Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
363/12.5TTVRL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: TRABALHO TEMPORÁRIO
CONTRA-ORDENAÇÃO
EMPRESA UTILIZADORA
Nº do Documento: RP20131014363/12.5TTVRL.P1
Data do Acordão: 10/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: No âmbito da relação jurídica de trabalho temporário, a contraordenação decorrente da violação do período máximo anual do trabalho suplementar cometida na e pela empresa utilizadora é imputável a esta e não à empresa de trabalho temporário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 363/12.5TTVRL.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 667)
Adjunto: Des. Maria José Costa Pinto

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B…, SA, impugnou judicialmente a decisão proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho que lhe aplicou a coima de €4.000,00 pela prática, sob a forma de negligência, da contraordenação leve prevista no art. 521º, nºs 1, 2 e 3 do CT/2009[1], por violação da Clª 13ª, nº 1, al. a) [que estabelece o limite de 200 horas de trabalho suplementar por ano, por trabalhador], do CCT celebrado entre a AECOPS – Associação de Empresas de construção e Obras Públicas e Serviços Afins e o SETACCOP – Sindicato a Construção, Obras Públicas e Serviços afins, publicada no BTE nº 17, de 08.05.2010, com Portaria de Extensão constante da Portaria 495/2010, de 13.07.2010, e punível nos termos do art. 554º, nº 2, al. b), do art. 554º do CT/2009.

Conhecida a referida impugnação por despacho, de fls. 83 a 88, proferido aos 26.02.2013, foi a mesma julgada improcedente e mantida a coima aplicada pela autoridade administrativa.

Inconformada, veio a arguida recorrer, formulando, a final da sua motivação, as seguintes conclusões:

1. A Recorrente não se conforma com a sentença proferida pela Seção única do Tribunal do Trabalho de Vila Real, a qual julgou a impugnação judicial apresentada pela Recorrente à decisão da autoridade administrativa improcedente, por não provada e, em consequência, manteve a condenação da Arguida (aqui Recorrente) pela prática da contraordenação p. e p. pelo art.521°, n.1, 2 e 3 do Código do Trabalho — cfr Lei 7/2009 de 12/02, na coima de € 4.000,00 (quatro mil euros) e condenou, ainda, a Recorrente, em custas, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.
2. Em momento algum da Decisão da autoridade administrativa, consta informação que a mesma tenha apurado (ou sequer tentado) analisar em que circunstâncias foi alegadamente prestado trabalho suplementar, no sentido de verificar se efetivamente os limites legalmente estabelecidos para a sua realização foram ultrapassados.
3. A autoridade administrativa não se dignou sequer a apurar as circunstâncias em que foi prestado trabalho suplementar, sendo que tal se revelava importante e fundamental, porquanto, dependendo dos motivos em causa, para que fosse requerida a realização de trabalho suplementar, variariam os limites legalmente estabelecidos.
4. O trabalho suplementar prestado, por exemplo, em caso de força maior, ou conforme previsto no IRCT aplicável ao setor, para assegurar o cumprimentos de prazos contratualmente estabelecidos para conclusão de obras ou fases das mesmas, não está sujeito aos limites previstos no numero 1 do artigo 228.° do Código do Trabalho, mas sim e apenas, aos limites estabelecidos no n°1 do art.21 1° do Código do Trabalho, nos termos do qual “Sem prejuízo do disposto nos artigos 203.° a 210.º, a duração média do trabalho semanal, incluindo trabalho suplementar, não pode ser superior a quarenta e oito horas, num período de referência estabelecido em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que não ultrapasse 12 meses ou, na falta deste, num período de referência de quatro meses, ou de seus meses os casos previstos no n°2 do art207°”.
5. Analisem-se as cláusulas 11° (n.° 5) e 13 (n.° 2) do referido Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AECOPS — Associação de empresas de construção e obras públicas e serviços afins, onde se lê que “O trabalho suplementar pode ainda ser prestado em casos de força maior ou quando se torne indispensável para prevenir ou reparar prejuízos graves para a empresa bem como para assegurar o cumprimento de prazos contratualmente estabelecidos para conclusão de obras ou fases das mesmas.”
6. E que “A prestação de trabalho suplementar prevista no n.° 5 da cláusula 10.ª, não fica sujeita aos limites do número anterior, não devendo contudo a duração média do trabalho semanal exceder 48 horas num período de referência de 12 meses. No cálculo da média os dias de férias são subtraídos ao período de referência em que são gozados” (onde se lê 10.ª deve ler-se 11.ª, porquanto a redação da cláusula contém um lapso quanto à clausula para a qual remete).
7. Face ao disposto nos preceitos enunciados nos pontos 5 e 6 supra, facilmente se constata que os limites de duração do trabalho suplementar referidos pela autoridade administrativa podem nem sequer estar corretos, pois não foi feito qualquer apuramento ou imputação devida.
8. Sendo, por isso, a Decisão proferida no âmbito do processo de contraordenação nula, por não fundamentada e incorreta aplicação normativa.
9. A Recorrente é uma Empresa de Trabalho Temporário, devidamente licenciada, cuja atividade principal se consubstancia na cedência temporária de trabalhadores para ocupação por terceiros utilizadores, seus clientes (Ex-vi Decreto-lei N.° 260/2009, de 25 de Setembro).
10. A Recorrente não se dedica à atividade da construção civil e das obras públicas, sendo que quando a lei determina que ao trabalhador temporário se aplièa o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável ao Utilizador, fá-lo na perspetiva do trabalhador, ou seja, em salvaguarda do sublime princípio da igualdade, traduzido na comum expressão “trabalho igual, salário igual”, o que sempre foi assegurado.
11. A relação de trabalho temporário consiste, no essencial, numa relação jurídica complexa, de figurino triangular, em que são partes a empresa de trabalho temporário (ETT), o trabalhador temporário (TT) e o Utilizador (UT).
12. Trata-se de uma relação jurídica-laboral atípica e “desfragmentada”, surgindo os poderes do empregador repartidos entre a Empresa de Trabalho Temporário, que contrata o trabalhador temporário para o ceder a outrem e o Utilizador, que é “quem” efetivamente determina, dirige e fiscaliza diariamente a atividade profissional desenvolvida pelo Trabalhador, sujeitando-se este ás ordens e direção daquele.
13. Atenta a atipicidade que caracteriza o regime jurídico do trabalho temporário, o cumprimento de muitas das obrigações reparte-se entre as duas empresas, sendo que existem deveres que competem, única e exclusivamente, ao Utilizador, como é por exemplo o caso da necessidade de realização de trabalho suplementar (temática intrinsecamente ligada ao horário de trabalho — Vide Art.° 185 do CT).
14. No caso em apreço, o Utilizador é a C…, sendo sob as ordens, direção e fiscalização desta que os trabalhadores D…, E…, F…, G…, H… e I… (referidos no auto de contraordenação) desempenhavam as suas funções profissionais.
15. Durante a cedência, o trabalhador está sujeito ao regime aplicável ao utilizador no que respeita ao modo, lugar, duração do trabalho, pelo que é a empresa utilizadora, (e não a empresa de trabalho temporário), que determina a necessidade de realização de trabalho suplementar por parte dos trabalhadores que lhe são cedidos e define o motivo que está subjacente a tal prestação.
16. A Recorrente, apenas, poderá efetuar o pagamento do trabalho realizado pelos seus trabalhadores, de acordo com os mapas (folhas de ponto) que lhe são enviados pelo Utilizador, sendo certo que a empresa de temporário desconhece o motivo/fundamento para a prestação de tal trabalho suplementar.
17. Não tendo a Recorrente o poder de direção sobre os trabalhadores que cede a terceiros utilizadores, nem legitimidade para decidir ou determinar a forma como esses utilizadores devem pautar a sua atuação, não tinha como impedir que os mesmos prestassem trabalho suplementar.
18. O registo de horas deveria ter sido ab initio solicitado pela Autoridade Administrativa diretamente á Empresa Utilizadora, no caso em apreço, C…, a quem compete esse registo, bem como o registo referente ao trabalho suplementar.
19. A respeito da prestação de trabalho suplementar, nenhuma responsabilidade poderá ser assacada à Recorrente, enquanto empresa de trabalho temporário.
20. Face ao supra exposto, entende a Recorrente, que não assiste razão ao Tribunal “a quo” na sentença condenatória proferida, porquanto, carece de fundamento imputar à Recorrente uma contraordenação, já que não impende sobre a mesma a obrigação de elaborar o horário de trabalho, ou sequer determinar a necessidade de realização de trabalho suplementar por parte dos seus trabalhadores cedidos a um utilizador, seu cliente.
21. Nestes termos, deverá ao presente Recurso ser dado provimento, devendo ser revogada a sentença proferida, não sendo, em consequência, aplicada qualquer coima à Recorrente, na sequência do processo de contraordenação que lhe foi instaurado.

Nestes termos (…), deverá ao presente Recurso ser dado provimento, devendo ser revogada a sentença proferida.

O Ministério Público contra-alegou concluindo no sentido do não provimento do recurso.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto, junto desta Relação, emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual a Recorrida pronunciou-se, dele discordando.

Colheram-se os vistos legais.
*
II. Fundamentação de Facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
“Os factos que se julgam provados e que importa relevar são os seguintes:
• Dá-se aqui integralmente por reproduzido o teor do auto de contra-ordenação de fls. 3 a 5, os quais não foram impugnados pela recorrente.
• A recorrente apresentou um volume de negócios de € 35.419.010,00.
• A recorrente detinha contrato de cedência de trabalho temporário quanto aos trabalhadores identificados no auto de notícia acima indicado, com a C…, estando aqueles trabalhadores a exercerem as suas funções sob as ordens, direcção e fiscalização do referido utilizador.
• A recorrente efectua o pagamento das respectivas remunerações mediante os mapas (folhas de ponto) que lhe são remetidas pelo utilizado – C….”.
***
Tendo a decisão recorrida, no seu 1º ponto, remetido para o que consta do auto de notícia sem que, todavia, haja transcrito o que dele consta (como o deveria ter feito), importa antes de mais proceder a tal transcrição no que se poderá mostrar relevante, ou seja, no que se reporta aos factos que dele constam (e não já as considerações de natureza jurídica):
“Aos vinte e nove dias do mês de Maio do ano dois mil e doze, (…), neste Centro Local …, sita na (…), eu, (…), Inspectora do Trabalho da ACT (…),
Autuei:
(…)
De facto,
1. Conforme verifiquei pessoal e diretamente, de forma imediata, na presença do (…), no dia 09.05.2012, a infractora mantinha ao seu serviço, sob as suas ordens e dependência económica, no local de trabalho acima identificado, os trabalhadores, H…, admitido em 01.07.2011, com a categoria profissional de carpinteiro de cofragem 1ª, auferindo a retribuição mensal de 545,00€ e I…, admitido em 01.07.2012, com a categoria profissional de carpinteiro de cofragem 1ª, auferindo a retribuição mensal de 545,00€;
2. Na sequência da referida intervenção, foi o infractor notificado a apresentar no dia 18.05.2012, nos termos da (…), nomeadamente o registo do nº de horas prestadas pelos trabalhadores, por dia, com indicação da hora de início e termo do trabalho desde 01.2012, o registo do trabalho suplementar desde 01.2012, e recibos de retribuição desde 01.2012, dos trabalhadores que a sua actividade no local de trabalho supra mencionado (…);
3. Analisados os mencionados documentos apresentados, constatei que o infractor empregava ainda, sob as suas ordens, direcção e dependência económica, naquele local de trabalho, os seguintes trabalhadores:
a) D…, admitido em 01.07.2012, com a categoria profissional de pedreiro de 1ª, auferindo a retribuição mensal de 545,00€;
b) E…, admitido em 01.07.2012, com a categoria profissional de pedreiro de 1ª, auferindo a retribuição mensal de 545,00€;
c) F…, admitido em 01.07.2012, com a categoria profissional de pedreiro de 1ª, auferindo a retribuição mensal de 545,00€;
d) G…, admitido em 01.07.2012, com a categoria profissional de carpinteiro de cofragem 1ª, auferindo a retribuição mensal de 545,00€;
4. Ao analisar o registo do trabalho suplementar apresentado pela infractora, referente ao período de 01.01.2012 a 15.4.2012, apurou-se que os trabalhadores (Doc. 2):
a) D… realizou 216h;
b) E… realizou 201h;
c) F… realizou 221h;
d) G… realizou 213h;
e) H… realizou 214h;
f) I… realizou 205h;
(…)”.
***
O ponto 1, no que reporta ao trabalhador I…, e o ponto 3, quanto a todos os trabalhadores, do referido auto de notícia e, por consequência, da decisão da matéria de facto, padecem de lapso manifesto, que decorre do próprio contexto do auto de notícia e dos documentos que lhe foram anexos (designadamente mapas de registo de trabalho suplementar de fls. 7 a 25 enviados pela arguida à ACT na sequência da notificação, para o efeito, mencionada em 2 do auto de notícia) no que se reporta à indicação do ano de admissão de 2012, ano esse que será, senão outro anterior, pelo menos o de 2011.
Com efeito, como decorre do auto de notícia, este foi levantado aos 29.05.2012, ou seja, em data anterior à que é referida como o ano de admissão de tais trabalhadores (julho de 2012), pelo que, manifestamente, não é possível que aquele – 2012 – tenha sido o ano de admissão. Também isso mesmo decorre dos factos imputados à arguida nesse auto de notícia, bem como dos documentos em que o mesmo se baseou (registos do trabalho suplementar acima mencionados), pois que a infração imputada se reporta ao período de 01.01.2012 a 15.04.2012, ou seja, a data anterior à que foi indicada como a da admissão dos referidos trabalhadores (julho de 2012).
Embora a Relação, em matéria contraordenacional, apenas conheça em matéria de direito (art. 51º da Lei 107/2009, 14.09), nada impede que, nas situações previstas no art. 410º, nº 2, do CPP, aplicável subsidiariamente, possa conhecer de facto, mormente quando ocorra erro notório. Assim, e ainda ao abrigo do disposto no art. 380º, nºs 1, al. b) e 2, do CPP, procede-se à retificação do ano de admissão dos trabalhadores D…, E…, F…, G… e I…, pelo que, onde se lê “2012”, deverá passar a ler-se “de, pelo menos, 2011”.
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III. Do Direito

1. Considerando as conclusões da motivação do recurso, as questões suscitadadas, como bem sintetiza o Exmº Srº Procurador Geral Adjunto no seu douto parecer, são as seguintes:
a. Nulidade da decisão administrativa que aplicou a coima por não se encontrar devidamente fundamentada;
b. Incorrecta aplicação normativa;
c. Sendo a Recorrente uma empresa de trabalho temporário a responsabilidade pela contra-odenação em apreço é da empresa utilizadora.

De referir que, ao que parece, a Recorrente invoca a “incorrecta aplicação normativa” como fundamento da nulidade da decisão recorrida.
Ora, como é evidente, tal alegado vício não consubstancia qualquer causa de nulidade de sentença, mas sim de eventual erro de julgamento, pelo que essa questão será apreciada nesta perspectiva e não na de nulidade de sentença.

2. Da 1ª questão

Diz a Recorente que a decisão administrativa é nula, para tanto argumentando, em síntese, que a autoridade administrativa, e a respetiva decisão, não apuraram as circunstâncias em que foi prestado o trabalho suplementar, o que era relevante já que os limites legais variariam consoante a causa desse trabalho, podendo não estar sujeito ao limite de 200h por ano (o que ocorreria no caso de trabalho pestado em caso de força maior, para prevenir ou reparar prejuízos graves para a empresa ou para assegurar cumprimento de prazos conforme arts. 227º, nº 2, e 228º, nº 4, do CT/2009 e clªs 11, nº 5 e 13º, nº 2 do CCT invocado na decisão recorrida).
Tal alegada omisão não constitui causa de nulidade da sentença. Nesta referem-se quais os trabalhadores que foram alvo da fiscalização da mesma entidade, quais os horários praticados por cada um deles (conforme mapas de fls. 7 a 25 anexos ao auto de notícia), o número de horas de trabalho suplementar prestado por cada um desses mesmos trabalhadores por conta da C…, tendo sido referido que foi excedido, no período considerado na decisão administrativa, o número máximo anual de horas de trabalho suplementar que tal decisão, nos termos dos normativos invocados, considerou ser o aplicável (200 horas).
Se, porventura, se mostrasse relevante à verificação da infração apurar e provar a causa desse trabalho suplementar por forma a determinar qual o seu limite máximo autorizado, tal prender-se-ia com a questão da verificação, ou não, dos pressupostos objetivos do tipo contraordenacional, consubstanciando eventual erro de julgamento (e não nulidade da decisão), questão esta que se prende com a segunda das questões suscitadas pela Recorrente.
Assim, improcede a alegada nulidade da decisão administrativa.

3. Da 2ª questão

Diz a Recorrente que se verifica uma “incorrecta aplicação normativa”, argumentando nos termos acima apontados, a propósito da 1ª questão.

3.1. A decisão recorrida, bem como a decisão administrativa, consideraram ser aplicável ao caso o AECOPS – Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas e Serviços Afins e o SETACCOP – Sindicato a Construção, Obras Públicas e Serviços afins, publicada no BTE nº 17, de 08.05.2010, com Portaria (de extensão) nº 495/2010, de 13.07.2010.
Antes de mais, importa referir, ao contrário do parece defender a Recorrente (cfr. conclusão 10ª), que entendemos que o CCT mencionado foi, e bem, considerado ser o aplicável ao caso ainda que seja a arguida empresa de trabalho temporário.
Dispõe o art. 185º, nº 10, do CT/2009, que “10. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, após 60 dias de prestação de trabalho, é aplicável ao trabalhador temporário o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável a trabalhadores do utilizador que exerçam as mesmas funções.”.
Tal norma não visa, apenas, a garantia de “a trabalho igual, salário igual”, mas sim a uniformização (sem prejuízo do disposto nos nºs anteriores ao nº 10 do citado art. 185º), tanto em relação aos trabalhadores não temporários, como aos temporários, das condições estabelecidas no instrumento de regulamentação coletiva.
No caso e como decorre da matéria de facto provada, os trabalhadores em causa já estavam ao serviço do utilizador por período superior a 60 dias, pois que o número de horas de trabalho alegadamente em excesso se reporta, em relação a cada um deles, ao período de 01.01.2012 a 15.04.2012, ou seja, um período superior a 60 dias.
De todo o modo, as normas relativas aos limites máximos do trabalho suplementar inclui-se na matéria relativa à duração do trabalho, a qual abrange e é também aplicável ao trabalhador temporário (ainda que ao serviço do utilizador por período inferior a 60 dias), como resulta do disposto no nº 2, desse art. 185º, nos termos do qual “2. Durante a cedência, o trabalhador está sujeito ao regime aplicável ao utilizador, no que respeita (…), duração do trabalho (…)”.
Por outro lado, nem a Recorrente põe em causa que à empresa utilizadora e seus trabalhadores (não temporários) fosse aplicável o CCT invocado, o qual foi objeto da Portaria (de extensão) 495/2010, de 13.07.2010, que estende a sua aplicabilidade “a) às relações de trabalho entre empregadores não filiados nas associações de empregadores outorgantes que se dediquem às atividades de construção civil, obras públicas e serviços relacionados com a actividade da construção, nos termos definidos no anexo V, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nele previstas; b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados nas associações de empregadores outorgantes que prossigam as actividades referidas na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas na convenção não representadas pelas associações sindicais outorgantes.”.

3.2. Dispõe a Clª 13ª, nº 1, al. a), do mencionado CCT, quanto ao número máximo de horas de trabalho suplementar, que este fica sujeito, por trabalhador, ao limite de 200 horas por ano, dispondo todavia o nº 2 dessa Clª que a prestação de trabalho suplementar prevista no nº 5 da clª 11ª não fica sujeita a tal limite [não devendo contudo a duração média do trabalho semanal exceder 48 horas num período de referência de 12 meses e que, no cálculo da média os dias de férias são subtraídos ao período de referência em que são gozados].
Por sua vez, dispõe a Clª 11ª, nº 5, que o trabalho suplementar pode ainda ser prestado em casos de força maior ou quando se torne indispensável para prevenir ou reparar prejuízos graves para a empresa, bem como para assegurar o cumprimento de prazos contratualmente estabelecidos para conclusão de obras ou fases das mesmas.
Ou seja, a regra geral do mencionado CCT[2] é a da limitação do trabalho suplementar a 200 horas por ano, tendo as situações em que tal limitação não é aplicável (as referidas na clª 11ª, nº 5) natureza manifestamente excecional, não integrando o elemento objetivo da contraordenação imputada, mas sim causas de inexistência da mesma.
No caso, foi imputado à arguida a violação da limitação legal de 200 horas anuais de trabalho suplementar, sendo este o elemento objetivo da infração e havendo os factos correspondentes, e que foram imputados, ficado provados.
Não tinha, pois, a autoridade administrativa que demonstrar, ainda e também, que não se verificava nenhuma das situações excecionais previstas na Clª 11ª, nº 5 (que permitiriam que esse limite não fosse observado). Tratam-se, estas e como já referido, de situações excecionais em que a infração não se verificaria e, por consequência, de casos de inexistência de infração, competindo à arguida, e não à autoridade administrativa, alegar e demonstrar os correspondentes pressupostos, o que não fez, nem tão-pouco, diga-se, tentou fazer, pois que nem na impugnação judicial da decisão administrativa as invocou, limitando, nesta parte, a sua defesa a alegação idêntica à agora feita (de que a autoridade administrativa não apurou se se não se verificaria nenhuma das situações previstas na citada Clª 11ª, nº 5).
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.

4. Da 3ª Questão

Considera a Recorrente, pelas razões que invoca, que, sendo uma empresa de trabalho temporário, não lhe pode ser imputada a contraordenação em apreço, já que a responsabilidade pela violação da limitação anual do número de horas de trabalho suplementar é da empresa utilizadora.
Por sua vez, na decisão recorrida, em abono da responsabilidade da arguida, invocou-se o Acórdão desta Relação de 09.05.2011[3], proferido no Processo 829/09.4TTVFR.P1 e publicado in www.dgsi.pt, para se concluir que é a empresa de trabalho temporário a entidade empregadora do trabalhador temporário. Mais entendeu a 1ª instância que, face a tal conclusão, incumbia-lhe zelar pelo cumprimento das regras constantes do CCT quanto a todos os seus aspetos, incluindo os relativos aos limites máximos do trabalho suplementar e determinar junto da utilizadora a observância do normativo aplicável, não aceitando passivamente tal violação, tanto mais que o excesso do trabalho suplementar era do seu conhecimento (já que os mapas lhe eram remetidos pelo utilizador para pagamento, pela arguida, das remunerações correspondentes).
1. No mencionado Acórdão desta Relação de 09.05.2011 estava em causa pedido, formulado por trabalhador temporário contra a empresa de trabalho temporário, de condenação desta no pagamento da retribuição do trabalho suplementar que havia sido prestado (e em que a Ré considerava ser a empresa utilizadora a responsável) e não a responsabilidade contraordenacional daquela.
Nele entendeu-se, pelos fundamentos dele constantes, que a responsabilidade recaía na empresa de trabalho temporário[4]. E, para tanto e em síntese, considerou-se que: na relação triangular intervêm três entidades (trabalhador, ETT e EU), sendo outorgados dois contratos (contrato de utilização de trabalho temporário e contrato de trabalho temporário) que, apesar de relacionados, são distintos e autónomos; que a qualidade de empregador recaía na empresa de trabalho temporário e, por isso, sobre este impendia a responsabilidade do pagamento da retribuição devida pelo trabalho suplementar, apesar de, em matéria relativa ao regime de prestação de trabalho (incluindo a referente a duração do trabalho), o trabalhador estar sujeito ao regime aplicável ao utilizador e ao poder diretivo deste que seria exercido, nas palavras de Júlio Gomes[5], “não como um “co-empregador”, mas sim como um “representante” daquela (ainda que não no sentido técnico-civilista do termo)”; que o art. 17º, nº 2, da Lei 19/2007 (então aplicável ao caso relatado no acórdão e entretanto revogada, no que ora interessa, pelo CT/2009) reforçava o entendimento de que a responsabilidade principal pelo cumprimento dos créditos laborais, incluindo os resultantes da prestação de trabalho suplementar, era da empresa de trabalho temporário (cometendo a citada disposição à utilizadora uma responsabilidade apenas subsidiária).
Sem prejuízo da aplicabilidade das considerações relativas à natureza triangular da relação de trabalho temporário, também aqui aplicáveis como considerações de natureza geral (e que, no ponto seguinte, iremos transcrever), não se nos afigura que do referido aresto se possa, sem mais, extrapolar no sentido da responsabilidade contraordenacional da empresa de trabalho temporário pela violação do limite máximo anual da prestação de trabalho suplementar, conforme decorrerá do que adiante diremos.

4.2. Como se diz no citado acórdão, considerações essas de natureza geral, também aplicáveis ao caso,
“A relação do trabalho temporário tem por base uma relação triangular, em que, como se refere no acórdão desta Relação de 15.12.2010[6], intervêm três entidades e em que são outorgados dois contratos que, apesar de relacionados, são distintos e autónomos.
“Assim como intervenientes, temos:
1º- A empresa de trabalho temporário (ETT), ou seja, a pessoa singular ou colectiva cuja actividade consiste na cedência temporária a utilizadores da actividade de trabalhadores que, para esse efeito, admite e retribui (artigo 2º, alínea a) da LTT).
2º- A entidade utilizadora (EU), ou seja, a pessoa singular ou colectiva, com ou sem fins lucrativos, que ocupa, sob a sua autoridade e direcção, trabalhadores cedidos por uma empresa de trabalho temporário (artigo 2º, alínea c) da LTT).
3º- O Trabalhador Temporário, ou seja, a pessoa que celebra com uma empresa de trabalho temporário um contrato de trabalho temporário ou um contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária (artigo 2º, alínea c) da LTT).
Como já se referiu esta relação assenta em dois contratos. Um dito de contrato de trabalho temporário (CTT), estabelecido entre o trabalhador e a ETT (cujo artigo 2º, alínea d) da LTT define como «o contrato de trabalho a termo celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar temporariamente a sua actividade a utilizadores, mantendo o vínculo jurídico-laboral à empresa de trabalho temporário») e outro baptizado de contrato de utilização de trabalho temporário (CUTT) (cujo artigo 2º, alínea f) da LTT define como «o contrato de prestação de serviços a termo resolutivo celebrado entre um utilizador e uma empresa de trabalho temporário, pelo qual esta se obriga, mediante retribuição, a ceder um ou mais trabalhadores temporários»).
Como se refere no Acórdão da RL de 21.04.2004[7], citado na sentença recorrida e com o qual estamos de acordo, “(…) o trabalho temporário tem a particularidade de ser um contrato de trabalho triangular em que a posição contratual da entidade empregadora é desdobrada entre a empresa de trabalho temporário e a empresa utilizadora, empresa esta que exerce em relação aos trabalhadores temporários e dentro de certos limites, os poderes de autoridade e de direcção, próprios da entidade empregadora, em relação aqueles trabalhadores.
Contudo, a empresa que cede temporariamente um trabalhador seu a outra entidade, no âmbito de um contrato de prestação de serviços, continua a ser a entidade patronal do cedido. Entre o trabalhador temporário e o utilizador não existe qualquer contrato, designadamente um contrato de trabalho, pelo que o utilizador não pode ser considerado juridicamente como empregador, salvo as excepções previstas na lei.
O trabalhador temporário quando presta a sua actividade ao utilizador fá-lo por conta da empresa de trabalho temporário que o contratou, remunera e sobre ele exerce o seu poder disciplinar.
O trabalhador temporário quando presta a sua actividade ao utilizador, fá-lo por conta da empresa de trabalho temporário que o contratou, pelo que o utilizador nada tem a ver com as questões relativas ao contrato de trabalho, por inexistência de vínculo laboral entre ele e o trabalhador- Ac. da Rel. do Porto de 20/3/98, Col. Jur. 1998, II, 256.
Simplesmente quando aquele trabalhador presta a sua actividade ao utilizador o poder de direcção é exercido por este por mera delegação da empresa de trabalho temporário- Ac. Rel. Lisboa de 25/5/94, Col. Jur., 1994, III, 166.
Pelo mesmo diapasão alinham José de Castro Santos e Maria Teresa Rapoula, in Da Cessação do Contrato de trabalho e Contratos a Termo – Do Trabalho Temporário, 1990, pag. 226, quando afirmam que “o trabalhador temporário tem como patrão a empresa de trabalho temporário que o contrata, remunera e detém sobre ele o poder disciplinar, embora o trabalho seja prestado sob as ordens e direcção deste. Entre o utilizador e o trabalhador temporário não existe qualquer vínculo laboral”.

4.3. Não obstante, no caso ora em apreço e que tem como objeto a responsabilidade contraordenacional, a questão da responsabilidade da empresa de trabalho temporário, ainda que sendo, indiscutivelmente, a entidade empregadora do trabalhador, não pode deixar de ser analisada no contexto das normas aplicáveis em matéria contraordenacional, questão que apreciaremos de seguida.

4.3.1. No domínio do Regime Geral das Contraordenações Laborais constante da Lei 116/99, de 04.08 (depois revogado pelo CT/2003), o seu art. 1º definia o conceito de contraordenação laboral e, o seu art. 4º, elencava as entidades por ela responsáveis, entre as quais, a par do empregador [nº 1, al. a)], se encontrava “[a] empresa de trabalho temporário e o utilizador, nos casos de trabalho temporário, (…)” [nº 1, al. b)][8].
O citado preceito (art. 4º) foi alvo de criticas por não contemplar todos aqueles que, embora não constando do elenco do preceito, poderiam todavia ser os responsáveis pela contraordenação[9].
Daí que veio então o CT/2003, a par do abandono do um elenco de sujeitos da contraordenação, a conferir-lhe, no seu art. 614º, um conteúdo mais amplo, ao definir que “[c]onstitui contra-ordenação laboral a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito das relações laborais e que seja punível com coima”. Nos termos desta definição os sujeitos da contraordenação laboral deixaram de estar vinculados ao espartilho de um elenco, passando a abranger “qualquer sujeito no âmbito das relações laborais”, nestes se incluindo, pois e também, não apenas a empresa de trabalho temporário, como a empresa utilizadora.
E que a empresa utilizadora podia também ser sujeito responsável por determinadas contraordenações laborais, veja-se o (entretanto revogado) art. 44º da Lei 19/2007, de 22.05[10], o qual determinava que, para além de outras, era imputável ao utilizador a violação quer do nº 1[11], quer do nº 2[12], do art. 35º [cfr. art. 44º, nºs 1, al. b) e 2, al. b)].
Quanto ao CT/2009, o aplicável ao caso, dispõe ele no art. 548º que “[c]onstitui contra-ordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima”, conceito este semelhante ao que vinha do CT/2003 e que, assim, abrange não apenas o empregador, mas qualquer outro sujeito sobre quem, no âmbito de relação laboral, viole norma que consagre direitos ou imponha deveres.
Diferentemente do CT/2003, veio todavia o art. 551º, no seu nº 1, referir que “[o] empregador é o responsável pelas contra-ordenações laborais, ainda que praticadas pelos seus trabalhadores no exercício das respectivas funções, sem prejuízo da responsabilidade cometida por lei a outros sujeitos.”.
No âmbito do CT/2003, perante a inexistência de norma expressa a cometer ao empregador a responsabilidade pelas contraordenações laborais, foi vingando a interpretação de que, para a responsabilização do empregador, deveria ser alegada e provada toda a factualidade necessária de que resultasse a possibilidade de lhe imputar a autoria material da contraordenação.
Ora, o art. 551º, nº 1, parece ter vindo dar resposta às questões levantadas pela fórmula adotada no CT/2003, ao imputar a responsabilidade da contraordenação laboral ao empregador. Tal imputação, todavia, não exclui a responsabilidade de outros, que não o empregador, que, nos termos do art. 548º, violem normas que consagrem direitos ou imponham deveres, como também decorre do art. 551º, nº 1, in fine, ao dispor que a responsabilização do empregador aí prevista não prejudica a responsabilidade cometida por lei a outros sujeitos.

4.3.2. A matéria do trabalho temporário acha-se regulamentada nos arts. 172 a 192 do CT/2009, na qual se preveem diversas contraordenações:
a) umas, em que a lei as imputa, a ambas, empresa de trabalho temporário e utilizador: art. 173, nº 7, e 177º, nº 7;
b) outras, em que a lei as imputa apenas ao utilizador: arts. 175, nº 6;
c) outras, em que as imputa apenas à empresa de trabalho temporário: arts. 181/5, 184/3;
d) outras em que nada refere no que se reporta à sua imputação, seja à empresa de trabalho temporário, seja ao utilizador: arts. 179, nº 3, 183, nº 4, 185º, nº 12, 186º, nº 9, 187/5 e 189º, nº 5.
Nas primeira, segunda e terceira situações [als. a), b) e c)] mencionadas é indiscutível que a responsabilidade contraordenacional recai sobre as entidades previstas nas respetivas normas tipificadoras da contraordenação, o que bem se compreende tendo em conta a responsabilidade que impende sobre uma ou outra no cumprimento das obrigações previstas nas normas violadas.
E que dizer quanto ao quarto grupo de situações?
Afigura-se-nos que a responsabilidade contraordenacional não poderá deixar de ser cometida a quem tenha a obrigação do cumprimento da obrigação legal e que, ao não cumprir, a violou.
Assim, por exemplo:
- Quanto à contraordenação prevista no art. 183º, nº 4, ela decorre da violação da al. b) do nº 1, preceito este que impõe que no contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária deverá ser feita menção expressa de que o trabalhador aceita que a ETT o ceda temporariamente a utilizadores; ora, sendo a obrigação da ETT, não faria qualquer sentido que não fosse esta a responsável;
- Quanto ao art. 185, nº 12, dispõe ele que constitui contraordenação a violação do disposto no nº 3 e o exercício de poder disciplinar por parte do utilizador ou a violação do disposto no número anterior; no nº 3, diz-se que o utilizador deve elaborar o horário de trabalho do trabalhador e marcar o período das férias que sejam gozadas ao seu serviço e, no nº 11, que o utilizador deve informar o trabalhador temporário dos postos de trabalho disponíveis na empresa ou estabelecimento para funções idênticas às exercidas por este, com vista à candidatura; ora, e pese embora o nº 12 desse art. 185 não impute expressamente essas contraordenações ao utilizador, tratando-se, as três situações, de obrigações legais que sobre este impendem não pode a responsabilidade pela sua violação e a consequente imputação deixarem de ser feitas ao utilizador, aliás em conformidade com o já mencionado conceito de contraordenação laboral (art. 548º), que não restringe a responsabilidade ao empregador, antes a estende a qualquer sujeito que viole normas que consagrem direitos ou estipulem deveres.
- Quanto ao art. 186, nº 9, tipifica ele como contraordenação a violação dos seus nºs 3, 4, 5, 6, 7 e 8. Os nºs 3, 4 e 5 preveem obrigações da empresa de trabalho temporário; por sua vez, os nºs 6, 7 e 8 preveem obrigações do utilizador. Ora, se não faria qualquer sentido, como não faz, imputar a violação dos nºs 3, 4 e 5 ao utilizador, também o inverso é verdadeiro, ou seja, não faria qualquer sentido imputar a violação dos nºs 6, 7 e 8 à empresa de trabalho temporário, ainda que seja esta a detentora da qualidade de empregadora do trabalhador. Como diz João Soares Ribeiro, in Contra-Ordenações Laborais, 2011, 3ª Edição, Almedina, em anotação a este art. 186 (pág. 205) “conforme a obrigação seja da ETT ou do UT, assim deverá ser igualmente imputada a contraordenação pela sua violação.”.
Ou seja, serve o referido, precisamente, para ilustrar a conclusão de que “conforme a obrigação seja da ETT ou do UT, assim deverá ser igualmente imputada a contraordenação pela sua violação.”, a qual, referida por Soares Ribeiro apenas a propósito desse art. 186, é todavia extensiva às demais situações em que, não estando embora expressamente prevista a imputação a uma ou a outra, a responsabilidade não poderá deixar de recair sobre aquela que tinha a obrigação do cumprimento do dever estipulado na norma e que a violou, o que está, aliás, em consonância com o disposto no art. 548º (conceito de contraordenação).

4.4. Ora, no caso, a norma violada tem por objeto o limite anual (de 200 horas) do trabalho suplementar que foi excedido em relação aos trabalhadores identificados no auto de notícia, excesso esse que, embora estando os trabalhadores vinculados à arguida por contrato de trabalho temporário, se verificou ao serviço da empresa utilizadora.
Durante a cedência, o trabalhador está sujeito ao regime aplicável ao utilizador no que respeita à duração do trabalho, sendo sobre ele, utilizador, que recai o dever de elaborar o horário de trabalho (art. 185º, nºs 2 e 3, do CT/2009), dever este cuja violação constitui a contraordenação prevista no nº 12 desse art. 185º e que é a ele imputável (conforme já acima referido). É ele, utilizador, o destinatário das normas que impõem o dever de observância dos tempos relativos à duração do trabalho, incluindo os relativos à duração máxima do trabalho suplementar, para além de que é ao serviço dele que o trabalho é prestado e, por consequência, em decorrência de orientação sua, que é quem o determina e sabe as razões por que o determina.
Afigura-se-nos, pois, que o destinatário da norma violada é o utilizador, tendo sido ele quem a violou, pelo que é deste a autoria e a consequente responsabilidade por essa violação, a ele sendo, por isso, imputável a contraordenação em apreço, e não à arguida.
Nem nos parece que proceda o argumento de que a arguida, tendo conhecimento da violação do limite máximo do trabalho suplementar (por sobre ela recair a obrigação do pagamento da correspondente remuneração) deveria ter atuado junto da utilizadora no sentido do cumprimento do normativo legal (ou convencional). É que, o poder diretivo, no que a essa matéria respeita, cabia à utilizadora, assim como lhe cabia a elaboração do horário de trabalho, conforme art. 185º, nºs 2 e 3, do CT/2009, sobre ela recaindo a obrigação de dar cumprimento às normas legais ou constantes de instrumento de regulamentação coletiva, tendo sido ela quem as violou e, por consequência, que cometeu a contraordenação correspondente, sendo de realçar que estamos no âmbito de responsabilidade contraordenacional e não no âmbito de responsabilidade meramente civil.
O Ministério Público, nas suas contra-alegações, invoca também o Acórdão do STJ, de fixação de jurisprudência, nº 6/2013, in DR, nº 45, Série I de 05.03.2013[13] em abono da responsabilidade da empresa de trabalho temporário. Afigura-se-nos, todavia, que a doutrina de tal Acórdão não é convocável no caso em apreço, que tem por objeto a responsabilidade contraordenacional (e não a responsabilidade civil decorrente de acidente de trabalho), que assenta em princípios e normas próprias, designadamente as acima mencionadas e no princípio da imputabilidade, ao agente, da autoria, em alguma das suas formas, da contraordenação. No caso, era a utilizadora quem tinha a obrigação de dar cumprimento ao normativo relativo à duração do trabalho suplementar, tendo sido ela quem o violou e, por consequência, sendo a ela imputável, nos termos do art. 548º do CT/2009, a autoria da correspondente contraordenação.
Por fim resta dizer que, ainda que tendo por objeto situação diferente (omissão de registo do trabalho suplementar), mas com alguma similitude, veja-se, no sentido da responsabilidade contraordenacional da empresa utilizadora e não da empresa de trabalho temporário, o Acórdão da RL de 01.07.98, in CJ, 1998, T IV e http://www.colectaneadejurisprudencia.com.
Assim, e em conclusão, afigura-se-nos que, nesta parte, procede o recurso.
*
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, que é substituída pelo presente acórdão absolvendo a arguida, B…, SA, da contraordenação que lhe foi imputada nos autos.

Sem taxa de justiça e custas, em ambas as instâncias.

Porto, 14-10-2013
Paula Leal de Carvalho
Maria José Costa Pinto
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[1] Abreviatura de Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 27.02.
[2] Já no âmbito do CT/2009, o limite legal do número de horas de trabalho suplementar, por ano e por trabalhador, é inferior, como decorre do art. 228º, nº 1, permitindo, todavia, o nº 2 deste preceito que, por instrumento de regulamentação coletiva, o limite legal constante do nº 1 possa ser aumentado até 200 horas por ano.
[3] Relatado pela ora relatora.
[4] De ora em diante, aquando utilizarmos as designações abreviadas de ETT e EU, estaremos a reportar-nos, respetivamente, a empresa de trabalho temporário e a empresa utilizadora.
[5] In “Algumas observações sobre o contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária”, Questões Laborais, 2001, nº 17, pág. 69/70.
[6] In www.dgsi.pt, Processo nº 395/09.0TTSTS.P1, relatado por António José Ramos, ora primeiro-adjunto.
[7] In www.dgsi.pt. Processo 109/2004-4.
[8] Ao tempo da Lei 116/99, veja-se também o art. 31º do regime jurídico do trabalho temporário aprovado pelo DL 358/89, de 17.10, alterado pela Lei 146/99, de 01.09, o qual tipificava as contraordenações cometidas no seu âmbito e determinava o sujeito por elas responsável, ora imputando-as à empresa de trabalho temporário, ora ao utilizador, ora a ambos.
[9] Cfr. João Soares Ribeiro, in “Contra-Ordenações Laborais, Regime Jurídico Anotado contido no Código do Trabalho” [este o CT/2003] – 2ª Edição, Almedina, págs. 58 a 60.
[10] Que aprovou um novo regime jurídico do trabalho temporário e revogou o anterior, constante do DL 358/89, de 17.10, alterado pelas Leis 39/96, de 31.08, 146/99, de 01.09 e 99/2003, de 27.08.
[11] Norma esta que dispunha que “(…) durante a cedência, o trabalhador fica sujeito ao regime de trabalho aplicável ao utilizador no que respeita ao modo, lugar, duração de trabalho e suspensão da prestação de trabalho, segurança, higiene e saúde no trabalho e acesso aos seus equipamentos sociais.”
[12] Que dispunha que “O utilizador deve elaborar o horário de trabalho do trabalhador cedido e marcar o seu período de férias sempre que estas sejam gozadas ao serviço daquele.”.
[13] Que fixou jurisprudência no sentido de que “A responsabilidade pela reparação de acidente de trabalho prevista na Base XVII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, e no artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, resultante da violação de normas relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho, por parte de empresa utilizadora, e de que seja vítima trabalhador contratado em regime de trabalho temporário, recai sobre a empresa de trabalho temporário, na qualidade de entidade empregadora, sem prejuízo do direito de regresso, nos termos gerais.”.
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SUMÁRIO
No âmbito da relação jurídica de trabalho temporário, a contraordenação decorrente da violação do período máximo anual do trabalho suplementar cometida na e pela empresa utilizadora é imputável a esta e não à empresa de trabalho temporário.

Paula Leal de Carvalho