Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
65775/12.9YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
EMPRESA PRIVADA GESTORA DO SERVIÇO PÚBLICO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA
Nº do Documento: RP2015052165775/12.9YIPRT.P1
Data do Acordão: 05/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: É da competência dos tribunais comuns preparar e julgar uma acção declarativa instaurada por uma empresa privada gestora do serviço público de fornecimento de água e saneamento com vista a obter o pagamento do valor das facturas desse serviço prestado a um particular.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 65775/12.9YIPRT.P1 [Comarca de Aveiro / Instância Local / Estarreja]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.
B…, S.A., com sede em …, Aveiro, requereu procedimento de injunção contra C…, Lda., com sede em Salreu, Estarreja, com vista a obter o pagamento da quantia de €579,35 proveniente de facturas do fornecimento à requerida de água e saneamento.
Frustrada a notificação da requerida, o procedimento foi remetido à distribuição como acção. Após a distribuição, a Mma. Juíza a quo convidou a autora a pronunciar-se sobre a eventual incompetência do tribunal em razão da matéria. A autora pronunciou-se defendendo a competência dos tribunais judiciais. De seguida foi proferida decisão julgando a excepção invocada procedente e consequentemente absolvendo a ré da instância.
Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. Conforme resulta do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), o âmbito da jurisdição administrativa em matéria contratual não depende do carácter jurídico-administrativo do contrato;
2. Não se aplica o artigo 4.º, n.º 1, alínea d) do ETAF, dado não estarmos perante a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos;
3. A alínea f), do n.º 1 do artigo 4.º, apenas atribui competência à jurisdição administrativa para apreciar litígios sobre a interpretação, validade e execução de (i) contractos de objecto passível de ato administrativo, (ii) de contractos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou (iii) de contractos em que pelo menos uma das parte seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão, e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público;
4. Ora, a relação material em litígio é de natureza manifestamente privada, pois é pedido a condenação do cliente/consumidor final, aqui Recorrida, no pagamento de determinado montante referente aos serviços de fornecimento de água e saneamento, sendo a causa de pedir a violação da relação sinalagmática pelo não pagamento do preço acordado, ou seja, não é do foro administrativo e não se alicerça no disposto no art.º 4, n.º 1 alínea f) da ETAF, estando excluída a sua aplicação;
5. O contrato dos autos (contrato de fornecimento de água), para efeitos de critério de justiciabilidade administrativa, é um contrato de consumo, regulado no âmbito do direito privado, de uma relação de consumo, que não se celebra em substituição de qualquer ato administrativo;
6. Apesar de ser objecto de uma regulação específica, está longe de se poder considerar uma regulação baseada em normas de direito público, antes tal regulação é, pelo menos nos anos mais recentes, claramente, a protecção do consumidor no contexto de uma relação de consumo de um serviço público essencial;
7. O contrato dos autos não foi expressamente submetido pelas partes a um regime substantivo de direito público;
8. A competência dos tribunais administrativos em matéria de contractos da Administração latu sensu não depende (apenas) da administratividade, mas antes de outros critérios que inspiram as quatro alíneas do artigo 4.º do ETAF, sobre o âmbito da jurisdição administrativa relativa a contractos;
9. Os contractos de fornecimento de água por empresas como a da Recorrente não entram em nenhum dos preceitos constantes do ETAF, antes ordenam-se no âmbito do direito privado: são contratos de direito privado;
10. Da interpretação do ETAF resulta que, só a ordenação dos mesmos como contractos administrativos seria susceptível de os reconduzir à jurisdição dos tribunais administrativos;
11. Os contractos de fornecimento de água não são administrativos pela simples razão de que não são objecto de uma regulação baseada em normas de direito administrativo; tratam-se de contratos de consumo, em parte regulados por normas que protegem precisamente os direitos dos consumidores/utentes – Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, Lei dos Serviços Públicos Essenciais;
12. Estamos perante uma simples cobrança de dívida civil, por uma empresa privada, regulada pelas regras do direito privado;
13. A Recorrente é uma empresa privada, que não actua munida de poder soberano na sua relação com o consumidor, antes actua, perante este, em situação de paridade;
14. Não está aqui em discussão nem consubstancia o pedido ou a causa de pedir, tal qual foi apresentada pela ora recorrente, a relação entre a Recorrente e os entes públicos indicados no Contrato de Parceria;
15. Muito menos a correcta ou incorrecta determinação do preço devido pela prestação dos serviços;
16. Ou sequer a validade das cláusulas contratuais subjacentes à prestação do serviço não pago;
17. Estamos perante uma acção que tem por objecto o pagamento de valores constantes de facturas, mais juros, nos termos da fruição do uso do contador e da água consumida, pela qual foram emitidas facturas que não se mostram pagas;
18. Uma acção que tem por base uma relação jurídica de direito privado, e consubstancia uma situação de incumprimento das obrigações contratualmente assumidas pela Recorrida;
19. Obrigações que tendo natureza civil, regem-se, pelas normas dos contractos civis, estando em causa a apreciação de pressupostos da responsabilidade e do incumprimento e mora contratuais nos termos da lei civil – arts. 762 e segs, 792 e segs., 806, todos do CC;
20. A sujeição à jurisdição civil em face do incumprimento contratual é similar à que resulta da falta de pagamento de uma factura de electricidade ou de uma factura emitida por operadora de telemóveis ou de comunicações electrónicas – Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, Lei dos Serviços Públicos Essenciais;
21. Aqui o interesse que se satisfaz, com o fornecimento do serviço é o interesse particular do consumidor, ainda que no âmbito da prestação de serviços públicos essenciais;
22. Não se confunda, na apreciação dos presentes autos de recurso, a questão da determinação da qualificação da relação jurídica, ou seja, da criação a B… (que até é uma sociedade anónima constituída nos termos da lei comercial), com a prestação de serviços essenciais através de contractos subordinados ao regime do direito privado, celebrados com os particulares, tal como acontece com os serviços de fornecimento de água, electricidade e comunicações telefónicas, entre outros;
23. Assim, determinada e qualificada a relação jurídica entre a B… e o cliente, isto é, entre a Recorrente e a Recorrida, tal qual foi configurada pelo Autor no processo;
24. Na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram pelo que só será competente o tribunal judicial (comum) se a causa não estiver inserida por lei na competência dos tribunais administrativos;
25. Assim, é perante os termos em que é estruturada a petição inicial que se afere se, atentos os contornos objectivos (pedido e seus fundamentos) e subjectivos (identidade das partes) da acção, a sua apreciação se enquadra na competência dos Tribunais Administrativos ou na competência dos tribunais judiciais comuns;
26. Os actos de gestão privada são, de modo geral, aqueles que, embora praticados por órgãos, agentes ou representantes do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, estão sujeitos às mesmas regras que vigorariam para a hipótese de serem praticados por simples particulares, são actos em que o Estado ou pessoa colectiva pública intervém como um simples particular, despido do seu poder de soberania ou do seu jus imperi.
27. O presente diferendo insere-se estritamente nas relações entre a ora Recorrente e os consumidores/utilizadores, aqui Recorrida, pedindo-se o pagamento das quantias devidas pelo fornecimento de água a que a Recorrida estava obrigada por força do contrato de fornecimento, centrando-se o diferendo no volume e pagamento do preço da água;
28. Baseando-se num contrato que se ordena no âmbito do direito privado.
Pelo que deve ser dirimido nos Tribunais Judiciais, tendo o Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Estarreja competência material para decidir a presente acção.
Foram violados os artigos 64º e 65.º, 96º, 97º n.º 2, 99º n.º 1, 278º n.º 1 al. a), 576º n.º 2 1.º parte, 577º 1 al. a), todos do Código de Processo Civil, bem como o artigo 1.º, n.º 1 do ETAF, e ainda, os artigos 211.º 1 e 212, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa. Não deveria ter tido aplicação o disposto no artigo 4.º do ETAF.
Não houve resposta a estas alegações.
Foram dispensados os vistos.
Cumpre decidir.

II.
A única questão que cabe decidir é se uma acção declarativa instaurada por uma empresa privada gestora do serviço público de fornecimento de água e saneamento, com vista a obter o pagamento do valor das facturas desse serviço prestado a um particular cabe no âmbito da competência dos tribunais administrativos ou antes, por exclusão de partes, dos tribunais judiciais.

III.
Relevam para a decisão os seguintes factos que se apuram dos autos:
a] A Autora é uma sociedade comercial anónima de direito privado, que tem por objecto social exclusivo a exploração e a gestão dos serviços de águas relativos ao Sistema de Águas da Região de Aveiro.
b] Por Contrato de Parceria Pública celebrado em 29.07.2009, o Estado Português e o conjunto dos Municípios de Águeda, Albergaria-a-Velha, Aveiro, Estarreja, Ílhavo, Murtosa, Oliveira do Bairro, Sever do Vouga, Vagos e, por Adenda ao referido Contrato, datada de 30.06.2010, também Ovar, os Municípios decidiram agregar os respectivos sistemas municipais de abastecimento de água para consumo público e de saneamento de águas residuais urbanas, num sistema territorialmente integrado denominado D….
c] Para tanto, os Municípios acordaram delegar no Estado, para exercício no quadro da Parceria, as respectivas competências municipais relativas à gestão e exploração dos serviços públicos de abastecimento de água para consumo público e saneamento de águas residuais urbanas aos utilizadores finais.
d] Pelo Contrato de Gestão celebrado em 23.09.2009, as partes referidas e a B…, S.A., atribuíram à B…, em regime de exclusivo, a exploração e gestão dos serviços públicos de abastecimento de água para consumo público e saneamento de águas residuais urbanas, relativos ao Sistema.
e] Para efeitos da Parceria, os Municípios afectaram ao Contrato de Gestão as infra-estruturas, os equipamentos e os contratos indispensáveis à gestão do Sistema, operando a transmissão, a favor da B…, da sua posição, em todos os instrumentos contratuais outorgados indispensáveis a esta gestão e exploração do Sistema.
f] A Ré celebrou com a Autora, em 08.04.2010, o contrato de fornecimento de água para consumo público e recolha de águas residuais urbanas.
g] A Autora pede na acção que a Ré lhe pague o valor das facturas relativas ao fornecimento do serviço contratado emitidas no período entre 08.04.2010 e 06.03.2012.

IV.
A questão que nos ocupa nos autos tem vindo ultimamente a ser bastante discutida nos nossos tribunais. A jurisprudência divide-se a seu respeito nas duas posições possíveis: parte das decisões sufragam o entendimento de que a competência se encontra legalmente atribuída aos tribunais administrativos, outra parte defende, pelo contrário, que a competência é dos tribunais comuns.
Refira-se que existem outros conflitos judiciais que têm vindo a merecer idêntica discussão alargada sobre a competência em razão da matéria (p. ex. acções de responsabilidade civil contra empresas concessionárias e/ou seguradoras destas; acções relativas a direitos reais de particulares afectados por actos de empresas concessionárias e no exercício da concessão; acções relativas a contratos de contratos de arrendamento de fracções pertencentes ao domínio municipal; acções de reversão de lotes urbanos alienados por municípios ou empresas concessionárias ao abrigo de regulamentos municipais de implantação de zonas industriais), mas cujas soluções, por demandarem a aplicação de normas distintas do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e/ou reclamarem um enquadramento dogmático específico da questão, não são, naturalmente, aplicáveis de forma automática ao caso dos autos.
No caso, repete-se, está em causa saber se uma empresa privada que gere um sistema de fornecimento de água e saneamento, mediante contrato celebrado com a entidade que os municípios abrangidos e o Estado, reunidos em parceria pública, constituíram para a exploração conjunta desse serviço na sua área territorial, deve recorrer aos tribunais administrativos ou antes nos tribunais judiciais ou comuns para obter o pagamento do valor das facturas desse serviço prestado a um particular.
Ninguém questiona que a caracterização do litígio que interessa para a determinação do tribunal competente para dele conhecer é aquela que resulta em exclusivo da configuração que o autor dá à acção, ou seja, a competência tem de ser aferida em função dos elementos objectivos e subjectivos da acção que resultam da petição inicial. Não importa se a acção tem ou não condições de viabilidade, nem se as partes são aquelas que devem estar na acção, importa sim a definição rigorosa das questões que, dado o modo como o autor conformou a sua pretensão, é necessário ao tribunal decidir[1].
Também ninguém questiona que a competência dos tribunais administrativos se encontra especialmente definida e que a competência dos tribunais comuns é definida de forma residual ou por exclusão de partes. São da competência daqueles as acções que estejam especialmente determinadas como tal, são da competência destes as acções que não estejam inseridas no âmbito da competência particular de qualquer outro tribunal.
É o que resulta das seguintes disposições legais:
• Constituição da República Portuguesa:
Artigo 211.º (Competência e especialização dos tribunais judiciais)
1. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.
Artigo 212.º (Tribunais administrativos e fiscais)
3. Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
• Lei n.º 3/99, de 13.01 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais)
Artigo 18.º (Competência em razão da matéria)
1 - São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
• Lei n.º 52/2008, de 28.08 (Nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais[2])
Artigo 26.º (Competência em razão da matéria)
1 - Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
• Código de Processo Civil
Artigo 64.º (Competência dos tribunais judiciais)
São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
• Lei n.º 13/2002, de 19.02 (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ETAF)
Artigo 1.º (Jurisdição administrativa e fiscal)
1 - Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
Como vimos, esta última norma, que concretiza o disposto no citado artigo 212.º da Constituição da República Portuguesa, estabelece aquilo que poderemos designar por critério radical para a determinação dos litígios que são da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal: as relações jurídicas administrativas e fiscais.
É a correspondência do concreto litígio a uma relação desta natureza que justifica a especial competência dos tribunais dessa jurisdição[3]. O que significa, necessariamente, que a interpretação dos diversos normativos que possam particularizar o âmbito dessa competência não pode abstrair da presença daquela relação, melhor dizendo, que na dúvida quanto à interpretação destas normas é àquele conceito que se deve voltar para precisar e definir a sua estatuição.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Anotada, 3.ª ed., p. 805, anotam este preceito afirmando que nele “Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: 1) as acções e os recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público (especialmente administração); 2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico-civil”. Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal”.
Como se escreve no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 21.02.2013, relatado por Pires Esteves, in www.dgsi.pt, “o conceito de relação jurídica administrativa é, pois, erigido, tanto na Constituição como na lei ordinária, em pedra angular para a repartição da jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais. À míngua de definição legislativa do conceito de relação jurídica administrativa, deverá esta ser entendida no sentido tradicional de relação jurídica regulada pelo direito administrativo, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração. Na esteira do que tem decidido a jurisprudência (neste sentido: Acs. do Tribunal dos Conflitos, de 5.6.2008 (Pº 21/06), de 4.11.2008 (Pº 21/07), de 4.11.09 (Pº 6/09), de 20.1.2010 (Pº 25/09), de 9.9.2010 (Pº 11/10) e de 28.9. 2010 (Pº 10/10).), e em conformidade com a doutrina, podemos dizer que são relações jurídicas administrativas «aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido» (Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª ed., 57/58). Em termos semelhantes, Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha entendem que “uma relação jurídica administrativa deve ser uma relação regulada por normas de direito administrativo que atribuam prerrogativas de autoridade ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais, a todos ou a alguns dos intervenientes, por razões de interesse público, que não se colocam no âmbito de relações de natureza jurídico-privada” (in Comentário ao CPTA, 2ª ed., revista – 2007, pág.17).”
Para Sérvulo Correia, in As relações jurídicas administrativas de prestação de cuidados de Saúde, pág. 8, in www.icjp.pt, a relação jurídica administrativa “poderá ser definida como um sistema complexo de situações jurídicas activas e passivas interligadas, regidas pelo Direito Administrativo e tituladas por entidades incumbidas do exercício de uma actividade específica da função administrativa e por particulares ou apenas por diversos pólos finais de imputação pertencentes à própria Administração.”
No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.10.2009, seguindo a opinião de Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, Lições, 8ª edição, pág. 55 e segs., afirma-se que “O conceito de relação jurídica administrativa pode, contudo, ser tomado em diversos sentidos. Em sentido subjectivo, onde se inclui qualquer relação jurídica em que intervenha a Administração, designadamente uma pessoa colectiva, pelo que tenderia a privilegiar-se igualmente um critério orgânico como padrão substancial de delimitação. Já em sentido predominantemente objectivo, abrangeria as relações jurídicas em que intervenham entes públicos, mas desde que sejam reguladas pelo Direito Administrativo. E há ainda um outro sentido, que faz corresponder o carácter «administrativo» da relação ao âmbito substancial da própria função administrativa. Resultaria do contexto constitucional que o domínio considerado próprio dos tribunais administrativos abrange as relações jurídicas que correspondam ao exercício da função administrativa, entendida no sentido material.... Na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito constitucional de «relação jurídica administrativa», no sentido estrito tradicional de relação jurídica de direito administrativo, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração – sobretudo na medida em que considere, como defendemos, que esta definição substancial se refere apenas ao âmbito nuclear ou de princípio da jurisdição administrativa, não excluindo soluções justificadas de alargamento ou de compressão da respectiva competência por parte do legislador.... A determinação do domínio material da justiça administrativa continua, assim, a passar pela distinção material entre o direito público e o direito privado... Lembraremos apenas que se têm de considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público, legalmente definido. A utilização de um critério material de delimitação pressupõe, então, a existência de um regime de administração executiva, em que se define um domínio de actividade, a função administrativa, e, nesse contexto, um conjunto de relações onde a Administração é, tipicamente ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público" (A Justiça Administrativa - Lições - 8ª edição, págs. 56 e segs.). Em concordância com o que se acaba de transcrever, para se estar na presença de uma relação jurídica administrativa torna-se necessário que um dos seus sujeitos (podendo ser os dois) seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público, legalmente definido. A utilização de um critério material de delimitação pressupõe, então, a existência de um regime de administração executiva, em que se define um domínio de actividade, a função administrativa e, nesse contexto, um conjunto de relações onde a Administração é, tipicamente ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público – é por isso que se justifica um sistema de regras e de princípios diferentes das normas de direito privado, que formam uma ordem jurídica administrativa; será aí que se justificará a existência de uma ordem judicial diferente da ordem dos «tribunais judiciais»".
Depois de enunciar o citado núcleo radical da competência dos tribunais administrativos e fiscais, o ETAF contém um elenco não taxativo de situações específicas em que essa competência se afirma, algumas das quais constituem verdadeiras ampliações do que resultaria da aplicação do critério constitucional, enquanto outras parecem reduzi-lo.
O artigo 4.º da Lei n.º 13/2002, de 19.02 (ETAF) estabelece, com efeito, e no que interessa para os autos, que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:
- Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos (alínea d).
- Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público (alínea f).
Na decisão recorrida, de forma pertinente e bem fundamentada, entendeu-se que a presente acção se integra na previsão das duas alíneas citadas. Com todo o devido respeito, discordamos deste enquadramento.
Com efeito, pensamos, não basta dizer que uma determinada contraprestação possa ter a natureza de taxa e que na sua fixação intervêm normas de direito público, designadamente fiscal, para daí concluir que sempre que estiver em causa o pagamento dessa contraprestação a acção respectiva se integra na referida previsão.
Se bem virmos, o objecto da previsão é somente a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos. Quer-nos parecer que a fiscalização da legalidade pressupõe obviamente que no caso tenha sido arguida alguma ilegalidade ou a mesma seja de conhecimento oficioso. Se tal não acontecer, a acção não tem por objecto essa fiscalização, ainda que subjacente ao concreto pedido formulado possa estar um direito em cuja génese possam estar também mas não apenas normas jurídicas.
Ora, ao pedir o pagamento da contraprestação do serviço que prestou, a autora não está, de forma alguma, a questionar a legalidade da fixação da contraprestação ou de algum componente desta. Da mesma forma, quando estabelece a contraprestação, a autora está vinculada a normas legais, mas não está a exercer poderes administrativos, isto é, poderes dotados de ius imperi, está apenas a dar cumprimento ao estabelecido no contrato que lhe atribuiu a gestão e exploração do serviço de fornecimento de águas, no que, como qualquer entidade publica ou privada e em qualquer circunstância, está subordinada à lei e, no caso, ao contrato.
Basta ler a cláusula 7.ª do contrato junto aos autos em virtude do qual a autora passou a deter a qualidade de gestora e exploradora do serviço de águas da Região do Baixo Vouga para verificar que o Regulamento dos Serviços que estabelece as obrigações e poderes da autora e dos utilizadores é aprovado “nos termos da lei” pelos municípios e integrado nos “respectivos regulamentos municipais”. A autora limita-se a elaborar um projecto de regulamento que tem de ser aprovado internamente pelos representantes dos membros da parceria (Comissão Paritária) que são o Estado e os Municípios aderentes e que depois é remetido aos Municípios para que estes, segundo as regras legais de direito administrativo, procedam à respectiva aprovação e integração dos Regulamentos Municipais.
O mesmo se diga quanto às tarifas que, pelo menos no período decorrido até final de 2013, a que respeitam os consumos que estão na origem da acção, foram aprovadas pelos Municípios que integram a parceria criada para gerir e explorar o serviço, cabendo à autora somente o dever de elaborar um projecto tarifário que tem de ser aprovado internamente pelos representantes dos membros da parceria (Comissão Paritária).
Ora no caso não está em causa nenhuma das disposições do Regulamento do Serviço, a sua legalidade ou o modo como ela está a ser aplicada, nem, tão-pouco, a legalidade do Regulamento Municipal do Município de Estarreja ou da composição das tarifas. Está em causa apenas o pagamento do valor da factura relativa ao fornecimento do serviço de águas. E isso é assim, sobretudo, porque o próprio Ministério Público, que contestou a acção em representação da demandada ausente, não suscitou na contestação qualquer questão relativa à legalidade da fixação das tarifas subjacentes à emissão das facturas ou outra qualquer questão de natureza jurídico-administrativa, tendo-se limitado exclusivamente a suscitar a incompetência do tribunal.
Não ignoramos que nos Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 25.06.2013 (Rosendo José) e de 26.09.2013 (Gonçalves Rocha) e 18.12.2013 (Paulo Sá) se fez apelo a essa norma para afirmar a competência dos tribunais administrativos. Todavia, tais Acórdãos foram proferidos em acções em que uma empresa concessionária[4] do serviço público municipal de abastecimento de água pretendia cobrar um “preço fixo” e consumos de água respeitantes a um “contador totalizador” que precede os das fracções e das partes comuns de um condomínio e em que, portanto, estavam em causa, no dizer dos Acórdãos “tarifas, taxas ou encargos resultantes de exigências impostas autoritariamente em contrapartida do serviço público prestado, relação jurídica que é regulada por normas de direito público tributário”.
Ainda que nessas situações isso só fosse assim levando em consideração a defesa apresentado pelos réus, já que só através da contestação se soube que era apenas essa dimensão do pedido do autor que o réu impugnava, o que parece contradizer a afirmação de princípio também constante desses arestos de que a competência deve ser aferida em função da forma como o autor configura a acção, em função da causa de pedir e do pedido eleitos pelo autor, certo é que o caso sub judice não tem esses contornos.
No nosso caso, a causa de pedir é o contrato de fornecimento de água e saneamento e o pedido é constituído pelo pagamento da contrapartida da prestação desse serviço, sendo que na contestação, como referido, não foi suscitada nenhuma questão sobre a forma de composição dessa contrapartida ou a sua legalidade, pelo que de forma alguma irá estar em causa na acção qualquer fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados pela gestora e exploradora daquele serviço público. Aliás, não só não vem aventada, designadamente na contestação do Ministério Público ou na decisão recorrida, como não pressentimos a possibilidade de nos autos se conhecer oficiosamente de qualquer questão a esse respeito.
Desse modo, julgamos que no caso o que se pode equacionar é apenas a aplicação do disposto na alínea f) do artigo 4.º do ETAF, que constitui, aliás, o fundamento de todas as decisões conhecidas que atribuem competência aos tribunais administrativos em situações similares.
Este preceito a atribui a competência aos tribunais administrativos para julgar as acções que tenham por objecto questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos, em três situações distintas: i) tratar-se de contratos de objecto passível de acto administrativo; ii) de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo; iii) de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público (alínea f).
É fora de qualquer dúvida de que no caso não está em discussão qualquer aspecto relativo ao contrato de parceria pública e/ou do contrato de gestão através dos quais o Estado e os Municípios se associaram para gerir e explorar conjuntamente, em regime de parceria pública, o serviço de águas e depois confiaram essa gestão à empresa criada pela parceria para o efeito. Está somente em discussão o contrato de fornecimento de água e saneamento ao utilizador, o qual foi celebrado entre a entidade prestadora desse serviço e um particular que é o consumidor desse serviço.
Na celebração deste contrato não intervieram quaisquer normas de direito administrativo, ou seja, normas que regulem a relação entre a administração e um cidadão ou os direitos deste perante o exercício de poder da administração, o que não significa, contudo, que o fornecimento do serviço contratado esteja desregulado ou seja deixado totalmente à discricionariedade negocial das partes envolvidas. São efectivamente coisas distintas existir regulamentação legal de uma determinada actividade ou um regime legal de determinada relação jurídica ou ainda disposições imperativas que em determinados actos jurídicos as partes não podem afastar, e poder afirmar-se que essa regulação é constituída por normas de direito administrativo.
A água e o saneamento são bens essenciais pelo que o seu fornecimento é de interesse público. Por ser de interesse público esse fornecimento encontra-se abrangido por diversas disposições legais que o regulam, de modo a assegurar a efectiva prestação do serviço e a qualidade que são indispensáveis no fornecimento de um bem com o interesse e a necessidade que as águas têm para a comunidade em geral e os cidadãos em particular. Daí que esse seja um dos serviços previstos na Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, que estabelece as regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem, no seu próprio dizer, “à protecção do utente”.
Todavia, essas disposições legais não têm natureza administrativa ou de direito público. Resulta do n.º 4 do artigo 1.º da referida lei que para efeitos da mesma, ou seja, para efeitos de vinculação às regras a que deve obedecer a prestação do serviço se considera prestador dos serviços “toda a entidade pública ou privada que preste ao utente qualquer dos serviços referidos no n.º 2, independentemente da sua natureza jurídica, do título a que o faça ou da existência ou não de contrato de concessão”.
É assim manifesto que as disposições deste diploma, mais do que serem imperativas, têm em vista a protecção do utente ou consumidor e são aplicáveis independentemente da natureza e da qualidade jurídicas de quem presta o serviço, da qualificação jurídica do contrato no âmbito do qual o serviço é prestado. Não estamos, portanto, perante normas que regulem a relação entre a administração e os cidadãos, entre a função administrativa – na dimensão da prestação de serviços – e a posição de administrados, que definam os direitos e deveres dos cidadãos enquanto tais, isto é, enquanto subordinados ao poder – impositivo – regulatório da administração. Estamos sim e apenas perante normas legais imperativas que regulam o consumo de um determinado bem ou serviço e definem determinados conteúdos mínimos para a sua prestação, não em ordem a definir colectivamente o modo como esse serviço chega à comunidade, mas em definir como cada consumidor em particular dele acaba por beneficiar[5].
Que isto é assim, resulta desde logo da circunstância de as mesmas disposições da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, se aplicarem ao fornecimento de outros bens cuja essencialidade ninguém questiona, como o gás e as telecomunicações, mas relativamente aos quais ninguém defende que os respectivos contratos se rejam pelo direito administrativo ou público.
Esta posição é defendida por Carlos Ferreira de Almeida, in Serviços Públicos. Contratos Privados, Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, volume II, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 122 e123, o qual sustenta que o contrato entre os utentes e os prestadores de serviços públicos essenciais não são contratos administrativos, desde logo, porque a Lei n.º 23/96 “eliminou todos os vestígios de poderes autoritários do fornecedor, substituindo-os por regras de protecção do utente”. Acrescenta que “a natureza administrativa dos contratos não seria compatível com o princípio da neutralidade, que, admitindo embora a natureza pública de alguns fornecedores, não pode conviver com certos princípios da actividade administrativa,.... Se alguns contratos de prestação de serviços públicos não podem deixar de ter natureza privada, o princípio da neutralidade impõe que a natureza privada do contrato não seja afectada pela natureza pública da entidade prestadora.” Mais adiante afirma que “(...) todas as entidades prestadoras dos serviços públicos regulados pela Lei nº 23/96 são fornecedores para o efeito de tais serviços serem considerados de consumo (…)quando o utente deles faça uso não profissional” e conclui que “os contratos de fornecimento a consumidores de serviços públicos essenciais são contratos de consumo”.
Sendo assim, como nos parece, a presente acção não se insere em nenhum das situações previstas na alínea f) do artigo 4.º do ETAF. O seu objecto não é a interpretação, validade e execução de contrato que tenha um objecto passível de acto administrativo, uma vez que estamos perante o fornecimento de um bem ou serviço, não sobre uma actuação de jus imperi da administração geradora de efeitos jurídicos na esfera do particular.
Também não estamos perante contrato que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público, nem tal vem alegado em momento algum ou resulta dos contratos de parceria ou de gestão juntos aos autos.
Finalmente, como procurámos demonstrar, também não estamos perante um contrato especificamente a respeito do qual existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, pois o que existe são normas de direito privado, que regulam o modo de prestação de um determinado serviço ou bem que por ser essencial carece de regulação densa, destinada somente a definir conteúdos mínimos da prestação de modo equivalente ao que sucede com diversos outros serviços igualmente essenciais mas cuja prestação nunca obedeceu aos quadros do direito público, da prestação pela via estadual e da natureza administrativa da obrigação de prestação.
Concluímos, assim, reconhecendo embora que esta questão jurídica oferece bons argumentos para a posição contrária, que no caso concreto da acção que foi submetida a juízo – tal como foi submetida pelo autor e cujo objecto, face à ausência de contestação, delimita o poder de conhecimento e decisão do tribunal que a deverá julgar – não possui nenhuma das características de justifica a especialização da competência dos tribunais administrativos em razão da matéria, não envolve nenhum dos aspectos cuja apreciação pressupusesse a aplicação de normas de direito público, administrativo ou tributário e para o que fosse de exigir a preparação e o conhecimento particular dos juízes dos tribunais administrativos, pelo que cabe na competência dos tribunais judiciais ou comuns.
Procedem assim os fundamentos do recurso, devendo ser revogada a decisão recorrida.

V.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, atribuindo a competência para preparar e julgar a acção ao Tribunal recorrido, revogam a decisão recorrida e determinam o prosseguimento dos autos para julgamento.
Custas do recurso pela parte vencida a final.
*
Porto, 21 de Maio de 2015.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto202)
José Amaral
Teles de Menezes
________________
[1] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.5.2009, in www.dgsi.pt, onde de conclui: “a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados”. Por vezes, no entanto, encontramos arestos onde afirmação aparece feita e depois o objecto da acção é descrito tendo em conta não a petição inicial do autor mas a defesa do réu na contestação.
[2] Diploma que se invoca porque se dá a circunstância de o mesmo já se encontrar em vigor nas chamadas comarcas piloto, onde se inclui a Comarca do Baixo-Vouga que compreende os Juízos de Estarreja onde a acção corre termos.
[3] Cf. Sérvulo Correia, in Impugnação de actos administrativos, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 16, 1999, pág. 11, onde se afirma que a relação jurídica administrativa é “uma cláusula geral através da qual se define o âmbito material do exercício da função jurisdicional do Estado através da ordem jurisdicional administrativa (…)”.
[4] Refira-se que no caso a autora não tem a qualidade de concessionária de um serviço público. A autora é uma sociedade que integra o sector empresarial do Estado e que foi criada pela parceria formada ente o Estado e os diversos Municípios da Região do Baixo-Vouga (Águeda, Albergaria-a-Velha, Aveiro, Estarreja, Ílhavo, Murtosa, Oliveira do Bairro, Sever do Vouga, Vagos e Ovar) para a gestão e exploração dos serviços de águas que servem a área territorial deste conjunto de municípios, tendo por objecto social precisamente essa gestão e exploração em regime de parceria pública, e cujo capital social é detido em 51% pelo Estado, através das E…, S.A. e no restante pelos diversos municípios.
[5] Acompanhamos assim de perto o voto de vencida da Ex.ª Sr.ª Conselheira Fernanda Maçãs lavrado no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 18.12.2013 (Paulo Sá), o qual se louva num parecer do Prof. Pedro Costa Gonçalves que terá sido junto ao Processo de Conflitos n.º 45/13, mas que desconhecemos. No mesmo sentido e apoiando-se no mesmo parecer, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.12.2013 (Fernandes do Vale) que supomos não estar publicado mas foi proferido no recurso do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.02.2013 (Beça Pereira), tendo confirmado a atribuição, aqui decidida, de competência aos tribunais comuns para julgarem as “acções em que uma sociedade, concessionária do abastecimento de água em certo concelho, reclama, daquele com quem contratou fornecer-lhe água, o pagamento relativo aos fornecimentos que alega ter realizado”.