ao que supomos.
[10] Alterado pelo Decreto-Lei n.° 220/96 de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.° 249/99, de 7 de Julho e pelo Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de Dezembro.
[11] Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 13-09-2006, Recurso n.º 9/06 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[12] Vide o respectivo artigo 6.º.
[13] In “Comentário ao Código de Processo Civil”, II, p. 369 e ss.
[14] In “Noções Elementares de Processo Civil”, p. 320.
[15] Vide os Acórdãos do STJ de 30 de Abril de 2008 e de 06 de Fevereiro de 2008, Processos n.ºs 07S3658 e 07S2898, ambos in www.dgsi.pt.
[16] Vide Leite Ferreira, in “Código de Processo de Trabalho Anotado”, 4.ª edição, Coimbra, 1996, p. 333, em anotação ao art. 67.º do CPT aprovado pelo DL n.º 272-A/81 de 30 de Setembro, correspondente ao actual art. 72.º, Albino Mendes Baptista, in “Código de Processo de Trabalho Anotado”, p. 177 e os Acs do STJ de 17 de Janeiro de 2001, Recurso n.º 2277/00, de 7 de Maio de 2003, Recurso n.º 4396/02, ambos da 4.ª Secção e sumariados em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos.
[17] Vide Albino Mendes Baptista, in ob. cit., p. 180 e Carlos Alegre, in “Código de Processo de Trabalho Actualizado e Anotado”, 2.ª edição, 1987, p. 105.
[18] vide, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 2007.10.10, Processo n.º 3634/07-3.ª Secção, de 2008.12.04 Processo n.º 2507/08-3.ª Secção e de 2009.09.23, Processo n.º 5953/03.4TDLSB.S1-3.ª Secção, todos sumariados em www.stj.pt e o Prof. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 141).
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – O conceito de trabalhador à procura de primeiro emprego pressuposto na hipótese legal da LCCT e dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009 traduz a situação de facto de um trabalhador que ainda não tem uma posição definida no mercado de trabalho por nunca ter sido contratado por tempo indeterminado.
II – As menções insertas no contrato de trabalho de que o motivo da contratação é encontrar-se o trabalhador “à procura de primeiro emprego” e de o mesmo ter declarado “nunca ter trabalhado por conta de outrem através de contrato de trabalho sem prazo”, representam a realidade correspondente à situação de primeiro emprego segundo o conceito jurisprudencialmente acolhido e concretizam suficientemente o motivo justificativo do termo aposto ao contrato de trabalho celebrado.
III – Incorre em abuso do direito o trabalhador que declara no contrato de trabalho a termo que nunca tinha sido contratado por tempo indeterminado, vindo, posteriormente, a invocar essa falsidade, para passar a trabalhador permanente.
IV – Ainda que o documento contratual tenha sido elaborado pelo empregador com a menção da declaração do trabalhador, o que releva é a subscrição por ambas as partes, passando então a pertencer a ambas as partes a “paternidade” do documento que relata aquela declaração.
V – Ao abrigo da possibilidade legal de renovação prevista na Lei n.º 3/2012, é possível que o referido contrato a termo, ao atingir o limite máximo de duração assinalado no Código do Trabalho, seja objecto de duas renovações de natureza extraordinária, sendo a primeira por 6 meses e a segunda por 12 meses.

Maria José Costa Pinto