Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | FRANCISCO MOTA RIBEIRO | ||
| Descritores: | CESSAÇÃO DE CONTUMÁCIA JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO | ||
| Nº do Documento: | RP202103102354/11.4TDPRT-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 03/10/2021 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Tendo em vista a realização da audiência de julgamento na ausência de arguido residente no estrangeiro, não pode considerar-se verificada a caducidade da declaração de contumácia, nos termos previstos no art.º 336º, nº 1, do Código de Processo Penal, com a mera notificação pessoal àquele da acusação, do despacho que recebeu a acusação e do despacho que designou data para realização da audiência de julgamento; tal notificação não é equiparável, em termos jurídico-normativos ao conceito de “se apresentar”, contido nesse normativo. II - Nos termos do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 5/2014, «ainda que seja conhecida a morada de arguido contumaz residente em país estrangeiro, não deve ser expedida carta rogatória dirigida às justiças desse país para ele prestar termo de identidade e residência, porque essa prestação não faz caducar a contumácia»; ora, se a prestação de termo de identidade e residência no estrangeiro não faz caducar a contumácia, não o pode fazer a mera notificação pessoal da acusação, do despacho que recebeu a acusação e do despacho que designou data para realização da audiência de julgamento, e, sobretudo, não pode ter lugar a audiência de julgamento na ausência do arguido sem a prévia prestação de termo de identidade e residência. III - Nessa situação, a realizar-se a audiência do arguido na sua ausência, a mesma iria ocorrer de surpresa, porquanto, ao contrário do que é legalmente exigido, o arguido não foi regularmente advertido de uma tal possibilidade aquando da prestação de termo de identidade e residência, nos termos em que o exige o art.º 196º do Código de Processo Penal IV - Essa interpretação seria inconstitucional, porque sem qualquer suporte legal, e assim violadora das disposições conjugadas dos art.ºs 32º, nº 6, e 18º, nº 2, da Constituição. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2354/11.4TDPRT.P1 – 4.ª Secção Relator: Francisco Mota Ribeiro * 1.1. No âmbito do processo nº 2354/11.4TDPRT, que corre termos no Juízo Local Criminal do Porto - Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, a 29-09-2020, foi proferido o seguinte despacho:Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto 1. RELATÓRIO “Sendo assim, e tendo presente o disposto no n.º 3 do art.º 445.º do CPP decido manter a declaração de contumácia do arguido, com todas as consequências processuais e pessoais daí decorrentes. Fica, pois, perante a manutenção da contumácia do arguido, sem efeito, a audiência de julgamento designada. Sem prejuízo, tendo sido notificado para comparecer na diligência e tendo faltado, sem comunicar tempestivamente as razões da ausência vai condenado na sanção de 2 UC.” 1.2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões: “1. Nos presentes autos, o arguido foi declarado contumaz. 2. Apesar da contumácia, foi possível apurar o paradeiro do arguido na Itália e, através das autoridades Italianas, notificá-lo pessoalmente da acusação, do despacho que recebeu a acusação e do despacho que agendou o julgamento para 29/09 e 06/10. 3. Perante a não comparência do arguido, o signatário promoveu que se considerasse a notificação pessoal uma forma de contacto igual ou análoga à apresentação do arguido e, em consequência, a cessação da respetiva contumácia e a realização de julgamento na ausência do arguido. 4. Através do despacho recorrido, o Tribunal da Primeira Instância indeferiu o promovido, mantendo a contumácia do arguido e dando o julgamento sem efeito, por entender que a notificação não é apta a fazer cessar a contumácia. Para o efeito, invocou jurisprudência proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães e de Évora, em aparente desenvolvimento da doutrina fixada no AUJ 5/2014. 5. O AUJ 5/2014 apenas se debruçou sobre a ineficácia das notificações realizadas por via postal de arguido residente no estrangeiro e, consequentemente, na irrelevância da recolha de TIR para efeitos de cessação da contumácia. 6. O AUJ 5/2014 nunca defendeu, direta ou indiretamente, que a notificação de arguido contumaz residente no estrangeiro, por contacto pessoal feito por autoridade oficial estrangeira, não faz cessar os efeitos da declaração de contumácia. 7. O promovido pelo Ministério Público, portanto, não viola, direta ou indiretamente, o dispositivo ou os fundamentos do AUJ 5/2014. 8. A interpretação do despacho recorrido implica a absoluta impossibilidade jurídica (não prática) de notificação de arguidos e a consequente paralisação dos respetivos processos, só porque os arguidos se encontram contumazes e residem no estrangeiro. 9. Não se vislumbra razão justificativa para que, no espaço de justiça europeu, se possa notificar validamente uma sentença mediante contacto pessoal e executar (quase) automaticamente os mais diversos pedidos de cooperação judiciária emanados pelos tribunais dos outros Estados Membros, mas já não se possa confiar um ato tão simples e “corriqueiro” como contactar pessoalmente um arguido e realizar uma notificação. 10. Quando o art.º 336º/1 do Código de Processo Penal refere que a contumácia cessa com a “apresentação” do arguido, esta norma quer-se reportar ao contacto pessoal do arguido com o Tribunal, uma vez que é a falta desse contacto pessoal, traduzido na falta de notificação do despacho que designou data para julgamento, que dá origem à contumácia - art.º 335º/1 do Código de Processo Penal. 11. Ora, existe um claro contacto pessoal entre o tribunal e o arguido quando uma autoridade oficial estrangeira contacta pessoalmente com o arguido e notifica-o da acusação e do despacho que designa data para audiência, uma vez que aquela autoridade funciona como uma mera longa manus do tribunal português, no contexto de um pedido de cooperação internacional. 12. De resto, a contumácia tem uma natureza puramente instrumental: serve para conseguir a notificação dos despachos de acusação e de designação da data para julgamento; pelo que, perante a consecução desse objetivo, esgota totalmente a sua razão de ser. 13. Com todo o respeito, é um total contra-senso entender que a notificação pessoal dum arguido não contumaz residente no estrangeiro permite a realização do julgamento, enquanto que a notificação pessoal do mesmo arguido contumaz já não produz tais efeitos, porquanto a contumácia visa, precisamente, conseguir essa notificação. 14. Pelo exposto, a notificação pessoal realizada nos autos deve levar à caducidade da contumácia, assim se permitindo a realização de julgamento. 15. Perante a “espada” constituída pelo AUJ 5/2014 e a “parede” constituída pela jurisprudência citada no despacho recorrido, a não adoção duma “terceira via” condenará centenas de processos à respetiva prescrição, ao arrepio da eficácia mínima da justiça penal pressuposta num Estado de Direito – art.º 1º da Constituição da República Portuguesa.” 1.3. O Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo nos seguintes termos: “2. A interpretação dominante na jurisprudência, que a decisão ora posta em crise também acolhe, inviabiliza, como realça o recorrente, que arguidos residentes fora de Portugal, mesmo depois de notificados de uma acusação contra si deduzida e da data para o seu julgamento continuem sem ser julgados e venham a beneficiar da prescrição do procedimento criminal, eximindo-se à justiça. 3. A solução preconizada pelo ilustre recorrente acoberta o entendimento de que a apresentação a que alude o art.º 336º nº 1 do C. P. Penal pode ser concretizada não só através da comparência física do arguido no tribunal onde pende o processo, como também se verificará a partir do momento em que o arguido inequivocamente passa a ter conhecimento da existência do processo, da acusação que pende sobre si e da data em que irá ser julgado. De certa forma, é o Estado, o processo, quem se apresenta ao arguido, pelo que a partir daqui nenhuma surpresa pode ser invocada e passa a ser da sua exclusiva responsabilidade estar ou não presente na audiência de discussão e julgamento. Nesta consonância, seduzidos pela solução preconizada pelo recorrente, facilitadora da efetiva realização da Justiça sem encerrar qualquer surpresa para os arguidos, o que seria manifestamente inconstitucional, mas reconhecendo que o texto legal vertido no art.º 336.º, n.º 1 do C. P. Penal não facilita tal entendimento.” 1.4. Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo Ministério Público e os poderes de cognição deste Tribunal, importa apreciar e decidir se a mera notificação pessoal da acusação, do despacho que recebeu a acusação e do despacho que designou data para realização da audiência de julgamento a arguido residente no estrangeiro é suscetível de gerar a caducidade da declaração da contumácia. 2. FUNDAMENTAÇÃO A questão a resolver é meramente de direito e contempla a resposta à seguinte pergunta:Tendo em vista a realização da audiência de julgamento na ausência de arguido residente no estrangeiro, pode considerar-se verificada a caducidade da declaração de contumácia, nos termos previstos no art.º 336º, nº 1, do CPP, com a mera notificação pessoal àquele da acusação, do despacho que recebeu a acusação e do despacho que designou data para realização da audiência de julgamento? A resposta a tal pergunta pressupõe a dada a uma outra: pode uma tal notificação ser equiparável, em termos jurídico-normativos, ao conceito de “se apresentar”, contido naquele mesmo normativo? Recordemos que, na sua matriz original, o regime jurídico que regulava a audiência de julgamento em processo penal exigia, desde logo por imposição constitucional, que esta última se realizasse na presença do arguido. Foi a Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de setembro, que possibilitou a alteração deste estado de coisas quando no seu art.º 15º, nº 3, aditou ao art.º 32º da Constituição da República o atual nº 6, com a seguinte redação: “A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em atos processuais, incluindo a audiência de julgamento.” Ou seja, a partir de tal aditamento ao art.º 32º da CRP, que, recordemos, estabelece as garantias do processo criminal, em especial do arguido, passou a ser possível a realização da audiência de julgamento na ausência deste, mas desde que verificadas as condições legalmente previstas para tal, das quais resultem assegurados os direitos de defesa do arguido. Condições estas que analisaremos mais adiante. Porém, apesar de tal alteração, manteve-se incólume a redação constante do nº 1 do art.º 336º do CPP, relativamente à caducidade da contumácia, isto é, que a mesma só ocorreria, caso o arguido se apresentasse em Tribunal e assim, logicamente, com o sentido e alcance que tal “apresentar” tinha anteriormente à Lei Constitucional nº 1/97, que as alterações em função dela geradas no Código de Processo Penal deixou intocadas. Ou seja, que apresentar (e a lei fala em o arguido “se apresentar”, a ele mesmo, portanto), significa vir o arguido em presença ao Tribunal, ao edifício, ao espaço onde o mesmo funciona, aliás, na decorrência de toda a panóplia de medidas resultantes da declaração de contumácia que a tal o compelem. Presença essa que ocorrerá, seja nos casos em que se apresente voluntariamente, seja naqueles em que for detido, daí a lei usar a disjuntiva “ou”, ao prescrever: “A declaração de contumácia caduca logo que o arguido se apresentar ou for detido”. Em toda congruência com o que, por seu turno, dispõe o art.º 337º, nº 1: “A declaração de contumácia implica para o arguido a passagem imediata de mandado de detenção para efeitos do disposto no nº 2 do artigo anterior…”. Assim como com o nº 2 do art.º 336º, ao dizer que será nesse momento da sua apresentação que se imporá ao arguido a medida de coação de termo de identidade e residência, “sem prejuízo de outras medidas de coação, observando-se o disposto nos nºs 2, 4 e 5 do art.º 58º”, que de outro modo não seria possível. E ainda o nº 3 do art.º 336º, ao prescrever que a declaração de contumácia “implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou detenção do arguido”. Por outro lado, há que ter em conta, por se tratar de arguido residente no estrangeiro, mais concretamente em Itália, que o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 5/2014, estabeleceu a seguinte jurisprudência: “Ainda que seja conhecida a morada de arguido contumaz residente em país estrangeiro, não deve ser expedida carta rogatória dirigida às justiças desse país para ele prestar termo de identidade e residência, porque essa prestação não faz caducar a contumácia”. Ora, se a prestação de TIR no estrangeiro não faz caducar a contumácia, não vemos como a mera notificação pessoal da acusação, do despacho que recebeu a acusação e do despacho que designou data para realização da audiência de julgamento, a possa fazer e, sobretudo, que sem a prévia prestação de TIR possa ter lugar a audiência de julgamento na sua ausência. Sendo certo que a abrir-se uma tal possibilidade, não vemos como a mesma pudesse ficar excluída relativamente a arguido contumaz que, embora não se encontrasse a residir no estrangeiro, nos mesmos termos dos presentes autos viesse a ser notificado pessoalmente da acusação, do despacho que recebeu a acusação e do despacho que designou data para realização da audiência de julgamento, mas sem que em relação a ele tivesse sido obtida regularmente a prestação de TIR, e ainda assim também se considerasse ser possível a realização da audiência de julgamento na sua ausência, como pretende o recorrente. A nosso ver, seria uma subversão do regime legal vigente que, por respeito ao princípio da divisão de poderes, só ao legislador competiria levara a cabo. Recordemos que anteriormente à Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de setembro, era entendimento pacífico que o art.º 32º, nºs 1 e 5 da CRP impossibilitava a realização da audiência de julgamento em processo penal na ausência do arguido. Orientação que tinha a sua génese na Resolução n.º 62/78 da Comissão Constitucional, que declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, por violação do art.º 32.º, nºs 1 e 5 da Constituição, os §§ 1.º, 2.º e 3.º do art.º 418.º do CPP de 1929, e que fez com que o art.º 332º, nº 1, do CPP de 1987[1] viesse estabelecer como obrigatória a presença do arguido na audiência de julgamento, exceto nas hipóteses previstas no artigo 334º, nºs 1 e 2, ou seja, se ao caso coubesse processo sumaríssimo, mas o procedimento tivesse sido reenviado para a forma comum, com os demais requisitos referidos no nº 1, ou nos casos em que o arguido se encontrasse praticamente impossibilitado de comparecer à audiência por idade, doença grave ou residência no estrangeiro, e o mesmo requeresse ou consentisse que a audiência tivesse lugar na sua ausência. Ora, o que veio a suceder com a reforma operada pela Lei nº 59/98, de 25 de agosto, posteriormente consolidada com as alterações impostas pelo DL n.º 320-C/2000, de 15 de dezembro, na sequência da abertura para tal permitida com a alteração à Constituição pela Lei Constitucional nº 1/97, foi alargar os casos de possibilidade de realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, para além daqueles em que tivesse sido o mesmo a requerê-la ou consenti-la, mas tão só quando ao arguido tivesse sido aplicada a medida de coação de termo de identidade e residência, previsto no art.º 196º do CPP, com expressa advertência da verificação futura de uma tal possibilidade, baseada numa série de pressupostos quanto ao modo de realização da sua notificação, e entre eles os seguintes: “c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, exceto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento; d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º”. Daí que os campos de possibilidade de realização da audiência de julgamento estabelecidos no art.º 333º do CPP só possam verdadeiramente ser alcançados em conjugação com o disposto no art.º 196º do mesmo diploma, especialmente a al. d) do seu nº 3. Podendo agora dizer-se que, mantendo o art.º 332º, nº 1, do CPP como regra a obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento, são precisamente as disposições normativas citadas, especialmente a al. d) do nº 3 do art.º 196º, que nos fazem luz sobre o sentido e alcance da exceção aí prevista, por referência aos nºs 1 e 2 do art.º 333º, que autoriza a realização da audiência de julgamento na sua ausência (para além das já referidas dos nºs 1 e 2 do art.º 334º), isto é, e desde logo, nos termos do nº 1, se o arguido se encontrar regularmente notificado, sendo que o regularmente notificado não prescinde da prévia advertência, para que tal notificação opere, para os efeitos do art.º 333º, nº 1 e 2, e assim a realização do julgamento sem a presença do arguido, nos termos e pressupostos aí previstos. Porém, para que tal aconteça é necessário que o arguido haja prestado TIR, e também que para efeitos da notificação mediante via postal simples, nos termos da al. c) do nº 1, do art.º 113, o arguido haja indicado a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha, e também haja sido expressamente advertido de que após a prestação do TIR, nos termos da al. c) do nº 3 do art.º 196º, “as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, exceto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento”, e ainda que, de harmonia com o estabelecido na al. d) “o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º”. Ou seja, será em função do TIR e do prévio aviso e advertência sobre a possibilidade e pressupostos da realização da audiência de julgamento na sua ausência, que esta poderá efetivamente ocorrer, nos termos previstos no art.º 333º do CPP, pois só assim se poderá considerar o arguido “regularmente notificado”, nos termos aí previstos. Sendo assim, e porque o legislador, em conformidade com o disposto no art.º 32º, nº 6 da CRP, quando estabeleceu os novos parâmetros de possibilidade de realização da audiência de julgamento sem a presença do arguido, mantendo o conteúdo normativo do disposto no art.º 336º, nº 1, do CPP, no qual se integra o termo “se apresentar”, com o significado de vir por ele mesmo a estar presente fisicamente no tribunal, não vemos como possa vir agora defender-se que o “apresentar” (com ablação do pronome reflexivo, retirando assim ao verbo o efeito que expressa, da ação do arguido sobre si próprio) pode ser visto também numa dimensão exclusivamente processual, através de uma notificação pessoal, dando-se assim uma interpretação extensiva ao termo apresentar que não tem um mínimo de suporte nos elementos de interpretação disponíveis, porquanto nada permite, nem o recorrente o justifica minimamente, pensar que o legislador ao usar tal conceito, ou ao mantê-lo após a reforma de 1998, quisesse ir além do que dele objetivamente resulta e sobretudo quando uma tal interpretação, além de não ter qualquer apoio na letra da lei, é teleológica e sistematicamente negada com a conjugação das específicas possibilidades normativas de realização da audiência de julgamento do arguido na sua ausência, nos termos supra referidos. Razão por que também seria inconstitucional uma tal interpretação, porque sem qualquer suporte legal, e assim violadora das disposições conjugadas dos art.ºs 32º, nº 6, e 18º, nº 2, da CRP. Sendo ademais pertinente chamar aqui as considerações tecidas na fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 5/2014: “(…) Neste quadro, a contumácia perdeu importância, tornando-se praticamente residual. Ela agora só é aplicável nos casos excecionais em que os arguidos não tenham prestado TIR, nem tenha sido possível proceder à sua detenção ou à prisão preventiva, se admissível, para proceder à sua notificação da data da audiência.” Aí se acrescentando: “Com a sujeição ao TIR, o arguido fica definitivamente ligado ao processo, tomando conhecimento nomeadamente da obrigação de comparecer sempre que para tal for notificado, e da possibilidade de realização do julgamento na sua ausência [art.º 196.º, n.º 3, d), do CPP]. O processo retoma, pois, o seu curso normal, podendo prosseguir os seus termos até final. No entanto, a lei faz depender a prestação de TIR de prévia apresentação em juízo ou detenção do arguido.” Ora, pese embora não seja diretamente aplicável tal acórdão ao caso dos autos, porquanto não está em causa a prestação de TIR no estrangeiro, a verdade é que as razões aí invocadas para determinar a impossibilidade de prestação de tal TIR, valem para a citação pessoal realizada no estrangeiro, quando com ela meramente se pretenda, e sem que haja sido prestado qualquer TIR, conseguir a normal tramitação do processo, e desde logo a cessação da contumácia, porquanto tal solução violaria as garantias de defesa do arguido, nos termos em que as disposições conjugadas dos art.ºs 336º, nº 1, 332º, nº 1, 333º, nºs 1 e 2 e 196º, nº 3, al. d) consagraram, em harmonia com o disposto no art.º 32º da CRP, em especial o seu nº 6, no que ao caso dos autos especialmente importa. Podendo concluir-se que para a realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, nos casos em que o mesmo deva considerar-se regularmente notificado, à luz do art.º 333º, nº 1, é necessária a prévia prestação de TIR. Para que seja prestado TIR é necessário que o arguido se apresente em Tribunal, seja voluntariamente, ainda que compelido pelas medidas inerentes à declaração da contumácia, ou detido. A realizar-se a audiência do arguido na sua ausência, como pretende o recorrente, a mesma iria ocorrer de surpresa, porquanto, ao contrário do que é legalmente exigido, o arguido não foi regularmente advertido de uma tal possibilidade, nos termos em que o exige o art.º 196º do CPP. Como se refere no Acórdão de Fixação de Jurisprudência citado, também no caso dos autos, não se apresentando o arguido, poderá o mesmo ser detido, emitindo-se os respetivos mandados e encontrando-se o mesmo a residir num país da União Europeia, emitindo-se para tal o competente mandado de detenção europeu, desde que para tal se verifiquem os respetivos pressupostos legais, questão que exorbita do objeto do presente recurso. Razão por que irá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. 3. DISPOSITIVO Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo-se na integra a douta decisão recorrida.Sem custas Porto, 10 de março de 2021 Francisco Mota Ribeiro Elsa Paixão ____________ [1] Ver Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 5/2014, Diário da República n.º 97/2014, Série I, de 2014-05-21. |