Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15955/15.2T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
REMUNERAÇÃO ADICIONAL
Nº do Documento: RP2017011015955/15.2T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/10/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º 747,FLS.109-116)
Área Temática: .
Sumário: I - A remuneração adicional devida ao agente de execução exige o nexo causal entre a sua atividade e a obtenção, para o processo executivo, de valores recuperados e garantidos ao exequente.
II - Destinando-se a premiar o resultado obtido, essa remuneração adicional incide sobre os valores recuperados e garantidos ao exequente na execução, mas não abrange a totalidade da quantia exequenda quando a extinção da execução deriva de uma restruturação extrajudicial da dívida a que foi alheio o agente de execução.
III - Essa interpretação do artigo 50º, 5, da portaria 282/2013, de 29 de agosto, sustenta um juízo de conformidade constitucional à luz dos princípios constitucionais da proporcionalidade e do direito a um processo equitativo, que supõem que os encargos com a realização coativa do direito não sejam desmesurados e inibidores da sua efetivação por parte dos seus titulares.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 15955/15.2T8PRT
Comarca do Porto
Porto, instância central, 1ª secção de execução - J4

Acórdão

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
O Banco B…, S.A., com sede na Rua …, n.º ..., em Lisboa, instaurou contra C…, SGPS, S.A., com sede na Rua …, n.º …, no Porto, a presente execução para pagamento de quantia certa, comprovando ser portador de uma livrança no valor de €188.146,43, vencida em 04/05/2015, que constitui o título executivo.
O exequente nomeou como Agente de Execução D…, que aceitou o cargo.
O executado foi citado e não deduziu oposição. O exequente solicitou ao Agente de Execução o bloqueio e penhora de um depósito a prazo, de 10.000 ações do E… e de saldos bancários de diversas contas do executado.
Extinta a execução, devido à obtenção de acordo extrajudicial, o Agente de Execução enviou a nota discriminativa de honorários e despesas, na qual lançou o valor de 6.437,02€ a título de remuneração adicional.
O exequente reclamou da nota de honorários no tocante à remuneração adicional, porque apenas recebeu, no âmbito da execução, a quantia de €12.572,37, entendendo, portanto, que não há lugar à liquidação da remuneração adicional em função da recuperação da integralidade da quantia exequenda.
Foi proferido despacho judicial de revisão da nota de honorários, que considerou indevida a remuneração adicional liquidada pelo Agente de Execução.

Deste despacho recorreu o Senhor Agente de Execução, D…, que assim concluiu a sua alegação:
«1ª A douta decisão em recurso foi proferida no douto despacho de fls… que decidiu não ser devida ao Agente de Execução apelante a remuneração adicional de 6.437,02€ por ele inserida na nota discriminativa de despesas e honorários;
Constitui objecto deste recurso saber se o Agente de Execução apelante tem ou não direito à remuneração adicional de 6.437,02€ por ter sido essa a parte da nota discriminativa de honorários e despesas por si apresentada que, de acordo com o decidido em 1ª instância, deve ser excluída.
O Mmo. Juiz a quo, erradamente, considerou na fundamentação do douto despacho que “Nos autos foi efectuado um pagamento de 12.572,37€, tendo sido reestruturada a restante dívida”; “Que as penhoras efectuadas não chegavam para assegurar o pagamento efectuado (penhora de saldos bancários no valor de 1.174,08€)” e que “Para além dessas penhoras não há qualquer registo que a actividade do agente de execução tenha permitido, facilitado ou contribuído de alguma forma para tal acordo”, o que é manifestamente redutor e errado em face da matéria de facto processualmente adquirida supra referida.
Ao contrário do referido pelo Mmo. Juiz a quo, da matéria de facto existente nos autos conjugado com os documentos juntos a esta peça, resulta que o valor penhorado nos autos soma 55.274,88€ e os actos e procedimentos foram praticados pelo Agente de Execução apelante a mando e no interesse do exequente e evidenciam a diligência e eficácia com que agiu, sendo como consequência e por causa de tais actos que foi logrado o acordo extrajudicial declarado pelo exequente no seu requerimento de 19.02.2016, com a referência 21889431, visando a extinção da execução.
Também ao contrário do declarado na decisão em recurso pelo Mmo. Juiz a quo de que no âmbito deste processo executivo a exequente apenas recebeu o valor de 12.572,37€, na verdade, conforme declarado pelo próprio exequente, o executado pagou àquele 12.572,37€ e reestruturou/regularizou a sua responsabilidade junto dele, exequente.
Dito por outras palavras, o exequente declarou nos autos que efectuou um acordo de pagamento com o executado, por virtude do qual recebeu 12.572,37€ e reestruturou a dívida remanescente de 177.514,89€ (190.087,26€ valor do RI - 12.572,37€), o que fez extrajudicialmente, como disse.
O exequente declarou ter efectuado um acordo extrajudicial, podendo ter feito tal acordo no âmbito dos auts, nos termos do artigo 806º e ss. CPCivil, o que, 6.437,02€ reclamada pelo apelante na nota discriminativa de honorários e despesas apresentada nos autos é devida, em face do disposto no artº 50º, 5. e 6. b) da Portaria 282/2013, 29.08., já que o valor recuperado e garantido como consequência e por causa da actividade do Agente de Execução nos autos corresponde ao montante total do crédito exequendo reclamado no requerimento executivo de 190.087,26€.
Sem prescindir,
Na eventualidade de - ao contrário do que é expectável - assim não ser entendido, defendemos que o Agente de Execução apelante terá, pelo menos, direito a receber a remuneração adicional de 2.392,64€, conforme tabela do Anexo VIII da Portaria 282/2013 de 29.08., de acordo com o previsto no artº 50º, 5. e 6. da Portaria 282/2013, 29.08. em função do valor recuperado e garantido de 55.274,88€ consubstanciado nos valores e bens penhorados nos autos, por causa e como consequência dos actos realizados pelo apelante.
10ª Foram violados os princípios e comandos legais que fomos indicando nas conclusões anteriores.»

Respondendo, em conclusão recursiva, alegou o exequente:
«I. Vem o Recorrido, mui respeitosamente, manifestar a sua inteira discordância relativamente às considerações e conclusões constantes das alegações de recurso apresentadas pelo Sr. Agente de Execução, as quais visam a revogação e substituição da decisão proferida nos autos que julgou procedente a reclamação apresentada pelo Exequente/Apelado à nota discriminativa de honorários.
II. De facto, ao contrário do referido pelo Recorrente/Sr. Agente de Execução, bem esteve a referida decisão ao julgar procedente o incidente de reclamação da nota de despesas e honorários suscitado pelo Exequente nos termos do artigo 46.º da Portaria n.º 282/2013, de 29/08 (doravante Portaria).
III. Não obstante a redacção clara da Portaria relativamente aos honorários devidos aos Ilustres Agentes de Execução, o Exequente foi notificado de uma nota discriminativa apresentada pela Sr. Agente de Execução que não se mostrava conforme com o disposto no referido Diploma
nomeadamente quanto à verba “Honorários em função dos resultados obtidos” contabilizada em €6.437,02, o que justificou a sua reclamação.
IV. Como resulta da comunicação junta aos autos pelo ora Apelado em 19.02.2016, no âmbito dos autos principais de execução o mesmo apenas recebeu a quantia de €12.572,37, tendo sido reestruturada a divida remanescente, extrajudicialmente entre as partes, tendo sido requerido o levantamento de todas as penhoras realizadas.
V. Ou seja, para efeitos de aplicação dos n.º 5 e 6 do disposto no art. 50.º da Portaria, apenas haverá que considerar, quando muito, a título de “valor recuperado” o valor entregue pela Executada ao Exequente - €12.572,37 – e não qualquer outro, não se podendo, in casu, atender ao «Valor garantido» dado que o valor dos bens efectivamente penhorados nos autos correspondem a uns saldos bancários de parco valor, não houve qualquer caução prestada, nem foi firmado acordo de pagamento em prestações ou acordo global.
VI. Com efeito, ao contrário do referido pelo Sr. Agente de Execução, que seja do conhecimento do Exequente e dos autos, não foi realizado qualquer: “… bloqueio e penhora de um depósito a prazo do executado no F… no valor de €4.100,00, onerado por contrato de penhor a favor daquele banco, o que ocorreu em 29.10.2015; “… bloqueio e penhora de 10.000 acções do E… depositadas em conta de valores mobiliários do executado no F…, não cotadas na Bolsa de Valores, no valor cotado de €5,00 por acção, no total cotado de €50.000,00, o que ocorreu em 29.10.2015”, não tendo sido lavrado qualquer auto de penhora quanto a tais verbas.
VII. É ainda falso que o Exequente se tenha conformado com a nota remetida pelo Sr. Agente de Execução em 15.01.2016, porquanto, nesse mesmo dia, o Apelado voltou a solicitar nova conta por referência ai valor que se previa recuperar.
VIII. Acresce que, conforme o Exequente/Apelante já salientou na sua reclamação, a remuneração adicional prevista no n.º 5 do art. 50.º da Portaria, destinada a premiar o resultado obtido, só se justificará quando a recuperação ou a garantia dos créditos da execução tenha ficado a dever-se à eficiência e eficácia do Sr. Agente de Execução, não podendo desligar-se da verificação do nexo causal entre a recuperação de valores pelo exequente e as diligências que nesse sentido foram pelo Agente de Execução desenvolvidas.
IX. No próprio Preâmbulo da identificada Portaria, o legislador deixou claro que é devido o pagamento de uma remuneração adicional ao Agente de Execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas.
X. Ora, a reestruturação extrajudicial da divida alcançada entre as partes não se ficou a dever a quaisquer diligências efectuadas pelo Exmo. Senhor Agente de Execução, limitadas, conforme os autos revelam, à penhora de reduzidas quantia em depósito/saldos bancários, sendo que a negociação foi encetada exclusivamente entre as partes, sem qualquer intervenção do Ilustre Sr. Agente de Execução.
XI. Leia-se, nesse sentido, o Acórdão proferido pelo Douto Tribunal da Relação de Coimbra de 03.11.2015, Processo 1007/13.3TBCBR-C.C1 que decidiu que “a remuneração adicional devida ao agente de execução nos termos do art. 50.º da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, não prescinde da verificação do nexo causal entre a recuperação de valores pelo Exequente e as diligências que nesse sentido foram por aquele desenvolvidas”.
XII. E isto quer no caso da reestruturação extrajudicial (como sucedeu), quer no caso de acordo judicial, relativamente ao qual também não seria de se prescindir do necessário nexo causal.
XIII. Sem prescindir, caso assim não se entenda (o que por mera hipótese de raciocínio se concede), sempre será de referir que a atribuição de remuneração adicional no valor de €6.437,02 ao Sr. Agente de Execução sem a existência de qualquer nexo causal entre a actividade pelo mesmo desenvolvida e a recuperação/reestruturação alcançadas, se mostra inconstitucional.
XIV. Com efeito, a conjugação do n.º 5 do art. 50.º da Portaria com a tabela VIII do mesmo Diploma, quando interpretada no sentido de permitir que o Sr. Agente de Execução possa auferir uma remuneração variável nas percentagens aí indicadas, é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso ínsitos no princípio de Estado de Direito democrático consignado no art. 2.º da Constituição da República Portuguesa, bem como por violação do princípio do direito de acesso à Justiça e aos Tribunais, consignado no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que da referida norma resulte responsabilidade para o próprio exequente, o qual, face ao custo desmesurado que poderá ter de suportar com o pagamento ao agente de execução nos casos em que o seu direito de crédito tenha um valor significativo, verá significativa e desproporcionadamente cerceado o seu direito de acesso à justiça sempre que for incerta a existência de bens cuja penhora e venda possa gerar um produto suficiente para aquele pagamento.
XV. Neste sentido, veja-se o recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 02.06.2016 no processo 5442/13.9TBMAI-B.P1 e disponível em www.dgsi.pt, nos termos do qual “III - O artigo 50.º, n.º 5, em conjugação com a tabela VIII, da Portaria n.º 282/2013, interpretado no sentido de permitir que o agente de execução possa pedir de remuneração variável mais de €73.000,00 quando apenas procedeu à penhora de quatro imóveis indicados pelo exequente e hipotecados para garantia do crédito exequendo e, por sua iniciativa, à penhora de um crédito, após o que a execução se extinguiu por acordo de pagamento entre exequente e executado, é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso ínsitos no princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2.º da Constituição.
IV - É ainda inconstitucional por violação do direito de acesso à justiça e aos tribunais na medida em que da referida norma resulte responsabilidade para o próprio exequente, o qual, face ao custo desmesurado que poderá ter de suportar com o pagamento ao agente de execução nos casos em que o seu direito de crédito tenha um valor significativo, verá significativa e desproporcionadamente cerceado o seu direito de acesso à justiça sempre que for incerta a existência de bens cuja penhora e venda possa gerar um produto suficiente para aquele pagamento.
XVI. No entanto, ainda que se entenda (o que por mera hipótese de raciocínio se concede) que o mesmo terá direito a remuneração adicional, não é a constante da referida nota discriminativa de despesas e honorários, ou seja, €6.437,02 (alcançada por referência ao valor da quantia exequenda de €190.087,26 após a penhora e antes da venda [até 160 UC = 16.320,00 x 7,5 % +superior a 160 UC = 173.767,26 x 3 %), mas apenas o valor devido pela recuperação do valor de € 12.572,37, após a penhora e antes da venda (€12.572,37 x 7,5 %), ou seja, €942,93.
XVII. Por tudo quanto fica exposto e por entender que a verba em causa não é devida nos moldes peticionados pelo Sr. Agente de Execução, vem o Apelado/Recorrido pugnar pela manutenção da decisão recorrida, devendo ser julgado inteiramente improcedente a apelação.»

II. Delimitação do objeto do recurso
São as conclusões da alegação recursiva que circunscrevem o âmbito objetivo do recurso (artigo 635º do Código de Processo Civil - CPC). Nesta medida, cumpre apreciar:
- a remuneração adicional devida ao Agente de Execução com a extinção da execução por força de acordo extrajudicial;
- a (in)conformidade constitucional da interpretação do n.º 5 do artigo 50º da portaria 282/2013, de 29 de agosto, à luz dos princípios constitucionais do direito a um processo equitativo e da proporcionalidade.

III. Inter processual relevante
1. Em 19/06/2015 o Banco B…, SA instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa contra C…, SGPS, SA”, apresentando como título executivo uma livrança subscrita pela sociedade demandada no valor de € 188.146,43, acrescido de imposto de selo e juros moratórios, tudo no valor de € 190.087,26 (fls. 2 e 8).
2. O exequente nomeou como Agente de Execução o recorrente D…, cargo que este aceitou (fls. 11.
3. Ordenada a citação do executado, foi a mesma realizada em 28/07/2015 e a executada não deduziu oposição (fls. 10).
4. O Agente de Execução foi notificado em 09/10/2015 de que não foi deduzida oposição à execução e, em 23/10/2015, o exequente requereu o bloqueio e penhora de contas bancárias da executada até ao limite da quantia exequenda e custas do processo.
5. Por email de 06/11/2015 o exequente solicitou ao Agente de Execução a remessa da «conta de custas prováveis, tendo em conta a possível recuperação da quantia exequenda» (fls. 64).
6. Nesse dia 06/11/2015, o Agente de Execução enviou ao exequente a nota discriminativa de honorários e despesas, na qual lançou o valor de 6.437,02€ a título de remuneração adicional (fls. 64 e 65).
7. Em 03/12/2015, o Agente de Execução procedeu à penhora de saldos de contas bancárias da executada no valor de €491,90 (fls. 39 e 40).
8. Em 07/01/2016, o Agente de Execução procedeu à penhora de saldos de contas bancárias da executada no valor de €682,18 (fls. 41 e 42)
9. Em 07/01/2016, o Agente de Execução promoveu junto do E… a identificação de potencial interessado na compra das 10.000 ações do clube, que informou o nome do interessado em 11/01/2016 (fls. 65 vº e 66).
10. Em 15/01/2016 o exequente solicitou ao Agente de Execução informação sobre a conta de custas atualizada, por estar para breve a concretização do acordo, prevendo «recuperar a quantia de cerca de €24.000,00.» (fls. 67).
11. Nesse mesmo dia o Agente de Execução remeteu, de novo, a nota de despesas e honorários, com o lançamento do valor de 6.437,02€ a título de remuneração adicional, e informou estarem em curso negociações para a venda das ações do E… (fls. 67 vº e 68).
12. Em 20/01/2106, o exequente informou o Agente de Execução que «as partes se encontram em avançado estado de negociações, sendo previsível que, em breve, seja possível requerer a extinção da execução (…) solicita-se a V.Ex.ª a imediata suspensão de todas as diligências eventualmente em curso.» (fls. 13).
13. Por requerimento de 19/02/2016, o exequente declarou «que através do pagamento da quantia de €12.572,37, a Executada conseguiu reestruturar a sua responsabilidade junto do Banco Exequente, considerando-se este, no momento, ressarcido», e requereu «a suspensão da execução para posterior liquidação da responsabilidade da Executada com vista à subsequente extinção da instância” e «o levantamento das penhoras concretizadas no âmbito dos autos e consequente devolução, na íntegra, à Executada do que estiver bloqueado/apreendido.» (fls. 16).
14. Em 08/03/2016 o exequente reclamou da nota de honorários e despesas apresentada pelo Agente de execução, por considerar não ser devida a remuneração adicional liquidada (fls. 21 a 29).
15. O Agente de Execução, respondendo à reclamação, defendeu que essa remuneração é devida em função do valor recuperado ou garantido e que foi parte ativa nas diligências que conduziram ao acordo de reestruturação de dívida (fls. 32 a 43).
16. Em 21/06/2016 foi proferida decisão que, atendendo a reclamação do exequente, julgou: « (…) é indubitável que a remuneração adicional não é devida, pelo que o Sr. Agente de Execução deve reformular a sua nota de honorários, nos termos ordenados» (fls. 51 a 55).

IV. O Direito
1. Remuneração adicional devida ao Agente de Execução
Estipula o artigo 50º da portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, que o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados nas tabelas dos respetivos anexos. E, quanto aos processos executivos para pagamento de quantia certa, postula que, no termo do processo, é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função:
a) Do valor recuperado ou garantido;
b) Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido;
c) Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar (n.º 5). Ademais, clarificando o alcance desses conceitos, define como «Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, o entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente; como «Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global (n.º 6).
É em torno destes dois conceitos que se desenrola o litígio de recorrente e recorrido, pois enquanto o exequente entende ser indevida a remuneração adicional, por o Senhor Agente de Execução ser alheio ao acordo de reestruturação de dívida celebrado com a executada, este defende que ela lhe é devida porque efetuou penhoras, encetou negociação para venda de ações penhoradas e o acordo de reestruturação foi alcançado por via dessas diligências que efetivou.
O preâmbulo da referida portaria assinala que o reforço dos valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, visa promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias exequendas, assim estimulando o seu pagamento integral voluntário e/ou celebração de acordos de pagamento entre as partes para pôr termo ao processo. Daí que a previsão do pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução pressuponha que «a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas», o que, aliás, resulta da dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a sua intermediação. O texto do preâmbulo expressa-o, de forma inequívoca, ao exarar: «Procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes, que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução.» Na medida do descrito parece evidente a necessidade da existência de um nexo causal entre a recuperação da quantia que serve de base ao cálculo da remuneração adicional e a atividade desenvolvida nesse sentido pelo Agente de Execução, avaliada à luz das diligências por ele desenvolvidas nesse concreto domínio, entendimento que foi jurisprudencialmente sufragado.[1]
Também a tabela do Anexo VIII daquela portaria, ao descrever o cálculo da remuneração adicional, referencia: «O valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50.º, é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.»
Crê-se que o critério da constituição do direito à remuneração adicional é a obtenção de sucesso nas diligências executivas, sucesso que ocorre sempre que, na sequência das diligências realizadas pelo agente de execução, se consiga recuperar ou entregar dinheiro ao exequente, vender bens, fazer a adjudicação ou a consignação de rendimentos, ou ao menos, penhorar bens, obter a prestação de caução para garantia da quantia exequenda ou firmar um acordo de pagamento, sendo certo que neste último caso o sucesso depende da medida do cumprimento do acordo. Com efeito, ao especificar o caso de incumprimento do acordo de pagamento em prestações ou do acordo global, o legislador (artigo 50º, n.º 8, da predita portaria) preceitua que a remuneração adicional tem em consideração o valor efetivamente recuperado.
Esta posição não foi acolhida pelo acórdão deste Tribunal da Relação[2] que, apelando à exposição de motivos e ao próprio texto da portaria e ao sistema misto de remuneração do agente de execução, que combina remuneração fixa, por ato ou lote de atos praticados, com remuneração variável, só devida a final e cujo cálculo está intimamente ligado ao sucesso da execução, entendeu que a remuneração adicional é sempre devida desde que haja produto recuperado ou garantido, exceto nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado se este efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução. Clarifica que «[E]xcluem-se da remuneração adicional as situações em que a citação antecede a realização das penhoras e o executado efetua o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução, por presumir que nessa situação que, não tendo ainda sido realizadas penhoras e devendo estas realizar-se apenas após a concessão de prazo para o pagamento voluntário, a atuação do agente de execução foi totalmente indiferente para a obtenção do pagamento e não gerou qualquer expectativa em relação à remuneração devida pelo seu envolvimento do processo. Em todas as demais situações em que haja valor recuperado ou garantido, a remuneração adicional é devida, ainda que a extinção da execução decorra de acto individual do devedor (pagamento voluntário), de acto conjunto de credor e devedor (acordo de pagamento) ou mesmo de um acto do próprio credor (desistência da execução, cf. n.º 2 do artigo 50.º)»[3].
Salvaguardando o muito respeito devido por essa posição e o reconhecido mérito dos Ex.mos Relator e Adjuntos, não se sufraga esse entendimento. Ao invés, crê-se que o argumento literal buscado na exposição de motivos da mencionada portaria não contempla o sentido propugnado. Atende, é certo, à mera existência de valor recuperado ou garantido no processo executivo para assegurar o pagamento da remuneração adicional no termo do processo, mas não admite, ao menos de forma inequívoca, que basta a mera existência de valor recuperado ou garantido para assegurar ao Agente de Execução a remuneração adicional, independentemente do nexo causal com a sua atividade.
A terminologia do preâmbulo «a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas» aponta para a exigência desse nexo de causalidade entre o resultado e a atuação do Agente de Execução, ao contrário do enunciado nesse acórdão deste Tribunal. Na verdade, “sequência” tem o significado de “seguimento, sucessão, série” e “seguimento”, por seu turno, tem o conteúdo semântico de “acompanhamento, prosseguimento, continuidade, continuação, consequência”[4]. Daí que se considere que o valor recuperado ou garantido no processo executivo tenha de derivar da atividade do Agente de Execução, mas essa interpretação não permite inferir que qualquer mecanismo de resolução extrajudicial advenha, per se stante, da sua atuação, a impor sempre a remuneração adicional.
Pressentindo alguma improporcionalidade na situação factual que apreciava, o referido acórdão desta Relação acabou por recusar a aplicação do disposto no artigo 50.º, n.º 5, em conjugação com a tabela VIII, daquela portaria n.º 282/2013, com fundamento na sua inconstitucionalidade.
In casu, como o patenteiam os dados factuais relevantes, em 23/10/2015 o exequente requereu o bloqueio e penhora de contas bancárias da executada até ao limite da quantia exequenda e custas do processo. Porém, logo em 06/11/2015 solicitou ao Agente de Execução a remessa da «conta de custas prováveis, tendo em conta a possível recuperação da quantia exequenda» e, nesse mesmo dia 06/11/2015, o Agente de Execução enviou ao exequente a nota discriminativa de honorários e despesas, na qual lançou o valor de 6.437,02€ a título de remuneração adicional, sem estar demonstrado que, até esse momento temporal, tivesse encetado qualquer diligência no sentido do recebimento da quantia exequenda. Só em 03/12/2015, o Agente de Execução procedeu à penhora de saldos de contas bancárias da executada no valor de €491,90; em 07/01/2016, à penhora de saldos de outras contas bancárias da executada no valor de €682,18; e, também em 07/01/2016, solicitou ao E… a identificação de potencial interessado na compra de 10.000 ações do clube. Em 15/01/2016, logo o exequente solicitou ao Agente de Execução nova informação sobre a conta de custas atualizada, alegando estar para breve a concretização do acordo e prevendo «recuperar a quantia de cerca de €24.000,00.». Na sequência do que o Senhor Agente de Execução enviou a nota de despesas e honorários com a liquidação da mesma quantia a título de remuneração adicional. Vale por dizer que, em qualquer caso, o Senhor Agente de Execução entendeu que, independentemente da sua cooperação, qualquer acordo extrajudicial representaria o «valor recuperado» a que alude a citada portaria. Porém, não basta a constatação de que as partes celebraram o acordo e alcançaram uma reestruturação da dívida e quiseram que surtisse efeitos na execução para concluir que o mesmo foi conseguido por força da instauração da execução e das diligências que o agente de execução desenvolveu após essa propositura[5]. Aliás, o exequente não deu a conhecer os termos do acordo/reestruturação da dívida e, ainda assim, o Senhor Agente de Execução liquidou a remuneração adicional em função da quantia exequenda.
Ante o exposto, admite-se a remuneração adicional em função do pagamento alcançado pelo exequente, no valor de €12.572,37, e das penhoras realizadas: penhoras de saldos bancários no valor de €1.174,08 e de 10.000 ações do E…. Para além dessas penhoras, não há qualquer registo de que a atividade do Senhor Agente de Execução tenha permitido, facilitado ou contribuído para a obtenção do acordo, como ele próprio reconhece. Todos os demais atos, citação, notificações e diversificadas intervenções processuais têm uma remuneração específica e não têm, só por si, o alcance de contribuição para a obtenção do acordo extrajudicial, mormente para a atribuição de uma remuneração adicional. Diverso posicionamento antagonizaria a previsão do artigo 50º, 8, da portaria, ao estabelecer que, em caso de incumprimento do acordo de pagamento em prestações ou do acordo global, a comunicar pelo exequente, o agente de execução elabora a nota discriminativa de honorários e despesas atualizada «tendo em consideração o valor efetivamente recuperado», afetando o excesso recebido a título de pagamento de honorários e despesas ao pagamento das quantias que venham a ser devidas, sem prejuízo de, no termo do processo, restituir ao exequente o saldo a que este tenha direito. E se assim é para um acordo gizado a partir do processo executivo, seria inaceitável que um acordo extrajudicial alheio ao processo e sem recuperação da integralidade do valor desse azo a uma remuneração adicional que tenha por base a o total da quantia exequenda. A remuneração do Agente de Execução tem de ser adequada e proporcional, sem exceder o montante razoável e ajustado ao seu envolvimento, esforço e contributo para o resultado do processo executivo.
Não exibem os autos a penhora das ações e, consequentemente, o valor atribuído, nem a alegada penhora de um depósito a prazo no valor de €4.100,00, pelo que não há elementos para proceder à revisão da conta de honorários do Senhor Agente de Execução. Por isso, determina-se a sua reformulação em conformidade com o decidido.

2. (In)constitucionalidade da interpretação normativa
A solução alcançada não viola qualquer dos princípios constitucionais convocáveis, desde o direito a um processo equitativo ao princípio da proporcionalidade.
O direito a um processo equitativo concretiza o princípio fundamental do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, plasmado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP). «O processo equitativo, no sentido de processo justo, ‘fair trial’, ‘due process’, supõe a conjugação de elementos orgânicos e elementos funcionais (relativos ao tribunal - independente e imparcial, mas também à organização e à dinâmica do processo - prazo razoável de decisão da causa) e elementos propriamente processuais ou intra-processuais. A enunciação descritiva dos elementos do processo equitativo, como meio de realização da boa justiça, permite afirmar tanto a complexidade deste direito fundamental, como a estruturação referida ao processo tomado no seu conjunto.»[6]
O direito de acesso aos tribunais plasma a garantia fun­damental traduzida em confiar a tutela dos direitos individuais àqueles órgãos de soberania a quem compete administrar a justiça em nome do povo, o que pressupõe que tal acesso não seja dificultado em função de encargos excessivos, o que necessariamente sucederia numa interpretação como a pretendida pelo apelante, que constrangeria os titulares dos direitos a refrearem a sua realização coativa.[7]
E o princípio da proporcionalidade, também designado da “proibição do excesso”, corolário do princípio da confiança inerente à ideia de Estado de Direito democrático, sagrado no artigo 2º da CRP, postula um juízo de ponderação normativa e concebe que «as medidas legislativas devem ser aptas a realizar o fim prosseguido, ou, mais rigorosamente, devem, de forma sensível, contribuir para o alcançar. No entanto, o controlo da idoneidade ou adequação da medida, enquanto vertente do princípio da proporcionalidade, refere-se exclusivamente à aptidão objetiva e formal de um meio para realizar um fim e não a qualquer avaliação substancial da bondade intrínseca ou da oportunidade da medida. Ou seja, uma medida é idónea quando é útil para a consecução de um fim, quando permite a aproximação do resultado pretendido, quaisquer que sejam a medida e o fim e independentemente dos méritos correspondentes. E, assim, a medida só será suscetível de ser invalidada por inidoneidade ou inaptidão quando os seus efeitos sejam ou venham a revelar-se indiferentes, inócuos ou até negativos tomando como referência a aproximação do fim visado»[8].
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a propósito do artigo 6º, 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, reconheceu que a execução de uma decisão judicial faz parte integrante do direito fundamental a um processo equitativo, recomendando que o processo executivo obtenha um justo equilíbrio entre o interesse do exequente e o interesse do executado.[9]
A observância destes princípios supõe que os encargos com a realização coativa do direito não sejam desmesurados e inibidores da realização do direito por parte dos seus titulares. O sentido interpretativo aqui configurado para o artigo 50º da dita portaria conforma um juízo de constitucionalidade, por obter uma solução proporcionada e razoável quanto aos encargos com o processo executivo, nesta concreta vertente da remuneração adicional do Agente de Execução, e melhor garantir uma tutela jurisdicional efetiva dos interessados na realização coativa dos seus direitos, num fim adequado e proporcionado para garantir os interesses em jogo.
Não obstante a adesão a uma tese que não transporta qualquer juízo de inconstitucionalidade daquela artigo 50º, 5, da portaria em referência, os considerandos acima aduzidos importam a procedência parcial da apelação e a consequente reformulação da nota de honorários apresentada pelo Senhor Agente de Execução relativamente à remuneração adicional.

As custas da apelação são suportadas por apelante e apelado em função do decaimento (artigo 527º, 1, do CPC).

V. Dispositivo
Na defluência do descrito, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação, determinando a reformulação da nota discriminativa de honorários, no tocante à remuneração adicional, em conformidade com o decidido.
Custas do recurso a cargo de recorrente e recorrido de acordo com o vencimento.
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Porto, 10 de janeiro de 2017.
Maria Cecília Agante
José Carvalho
Rodrigues Pires
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[1] In www.dgsi.pt: Ac. RC de 03/11/2015, processo 1007/13.3TBCBR-C.C1.
[2] In www.dgsi.pt: Ac. RP de 02-06-2016, processo 5442/13.9TBMAI-B.P1
[3] In www.dgsi.pt: Ac. RP 02-06-2016, processo 5442/13.9TBMAI-B.P1.
[4] Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 8.ª ed. revista e atualizada.
[5] In www.dgsi.pt: Ac. RC de 03/11/2015, processo 1007/13.3TBCBR-C.C1.
[6] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 17-03-2004, processo 04P230.
[7] Acórdão do TC n.º 538/2014, datado de 09/07/2014.
[8] Reis Novais, Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, págs. 167 e 168.
[9] Recommendation REC(2003)17 do Comité des Ministres aux Etats Membres en matière d’exécution des décisions de justice, https://wcd.coe.int/ViiewDoc.jsp?Ref=Rec(2003).