Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14110/18.4T9PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO PIRES SALPICO
Descritores: PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
CRIME DE RECETAÇÃO NEGLIGENTE
Nº do Documento: RP2023062114110/18.4T9PRT.P1
Data do Acordão: 06/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - A discussão sobre a violação do princípio in dubio pro reo, por regra, situa-se no erro notório a que se reporta o artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo penal, onde o indeferimento se fixa na constatação de que o julgador não expressou formalmente qualquer dúvida.
II - Porém, aquele princípio tem um alcance muito superior, integrando o núcleo central do standard de prova em processo penal, onde o julgador pondera a dúvida na medição e pesagem das probabilidades, sendo o erro de julgamento de facto nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal o campo privilegiado de aplicação do in dubio pro reo.
III - O crime de recetação previsto no n.º 2 do artigo 231,º do Código Penal é negligente, porquanto a expressão legal “faz razoavelmente suspeitar que” se reporta ao homem médio que, pelo juízo da experiência comum, razoavelmente suspeitaria, e não já ao agente típico (neste caso essa expressão suporia uma vincada representação da realidade, e por isso, quase volitiva, no campo da aceitação).
IV - Reportando-se a referida expressão ao homem médio, ela evidencia uma exigência típica sobre o agente, de previsibilidade da realidade, e nessa medida, desse juízo médio só pode emergir um juízo de previsibilidade característico da negligência, e não já o querer, próprio de certo agente em particular.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.Nº14110/18.4T9PRT.P1

X X X


Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:


No processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal do Tribunal judicial da comarca do Porto, realizado julgamento foi proferido acórdão julgando:
Assim, e pelo exposto, acordam os juízes que compõem o Tribunal Coletivo, em julgar a acusação totalmente procedente, por provada, e consequentemente:
A) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de quatro crimes de recetação dolosa p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do Código Penal, por cada um, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
B) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artº 256º, nºs 1, al. d) e 3 do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão;
C) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 3 (três) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período, nos termos do artº 50º, nº 1 e 5, do Código Penal.
D) Condenar o arguido nas custas e encargos do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
E) Nos termos do artº 110.º, n.ºs 1, al. b), 4 e 6 do Código Penal, vai o arguido condenado a pagar ao Estado a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).
*** Parte civil
1. Julgar procedente o pedido cível deduzido pelo demandante BB, por provado e, em consequência, condenar o demandado AA a pagar ao demandante a quantia de €9.772,10€ (nove mil, setecentos e setenta e dois euros e dez cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data de notificação do arguido em 21/05/2022, até efetivo e integral pagamento. Custas do pedido cível a cargo do demandado.
2. Condenar o arguido a pagar à demandante A..., S.A, a quantia que se vier a apurar, em incidente de liquidação de sentença, atinente ao radiador do veículo furtado com a matrícula ..-PE-.., que constitui o facto ilícito objeto dos presentes autos, nos termos do artº 82º, nº 1, do Código de Processo Penal. As custas do pedido são repartidas provisoriamente entre demandante e demandado, na proporção de 90% a cargo da demandante e o restante a cargo do demandado.
* Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal..
*
Não se conformando com a decisão, o arguido AA veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões:
De facto (artigo 412º, nº 3 do CPP)
1º A matéria de facto apurada sob 10, 13, 15, 16, 17, 26, 27, 29 a 32, 39 a 43, 46 a 49, 56, 57, 58, 61 a 66, 67, 75 a 77, é fruto da errada apreciação da prova produzida.
2º Em consequência, impõe-se a impugnação da mesma com vista a que seja corrigida a decisão recorrida e expurgada da matéria dada como provada a sobredita factualidade.
3º A prova que impõe decisão diversa é a seguinte:
Prova documental decorrente do relatório pericial elaborado pelo perito da PJ CC, constante dos autos a fls. 353 a 358 e do relatório complementar de 27.10.2022, CMR e factura do transportados do veículo Mercedes com a matrícula 1-KRK-..1, DAV de fls. 651, informação de fls. 572 a 574,
declarações do arguido AA, prestado em audiência na Ata de 05.09.2022, - ficheiro 20220905100721_16184275_2871451; depoimento da testemunha DD, constante da Ata do dia 04.10.2022 – ficheiro 20221004141636_16184275_2871451; depoimento da testemunha BB, constante da Ata do dia 06.09.2022 – 20221004150547_16184275_2871451- depoimento da testemunha EE, constante da Ata do dia 06.09.2022 – ficheiro
20221004143245_16184275_2871451; depoimento do perito FF, prestado em audiência constante da Ata do dia 17.10.2022 – ficheiro 20221017102247_16184275_2821451
4º Assim, em síntese, os pontos e facto infra indicados estão incorrectamente julgados pelas seguintes razões, atentas as provas acima indicadas:

FACTOS DADOS COMO APURADOS SOB 10,13, 15, 16 e 17
5º BMW matrícula PE foi furtado em 19/20 de Outubro de 2015.
6º O salvado BMW PQ foi vendido a GG, namorada do filho do arguido em 23 Maio 2017 …
7º O arguido reconheceu que comprou algumas peças para esta viatura, tendo afirmado que normalmente comprava as peças em sucatas, designadamente numa de Famalicão e também em Barcelos, comprava como consumidor final.
8º Da acusação e da prova produzida em inquérito e em julgamento não foi possível determinar se as peças provenientes de viaturas furtadas foram levadas a cabo na reparação feita depois de adquirida pelo Arguido, se pelo contrário a viatura já tinha colocada peças furtadas.
9º O perito contraria o vertido no relatório pericial e no que tange com a cava de roda não consegue determinar a origem, i.e. de que viatura a mesma é proveniente e, por maioria de razão se provem de veículo furtado.
10º Por sua vez, no que se refere com a estrutura frontal refere o perito que determinou que provem de viatura furtada, sem resultar do relatório pericial elementos que permitam aferir da razão de ciência desta afirmação, não obstante o referido pelo perito no seu depoimento.
11º Inexiste elemento de prova que permita determinar que o arguido sabia que as peças adquiridas provinham de crime contra o património.
12º Melhor: a acusação refere peças, o acórdão, de entre a estrutura frontal e jantes, tal como exarado na acusação, apenas refere um radiador.
13º A evidência das regras da experiência não acolhem tamanha possibilidade quanto ao acontecer dos factos.

FACTOS APURADOS SOB 26, 27, 29 a 32
14º No tocante ao Mini ..., o arguido referiu que recebeu os bancos à cobrança em sua casa; a forma de aquisição e o preço pago pelo habitáculo não fazia recair qualquer dúvida sobre a sua proveniência.
15º No que concerne com a cava de roda, referida na acusação e omitida na decisão ora impugnada, aponta-se que esta peça não tem qualquer elemento identificativo de que viatura provêm e o próprio perito afirmou que presumiu que era do mesmo veículo das peças do habitáculo, sem prova de suporte.
16º De igual modo não resulta da prova que o arguido tenha comprado estas peças a um preço e em circunstâncias que lhe permitissem pelo menos desconfiar que a sua proveniência era ilícita.
17º Aliás, neste caso, a decisão recorrida descartando outros componentes como a acima mencionada cava de roda dianteira direita e o conjunto de componentes do habitáculo, como refere a acusação, elegeu o forro do chão.
18º Este forro, passível de identificação exactamente igual aos elementos que nem ponderação mereceram, foi o que determinou o preenchimento do tipo de crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231º, nº 1 do CP.
19º E porque os esclarecimentos do perito, conjugados com as declarações do arguido foram a demonstração da impossibilidade de determinação da origem com base num crime contra o património é que se impugna nos presentes termos.

FACTOS APURADOS SOB 39 a 43 e 46 a 49
20º O recorrente, nas suas declarações, esclareceu que comprou o motor na internet por €3.000,00, por indicação de pessoa que não só foi identificada, como até foi inquirida ao abrigo do artigo 340.º do CPP – HH.
21º O valor de aquisição do motor é até elevado para o ano e modelo e foi levado à oficina por terceiro, apesar de ter sido assumidamente comprado pelo recorrente.
22º Com efeito, a testemunha DD afirmou que estava na oficina “foi lá um senhor com uma carrinha entregar o motor, no momento viram se o mesmo estava “bom” e descarregaram o motor”.
23º O motor não tinha qualquer tipo de rasura no número de série o que contraria as regras de experiência no que tange com os motores furtados, como bem sabe este tribunal.
24º A sufragar este entendimento é o próprio perito que refere que o motor não tem qualquer tentativa de adulteração.
25º No que se refere às outras peças da estrutura frontal e que não são da viatura, na verdade o perito CC, admitiu em julgamento que concluiu que as peças da estrutura frontal não são da viatura, mas presumiu que as mesmas eram da viatura furtada por força da data de produção dos componentes.
26º Só que isto não vale como recolha de elemento identificativo das peças que permita afirmar que as mesmas são da viatura furtada.
27º O que é o mesmo que dizer que não há elemento de prova, nem mesmo pericial, que permita dar como provado que tais peças são provenientes de crime contra o património.
28º Tanto mais que existem milhares de peças do mesmo ano de produção e até mês sem se poder assim afirmar que as colocadas na viatura são provenientes/foram obtidas através de um crime contra o património.

FACTOS APURADOS SOB 56, 57, 58, 61 a 65 e 67
29º Nesta matéria há que conjugar a prova documental com as declarações e esclarecimentos do perito produzidas em sede de audiência.
30º Assim, o CMR e a fatura do transportador do veículo Mercedes com a matrícula holandesa 1-KRK-..2 juntos aos autos demonstram que a viatura só veio para Portugal em julho de 2018, não obstante ter sido adquirido em momento bastante anterior.
31º Esta factualidade assenta em prova documental, a DAV constante de fls. 651 que tem como data de entrada 17.07.2018.
32º O recorrente referiu que a viatura já veio reparada do estrangeiro e que foi entregue reparada.
33º Esta declaração colhe corroboração na informação de fls. 730.
34º Aí, em sede oportuna e própria, não se mencionam danos que a viatura no momento da venda tivesse. Ou seja: a viatura apresenta-se sem danos.
35º Aquando da aquisição, em Outubro de 2017 – cfr. matéria apurada sob 54 e 55 – a viatura patenteava danos.
36º Quando veio para Portugal, em Julho de 2018, não, por isso está impugnado o ponto 56 da matéria provada.
37º De resto, dizer que veio para “uma oficina”, quando a oficina identificada é a que se mostra ligada à testemunha DD, é evidenciar uma fragilidade de prova pela sua míngua.
38º A testemunha DD, por seu turno, refere com clareza e assertividade que, tendo reparado viaturas do recorrente, pois era um cliente como qualquer outro, não procedeu à reparação de qualquer viatura mercedes.
39º O que bem se aceita, que não tenha qualquer dano, já que é apenas em Julho de 2018, de acordo com a prova documental, que a viatura chega a Portugal.
40º Pese embora a fundamentação da decisão parecer asseverar que a reparação do veículo Mercedes é da lavra do recorrente, não se pode esquecer as declarações prestadas em audiência pelos intervenientes na aquisição, as testemunhas BB e EE.
41º A caixa de velocidades é uma das peças provenientes de furto e foi substituída pelo stand não existindo prova que o arguido tenha tido qualquer intervenção na sua reparação, bem pelo contrário as testemunhas BB e EE, afirmaram que a viatura foi reparada pelo stand sem intervenção do arguido.
42º A testemunha EE referiu que o arguido afirmou que desconhecia qualquer problema com as peças e que tinha comprado o carro reparado.
43º Esta prova, conjugada com as declarações prestadas pelo arguido, com os esclarecimentos do perito, determinam a presente impugnação.

FACTOS APURADOS SOB 75, 76 e 77
44º O recorrente conduzia na rotunda da ... a viatura Mercedes, ..., de cor ..., matrícula 1-KRK-..1 WDD......1N......, de matrícula portuguesa ..-VD-...
45º O recorrente assumiu a troca das matrículas e nenhuma prova foi produzida que infirme a sua versão - admitiu a troca e justificou a mesma para evitar a contraordenação.
46º O recorrente nenhum motivo tinha para circular com as matrículas estrangeiras, tanto mais que a viatura tinha seguro que apenas é válido se a viatura tivesse aposta as matrículas nacionais.
47º Do que vem se ser dito, o recorrente aponta que a materialidade acima mencionada está erradamente julgada porque, em primeiro lugar, da prova produzida não resulta, por um lado, com clareza a origem das peças colocadas nos veículos, com excepção do radiador colocado no BMW ..-PQ-..; forro do chão, colocado no Mini ..-OL-.. motor colocado no BMW ..-SF-...
48º E, depois, porque não se logra explicitar de quanto foi produzido em sede de audiência, que o recorrente soubesse que as peças eram provenientes de um furto.
49º Na verdade, a tese que sustentava conhecimento tão específico, advinha dos contactos com o filho, materialidade exarada sob os parágrafos 1 a 8 da acusação que não colhem ponderação, a não ser o ponto da matéria não apurada supra transcrita nos exactos termos que consta do acórdão.
50º Se a fonte do particular conhecimento vinha de seu filho, a matéria apurada limita-se a uma afirmação, não se pronunciando sequer quanto àquela materialidade, na medida em que apura o exarado sob 2 da matéria apurada e nada mais, para além do não provado já referido.
51º Não pode, assim, elevar-se à categoria de matéria de facto provada, os pontos acima especificados.
XXX
Constata-se, para além disso
52º A decisão omitiu pronúncia sobre factos que delimitam o objecto do processo e que se mostram exarados na acusação sob os parágrafos 1 a 8.
53º A omissão de pronúncia ainda se estendeu a outra matéria constante da acusação e que se relaciona com as peças alegadamente com origem no produto de crime contra o património.
54º É assim no caso do Mini ... em que a decisão da matéria de facto versa apenas sobre o forro do chão e, não obstante a acusação abarcar a cava de roda dianteira e o conjunto de componentes do habitáculo, o acórdão elegeu o aludido forro, omitindo pronúncia sobre as restantes partes, apesar dos esclarecimentos do perito em sede de audiência.
55º A mesma omissão acompanha a matéria descrita na acusação quanto ao BMW ....
56º Com efeito, o acórdão não se pronuncia quanto a outros componentes alegadamente integrados na reparação de outro veículo para benefício do recorrente e com origem em crime contra o património, como sejam as jantes e a estrutura frontal.
57º No mínimo, a decisão peca por defeito e omite ponderação quanto a determinados componentes, elegendo outros, que nem especificados estavam no libelo acusatório, como seja o radiador e o forro do chão do habitáculo.
58º Com efeito, nos presentes a fonte privilegiada do conhecimento da origem ilícita das peças nem sequer merece ponderação e, a seguir, em sede de perícia, com os esclarecimentos prestados por um lado nada se acrescenta ao conhecimento da origem e, por outro, nem sequer se prova a origem em si.
59º Neste ponto, nem o facto de várias peças terem saído do mesmo veículo furtado, se consegue perceber qual foi o percurso lógico utilizado para chegar a tamanha conclusão.
60º Isto é o que resulta da prova produzida.
61º Se atentarmos no valor do lucro de 5 mil euros, neste ponto para além de não ter sido objecto de prova produzida, não assenta noutro elemento de prova
colhido.
62º É uma afirmação.
63º Destarte, impõe-se levar à categoria de matéria não provada a factualidade impugnada, ante a prova produzida e a sua absoluta incapacidade de determinar o conhecimento prévio da origem de peças em crime contra o património e a impossibilidade de ligar os componentes apostos nos carros apreendidos a veículos objecto de participação por furto.

De direito (artigo 412º, nº 2 do CPP)
Preenchimento do tipo de crime de recetação
64º O arguido foi acusado e condenado por quatro crimes de recetação dolosa p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1 do CP, que é um crime doloso, punível em qualquer das modalidades do dolo.
65º Para a verificação do tipo consagrado no n.º 1 do aludido artigo exige-se que o agente tenha conhecimento efetivo, de “ciência certa”, de que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património (dolo direto ou necessário).
66º Por outro lado, certo é que na modalidade prevista no número um são seus elementos constitutivos a intenção de obtenção de vantagem patrimonial e a ocorrência de dolo direto relativamente à proveniência da coisa.
67º Ora, descendo ao caso em concreto, da matéria de facto dada como provada não resultam factos que permitam afirmar que o recorrente tinha conhecimento de que as peças que adquiriu provinham de veículos que tinham sido furtados aos seus legítimos proprietários.
68º No que concerne com a viatura BMW ..-PQ-.., note-se que a mesma foi objeto de reparação que necessitou da colocação de várias peças; é inequívoco que foi o recorrente que adquiriu todas as peças para a reparação da viatura, tendo apenas sido detetada na mesma o radiador, como sendo uma peça proveniente de viatura furtada.
69º Nessa medida, não se vislumbra que motivação criminosa e que proveito económico poderia o recorrente retirar da aquisição do radiador, uma peça cujo custo como novo no mercado ronda os €175.00 (cento e setenta e cinco euros).
70º Seguro é que de todo o acervo probatório não resulta que o recorrente tenha tido conhecimento do furto da viatura ..-PE-.. e do seu desmantelamento.
71º De igual modo, não foi produzida prova que permita afirmar que no momento em que o recorrente adquiriu o radiador tinha conhecimento que o mesmo provinha de veículo furtado e que adquiriu tal peça a um preço que lhe permitisse antever de tal proveniência ilícita.
72º No que bule com a viatura ..-SF-.. e o motor que o recorrente adquiriu para ali colocar, note-se que toda a dinâmica de aquisição do motor não é compatível com a aquisição de um motor proveniente de furto.
73º Dizem-nos as regras de experiência comum e o conhecimento que brota das decisões em processos similares que, no caso dos motores furtados, quem os vende e quem os adquire, adultera, ou pelo menos tenta adulterar, o número de série e os elementos que o permitem identificar e à sua origem.
74º Assim, se o recorrente tivesse conhecimento de que o motor tinha provinha de viatura furtada não tivesse, como é normal nestas situações, o normal seria adulterar ou pelo menos tentar adulterar, a marcação do motor e os números de série colocados no mesmo, o que no caso não sucedeu.
75º O que vem de ser dito, conflitua com o vertido na decisão recorrida ao percorrer o caminho de que o recorrente sabia que o motor tinha sido resultado da prática de crime contra o património.
76º Relativamente ao forro do habitáculo da viatura Mini com a matrícula ..-OE-.., aponta-se que o recorrente esclareceu as circunstâncias de aquisição do aludido forro, designadamente a aquisição por visualização de anúncio no OLX.
77º Forma de aquisição que foi inclusive a utilizada pelo proprietário do salvado para o vender ao recorrente.
78º O que significa que a aquisição de peças e viaturas on-line nesta plataforma é uma prática comum e, nessa medida, nenhum sinal de alerta suscitou no recorrente a venda naquela plataforma daquela peça.

Preenchimento do tipo de crime de falsificação
79º Tendo por referência a matéria dada como apurada, tal como se encontra exarada sob os pontos 70 a 76 é inquestionável a seguinte realidade:
80º Primeiro, o veículo automóvel da marca Mercedes, modelo ..., cor ..., com o VIN WDD..., à data da importação e antes da atribuição da matrícula nacional ostentava a matrícula estrangeira 1-KRK-..1.
81º Depois, por força do processo de legalização concretizado através da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) nº ..., foi atribuída a matrícula portuguesa ..-VD-...
82º O recorrente no dia 28 de Agosto circulava com o veículo, tendo nele aposta a matrícula estrangeira 1-KRK-..1.
83º Àquela data o processo de legalização estava já concluído e a matrícula portuguesa era ..-VD-...
84º Em suma, a matrícula portuguesa ..-VD-.. e a matrícula estrangeira 1-KRK-..1 diziam respeito ao mesmo veículo marca Mercedes, modelo ..., cor ..., com o VIN WDD....
85º E a falsificação de chapas de matrícula de veículo automóvel, como ilícito criminal, consubstancia-se pela substituição das chapas com número de matrícula dado pela autoridade pública por outras com letras e números ou números e letras diversos, ou pela alteração das letras e números ou dos números e letras de uma chapa com o número de matrícula dado pela autoridade pública de modo a formar um novo número.
86º Nos presentes a fé pública quanto à identificação daquele Mercedes, modelo ..., cor ..., com o VIN WDD..., nunca foi posta em causa.
87º O crime de falsificação de documentos é um crime intencional, isto é, o agente necessita de atuar com “intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”.
88º Ora, no caso, o recorrente na posse do veículo com a matrícula 1-KRK-..1, procedeu à sua regularização com a DAV ..., para que fosse atribuída àquele veículo, uma matrícula portuguesa.
89º A única coisa que fez foi, ciente que não podia deixar de legalizar o veículo para circular em Portugal, com a DAV liquidou – naturalmente – os impostos exigíveis e devidos e obteve a matrícula portuguesa ..-VD-...
90º Não a colocou de imediato – é o único facto que se lhe aponta.
91º Se por um lado não quis ludibriar o Estado, depois de ter legalizado o veículo, também não se alcança como quis tirar benefício ou proveito para si, pois perante a entidade aduaneira não se tinha eximido ao cumprimento das obrigações exigíveis à legalização.
92º O seu comportamento ao não colocar de imediato a matrícula portuguesa não fez perigar a fé pública, a matrícula 1-KRK-..1 tem por referência o mesmo veículo que a matrícula ..-VD-..; esta é a que aquele veículo deve usar em Portugal, por isso o recorrente tratou de as obter.
93º Não se trata de por em causa o valor probatório dos elementos identificativos do veículo, que são documentos autênticos, mas de um comportamento serôdio que não pode preencher o tipo de crime da alínea d) do nº 1 e nº 3 artigo 256ºso CP.
94º A decisão recorrida errou pois ao decidir fazer incorrer o arguido na prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º1, al. d) e nº 3, do Código Penal.

Medida da pena
95º Soçobrando o supra expendido, e subsidiariamente, sempre se dirá que, mesmo que os factos provados se cristalizem, a pena aplicada ao recorrente é desadequada e desproporcional.
96º Vejamos,
97º Em sede de medida da pena a decisão recorrida aplicou a pena de 1 ano e 4 meses de prisão para cada um dos crimes de recetação e a pena de 9 meses de prisão para o crime de falsificação de documento.
98º O crime de recetação previsto no artigo 231º, nº 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
99º O crime de falsificação de documento previsto no artigo 256.º, n.º 1, al. d) e 3, do Código Penal, é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
100º Ora, a gradação da pena para cada crime de recetação não pode adotar uma medida única, porquanto cada crime assume e carece de necessidade sancionatória única.
101º Deve ser aplicada a pena de 11 meses para cada um dos crimes de recetação.
102º No que concerne com o crime de falsificação, atento o facto das matrículas com que a viatura circulava eram efetivamente as anteriores matrículas da viatura, que não se logrou sequer apurar se estavam canceladas no país de origem.
103º O que vem de ser dito determina que a conduta do recorrente não teve como fim obter para si ou prejuízo para outrem.
104º Na verdade, o dolo é diminuto, porquanto o recorrente tinha a consciência que estava a utilizar as matrículas da viatura que constavam da DAV e que eram relativas à viatura e não a outra viatura qualquer.
105º Devia ser condenado em pena de multa de 100 dias à taxa diária de €5,00, no total de €500,00 (quinhentos euros).

106º Do concurso de crimes
107º Assim, in casu a moldura penal situa-se entre o mínimo de 1 ano e 4 meses de prisão (pena parcelar mais elevada) e o máximo de 6 anos e 1 mês de prisão (que corresponde à soma das penas concretamente aplicadas).
108º A moldura deve se situar entre o mínimo de 11 meses e o máximo de 3 anos e 6 meses.
109º Considerando os factos no seu conjunto, as condutas do arguido são homogéneas, praticadas contra ofendidos distintos, sendo que estes foram perpetrados num período de cerca de um ano, e o demais que ficou referido a propósito da determinação concreta das penas, decide-se cominar a pena final e única de dois anos de prisão.
110º A decisão recorrida violou os artigos 40º, 71 e 77 do CP.

Perda de vantagem
111º O Ministério Público, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 110.º, n.ºs 1, al. b), 4 e 6 do Código Penal, promoveu que se declare a perda das vantagens obtidas pelo arguido com a prática dos factos descritos na acusação respeitantes aos crimes de recetação, alegando para tanto que, por cada veículo comercializado o arguido obteve um lucro nunca inferior a €5.000,00, termina pedindo a condenação do arguido no pagamento ao Estado da quantia de 20.000,00 Euros (vinte mil euros).
112º No caso concreto, tendo ficado demonstrado que o arguido obteve uma vantagem patrimonial ilícita, pela venda dos veículos BMW ... com a matricula ..-PQ-.. e Mercedes com a matrícula ..-VD-.., no valor €5.000,00, não pode o tribunal deixar de condená-lo no pagamento ao Estado do valor correspondente a tal vantagem total de €10.000,00 (cfr. o art. 110.º, n.º 4, do Código Penal).
113º A decisão recorrida consagra um caminho que não se percebe, nem se encontra explicado e ou fundamentado, qual seja de que o recorrente obteve um lucro de €5.000,00 (cinco mil euros) com a venda de cada uma das viaturas, por si adquiridas e comercializadas, no caso a viatura BMW ..-PQ-.. e Mercedes ..-VD-...
114º Na verdade, lida e relida a decisão recorrida não se vislumbra de que factualidade dada como provada é que o tribunal a quo retirou o lucro pelo qual o recorrente vendeu as aludidas viaturas.
115º A decisão recorrida violou assim o artigo 110º do CP.
XXX
O recorrente, delimitando o objecto do seu recurso às conclusões acima exaradas, vem requerer a realização da audiência, visto o disposto no artigo 411º, nº 5 do CPP, para proceder à discussão das questões aí suscitadas, designadamente a impugnação da matéria de facto e bem assim o preenchimento do tipo legal dos crimes de recetação e falsificação de documento.
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O Digno Procurador apresentou contra-motivação sustentando em síntese o seguinte:
A – Do objeto do recurso interposto.
Como é consabido, sem prejuízo das questões que, por serem de conhecimento oficioso, nos termos dos arts. 379º, n.º 2 e 410º, n.ºs 2 e 3 do CPP, se impõe ao tribunal ad quem para apreciação e decisão, são as conclusões que os recorrentes extraem da sua motivação que balizam o objeto do recurso, de acordo com o art. 639º. nº 1, do C.P.C., ex vi do art. 4º, do C.P.P. ( cfr. art. 412º, nº 1, do CPP; Ac. STJ, de 3.2.99, in BMJ nº 484, p. 271; Ac. do STJ de 25.6.98 in BMJ nº 478, p. 242; Ac. STJ de 13.5.98 in BMJ nº 477, p. 263; Simas Santos/Leal Henriques in Recurso em Processo Penal, p. 48; Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal Vol. III, 2ª Ed., 2000, p. 335; José Narciso da Cunha Rodrigues in Recursos – Jornadas de Direito Processual Penal/ O Novo Código de Processo Penal, 1998, p. 387; Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado – Vol. V, p. 362 e 363 ).
O recurso apresenta, na essência e em síntese, as seguintes conclusões:
- A matéria de facto apurada sob 10, 13, 15, 16, 17, 26, 27, 29 a 32, 39 a 43, 46 a 49, 56, 57, 58, 61 a 66, 67, 75 a 77, é fruto da errada apreciação da prova produzida;
- A decisão omitiu pronúncia sobre factos que delimitam o objeto do processo e que se mostram inscritos na acusação sob os parágrafos 1 a 8;
- O arguido foi acusado e condenado por quatro crimes de recetação dolosa p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1 do CP, que é um crime doloso, punível em qualquer das modalidades do dolo;
- Para a verificação do tipo consagrado no n.º 1 do aludido artigo exige-se que o agente tenha conhecimento efetivo, de “ciência certa”, de que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património (dolo direto ou necessário);
- Por outro lado, certo é que na modalidade prevista no número um são seus elementos constitutivos a intenção de obtenção de vantagem patrimonial e a ocorrência de dolo direto relativamente à proveniência da coisa;
- Ora da matéria de facto dada como provada não resultam factos que permitam afirmar que o recorrente tinha conhecimento que as peças que adquiriu provinham de veículos que tinham sido furtados aos seus legítimos proprietários;
- Quanto ao facto de o arguido se encontrar a circular na via pública com a matrícula 1-KRK-..1 (antiga matrícula estrangeira atribuída ao veículo automóvel) e não com a matrícula ..-VD-.. (atribuída ao veículo pelas autoridades portuguesas), não colocou “em causa o valor probatório dos elementos identificativos do veículo, que são documentos autênticos, mas de um comportamento serôdio que não pode preencher o tipo de crime da alínea d) do nº 1 e nº 3 artigo 256º do CP”;
- Sem prescindir, a pena aplicada é “desadequada e desproporcional”;
- Quanto à perda de vantagem, “no caso concreto, tendo ficado demonstrado que o arguido obteve uma vantagem patrimonial ilícita, pela venda dos veículos BMW ... com a matricula ..-PQ-.. e Mercedes com a matrícula ..-VD-.., no valor €5.000,00, não pode o tribunal deixar de condená-lo no pagamento ao Estado do valor correspondente a tal vantagem total de €10.000,00”.
O recurso incide, assim, sobre matéria de facto e de direito.
B – Da motivação da resposta.
b.1) Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Sustenta o recorrente que “a matéria de facto apurada sob 10, 13, 15, 16, 17, 26, 27, 29 a 32, 39 a 43, 46 a 49, 56, 57, 58, 61 a 66, 67, 75 a 77, é fruto da errada apreciação da prova produzida”. Depois declara que “A prova que impõe decisão diversa é a seguinte: Prova documental decorrente do relatório pericial elaborado pelo perito da PJ CC, constante dos autos a fls. 353 a 358 e do relatório complementar de 27.10.2022 constante de fls. (…). Declarações do arguido AA, prestado em audiência na Ata de 05.09.2022, - ficheiro 20220905100721_16184275_2871451. Depoimento da testemunha DD, constante da Ata do dia 04.10.2022 – ficheiro 20221004141636_16184275_2871451, na passagem com os ficheiros. Depoimento do perito FF, prestado em audiência constante da Ata do dia 17.10.2022 – ficheiro 20221017102247_16184275_2821451 – na passagem dos minutos.” De seguida passa a reproduzir os mencionados depoimentos, de forma ininterrupta, nas páginas 7 a 58 do recurso. De fls. 58 a 67 tece considerações genéricas sobre a sua análise da prova, para concluir que “impõe-se levar à categoria de matéria não provada a factualidade impugnada, ante a prova produzida e a sua absoluta incapacidade de determinar o conhecimento prévio da origem de peças em crime contra o património e a impossibilidade de ligar os componentes apostos nos carros apreendidos a veículos objeto de participação por furto”.
A forma mais ampla de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto legalmente prevista encontra-se consagrada no art. 412, nºs 3 e 4, do CPP. Esta forma de impugnação exige que se dê cumprimento pontual aos formalismos estabelecidos no 412º, nº 3, als. a), b) e c) e nº 4, do CPP. Torna-se então obrigatório especificar: a) Os pontos de facto que se considera incorretamente julgados; b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas; d) As especificações previstas nas als. b) e c) fazem-se com referência aos suportes técnicos, havendo lugar à transcrição. O tribunal de recurso, quanto se pretende impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, não tem que reexaminar toda a prova produzida, mas apenas aquela que o recorrente concretiza e que indica como deficientemente apreciada. Impõe-se, portanto, ao recorrente, o ónus de proceder a uma tríplice especificação, como se explica no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 19.11.2014, relator Ernesto Nascimento, proferido no Proc. nº 1006/10.7PIPRT, da 3ª Secção do 1º Juízo Criminal o Porto (não publicado): “A exigência de na motivação do recurso sobre a matéria de facto se dever especificar os concretos pontos de facto que se considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, deve ser, nesta conformidade, entendida, como, apenas se satisfazendo, com: .a indicação do facto individualizado que consta da decisão recorrida e que se considera incorretamente julgado e, .a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Será insuficiente, no que a este último requisito, se refere, a indicação genérica de um determinado depoimento. O recorrente deve explicitar por que razão essa prova impõe decisão diversa da recorrida. Esta exigência de concretização visa impor quem a quem recorre a obrigação de relacionar o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que considera incorretamente julgado”. Sucede que o recorrente não explica que concretas provas, e por que razão essas específicas provas, impõem “decisão diversa da recorrida”.
Não estabelece, como devia, uma ligação direta, percetível, entre os concretos factos, individualmente considerados, que considera incorretamente julgados, e o conteúdo específico dos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida, explicitando por que razão essas provas impõem essa decisão diversa. Inexiste, pois, um relacionamento direto do conteúdo específico dos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida, com os factos individualizados que considera incorretamente julgado. Não dá, por isso, cabal cumprimento ao disposto na al. b), do nº3, do art. 412º, do CPP, ao ónus de impugnação especificada, circunstância que, desde logo, determina a improcedência do recurso no que se reporta à impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Sem prescindir, sempre se acrescenta que uma outra circunstância, de cariz substancial, milita contra a argumentação expendida pelo recorrente. O recurso tem a sua argumentação essencialmente escorada nas declarações prestadas pelo arguido, ou seja, na versão que o mesmo apresentou. Contudo o tribunal a quo não atribuiu credibilidade, naquilo que se apresentava como fundamental para a decisão da causa, a essas declarações, como claramente se percebe através da leitura do seguinte excerto decisório: “O tribunal baseou a sua convicção, relativamente aos factos considerados provados, nos seguintes meios de prova, livremente apreciados (art. 127º do CPP):
Nas declarações prestadas pelo arguido em audiência de julgamento, tendo confessado todos os factos descritos na acusação, com exceção das peças determinadas nas perícias como pertencentes aos veículos furtados, que apesar de ter declarado que as comprou como peças usadas, alegou que desconhecia a proveniência ilícita das mesmas. A versão do arguido não mereceu credibilidade para o tribunal.” Na douta decisão em crise explica-se, de forma cabal, a razão pela qual, nessa parte, não foi atribuída credibilidade às declarações prestadas pelo arguido: “pois face à prova pericial e testemunhal produzida em julgamento, o tribunal formou convicção segura de que o arguido sabia que as peças que mandou colocar nos quatro veículos eram provenientes de veículos furtados. Na verdade, é muita coincidência que o arguido tenha adquirido (como alega), em momentos diferentes, peças de veículos furtados. Assim, relativamente ao veículo BMW com a matrícula ..-SF-.., tendo o veículo sido reparado duas vezes, a primeira com a reparação das peças da parte frontal da viatura e, num segundo momento, a substituição do motor, sendo que todas as peças pertencem ao veículo furtado com a matrícula ..-QD-... Por outro lado, o veículo Mercedes com a matrícula ..-VD-.. foi comprado pelo arguido na Holanda, e reparado no estrangeiro (como o arguido alega) com peças do veículo Mercedes com a matrícula BE-...... furtado em Portugal. E, após a viatura ter sido transportada para Portugal, o arguido mandou colocar a caixa de velocidades pertencente aquele veículo furtado. Em conclusão, o arguido dedicou-se à compra de peças de veículos furtados, por serem mais baratas, para dessa forma proceder à reparação dos veículos salvados que adquiriu e, desta forma, obteve maior lucro com as vendas a terceiros. Assim, o tribunal fundou a sua convicção, na análise da prova documental, pericial e testemunhal, nos termos que passamos a analisar criticamente, por veículo automóvel.” E é esta realidade probatória que o arguido, nem em sede de audiência, nem em sede de recurso, conseguiu explicar. É que a testemunha DD, mecânico, que efetuou a reparação das viaturas BMW e Mini ... a pedido do arguido, declarou, em audiência de julgamento, que as peças novas que foram colocadas nos veículos foram adquiridas pela oficina, mas que as demais, que eram usadas (e furtadas, como se apurou através das perícias), foram entregues pelo arguido, designadamente o motor que depois foi instalado na viatura BMW.
Por outro lado, o arguido em momento algum conseguiu justificar a razão pela qual em relação ao Mercedes ..., com a matrícula belga 1-KRK-..1 (e a que foi posteriormente atribuída a matrícula portuguesa ..-VD-..), que adquiriu no dia 25 de outubro de 2017 na Holanda (comprovadamente), e declarou ter reparado ainda no estrangeiro (Bélgica), a reparação no estrangeiro foi realizada com a utilização de peças furtadas (caixa da direção; dois airbags; bateria de arranque) ao veículo com a matrícula BE-......, que por sua vez havia sido furtado de 22 para 23 de outubro de 2017 na Póvoa do Varzim. Como justifica a reparação no estrageiro com peças de um veículo furtado em Portugal? Como justifica que o veículo, na segunda e posterior reparação de que foi objeto, já em Portugal, tenha sido de novo reparado com o recurso a peça (caixa de velocidade) da viatura furtada com a matrícula BE-......?! É que esta segunda reparação efetivamente ocorreu em Portugal, pois o potencial comprador da viatura (EE) deslocou-se com a mesma a uma oficina da marca Mercedes para confirmar se a reparação tinha ocorrida e se estava bem realizada. Como explica o arguido esta absolutamente extraordinária coincidência? A resposta é singela: não explica. E já agora, como explica o arguido a improbabilidade estatística de ter adquirido quatro viaturas automóveis danificadas (salvados) para as reparar e depois vender e, não sendo todas reparadas no mesmo local e no mesmo momento, nas quatro terem sido utilizadas nas respetivas reparações peças de viaturas automóveis furtadas? Uma vez mais, não explica. E, já agora, por que razão não possui qualquer documento relativo à aquisição das peças, que declara ter adquirido de forma legítima?
Temos, assim, que o recorrente se limita a criticar a convicção alcançada pelo tribunal a quo, contrapondo a esta a sua própria, e distinta, convicção, limita-se a colher dos elementos probatórios disponíveis aqueles que lhe servem para escorar a narrativa alternativa que pretende construir, ora tal exercício dificilmente pode preencher a exigência legal prevista no art. 412º, nº 3, al. b): indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. A predita norma exige a indicação das concretas provas que impõem decisão diversa, e não a indicação das concretas provas que permitem decisão diversa da recorrida, como parece entender o recorrente. Não basta que o recorrente pretenda fazer uma revisão da convicção obtida pelo tribunal recorrido através de uma argumentação que permita concluir que uma outra convicção era possível, exige-se-lhe que indique prova que imponha uma outra convicção, e isso o recorrente não faz. Concluindo, o recorrente, por um lado, não observa o ónus de impugnação especificada, o que desde logo vota a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto ao fracasso como, por outro lado, aprecia a prova e valora-a de forma totalmente alheada das regras da experiência comum e da lógica. Finalmente, compre acrescentar que o juízo decisório da matéria de facto ínsito no douto acórdão só seria suscetível de ser alterado se a sua fundamentação, de forma clara e objetiva, se apresentasse como desrazoável, arbitrária, perante a totalidade da prova produzida, em virtude da prova indicada e analisada pelo recorrente. Tal circunstância não se verifica. Deve, em consequência, prevalecer a valoração da prova de quem julga com objetividade sobre a valoração dessa mesma prova efetuada por quem é julgado.
b.2 - A decisão omitiu pronúncia sobre factos que delimitam o objeto do processo e que se mostram exarados na acusação sob os parágrafos 1 a 8.
Conforme estabelece o art. 379°, n.º 1, al. c), do CPP, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Como uniformemente tem sido entendido no Supremo Tribunal de Justiça, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas e que, como tal, tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos sujeitos processuais na apresentação das respetivas posições, na defesa das teses em presença. Ao contrário do parece entender o recorrente, a omissão de pronúncia reporta-se a “questões” e não a “factos”, e sobre “questões” que se apresentem como relevantes para a boa decisão da causa. Não é esse, manifestamente, o caso, como se passa a demonstrar. Argumenta o recorrente que o tribunal a quo não se pronunciou sobre a cava da roda dianteira e sobre o conjunto dos componentes do habitáculo do Mini ... e, finalmente, sobre as jantes e estrutura frontal do BMW. Embora conste da acusação, efetivamente não consta do elenco dos factos dados como provados ou não provados que essas peças, com as quais foram reparados os indicados veículos, fossem furtadas. Como bem sabe o recorrente, pois questionou o conteúdo da perícia, circunstância que determinou que o perito fosse convocado para prestar esclarecimentos em audiência de julgamento, este, relativamente às referidas peças, afirmou que podia apenas fazer um juízo de probabilidade de que provinham dos veículos furtados, mas que não tinha absoluta certeza. E, como bem sabe o recorrente, essa é a razão pela qual não constam dos factos provados. Deviam constar do elenco dos factos dados como “não provados”? A resposta é afirmativa. Mas qual é a relevância penal dessa “correção” do quadro factual? Nenhuma, pois não tem qualquer reflexo, quer em termos de culpabilidade (condenação ou absolvição), quer em termos de determinação da sanção (irrelevante para a determinação da espécie e medida concreta da pena). São, portanto, factos inócuos, espúrios, irrelevantes para a boa decisão da causa. Não tendo relevância jurídica, não se vislumbrando que efeito juridicamente útil o recorrente pretende obter com a sua apreciação, não deve, nesta parte, o recurso ser conhecido pelo tribunal ad quem, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual inútil, o que contraria os princípios da utilidade, economia e celeridade processual – arts. 2º, nº 1 e 130º, ambos do CPC, ex vi art. 4 do CPP. Mais argumenta o recorrente, ainda no âmbito da alegada “omissão de pronúncia”, que esta determinou que relativamente aos veículos Mini ... e BMW ... não se apurasse o lucro obtido pelo arguido. Com o devido respeito, não há aqui qualquer “omissão de pronúncia” ou qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (vício decisório previsto na al. a), do nº 2, do art. 412, do CPP). Como claramente flui da leitura dos factos provados 25 a 28 o veículo Mini ... nunca chegou a ser colocado à venda: quando foi apreendido estava na posse do arguido. Já o veículo BMW ... foi colocado à venda, mas nunca chegou a ser vendido, tendo sido apreendido a II, gerente do stand automóvel onde o filho do arguido o havia colocado à venda, como resulta da simples leitura dos factos provados 37 a 45.
Logicamente o tribunal a quo não deu (nem podia), relativamente aos mesmos, como provado que o arguido obteve um lucro nunca inferior a 5.000,00€ com a venda de cada um dos veículos. Donde, também neste capítulo carece o recorrente de razão.
b.3) Da insuficiência dos factos dados como provados para a integração da totalidade dos elementos típicos do crime de recetação.
Sustenta o recorrente que da “matéria de facto dada como provada não resultam factos que permitam afirmar que o recorrente tinha conhecimento de que as peças que adquiriu provinham de veículos que tinham sido furtados aos seus legítimos proprietários”. Nos termos do artigo 231º, nº 1 do Código Penal “Quem, com intenção de obter para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, a receber em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou por qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias”. Dos factos dados como provados com os nºs 15 a 18, 28 a 32, 46 a 49 e 62 a 65 extrai-se a conclusão que o tribunal a quo deu como assentes factos que transmitem que o arguido adquiriu as peças de automóvel que haviam sido obtidas através do furto de viaturas. Com efeito, foi dado como provado que “O arguido estava ciente que os objetos comprados não pertenciam aos vendedores/detentores e que estes haviam acedido à posse dos mesmos mediante a prática de atos lesivos do património alheio” e que “Não obstante esse conhecimento, não se coibiu de ficar na posse desses artigos, a fim de obter para si vantagem de conteúdo patrimonial, como de facto obteve”, dando-se ainda como provado que “O arguido aceitou adquirir aquele material – proveniente da prática de crime contra o património - para daí retirar vantagem de conteúdo patrimonial ilícito” Deve, pois, também neste ponto improceder o douto recurso.
b.4) Da inexistência do crime de falsificação de documento.
Afirma o recorrente, quanto ao facto de se encontrar a circular na via pública com a matrícula 1-KRK-..1 (antiga matrícula estrangeira atribuída ao veículo automóvel) e não com a matrícula ..-VD-.. (atribuída ao veículo pelas autoridades portuguesas), que não colocou em causa o valor probatório dos elementos identificativos do veículo, que são documentos autênticos, apenas teve um “comportamento serôdio que não pode preencher o tipo de crime da alínea d) do nº 1 e nº 3 artigo 256º do CP”. Contrariamente ao defendido pelo recorrente, a chapa de matrícula de um veículo automóvel, depois de nele aposta, enquanto sinal que identifica e revela que foi feita a matrícula e que o respetivo número é o que dela consta, constitui um documento com igual força à de um documento autêntico, para efeitos do crime de falsificação. Quanto ao alegado “comportamento serôdio”, o mesmo não tem a virtualidade de afastar a responsabilidade criminal do arguido, já que este não integra qualquer uma das causas de exclusão da culpa ou da ilicitude previstas no Capítulo III do Código Penal. Em síntese, o arguido quis manter no seu veículo automóvel chapas de matrícula que ostentavam um número distinto do número de matrícula que, entretanto, tinha sido atribuído aquele concreto veículo pelas competentes autoridades portuguesas. Como tinha sido ele a requerer a atribuição dessa nova matrícula, como teve pleno conhecimento da atribuição dessa nova matrícula, tinha necessariamente conhecimento que as chapas colocadas no veículo ostentavam um número de matrícula falso. Ademais, não se coibiu de circular com o veículo na via pública.
Derradeira nota: após o acidente o arguido fez constar da declaração amigável que preencheu não o número de matrícula que as chapas ostentavam (matrícula estrangeira), mas o número de matrícula verdadeiro, atribuído pelas autoridades portuguesas. E, obviamente, fê-lo por ter uma clara noção de que a sua conduta era proibida e punida por lei, tanto mais que é agente da PSP, logo tem particulares conhecimentos nessa matéria, decorrentes da sua atividade profissional.
b5) Da pena “desadequada e desproporcional”.
O crime de recetação previsto no artigo 231º, nº 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. O crime de falsificação de documento previsto no artigo 256.º, n.º 1, al. d) e 3, do Código Penal, é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias. Na decisão recorrida foi imposta a pena de 1 ano e 4 meses de prisão para cada um dos crimes de recetação e a pena de 9 meses de prisão para o crime de falsificação de documento. Foi, por isso, face às molduras penais previstas para cada tipo de crime, leniente o tribunal, impondo penas concretas que se situam bastante aquém do meio da pena de prisão admitida para cada crime. No que concerne às penas concretas impostas pela prática dos crimes de recetação o recorrente alega que “a graduação da pena para cada crime de recetação não pode adotar uma medida única, porquanto cada crime assume e carece de necessidade sancionatória única” E imediatamente, sem qualquer fundamentação, em clara contradição com o argumento apresentado, conclui que “deve ser aplicada a pena de 11 meses a cada um dos crimes de recetação”.
Ficamos sem saber a razão de fundo que justifica a imposição da concreta pena de 11 meses. Acresce que, ao longo da sua motivação, o recurso omite um facto relevante: o arguido, ora recorrente, é agente da Polícia de Segurança Pública, daí que não faça qualquer sentido o argumento de que o mesmo atuou com um “dolo diminuto”. Quer as penas parcelares encontradas pelo tribunal a quo, quer a pena única, apresentam-se como perfeitamente adequadas ao caso e, se alguma crítica lhes pudesse ser dirigida, seria sempre no sentido do agravamento, e não da redução.
b 6) Da perda de vantagem.
Defende o recorrente que a perda de vantagem decretada deve reduzir-se de €10.000,00 para €5.000,00. Consta da fundamentação do douto acórdão sob recurso que “No caso concreto, tendo ficado demonstrado que o arguido obteve uma vantagem patrimonial ilícita, pela venda dos veículos BMW ... com a matricula ..-PQ-.. e Mercedes com a matrícula ..-VD-.., no valor €5.000,00, não pode o tribunal deixar de condená-lo no pagamento ao Estado do valor correspondente a tal vantagem total de €10.000,00 (cfr. o art. 110.º, n.º 4, do Código Penal), E assim foi decidido que “Nos termos do artº 110.º, n.ºs 1, al. b), 4 e 6 do Código Penal, vai o arguido condenado a pagar ao Estado a quantia de €10.000,00 (dez mil euros)”. Na realidade deveria constar do texto da decisão que o “arguido obteve uma vantagem patrimonial ilícita de no valor €5.000,00 pela venda de cada um dos veículos BMW ... com a matricula ..-PQ-.. e Mercedes com a matrícula ..-VD-..”.
É que é isso o que resulta da análise dos factos dados como provados com os números 13 e 61: pela venda de cada uma das indicadas viaturas automóveis o arguido obteve um lucro nunca inferior a €5.000,00. Trata-se, por isso, de um manifesto lapsus calami, não da parte decisória do acórdão, mas sim do extrato da sua fundamentação acima reproduzido. Tratando-se de um lapso cuja eliminação não importa modificação essencial do acórdão, impõe-se a sua correção pelo tribunal competente para conhecer do recurso, nos termos do art. 380º, nº 1 al. b), e nº 2 do CPP, não devendo o erro ser tratado como “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício decisória previsto no art. 410º, nº 2, al. b), do CPP, desde logo por não se apresentar como insanável, pois pode facilmente ser ultrapassado pelo tribunal ad quem. Deve, atento o que precede, também neste ponto improceder o douto recurso, mantendo-se o decidido quanto à perda de vantagem.
III – Conclusões.
1 - O recorrente pretende impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto pela via mais ampla, consagrada no art. 412º, nºs 2 e 4, do CPP.
2 - Sucede que não explica que concretas provas, e por que razão essas específicas provas, impõem decisão diversa da recorrida.
3 - A inobservância do ónus de impugnação especificada determina a improcedência do recurso neste ponto.
4 - Adite-se que a crítica dirigida à decisão revidenda tem como único alvo a convicção em que essa decisão assenta logo, não resultando do texto da decisão que o tribunal a quo agrediu as regras da experiência comum, ou que analisou a prova de forma arbitrária, ou proferiu uma decisão não motivada, o recurso está fatalmente votado ao fracasso.
5 – Mais defende o recorrente que a decisão omitiu pronúncia sobre factos que delimitam o objeto do processo, de novo sem razão, pois o acórdão não padece da nulidade prevista no art. art. 379°, n.º 1, al. c), do CPP.
6 – Efetivamente, nem os factos “omitidos” se apresentam como relevantes, essenciais, para a boa decisão da causa, já que, pelo contrário, são inócuos, quer em termos de aferição da culpabilidade, quer em termos de determinação da sanção, como, no restante, inexiste qualquer “omissão”, pois estão claramente plasmados nos factos dados como provados.
7 - Sustenta o recorrente que da “matéria de facto dada como provada não resultam factos que permitam afirmar que o recorrente tinha conhecimento de que as peças que adquiriu provinham de veículos que tinham sido furtados aos seus legítimos proprietários”.
8 – Contudo dos factos provados conclui-se o contrário.
9 – Defende, também, no que respeita às matrículas colocadas no veículo, distintas das matrículas que lhe foram atribuídas, que apenas teve um “comportamento serôdio que não pode preencher o tipo de crime da alínea d) do nº 1 e nº 3 artigo 256º do CP”.
10 – O arguido é agente da Polícia de Segurança Pública, foi quem requereu a atribuição de matrícula portuguesa ao veículo, sabia que a matrícula portuguesa já estava atribuída (foi notificado dessa decisão), contudo não alterou a chapa de matrícula em conformidade e continuou a circular com o número de matrícula originalmente atribuído ao veículo no estrangeiro, cometeu, assim, o crime previsto no art. 256º, do CP.
11 – Contesta, ainda, o recorrente, as penas impostas, parcelares e única, mas ou não fundamenta as alterações que propugna, ou quando o faz os argumentos adiantados não colhem.
12 – As penas encontradas pelo tribunal a quo, quer as parcelares, quer a única, apresentam-se como perfeitamente adequadas ao caso, logo devem ser mantidas.
13 – Encerra o recurso com a alegação que a perda de vantagem decretada deve reduzir-se de €10.000,00 para €5.000,00.
14 – Alicerça essa pretensão num lapso de escrita que se verifica na fundamentação do acórdão, o qual é manifesto, pois é facilmente percetível pela leitura conjugada dos factos provados 13 e 61 e da parte decisória do acórdão.
15 - Tratando-se de um lapso de escrita cuja eliminação não importa modificação essencial do acórdão, impõe-se, não a redução do valor da perda da vantagem, como pretende o recorrente, mas a sua correção pelo tribunal competente para conhecer do recurso, nos termos do art. 380º, nº 1 al. b), e nº 2 do CPP.
Nestes termos e nos demais de direito, que V.ª Ex.ª Venerandos Desembargadores suprirão, deve: - Ser corrigido o lapso de escrita que afeta o douto acórdão, nos termos do art. 380º, nº 1 al. b), e nº 2 do CPP; - Improceder o douto recurso, mantendo-se, no mais, inalterada a douta decisão recorrida.
*
BB veio responder ao recurso nos seguintes termos: A douta sentença em apreço não merece qualquer reparo ou censura, devendo ser mantida na íntegra, porque nela se faz correta interpretação dos factos facto ao contexto global dos mesmos e adequada aplicação do direito, pelo que as alegações do Recorrente carece de total fundamento fáctico e jurídico.
Aliás, só enviesando e deturpando o raciocínio se permite a construção de um silogismo, de modo a chegar à conclusão pretendida pelo Recorrente.
O Recorrido está, pois, convicto que Vossas Excelências, reapreciando a matéria de facto e, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de confirmar a decisão recorrida.
Pois, na verdade, não assiste razão ao Recorrente.
Tal como se irá demonstrar, são improfícuas e inócuas as pretensas razões do Recorrente, limitando, para tanto, a nossa análise às conclusões da alegação que, como é por demais sabido, delimitam o objeto do recurso.
Ora,
Atendendo à matéria de facto dada como provada em sede de audiência de discussão e julgamento, no que concerne à matéria prevista nos artigos 54º a 68º e bem assim à do pedido cível prevista nos artigos 93º a 101º, relativamente ao Ofendido/ Demandante BB, a mesma não nos merece qualquer reparo!
De facto, toda esta matéria terá de ser forçosamente concatenada com toda a demais provada produzida e que nos leva ao “modus operandi”, utilizado pelo Arguido no negócio, altamente lucrativo, em que o mesmo se movia.
Aliás, não é coincidência o facto de o filho do Arguido, JJ, estar em reclusão desde 26/02/2021, por factos, em tudo semelhantes aos discutidos nestes autos. Pois seria este o negócio em que se movia todo o agregado do Arguido.
Nessa sequência, a motivação da decisão da matéria de facto é cristalina, referindo a base de sustentação da mesma quer nas declarações do Arguido que confessou todos os factos descritos na acusação, exceptuando, convenientemente, o conhecimento de que as peças incorporadas nos veículos seriam de origem ilícita, mormente de veículos furtados.
Não é crível esta versão aduzida pelo Arguido! Tanto mais que não provou a origem legítima das mesmas, alegando apenas e só o desconhecimento da origem. Igualmente o facto de a viatura em questão ter sido registada em nome da esposa, KK, motiva e confirma toda a convicção do Tribunal sustentada no seguinte:
- Ora, dúvidas não restam que a viatura em questão foi adquirida pelo Arguido na Holanda;
- Que deu ordem para a reparação da mesma com o objectivo de a vender e obter larga margem de lucro;
Que as várias peças usadas para a sua reparação, foram provenientes de veículo furtado em Portugal;
- Que a caixa de velocidades, que entretanto o Ofendido/ Demandante reclamou posteriormente, foi substituída por outra, igualmente proveniente do mesmo veículo furtado em Portugal;
- Que todo o negócio do Arguido se relacionava com a compra e venda de peças de automóveis com origem em veículos furtados para inclusão das mesmas em veículos salvados, rentabilizando a margem de lucro nos mesmos, como foi o caso do aqui Ofendido/ Demandante.
Pelo que e em consequência originou toda a factualidade, dada como provada nos artigos 93º a 101º da sentença proferida, no que ao pedido cível deduzido pelo Demandante diz respeito, sustentada em toda a prova testemunhal e documental apresentada que comprovam todo o pedido indemnizatório decorrentes dos actos ilícitos e culposos perpetrados pelo Arguido e que originaram os danos na esfera jurídica do Demandante em perfeito nexo de causalidade.
Assim, a douta sentença recorrida é, pois, cristalina a este respeito, não merecendo qualquer reparo.
Assim, interpretou o MM Juiz “a quo”, corretamente o direito e, com justiça, subsumiu os factos a esse mesmo direito, não tendo violado qualquer normativo legal.
Em conclusão: bem andou o Tribunal “a quo”, pois que, decidindo, como decidiu, interpretou corretamente os factos e aplicou de forma adequada o Direito, não violando quaisquer normas jurídicas, designadamente, as invocadas pelo Recorrente.
A- Limitar-se-á o recorrido a pugnar pela manutenção do Julgado, que deverá manter-se “qua tale”, pois, a decisão da questão de facto e de direito, não merece qualquer censura;
B- Houve adequada subsunção dos factos ao direito;
C- Devem improceder todas as conclusões do Recurso e manter-se o Julgado “qua tale”;
D- Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, negando provimento ao recurso e, em consequência, confirmando, integralmente a douta sentença recorrida far-se-á, como sempre, inteira e sã, justiça.
*

Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais.
Como solicitado foi realizada audiência de julgamento, onde para além do mais, a Digna Procuradora Geral Adjunta pugnou pela improcedência do recurso.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II.
Objeto do recurso e sua apreciação.
O objecto do recurso está limitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt: “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”, sem prejuízo da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões e se vão além também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente (neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336).
*
Deste modo integram o objecto do recurso:
- Da nulidade da decisão por violação do art. 379º, do CPP;
- erro na apreciação da matéria de facto.
- subsunção dos crimes de recetação e do crime de falsidade de documento.
- medida da pena.
- reavaliação da perda de vantagens.

Do enquadramento dos factos.

São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal de 1ª Instância:
“Para julgamento em processo comum, perante tribunal coletivo, deduziu o Ministério Público acusação contra
AA, casado, agente ... da P.S.P., nascido a .../.../1962, filho de LL e de MM, natural de ..., …, residente na Rua ..., ..., ..., Gondomar, imputando-lhe a prática dos factos descritos na acusação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, como autor material, e em concurso real de infrações, de quatro crimes de recetação dolosa p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do Código Penal e um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artº 256º, nºs 1, al. d) e 3 do Código Penal.
O Ministério Público, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 110.º, n.ºs 1, al. b), 4 e 6 do Código Penal, promoveu que se declare a perda das vantagens obtidas pelo arguido com a prática dos factos descritos na acusação respeitantes aos crimes de recetação; termina pedindo a condenação do arguido no pagamento ao Estado da quantia de 20.000,00 Euros (vinte mil euros).
* O ofendido BB foi admito a intervir nos autos como assistente.
BB deduziu pedido de indemnização contra o arguido, pedindo a condenação do demandado a pagar ao demandante a título de dano patrimonial e não patrimonial a quantia global de 9.772,10€ (nove mil, setecentos e setenta e dois euros e dez cêntimos), acrescida dos juros de mora contados desde a notificação para contestação, até efetivo e integral pagamento. A... Seguros, S.A. veio deduzir pedido de indemnização contra o arguido, pedindo a condenação do demandado a pagar ao demandante a título de dano patrimonial a quantia de 25.500,00 (vinte e cinco mil e quinhentos euros).
* O arguido não apresentou contestação.
* Foi realizada audiência de discussão e julgamento, com observância de todas as formalidades legais.
* A instância mantém-se regular, inexistindo questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer.
* 2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto provada.
Instruída e discutida a causa, excluídos os factos conclusivos, resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido é agente ... da P.S.P. com a matrícula nº ....
2. O filho do arguido, JJ, foi condenado por acórdão transitado em julgado em 30.09.2021, no Processo Comum Coletivo 1249/16.0JAPRT do J7 do Juízo Central Criminal do Porto, na única de 10 anos de prisão pela prática de crimes de furto qualificado, falsificação de documento e roubo.

1ª Situação
3. O veículo automóvel com a matrícula ..-PE-.., marca BMW, modelo ..., ..., de cor ..., no valor de 27.000,00 Euros, foi furtado ao seu proprietário NN, a hora incerta compreendida entre 22.30 horas do dia 19- 10-2015 e as 9.00 horas do dia 20-10-2015 quando estava estacionado e fechado na via pública, na Rua ..., em ....
4. O ofendido apresentou denúncia que deu lugar à instauração (auto de denúncia de fls. 4, do inquérito apenso 927/15.5PCMTS).
5. O veículo jamais foi recuperado.
6. Em moldes não concretamente apurados, foi alvo de desmantelamento.
7. Entretanto, o veículo automóvel da marca BMW, modelo ..., ..., cor ..., com a matrícula ..-PQ-.., foi interveniente em acidente do qual resultou a sua perda total – Anexo 5.
8. Tal salvado foi vendido pela companhia de seguros “B...” à empresa “C..., Lda.” em ... e esta, por seu turno, vendeu-o em 23 de maio de 2017 ao arguido, tendo sido efetuado o registo em nome de GG, namorada do filho do arguido JJ, pelo preço de 11.000,00 Euros – cfr. fls. 441 a 444 do I Volume.
9. Posteriormente, foi o salvado transportado em reboque para uma oficina com vista à sua reparação para posterior venda a terceiros.
10. O arguido obteve de terceiro não identificado, o radiador do veículo furtado com a matrícula ..-PE-.., que sabia ser o resultado da prática de crime contra o património – cfr. exame pericial elaborado pela P.J. de fls. 353 a 358.
11. Não obstante, empregou-o no veículo que pretendia recuperar, omitindo ao mecânico e ao terceiro interessado na aquisição do bem a origem criminosa daquelas.
12. Com efeito, em julho de 2017, por iniciativa negocial do arguido e do filho JJ, foi o veículo automóvel da marca BMW, modelo ..., ..., cor ..., com a matrícula ..-PQ-.. vendido, pelo valor de 21.500,00 Euros, à sociedade comercial “D... unipessoal, Lda.”, gerida pelo seu gerente, II.
13. O arguido obteve um lucro nunca inferior a €5.000,00 com a venda do veículo.
14. O veículo automóvel da marca BMW, modelo ..., ..., cor ..., com a matrícula ..-PQ-.. foi apreendido a II em 23-3-2018 no âmbito do inquérito 8/18.0P6PRT desta 4ª Secção (passando a estar posteriormente apreendido à ordem deste inquérito – cfr. segmento do despacho de fls. 471 e 472).
15. O arguido aceitou adquirir o radiador – proveniente da prática de crime contra o património - para daí retirar vantagem de conteúdo patrimonial ilícito.
16. O arguido estava ciente que o radiador comprado não pertencia ao vendedor/detentor e que este havia acedido à posse do mesmo mediante a prática de atos lesivos do património alheio.
17. Não obstante esse conhecimento, não se coibiu de ficar na posse desse artigo, a fim de obter para si vantagem de conteúdo patrimonial, como de facto obteve.
18. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

2ª Situação
19. O veículo automóvel com a matrícula ..-OE-.., marca Mini, modelo ..., de cor ... e …, no valor de 20.000,00 Euros, foi furtado ao seu proprietário OO, entre as 22.30 horas do dia 10-01-2017 e as 14.00 horas do dia 11-1-2017 quando estava estacionado e fechado na via pública, na Rua ..., em Braga.
20. O ofendido apresentou denúncia que deu lugar à instauração do inquérito 44/17.3PCBRG, apensado ao presente cfr. auto de denuncia de fls. 3.
21. O veículo jamais foi recuperado.
22. Em moldes não concretamente apurados, foi alvo de desmantelamento.
23. Entretanto, o veículo automóvel da marca Mini ..., de cor ... e vermelha, com a matrícula ..-QL-.. foi interveniente num acidente de viação em fevereiro de 2017, ficando danificada a parte da frente lado direito, tendo o seu proprietário àquela data, PP, procurado proceder à sua reparação – Anexo 3.
24. Como o valor orçamentado pela oficina denominada “Reparações Auto E...”, sita na Rua ..., em ..., Maia, se mostrasse dispendioso e não houvesse garantia da eficácia dessa intervenção, acabou por colocar o veículo acidentado, à venda, no OLX, pelo valor de 3.500,00 Euros.
25. Em data não apurada do mês de maio ou junho de 2017, o arguido adquiriu o veículo em foco com os assinalados danos, pela quantia de 3.500,00 Euros.
26. Como acima descrito, o arguido obteve de terceiro não identificado o forro do chão do habitáculo do veículo furtado com a matrícula ..-PE-.. que sabia ser o resultado da prática de crime contra o património – cfr. relatório pericial da P.J. de fls. 341 a 346 do I Volume e relatório complementar de 27.10.2022.
27. Não obstante, empregou-o no veículo que pretendia recuperar, omitindo ao mecânico a origem criminosa daquele.
28. O veículo automóvel da marca Mini ..., de cor ... e vermelha, com a matrícula ..-QL-.. foi apreendido ao arguido em 15-3-2018 no âmbito do inquérito 8/18.0P6PRT desta 4ª Secção (passando a estar posteriormente apreendido à ordem deste inquérito – cfr. segmento do despacho de fls. 471 e 472).
29. O arguido aceitou adquirir aquele material – proveniente da prática de crime contra o património - para daí retirar vantagem de conteúdo patrimonial ilícito.
30. O arguido estava ciente que os objetos comprados não pertenciam aos vendedores/detentores e que estes haviam acedido à posse dos mesmos mediante a prática de atos lesivos do património alheio.
31. Não obstante esse conhecimento, não se coibiu de ficar na posse desses artigos, a fim de obter para si vantagem de conteúdo patrimonial, como de facto obteve.
32. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

3ª Situação
33. O veículo automóvel com a matrícula ..-QD-.., marca BMW, modelo ..., de cor ..., no valor de 23.615,22 Euros, foi furtado ao seu proprietário QQ entre as 22.00 horas do dia 26-10-2017 e as 3.00 do dia 27-10- 2017 quando estava estacionado e fechado na via pública, na Travessa ..., ..., Vila Nova de Gaia.
34. O ofendido apresentou denúncia que deu lugar à instauração do inquérito 1637/17.4PAVNG (apensado ao presente).
35. O veículo jamais foi recuperado.
36. Em moldes não concretamente apurados, foi alvo de desmantelamento.
37. O veículo automóvel da marca BMW, modelo ..., de cor ..., com a matrícula ..- SF-.., foi interveniente em acidente do qual resultou a sua perda total - Anexo 6.
38. Tal salvado foi vendido pela companhia de seguros “B...” à empresa “F..., sociedade unipessoal, Lda.” e esta, por seu turno, vendeu-o em 19-10-2017 ao arguido, pelo preço de 12.000,00 Euros – cfr. cópia da fatura de fls. 438 e 439 do I Volume.
39. Posteriormente, foi o salvado levado pelo arguido para ser reparado na oficina de RR, sita na Rua ..., ..., Porto, com vista à sua posterior venda a terceiros.
40. Porque persistissem problemas a nível de motor, o arguido regressou àquela oficina com o veículo, tendo sido necessário proceder à substituição do motor.
41. O arguido levou, então, consigo, um motor BMW que entregou na mesma oficina para substituir o que estava danificado.
42. Como acima descrito, escassos dias após a verificação do furto, o arguido obteve de terceiro não identificado, a estrutura frontal – faróis, plásticos, travessa e radiador - e o motor do veículo furtado com a matrícula ..-QD-.. que sabia serem o resultado da prática de crime contra o património – cfr. relatório pericial da P.J. de fls. 323 a 328 do I Volume.
43. Não obstante, empregou-as no veículo que pretendia recuperar, omitindo ao mecânico e ao terceiro interessado na aquisição do bem a origem criminosa daquelas.
44. Com efeito, em dezembro de 2017, por iniciativa negocial do filho do arguido JJ e arguido, foi o veículo automóvel da marca BMW, modelo ..., de cor ..., com a matrícula ..-SF-.. colocado à venda pelo valor de 25.000,00 Euros, pela sociedade comercial “D... unipessoal, Lda.”, gerida pelo seu gerente, II e colocada em exposição no stand denominado “OG automóveis”, sito na Rua ..., …, Valongo; o veículo foi registado em nome daquela sociedade por motivo não concretamente apurado.
45. O veículo automóvel da marca da marca BMW, modelo ..., de cor ..., com a matrícula ..-SF-.. foi apreendido a II em 26-3-2018 no âmbito do inquérito 8/18.0P6PRT desta 4ª Secção (passando a estar posteriormente apreendido à ordem deste inquérito – cfr. segmento do despacho de fls. 471 e 472).
46. O arguido aceitou adquirir o material acima descrito – proveniente da prática de crime contra o património - para daí retirar vantagem de conteúdo patrimonial ilícito.
47. O arguido estava ciente que os objetos comprados não pertenciam aos vendedores/detentores e que estes haviam acedido à posse dos mesmos mediante a prática de atos lesivos do património alheio.
48. Não obstante esse conhecimento, não se coibiu de ficar na posse desses artigos, a fim de obter para si vantagem de conteúdo patrimonial, como de facto obteve.
49. O arguido agiu, sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

4ª Situação
50. O veículo automóvel com a matrícula BE-...... (matrícula suíça), marca Mercedes, ..., de cor ..., com o VIN WDD..., no valor de 60.000,00 Euros, foi furtado ao seu proprietário SS, a hora incerta compreendida entre as 21.30 horas do dia 22-10-2017 e as 10.30 horas do dia 23-10-2017 quando estava estacionado e fechado na via pública, na Rua ..., na Póvoa de Varzim.
51. O ofendido apresentou denúncia que deu lugar à instauração do inquérito 983/17.1PAPVZ (apensado ao presente).
52. O veículo jamais foi recuperado.
53. Em moldes não concretamente apurados, foi alvo de desmantelamento.
54. Entretanto, o arguido adquiriu, a 25 de outubro de 2017, na Holanda, o veículo automóvel da marca Mercedes, modelo ..., cor ..., com o VIN WDD..., com a matrícula belga 1-KRK-..1, pela quantia de 9.750,00 Euros, faturado em nome da sua esposa, KK – cfr. fls. 321 do I Volume.
55. Este veículo foi adquirido no estado de acidentado/salvado a uma empresa denominada “G...” que se dedica à compra-e-venda de veículos acidentados/salvados, patenteando avultados danos ao nível da carroçaria – cfr. fls. 321 do I Volume, fls. 730 a 734 e relatório pericial de fls. 751 a 759 do II Volume.
56. Posteriormente, foi o veículo automóvel transportado para uma oficina com vista à sua reparação para posterior venda a terceiros.
57. Como acima descrito, o arguido obteve de terceiro não identificado – a caixa de velocidades, a caixa de direção, o airbag do acompanhante, o airbag da janela do lado esquerdo, o airbag lateral dianteiro direito e bateria de arranque do veículo furtado com a matrícula BE...... - que sabia serem o resultado da prática de crime contra o património – cfr. exame pericial 751 a 759 do II Volume.
58. Não obstante, empregou-as no veículo que pretendia recuperar, omitindo ao mecânico e ao terceiro interessado na aquisição do bem a origem criminosa daquelas.
59. Ao veículo automóvel em foco foi, entretanto, atribuída a matrícula portuguesa ..-VD-...
60. O veículo automóvel com as apontadas características e componentes descritos foi colocado à venda no stand denominado "H... automóveis", com instalações na Avª. ..., em Gondomar, tendo sido adquirida por BB, pelo valor de 31.900,00 Euros.
61. O arguido obteve um lucro de pelo menos €5.000,00 com a venda do veículo.
62. O arguido aceitou adquirir aquele material – proveniente da prática de crime contra o património - para daí retirar vantagem de conteúdo patrimonial ilícito.
63. O arguido estava ciente que os objetos comprados não pertenciam aos vendedores/detentores e que estes haviam acedido à posse dos mesmos mediante a prática de atos lesivos do património alheio.
64. Não obstante esse conhecimento, não se coibiu de ficar na posse desses artigos, a fim de obter para si vantagem de conteúdo patrimonial, como de facto obteve.
65. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
66. O veículo automóvel da marca Mercedes, modelo ..., cor ..., com a matrícula ..-VD-.. foi apreendido em 2-10-2019 no âmbito deste inquérito a EE, pai de BB – cfr. fls. 736 do II Volume.
67. Desse veículo automóvel foram retiradas as peças/componentes que pertencem à viatura furtada BE-..., tendo sido nomeado fiel depositário de tais peças/componentes o proprietário da oficina TT (cfr. fls. 874 do 3º. Volume).
68. Posteriormente, foi o veículo automóvel ..-VD-.. desprovido de tais peças entregue a EE - cfr. termo de entrega de fls. 933 do III Volume.
69. (Apenso NUIPC:76/18.4P6PRT)

5ª Situação
70. No dia 28 de agosto de 2018, o arguido AA conduzia o veículo automóvel da marca Mercedes, modelo ..., cor ..., com o VIN WDD..., ostentando as matrículas estrangeiras 1-KRK-..1 pela Rotunda ..., em ....
71. Contudo, à data, ao veículo em foco já havia sido atribuída a matrícula portuguesa ..- VD-.. por o respetivo processo de legalização se mostrar concretizado através da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) nº ..., tendo-lhe sido atribuída a matrícula nacional ..-VD-.., em 24-7-2018 – cfr. informação prestada pela Alfândega ... a fls. 572 a 574, DAV de fls. 651 e informação extraída do registo automóvel de fls. 1205.
72. Nesse contexto de tempo e lugar, interveio em acidente de viação com a viatura da marca Seat, modelo ..., cor ..., com a matrícula ..-HZ-.., conduzida por UU.
73. Por força do acidente de viação, houve necessidade de chamar as autoridades policiais ao local.
74. Quando foi confrontado com a chamada da P.S.P. ao local, o arguido logo procedeu à substituição da matrícula estrangeira pela portuguesa.
75. O arguido circulou pela via pública com o veículo automóvel “Mercedes” adulterado num dos seus elementos identificativos – pois – que não lhe correspondia já a matrícula estrangeira 1-KRK-.., antes, a matrícula portuguesa ..-VD-...
76. Ao circular com o veículo automóvel pela via pública com uma matrícula que não lhe correspondia, sabia que viciava elemento essencial à identificação daquele veículo, causando, desse modo, um prejuízo ao Estado, entidade competente para certificar, com fé pública, caso a caso, que determinado veículo se encontra matriculado e que lhe foi atribuída a combinação de letras e números constantes da chapa nele aposta.
77. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
78. O arguido é primário.
79. AA é natural de ..., proveniente de um agregado numeroso constituído pelos pais e 8 irmãos.
80. Frequentou o sistema de ensino em idade própria, considerando-se um aluno pouco motivado para prosseguir os estudos, pelo que os abandonou, no limite da idade obrigatória.
81. Estimulado para ingressar no mercado de trabalho, assinala o começo de atividade aos 16 anos de idade iniciando funções como aprendiz numa carpintaria.
82. Permanece a laborara neste setor, até ser chamado para cumprir o serviço militar.
83. Nesta altura já exercia atividade por conta própria.
84. Ingressa na Policia ..., onde permanece durante 24 meses, precisamente entre 1983/85.
85. Retomou atividade de carpintaria, após aquele cumprimento.
86. Numa altura em que referiu haver estagnação do setor da Construção civil, dada a recessão económica que então se vivia, concorreu para a PSP, onde ingressou em novembro de 1985. Havia constituído família em 1987.
87. Na Esquadra da PSP ..., exerce funções durante 22 anos.
88. À data dos fatos AA, residia e na Rua ... em ..., sendo a habitação constituída por uma moradia unifamiliar que construiu há 23 anos.
89. O grupo familiar era constituído por si, pelo cônjuge e pelos dois filhos, que no presente têm 32 e 25 anos.
90. A célula familiar mantém esta residência, e quanto à sua composição e de referir que o filho JJ se encontra recluído desde 26 de fevereiro de 2021.
91. A base de sustentação económica do grupo familiar tinha como principal fração a retribuição do arguido provenientes da atividade como agente da PSP e dos proventos que obtém com a atividade de carpintaria que desenvolvia em part-time e sem carater regular, indicando valores médios mensais na ordem dos 1 400,00€.
92. AA é um elemento pró-ativo no contexto social onde reside. Faz parte de duas confrarias em ..., designadamente a Confraria do ..., e a Confraria das ... à moda de .... Integra ainda a direção do Centro Paroquial que gere o lar de 3ª idade em ....
93. Do pedido civil (BB)
94. Como consequência direta e necessária da conduta do arguido:
95. Em 02 de outubro de 2019, a viatura Mercedes ..-VD-.. foi apreendida à ordem dos presentes autos.
96. Impossibilitando o uso e fruição da mesma por parte do assistente até março de 2020.
97. À data o assistente era jogador profissional de futebol ao serviço de uma equipa ..., necessitando constantemente de se deslocar para essa região.
98. O arguido emprestou-lhe a viatura automóvel de marca Opel, modelo ..., com a matrícula ..-..-UG, de gama e valor bastante inferior.
99. Porém, a viatura Opel padecia de diversos problemas quer de motor, quer de outros componentes, o que levou a que o assistente tivesse de despender a quantia de 2.112,75€ para com a mesma poder circular devidamente.
100. Para reparação da viatura Mercedes ..-VD-.., retirar as peças furtadas, o assistente procedeu à aquisição das respetivas peças e montagem, teve de despender a quantia de €5.160,35.
101. Com a apreensão do veículo até à restituição do veículo, o assistente sofreu vergonha, embaraço social e tristeza.
102. Do pedido civil da A...
103. A viatura com a matrícula ..-PE-.., propriedade de NN, estava garantida por seguro de responsabilidade do ramo automóvel com a apólice nº ...56, com a cobertura em caso de furto.
104. No processo nº 4645/17.1T8VNG, a demandante e segurado NN, celebraram transação para indemnização pelo furto do veículo, no valor de €25.500,00.
105. A quantia foi paga ao segurado em 11/07/2018.
* 2.2. Matéria de facto não provada.
Da que se mostra relevante para a discussão da causa, não logrou obter prova a seguinte matéria de facto:
1. Que o arguido beneficiou de contactos proporcionados pelo seu filho JJ com indivíduos que nos últimos anos têm sido alvo de investigação criminal em inquéritos pela prática de crimes de furto e viciação de automóveis, aos quais transmitia as suas necessidades de concretas peças e componentes de veículos automóveis, a fim de os colocar nos veículos salvados.
2. Que o veículo BMW, modelo ..., com a matrícula ..-SF-.. foi comprado pela sociedade “D... unipessoal, Lda.”.
* 2.3. Motivação da decisão de facto.
O tribunal baseou a sua convicção, relativamente aos factos considerados provados, nos seguintes meios de prova, livremente apreciados (art. 127º do CPP): Nas declarações prestadas pelo arguido em audiência de julgamento, tendo confessado todos os factos descritos na acusação, com exceção das peças determinadas nas perícias como pertencentes aos veículos furtados, que apesar de ter declarado que as comprou como peças usadas, alegou que desconhecia a proveniência ilícita das mesmas. A versão do arguido não mereceu credibilidade para o tribunal, pois face à prova pericial e testemunhal produzida em julgamento, o tribunal formou convicção segura de que o arguido sabia que as peças que mandou colocar nos quatro veículos eram provenientes de veículos furtados. Na verdade, é muita coincidência que o arguido tenha adquirido (como alega), em momentos diferentes, peças de veículos furtados. Assim, relativamente ao veículo BMW com a matrícula ..-SF-.., tendo o veículo sido reparado duas vezes, a primeira com a reparação das peças da parte frontal da viatura e, num segundo momento, a substituição do motor, sendo que todas as peças pertencem ao veículo furtado com a matrícula ..-QD-... Por outro lado, o veículo Mercedes com a matrícula ..-VD-.. foi comprado pelo arguido na Holanda, e reparado no estrangeiro (como o arguido alega) com peças do veículo Mercedes com a matrícula BE-...... furtado em Portugal. E, após a viatura ter sido transportada para Portugal, o arguido mandou colocar a caixa de velocidades pertencente aquele veículo furtado. Em conclusão, o arguido dedicou-se à compra de peças de veículos furtados, por serem mais baratas, para dessa forma proceder à reparação dos veículos salvados que adquiriu e, desta forma, obteve maior lucro com as vendas a terceiros. Assim, o tribunal fundou a sua convicção, na análise da prova documental, pericial e testemunhal, nos termos que passamos a analisar criticamente, por veículo automóvel. Relativamente ao facto provado respeitante ao ponto 1, o tribunal fundou a sua convicção no teor do documento de fls. 523 a 525 (recibos de vencimentos emitidos pela Direção Nacional da P.S.P.), bem como na identificação profissional do arguido em julgamento.
O facto provado no ponto 2 resulta do dispositivo do acórdão proferido no Processo Comum Coletivo nº 1249/16.0JAPRT do J7 do Juízo Central Criminal do Porto, constante no CD de fls. 1208.
Veículo automóvel com a matrícula ..-PE-.., marca BMW, modelo ...,
O tribunal fundou a sua convicção quantos aos factos provados nos pontos 3 a 6, no depoimento objetivo e coerente, e por isso convincente, da testemunha NN, em conjugação com o teor do auto de denúncia de fls. 4 (do inquérito apenso nº 927/15.5PCMTS), resulta provado que o veículo com a matrícula ..-PE-.., marca BMW, modelo ..., ..., de cor ..., no valor de 27.000,00 Euros, foi furtado ao seu proprietário NN, entre 22.30 horas do dia 19- 10-2015 e as 9.00 horas do dia 20-10-2015 quando estava estacionado e fechado na via pública. Conforme resulta do teor do recibo de fls. 1318 e do depoimento da testemunha NN, a viatura não foi recuperada, pelo que a seguradora A... Seguros, S.A. procedeu ao pagamento da quantia de €25.500,00 ao segurado NN, por transação judicial. Quanto ao facto provado no ponto 7, o tribunal fundou a sua convicção no teor da documentação constante do Anexo 5 fornecida pela B..., relativa ao sinistro do veículo da marca BMW, modelo ..., com a matrícula ..-PQ-.., com a declaração de perda total. Relativamente aos factos provados com os nºs 8 e 9, o tribunal fundou a sua convicção nas declarações prestadas pelo arguido em julgamento, o qual declarou que adquiriu o veículo de matrícula ..-PQ-.., como salvado/perda total, à sociedade C..., Ld.ª, mandou faturar em nome de GG, namorada do filho (JJ), conforme resulta do teor da fatura de fls. 441. Mais declarou o arguido que mandou reparar o veículo, tendo para o efeito comprado peças usadas, que forneceu à oficina, porém não tem comprovativo da aquisição das mesmas e declarou que desconhecia a proveniência ilícita das mesmas. Assim, o facto 10 da matéria de facto provada resulta do relatório pericial elaborado pelo perito CC da PJ, constante dos autos a fls. 353 a 358 e do relatório complementar de 27/10/2022, de onde resulta que o radiador aí colocado pertence ao veículo furtado com a matrícula ..-PE-... Relativamente aos factos provados com os nº 12 e 13, o tribunal fundou a sua convicção nas declarações prestadas pelo arguido que relatou que o veículo BMW ... com a matrícula ..-PQ-.. foi colocado para venda no Stand pertencente à testemunha II. No entanto, a testemunha II relatou de forma objetiva e coerente que adquiriu o referido BMW, pelo preço de €21.500,00, por proposta do filho do arguido JJ e do arguido, razão pela qual foi a mesma dada como assente. Veículo automóvel com a matrícula ..-OE-.., marca Mini, modelo ...
O tribunal formou convicção segura quanto aos factos provados nos pontos 19 a 22, com base no depoimento da testemunha OO (depoimento de fls. 457/459, lido em julgamento, cfr. ata de fls. 171), do qual resulta que o veículo automóvel com a matrícula ..-OE-.., marca Mini, modelo ..., de cor ... e vermelha, no valor de 20.000,00 Euros, foi furtado ao seu proprietário, entre as 22.30 horas do dia 10-01-2017 e as 14.00 horas do dia 11-1-2017 quando estava estacionado e fechado na via pública, na Rua ..., em Braga, conjugado com o teor do auto de denúncia de fls. 3, do inquérito apenso nº 44/17.3PCBRG, razão pela qual foi tal matéria dada como assente. Relativamente aos factos provados com os nº 23 a 25, o tribunal fundou a sua convicção nas declarações prestadas pelo arguido que relatou ter adquirido o veículo Mini ... com a matrícula ..-QL-.., para reparação e uso pessoal, tendo adquirido peças usadas que entregou na oficina onde reparou o veículo, no entanto, negou ter conhecimento da proveniência ilícita das mesmas. Teve ainda em conta o tribunal o depoimento da testemunha PP, que relatou de forma objetiva ter sido o proprietário da viatura que após ter sofrido acidente de viação, vendeu o veículo através da testemunha OO, bem como no depoimento desta testemunha que relatou ter sido intermediário da venda do Mini ... ao arguido. Por fim, teve o tribunal em conta o depoimento do mecânico DD, o qual relatou a reparação que efetuou na viatura a pedido do arguido, o qual entregou as peças para reparação. O tribunal formou convicção relativamente à matéria assente no ponto 26 e 27, com base no relatório pericial de fls. 341 a 346, no teor do relatório complementar de 27.10.2022, bem como nos esclarecimentos prestados em julgamento pelo perito CC, razão pela qual foi tal matéria dada como assente.
Veículo automóvel da marca BMW, modelo ..., de cor ..., com a matrícula ..-SF-..
O tribunal fundou a sua convicção quantos aos factos provados nos pontos 33 a 36, no depoimento objetivo e coerente, e por isso convincente, da testemunha QQ, em conjugação com o teor do auto de denúncia de fls. 4 do inquérito apenso nº 1637/17.4PAVNG (apensado ao presente), resulta provado que o veículo automóvel com a matrícula ..-QD-.., marca BMW, modelo ..., de cor ..., no valor de 23.615,22 Euros, foi furtado ao seu proprietário, entre as 22.00 horas do dia 26-10-2017 e as 3.00 do dia 27-10-2017 ,quando estava estacionado e fechado na via pública, na Travessa ..., ..., Vila Nova de Gaia.
Relativamente aos factos provados com os nºs 37 a 43, o tribunal fundou a sua convicção nas declarações prestadas pelo arguido em julgamento, o qual declarou que adquiriu o veículo de matrícula ..-SF-.., como salvado/perda total, à sociedade F..., Ld.ª, conforme resulta do teor da fatura de fls. 438 e 439. Mais declarou o arguido que mandou reparar o veículo, tendo para o efeito comprado peças usadas, que forneceu à oficina, porém não tem comprovativo da aquisição das mesmas e declarou que desconhecia a proveniência ilícita das mesmas. Teve ainda em conta, o tribunal no depoimento do mecânico, DD, que relatou a reparação do veículo e as peças que o arguido entregou, designadamente, o motor fornecido pelo arguido que colocou no BMW, tal como resulta descrito na matéria de facto provada. O facto 42 da matéria de facto provada, resulta do relatório pericial elaborado pelo perito CC da PJ, constante dos autos a fls. 323 a 328 e do relatório complementar de 27/10/2022, de onde resulta que o motor aí colocado pertence ao veículo furtado com a matrícula ..-QD-... As restantes peças colocadas na parte frontal da viatura, esclareceu o perito que coincidem com as datas (mês e ano) de produção do veículo furtado, pelo que recorrendo às regras da experiência comum, o tribunal formou convicção segura de que o arguido obteve o motor e as peças da parte frontal que mandou colocar no veículo ..-SF-.., do veículo furtado a matrícula com matrícula ..-QD-... Relativamente aos factos provados com os nº 44 e 45, o tribunal fundou a sua convicção nas declarações prestadas pelo arguido que relatou que o veículo BMW ... com a matrícula ..-SF-.. foi colocado para venda no Stand pertencente à testemunha II, bem como do depoimento da testemunha II, o qual relatou de forma objetiva e coerente, e por isso convincente, que apesar de ter registado o veículo em nome da sociedade D... unipessoal, Lda., por razões que não recorda, não comprou o veículo ao arguido, nem entregou o preço de compra de um cliente do Algarve, por ter sido contacto pela PJ. Mais referiu o depoente, que o referido BMW foi colocado à venda no seu stand, pelo preço de mais de vinte mil euros, por proposta do filho do arguido JJ e do arguido, razão pela qual foi a mesma dada como assente.
Veículo da marca Mercedes, cor ..., com o VIN WDD..., com a matrícula belga 1-KRK-..1
O tribunal fundou a sua convicção quantos aos factos provados nos pontos 50 a 53, no depoimento objetivo e coerente da testemunha SS (cujo depoimento de fls. 861 foi lido em audiência, cfr. ata fls. 155, em conjugação com o teor do auto de denúncia de fls. 4 do inquérito apenso nº 983/17.1PAPVZ (apensado ao presente), resulta provado que veículo automóvel com a matrícula BE-...... (matrícula suíça), marca Mercedes, no valor de 60.000,00 Euros, foi furtado ao seu proprietário SS, entre as 21.30 horas do dia 22-10-2017 e as 10.30 horas do dia 23-10-2017, quando estava estacionado e fechado na via pública, na Rua ..., na Póvoa de Varzim. Relativamente aos factos provados com os nºs 54 a 59, o tribunal fundou a sua convicção nas declarações prestadas pelo arguido em julgamento, o qual declarou que adquiriu o veículo de matrícula ..-SF-.., como salvado/perda total, à sociedade F..., Ld.ª, na Holanda, conforme resulta do teor da fatura de fls. 321, documentação de fls. 730 a 734. O facto provado nº 57 resulta do relatório pericial de fls. 751 a 759, conjugado com os esclarecimentos que o perito prestou em julgamento. Mais declarou o arguido que o veículo foi reparado no estrangeiro, pelo que as peças nele colocadas e pertencente ao veículo furtado em Portugal (com a matrícula BE-......) não foram fornecidas por ele. Conforme já explanado, a versão do arguido não mereceu credibilidade. O tribunal formou convicção segura de que o arguido enviou as peças do veículo furtado em Portugal, para reparação na Holanda, porquanto após a viatura ter sido transportada para Portugal, o arguido mandou colocar a caixa de velocidades pertencente ao mesmo veículo furtado (com a matrícula BE-......), tal como relatou a testemunha EE após reclamação (pai do comprador BB).
O tribunal fundou a sua convicção relativamente ao ponto 60, nos depoimentos das testemunhas EE e BB, os quais relataram as circunstâncias em que concretizaram a compra do veículo Mercedes de matrícula ..-SF-.., no stand H..., razão pela qual se deu como provada a matéria de facto. Para formar convicção relativamente ao lucro de €5.000,00, que o arguido obteve com a venda dos veículos BMW e Mercedes, o tribunal recorreu às regras da experiência comum, sendo essa vantagem económica seguramente inferior ao montante real de lucro auferido pelo arguido, porém não foi produzida prova nesse sentido pelo o tribunal fixou esse valor tendo em conta o princípio in dúbio pro reo.
Por fim, o tribunal formou convicção relativamente aos factos nº 70 a 76, com base na confissão dos factos pelo arguido, que apesar da sua profissão, declarou que tinha as matrículas atribuídas em Portugal, na mala do carro há cerca de um mês. O tribunal valorou, também, o teor do relatório social elaborado pela DGRS relativamente à situação pessoal, familiar e profissional do arguido, bem como as suas declarações, para além do teor do certificado de registo criminal junto aos autos. * Relativamente ao dolo do arguido o tribunal baseou a sua convicção na generalidade da prova produzida, analisada em função de critérios de normalidade, decorrentes das regras da experiência. Com efeito, a prova do dolo produziu-se, necessariamente, de forma indirecta, ainda que objectivada em concretos meios de prova, nomeadamente nas declarações prestadas por todas as testemunhas, em conjugação com os documentos constantes dos autos.
Por fim, o tribunal fundou a sua convicção relativamente aos factos provados do pedido civil deduzido pelo assistente BB (97 a 101), com base nas declarações do assistente e do seu pai, EE que tratou pessoalmente com o arguido, relataram os incómodos e despesas suportadas com o veículo Mercedes e Opel, bem como nas cópias de faturas de fls. 1309 e 1310. Já quanto aos factos provados (102 a 105) do pedido civil formulado pela Seguradora A..., o tribunal formou convicção com base no teor dos documentos de fls. 1313 a 1319, conjugado com o depoimento da testemunha NN que confirmou o recebimento da indemnização.

* 3. Aspecto jurídico da causa.
3.1. Enquadramento jurídico-penal.
Sendo esta a matéria de facto considerada provada, importa, agora, proceder ao seu enquadramento jurídico-penal. O arguido vem acusado da prática de quatro crimes de recetação dolosa p. e p. pelo artº 231º, nº 1, do Código Penal. Nos termos do artigo 231º, nº 1 do Código Penal “Quem, com intenção de obter para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, a receber em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou por qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias”. A recetação pode ser definida como o crime que acarreta a manutenção, consolidação ou perpetuidade de uma situação patrimonial anormal, decorrente de um crime anterior praticado por outrem. Vários são os modos de recetação, ou as condutas típicas que determinaram a prática do crime: dissimular, receber em penhor, adquirir por qualquer título, deter, conservar, transmitir ou contribuir para a transmissão, ou assegurar por qualquer forma, a posse para si ou para terceiros de coisa obtida mediante facto ilícito contra o património. A recetação pressupõe, pois, um deslocamento da coisa do poder de quem a detém ilegitimamente para o recetador, o que significa que só a coisa móvel pode ser objeto de recetação. Assim, a coisa objeto de recetação há-de ser produto do crime. O tipo de ilícito previsto neste normativo consiste “em o agente estabelecer através das várias modalidades de ação descritas, uma relação patrimonial com a coisa obtida por outrem mediante um facto criminalmente ilícito contra o património, sendo a conduta guiada pela intenção de alcançar, para si ou para terceiro, uma vantagem patrimonial. O conteúdo de ilícito reside, pois, na perpetuação de uma situação patrimonial antijurídica (...), aprofundando a lesão de que foi alvo a vítima do facto anterior (facto referencial) ao diminuir a possibilidade de restaurar a relação com a coisa (...)” - Cfr. Pedro Caeiro, Comentário Conimbricense, Tomo II, pags. 475 e 476.
O objeto da ação é uma coisa que tenha sido obtida por outrem mediante facto ilícito contra o património. A nível do tipo subjetivo, trata-se de um crime doloso, sendo admissível qualquer das modalidades de dolo previstas no artº 14º do Código Penal. É, portanto, necessário, da parte do agente, o conhecimento ou representação de todos os elementos do tipo já referidos (elemento intelectual) e a vontade de realização ou aceitação do resultado tipificado (elemento intelectual). Mas, o tipo exige ainda, como elemento subjetivo, a intenção de obter uma vantagem patrimonial. “Uma das formas que essa vantagem pode revestir encontra-se certamente na aquisição da coisa por preço inferior ao seu valor – mas essa é, apenas, uma das formas de obter vantagem” – Cfr. Pedro Caeiro, ob. cit., pag. 495. Não é, todavia, necessário, para que a consumação do crime de recetação venha a ocorrer, que se verifique efetivamente essa vantagem patrimonial – basta, na expressão da lei, a intenção de obter vantagem patrimonial. No caso concreto, estão verificados os elementos objetivos e subjetivos do crime de recetação dolosa, com efeito, no que a tal tipo legal de crime respeita,
- em relação ao veículo com a matrícula ..-PE-.., BMW ..., resulta da matéria de facto provada, que o arguido obteve de terceiro não identificado, o respetivo radiador que sabia ser o resultado da prática de crime, empregou-o no veículo (salvado) com a matrícula ..-PQ-.., com o intuito de vender este automóvel recuperado pelo valor de €21.500,00;
- em relação ao veículo com a matrícula ..-OE-.. Mini ..., resulta da matéria de facto provada, que o arguido obteve de terceiro não identificado, o respetivo forro do chão do habitáculo que sabia ser o resultado da prática de crime, empregou-o no veículo (salvado) com a matrícula ..- QL-.., com o intuito de recuperar/reparar este automóvel;
- em relação ao veículo com a matrícula ..-QD-.., ..., resulta da matéria de facto provada, que o arguido obteve de terceiro não identificado, o respetivo motor que sabia ser o resultado da prática de crime, empregou-o no veículo (salvado) com a matrícula ..-SF-.., com o intuito de vender este automóvel recuperado pelo valor de €25.000,00 no stand da sociedade gerida por II;
- em relação ao veículo com a matrícula BE-...... (matrícula suíça), Mercedes, resulta da matéria de facto provada, que o arguido obteve de terceiro não identificado, a caixa de velocidades, a caixa de direção, o airbag do acompanhante, o airbag da janela do lado esquerdo, o airbag lateral dianteiro direito e bateria de arranque, que sabia serem o resultado da prática de crime, empregou-os no veículo (salvado) com a matrícula ..-VD-.., com o intuito de vender este automóvel recuperado, o que conseguiu (com a intermediação de stand de venda de automóveis), tendo sido adquirido pelo assistente BB, pelo valor de €31.900,00.
Para além disso, é inequívoco que o arguido atuou sempre de forma livre e deliberada, bem sabendo o que o seu comportamento implicaria, do ponto de vista patrimonial, para os ofendidos (prejuízo) e para si próprio (benefício), resultado este que precisamente pretendia alcançar com o seu comportamento, e, ademais que, ao agir como agia atuava contra a vontade, e sem autorização dos ofendidos implicados nos factos que aqui se apreciam. Representou, pois, o arguido a realização de todos os elementos que integram o tipo legal da incriminação a que se subsume o seu comportamento, realização essa que deliberadamente perseguiu, ciente do sentido típico do seu comportamento, pelo que agiu, portanto, com dolo direto (artigos 13.º e 14.º, n.º 1, do Código Penal), sempre animado da vontade de se apropriar de obter peças que sabia serem provenientes da prática de ilícitos e esta forma, obter enriquecimento ilegítimo para si próprio. Por último, não ignorava o arguido o carácter proibido (ilícito) do seu comportamento (tinha, pois, consciência da ilicitude da sua conduta).

*** Do crime de falsificação de documentos.
Ao arguido foi ainda imputado a prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punível nos artigos 256.º, n.º 1, alínea d) e nº 3, do Código Penal. O referido preceito legal estatui "1- Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; b) Falsificar ou alterar documentos ou qualquer dos componentes que o integram; c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.” O bem jurídico tutelado no crime de falsificação é o valor probatório dos documentos em, assegurando a sua genuinidade no desenrolar da vida em sociedade, garantindo assim a estabilidade das relações sociais - vide Marques Borges, in "Dos Crimes de Falsificação de Documentos, Moedas, Pesos e Medidas", p. 28; Luís Osório, in "Código Penal Português", Vol. 11 (1927), p. 340. O documento é falso quando não corresponde à realidade, o que tanto pode acontecer com o fabrico de documentos falsos e a alteração de documentos verdadeiros (falsificação material), como com a falsificação do conteúdo do documento verdadeiro (falsificação ideológica).
Doutrinalmente os documentos distinguem-se em narrativos e dispositivos. Nos documentos narrativos faz-se uma declaração de ciência ou de verdade e quando neles se “mente” comete-se uma falsidade ideológica. Enquanto que nos documentos narrativos tem lugar a falsidade ideológica; nos documentos dispositivos verifica-se apenas simulação. Nos documentos dispositivos faz-se uma declaração de vontade. Como acentua o Prof. Cavaleiro Ferreira (Scientia Jurídica, tomo XIX, nº 103 e 104, 1970), a declaração inexata de vontade não é falsificação ideológica, mas simulação, pelo que só pode haver falsificação ideológica nos documentos narrativos, cfr. Marques Borges, in Dos Crimes de falsificação de documentos, moedas, pesos e medidas, Rei do Livros, pág. 31. O crime de falsificação de documentos é um crime intencional, isto é, o agente necessita de atuar com “intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”. Acresce que, aquando da prática do crime de falsificação, o agente deverá ter conhecimento que está a falsificar um documento ou que está a usar um documento falso, e apesar disso quer falsificá-lo ou utilizá-lo. Para que o agente atue dolosamente tem de ter conhecimento e vontade de realização do tipo. O referido normativo refere-se, assim, à falsificação do documento enquanto objeto que incorpora uma declaração e à declaração incorporada no documento, ou seja, quando apenas o conteúdo é falso. No primeiro caso estamos perante uma falsificação material, no segundo perante uma falsificação ideológica. A falsificação ideológica abrange a falsificação intelectual e a falsidade em documento. Na falsificação intelectual incorpora-se no documento uma declaração que não foi realizada, por sua vez a falsidade em documento "será o relato de um certo facto da vida quotidiana, que é juridicamente relevante (extingue, modifica ou cria uma relação jurídica) e quando utilizado como meio de prova, vai permitir ao seu titular, se assim o podemos designar, uma certa vantagem que terá consequência ao nível jurídico. Volvendo ao caso dos autos, dúvidas não restam que as chapas de matrícula são documentos, como é jurisprudência uniforme é um documento autêntico, por atribuída por uma autoridade pública. Ora, o arguido, ao conduzir na via pública o veículo Mercedes com a matrícula 1-KRK-.., sabia não ser a matrícula que legalmente lhe pertencia, porquanto tinha na sua posse as chapas de matrículas ..-VD-.., atuou pondo em causa o valor probatório dos elementos identificativos – documentos autênticos. Assim sendo, a conduta do arguido integra a alínea d) do nº 1 e nº 3 (artº 256º) – já que se trata de documento autêntico - do referido preceito legal.
Face ao exposto, não restam pois, dúvidas, que com esta sua conduta o arguido preencheu os elementos objetivos do crime de que vem acusado. Simultaneamente, encontra-se preenchido o respetivo tipo-de-culpa, na medida em que o arguido, atuando de forma livre, deliberada e consciente, documentou nos factos uma atitude contrária ao dever-ser jurídico-penal (dolo em sede de tipo de culpa).
Incorreu, pois, o arguido na prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, al. d) e nº 3, do Código Penal.

* 3.2. Escolha e determinação da medida concreta das penas.
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal dos comportamentos do arguido, importa agora determinar a natureza e a medida concreta da sanção a aplicar. O crime de recetação previsto no artº 231º, nº 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. O crime de falsificação de documento previsto no artº 256.º, n.º 1, al. d) e 3, do Código Penal, é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
Nos termos do artº 40º, nº 1, do Código Penal a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Tendo em conta a conduta global do arguido, com a prática de cinco crimes, o tribunal opta pela pena privativa da liberdade. Para determinar a pena concreta recorre-se ao critério global previsto no nº 1 do art. 71º do Código Penal, o qual dispõe que "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Donde se extrai que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa e da prevenção - especial e geral positiva ou de integração -, concretizadas a partir da eleição dos elementos para elas relevantes.
Na determinação do substrato da medida da pena, isto é, da totalidade das circunstâncias do complexo integral do facto (factores de medida da pena) que relevam para a culpa e a prevenção, há que atender a "todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele" (art. 71º, nº 2, do CP). Consideremos agora as circunstâncias relevantes em termos de medida da pena concreta a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente: - No caso concreto, a prática dos crimes de recetação visavam alcançar lucro fácil, com engano dos ofendidos conhecedores da sua condição de polícia, confiaram no arguido, pelo que é elevado o grau da licitude e o modo de execução; b) A intensidade do dolo – que é direto, pelo que é maior a respetiva intensidade; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram – o arguido agiu com a intenção de obter lucro fácil; d) A condição pessoal do arguido e a sua situação económica, vertidas nos factos provados, dos quais se pode concluir que: - O arguido é primário, beneficia do apoio da esposa e filhos. e) A conduta anterior aos factos e a posterior a estes, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências dos crimes: - Quanto à sua conduta anterior e posterior, há que realçar que o arguido não reparou os prejuízos sofridos pelos ofendidos. - Em audiência de julgamento, o arguido não demonstrou arrependimento. Em suma, as considerações de prevenção geral são elevadas face à profissão do arguido, a sua conduta causa sempre grande repulsa e censura sociais. Perante esta ponderação, considera-se adequada à culpa do arguido e suficiente para responder às necessidades de ressocialização por ele demonstrada, bem como à necessidade de reafirmação da confiança geral na validade das normas violadas, a aplicação da pena de 1 ano e 4 meses de prisão para cada um dos crimes de recetação e a pena de 9 meses de prisão para o crime de falsificação de documento.

Do concurso de crimes.
“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, cfr. n.º 1 do artigo 77º do C. Penal. Como resulta do n.º 2 do artigo 77º, do Código Penal há que ter em consideração na elaboração da pena única "as penas concretamente aplicadas aos vários crimes". A moldura penal dentro da qual se terá de encontrar a pena única encontra-se prevista no n.º 2 do artigo 77º do C. Penal – tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite máximo a somas das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo exceder 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa. Assim, in casu a moldura penal situa-se entre o mínimo de 1 ano e 4 meses de prisão (pena parcelar mais elevada) e o máximo de 6 anos e 1 mês de prisão (que corresponde à soma das penas concretamente aplicadas). Considerando os factos no seu conjunto, as condutas do arguido são homogéneas, praticadas contra ofendidos distintos, sendo que estes foram perpetrados num período de cerca de um ano, e o demais que ficou referido a propósito da determinação concreta das penas, decide-se cominar a pena final e única de três anos de prisão.
*** Impõe-se, agora, determinar se é caso de substituir a pena de prisão por uma pena não detentiva ou por uma pena detentiva prevista na lei.
Entre as medidas não detentivas há então que ponderar, a suspensão da execução da prisão, v.g. sujeita ao cumprimento de obrigações e/ou de regras de conduta ou até complementada com o regime de prova (arts. 50º a 54º do CP). Constitui princípio fundamental do sistema punitivo do Código Penal (art. 40º) o da preferência fundamentada pela aplicação das penas não privativas da liberdade, consideradas mais eficazes para promover a integração do delinquente na sociedade e dar resposta às necessidades de prevenção geral e especial. Nos termos do art. 50º do CP, “1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova. 3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente. 4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições. 5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.” O art. 50.º do CP consagra um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos. Sendo uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico - Maia Gonçalves (Código Penal Português, 18.ª Edição, pág. 215) -, cujo pressuposto material consiste, na “… adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial…não pode o tribunal afastar a suspensão da execução da pena de prisão com base em considerações assentes na culpa grave do arguido - Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, Univ. Católica Editora, 2008, pág. 195. “Para esse efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição; este juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização (em liberdade) do arguido - Ac STJ 27- 01-2009. E a ponderação da personalidade do arguido, a conduta anterior e posterior aos factos retratada neste acórdão, bem como as circunstâncias em que o crime foram praticados, estão diretamente associadas a finalidades de prevenção especial e não a quaisquer fatores relacionados com o grau de culpa do agente, cuja sede própria de apreciação é a escolha e determinação concreta da pena, constituindo o limite máximo e inultrapassável desta. A suspensão da execução da pena que, embora efetivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime (Ac. do STJ de 25.10.2007, in http://www.dgsi.pt). O tribunal deverá correr um “risco prudente”, uma vez que, como sugestivamente já há muito anotaram Leal-Henriques e Simas Santos, em anotação ao art. 50.º do Código Penal, “…esperança não é seguramente certeza…”, mas, subsistindo dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, então, deverá a prognose ser negativa. São as razões de prevenção geral, traduzidas nas exigências mínimas e irrenunciáveis de salvaguarda da crença da sociedade, na manutenção e no reforço da validade da norma incriminadora violada, que determinam a possibilidade de reinserção social em liberdade que inspira o instituto da suspensão da execução da pena. Mesmo que aconselhada à luz das exigências de socialização do condenado, a suspensão da execução da pena não poderá ter lugar, se a tal se opuserem a tutela dos bens jurídicos violados e as expectativas comunitárias, quanto à capacidade dos mecanismos e das instituições previstos na ordem jurídica para repor a validade e a eficácia das normas que a integram e de as fazerem respeitar. Ora, em face de tudo, quanto às condutas do arguido ficou provado acima e já se pôs até em relevo e ao que daí se extrai quanto à sua personalidade, afigura-se-nos que tais circunstâncias constituem factos que permitem elaborar um juízo de prognose favorável de que a simples censura pública e solene do seu crime e a ameaça da execução da pena de prisão bastarão para o afastar da criminalidade e satisfazer ao mesmo tempo as necessidades concretas de reprovação dos seus crimes e de prevenção de outros. Por outro lado, não se vislumbram razões de prevenção geral que desaconselhem a suspensão da execução da pena única pela prática dos crimes em apreço, sendo, então, de entender que, no caso destes autos, os fins das penas serão melhor realizados se se declarar tal suspensão. Por tudo dito, a pena única de três de prisão aplicada ao arguido deve ser suspensa a sua execução por igual período, nos termos dos artº 50º, nº 1 e 5, do Código Penal.

Dos pedidos de indemnização.
O assistente BB deduziu pedido de indemnização contra o arguido, pedindo a condenação do arguido demandado a pagar ao demandante a título de dano patrimonial e não patrimonial a quantia global de 9.772,10€ (nove mil, setecentos e setenta e dois euros e dez cêntimos), acrescida dos juros de mora contados desde a notificação para contestação, até efetivo e integral pagamento.
Nos termos do art. 129º do Código Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil. Estamos, portanto, perante uma ação civil que adere ao processo penal e que como ação civil permanece até ao fim. Importa, assim, averiguar se estão preenchidos os pressupostos condicionantes da obrigação de indemnizar, à luz da responsabilidade civil extracontratual (com exceção, portanto, da responsabilidade contratual). De acordo com o nº 1 do art. 483º do C.C., a obrigação de indemnizar, por imputação de um dano, exige a verificação dos seguintes pressupostos: existência de um facto ilícito; imputação subjetiva do facto ao lesante; nexo de causalidade entre o facto e o dano. Da análise da norma em questão resulta que o legislador consagrou duas formas de ilicitude. A primeira consubstancia-se na violação do direito de outrem, e a segunda na violação de norma legal destinada a proteger interesses alheios. Relativamente ao primeiro segmento de ilicitude, a doutrina tem entendido que nele estão contidos, sobretudo, os direitos absolutos, designadamente os direitos de propriedade e de personalidade. De acordo com o disposto no nº 1 do art. 483º e no art. 563º, o lesante só tem a obrigação de reparar os danos que, em concreto, se tenham verificado como uma consequência necessária do evento danoso, e que, em abstrato, se tenham verificado como uma consequência adequada do mesmo. Ou seja, o evento danoso deve ter constituído, simultaneamente, uma causa necessária e uma causa potencialmente idónea da produção daqueles danos - de acordo com as teorias da causalidade naturalística e da causalidade adequada (rectius, jurídica). Só os danos que estejam por este modo conexionados com o facto ilícito é que serão reparáveis. Como foi já salientado a propósito da análise da responsabilidade criminal do arguido, é inequívoco que o mesmo atuou de forma ilícita e culposa e, por essa via, causou danos de natureza patrimonial ao demandante BB, os quais deverão ser reparados por forma a colocá-la na situação em que estaria se não tivesse ocorrido o evento danoso. Nesta conformidade, o demandado está obrigado a indemnizar o demandante pelo valor da colocação das peças furtadas no veículo, no montante de €5.160,35, o dano resultante da privação do uso do veículo marca Mercedes no valor peticionado de 1.000,00 €, e a reparação do veículo Opel ... que o arguido emprestou ao assistente para poder circular, no valor de 2.112,75€.
Dos danos morais peticionados pelo demandante, em virtude de a conduta do demandado ter provocado vergonha, embaraço social e abalo psicológico fixa-se o montante peticionado de 1.500,00€.
*** A... Seguros, S.A. veio deduzir pedido de indemnização contra o arguido, pedindo a condenação do demandado a pagar ao demandante a título de dano patrimonial a quantia de 25.500,00 (vinte e cinco mil e quinhentos euros, correspondente ao valor total do veículo furtado ao segurado NN. A questão que cumpre decidir é pois a de saber se o recetador deve ou não ser civilmente responsabilizado pelo pagamento da indemnização aos ofendidos a quem foram deslocados os bens objeto da recetação. Sobre esta questão jurídica, decidiu-se no Ac. STJ de 13.09.2006, injurisprudência.pt, o seguinte: “Decidindo, começar-se-á por assinalar que o ofendido no crime de recetação, ou seja, o titular do interesse que o artigo 231º, do Código Penal, especialmente protege com a incriminação é, inquestionavelmente, a vítima do facto ilícito típico contra o património através do qual foi obtido o bem objeto da recetação. Com efeito, de acordo com a alínea b) do n.º 3 do artigo 231º, ao crime de recetação é correspondentemente aplicável o disposto na alínea a) do artigo 207º, se a relação familiar interceder entre o recetador e a vítima do facto ilícito contra o património, o que significa que o legislador considera como ofendido da recetação a vítima do facto ilícito típico contra o património através do qual foi obtida a coisa objeto da recetação. Deste modo, sendo ofendido no crime de recetação a vítima do facto ilícito típico contra o património através do qual foi obtido o bem objeto de recetação, dúvidas não subsistem da sua legitimidade para a dedução de pedido de indemnização civil no processo penal, posto que todo o ofendido é lesado - artigo 74º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Por outro lado, com o crime de recetação, do qual é objeto a coisa obtida mediante facto ilícito contra o património, crime que se encontra inserto no Título II - Dos Crimes Contra o Património -, Capítulo IV - Dos Crimes Contra Direitos Patrimoniais -, obviamente que se pretende tutelar o direito patrimonial do proprietário ou detentor do bem objeto da recetação. Por outro lado, ainda, certo é que o crime de recetação é um facto que acarreta a manutenção, consolidação ou perpetuação de uma situação patrimonial anormal, decorrente de um) crime anteriormente praticado por outrem, pelo que o seu agente viola também o direito de propriedade ou detenção do dono ou detentor da coisa deslocada. Daqui resulta que todos os danos ocasionados àquele que é ofendido no crime de recetação, ou seja, ao proprietário ou detentor do bem objeto da recetação, mais concretamente os danos produzidos sobre o objeto do crime, isto é, sobre a coisa recetada, se devem incluir na obrigação de indemnizar por parte do recetador, obrigação que, obviamente, também impede, de modo solidário, sobre o autor do facto ilícito típico contra o património através do qual foi obtida a coisa recetada.” No caso concreto, a demandante pretende que o arguido demandado seja obrigado a indemnizar no valor de €25.500,00, correspondente ao valor total do veículo. No entanto, entendemos que a responsabilidade do demandado recetador, no caso concreto, limita-se ao valor da peça que o arguido adquiriu - radiador do veículo furtado. E uma vez que, não foi possível determinar o valor da referida peça, vai o arguido condenado no valor desse bem, a liquidar em incidente de liquidação, nos termos do artº 82º, nº 1, do C.P.P.

Da perda de vantagens.
O Ministério Público, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 110.º, n.ºs 1, al. b), 4 e 6 do Código Penal, promoveu que se declare a perda das vantagens obtidas pelo arguido com a prática dos factos descritos na acusação respeitantes aos crimes de recetação, alegando para tanto que, por cada veículo comercializado o arguido obteve um lucro nunca inferior a €5.000,00, termina pedindo a condenação do arguido no pagamento ao Estado da quantia de 20.000,00 Euros (vinte mil euros). Dispõe o artigo 110.º, sobre a perda de produtos e vantagens, o seguinte: “1 - São declarados perdidos a favor do Estado: a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem. 2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem. 3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.
4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz. 6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.”
O instituto da perda de vantagens decorrentes da prática do crime em finalidades próprias como mecanismo eficaz de dissuasão da criminalidade que visa o lucro.
No caso concreto, tendo ficado demonstrado que o arguido obteve uma vantagem patrimonial ilícita, pela venda dos veículos BMW ... com a matricula ..-PQ-.. e Mercedes com a matrícula ..-VD-.., no valor €5.000,00, não pode o tribunal deixar de condená-lo no pagamento ao Estado do valor correspondente a tal vantagem total de €10.000,00 (cfr. o art. 110.º, n.º 4, do Código Penal).
* – DECISÃO: (…).
*
Cumpre apreciar.
No naipe que questões suscitadas sobre impugnação da matéria de facto, cumpre desde logo, apreciar a impugnação nos termos do art.412º nº3 do CPP, a qual constitui o ponto central do objecto do recurso, estabelecendo os pressupostos dos poderes de cognição do Tribunal Superior
Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-2008, Proc. nº 07P4375 (in www.dgsi.pt) a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e ás concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, restrita á indagação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo á sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b), do nº 3, do citado artº 412º).
Com efeito, no Acórdão da Relação de Évora, de 1 de Abril do corrente ano (processo n.º 360/08-1.ª, www.dgsi.pt) sustentou-se «Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente

Não basta à recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para que o tribunal de recurso tenha de fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova.
O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação. O recurso com esses fundamentos apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância [cfr. Germano Marques da Silva, in Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999].
Com efeito, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros» [cfr, neste sentido, Ac. do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt]
O Tribunal de recurso apreciando os fundamentos da impugnação da matéria de facto e os meios de prova indicados nos termos do art.412º nº3 do CPP (quando conste do objecto de recurso), deve aferir se o Tribunal “a quo” apreciou e interpretou os meios de prova conforme os padrões e as regras da experiência comum (a regra da experiência expressa aquilo que normalmente acontece, é uma regra extraída de casos similares), não extraindo conclusões estranhas ou fora dos depoimentos, subsistindo sempre um plano de convencimento do Tribunal a quo, segundo a livre convicção do julgador que não cabe a este Tribunal de recurso reformular.
Em sede de apreciação da prova rege o princípio da livre apreciação, expressamente consagrado no artigo 127.º do C.P.P.
Este princípio impõe que a apreciação da prova se faça segundo as regras da experiência comum e em obediência à lógica. E se a convicção do Tribunal “a quo” se estribou nestes pressupostos, como já se enfatizou, o Tribunal “ad quem” não pode sindicar ou sobrepor outra convicção.
Com as limitações que decorrem da falta de mediação e da impugnação parcelar dos factos, o Tribunal de recurso somente poderá alterar a decisão de facto quando se “imponha” (usando a expressão legal), ou seja, quando o processo decisório de reconstituição do acontecer histórico da 1ª Instância se fundou fora da razoabilidade em juízos destituídos de lógica, ou distintos dos padrões da experiência comum.
Quanto às alegadas incongruências e concretas divergências enfatizadas pelo recorrente, centradas no distanciamento do julgamento da matéria de facto proferido pelo Tribunal “A Quo” sobre as quatro situações que correspondem aos crimes de recetação, este Tribunal de recurso tendo ouvido as declarações do arguido, as declarações do perito, e do mecânico DD que interveio em algumas das reparações em discussão (cerca de três), desde já suscitam-se algumas reservas sobre a conformidade do resultado probatório feito pelo Tribunal “A Quo”, com os meios de prova disponíveis.
Nos autos, temos apuradas quatro situações: a 1ª Situação reportada ao furto da viatura BMW de matrícula “PE”, a aquisição do salvado pelo arguido de matrícula “PQ” que apresentando um dano relevante (na descrição feita pelo perito), foi incorporado neste o radiador (peça que provinha do veículo “PE”), quanto à peça cava da roda o perito não estabeleceu relação com o “PE”; a 2ª Situação reportada ao furto da viatura Mini ... de matrícula “OE”, a aquisição do salvado pelo arguido de matrícula “QL”, incorporando neste o forro do chão do habitáculo (peça que provinha do veículo “PE”), mas o perito em declarações que prestou, referiu igualmente que a cava da roda foi também substituída neste veículo assim como os airbags, mas não pode estabelecer com segurança a correspondência dessas peças como pertencentes a veículo furtado; a 3ª Situação reportada ao furto da viatura BMW de matrícula “QD”, a aquisição do salvado pelo arguido de matrícula “SF”, incorporando neste a estrutura frontal, faróis, plásticos, radiador e motor (peças que provinha do veículo “QD”, dado que os componentes trazem muita informação, correspondendo a data de produção, ao ano e ao mês, à data de produção do veículo furtado, como foi referido pelo perito), mais referiu o perito que foram colocadas muitas peças que não conseguiu determinar a proveniência da mesma; a 4ª Situação reportada ao furto da viatura mercedes de matrícula “BE”, e aquisição do salvado pelo arguido de matrícula “KRK” depois com matrícula nacional “VD”, incorporando neste caixa de velocidades, airbags, bateria de arranque (peças que provinha do veículo “BE”), aqui relevando o relatório pericial junto nos autos.
Se a subtração dos quatros veículos mostra-se suficientemente comprovada, assim como a posterior aquisição dos veículos-salvados pelo arguido, ou por pessoas próximas a si, e a ulterior venda dos mesmos e respetivos valores, assim como o uso de algumas peças na reparação destes salvados que se mostram terem sido pertença de veículos que haviam sido furtados, e que vieram a ser adquiridas pelo arguido em circunstâncias desconhecidas, são realidade de facto que o Tribunal “A Quo” julgou bem ajustado aos meios de prova que se produziram, e que bem analisou, com particular destaque para o relatório pericial constante dos autos, assim como para o relatório complementar junto pelo perito datado de 27/10/2022 (o qual especifica que mesmo as peças acessórias das 1ª, 2ª e 3ª situações, tinham autocolantes com o número de série que as respetivas fábricas reportaram às matrículas dos veículos furtados), assim como pelas declarações que o mesmo prestou em audiência de julgamento, e que o Tribunal de recurso ouviu; assim, como as testemunhas respeitantes aos negócios subsequentemente realizados para venda dos veículos que o arguido mandou reparar para venda precisamente.
Estando em causa a imputação do cometimento de quatro crimes de recetação pelo arguido, o momento da aquisição das peças provenientes de veículos automóveis furtados, assim como o circunstancialismo inerente, adquirem particular destaque na apreciação da prova, concretamente quanto ao elemento subjetivo do agente.
Se o arguido negou conhecer a proveniência ilícita das penas, declarou que as adquiriu em sucateiros, no OLX ou no Facebook, o Tribunal “A Quo” considerou e valorizou a sucessão destes casos, e a sua concentração para daí deduzir o dolo do arguido quanto à aquisição das apuradas peças com conhecimento sobre a sua proveniência ilícita por delito contra o património. Mas o certo é que se desconhecem outros veículos, cujos salvados o arguido haja adquirido e posteriormente vendido (daí a concentração de casos ficar em crise); acresce que em cada veículo em discussão nos autos, que eram salvados sinistrados, as respetivas reparações tiveram um alcance de muito maior espectro, ou seja, além das peças que foram sinalizadas como pertencentes a veículos outrora furtados e desmontados, muitas outras peças de proveniência igualmente desconhecida foram usadas para as reparações, circunstância que alarga o universo ponderável, relativizando os fundamentos usados na convicção formada pelo Tribunal “A Quo” (de notar que na motivação da decisão de facto constante do Douto acórdão, no que concerne à 4ª Situação o Tribunal de 1ª instância referiu-se por manifesto lapso ao veículo reparado de matrícula “SF”, quando se queria referir ao veículo reparado “VD”, o que se compreende, atentas as múltiplas matriculas e veículos em discussão).
Depois, nas reparações dos veículos da 1ª e 2ª situação, o uso de peças relativas à recetação circunscrevem-se apenas a um radiador na 1ª situação e a um forro do chão do habitáculo na 2ª situação, ficando por perceber na ótica do delinquente, o relevante impacto económico dessas peças nas aludidas reparações, seguramente muito mais amplas, dado que se tratavam de salvados sinistrados, antes representando um valor diluído em todo o esforço de reparação. Somente, nas 3ª e 4ª situações, o uso de peças adquire um valor económico mais expressivo e relevante.
Depois, desconhecessem-se, em absoluto, os termos e as circunstâncias em como foram adquiridas as peças em causa, designadamente o respetivo valor (não obstante o arguido afirmar que as adquiriu “caras”, concretamente o motor); se existia algum circuito ilícito, como era sugerido no “preambulo” da acusação, aquele que o Tribunal não apreciou.
Adensou e influiu no juízo probatório formulado pelo Tribunal “A Quo”, designadamente na 3ª situação, o respetivo iter temporal entre a aquisição do salvado, o posterior furto do veiculo, e a aquisição das peças do mesmo; e na 4ª situação, é o condicionalismo do salvado do veículo “KRK” haver sido adquirido na Holanda, e aí reparado, e depois em Portugal, sempre com pecas provenientes de veiculo subtraído. Mas essas circunstâncias embora incrementem as probabilidades da tese da acusação, na falta de outros elementos não têm a virtualidade de tornar exclusiva essa versão na convicção do julgador.
A investigação mostra-se obliterada sobre o acontecer histórico reportado às sucessivas aquisições de peças, o que torna a indagação dos delitos de recetação mais difícil, apenas o recurso a regras da experiência comum poderá conduzir ao sucesso probatório. Concebe-se ainda assim, que, no desconhecimento sobre como tenham ocorrido cada uma dessas aquisições, a conduta do agente pode bem revelar, segundo as regras da experiência comum, que teve conhecimento sobre a proveniência ilícita contra o património. Mas nesse caso, seria necessário algo mais, que tornasse plausível o dolo. No entanto, nos autos faltam elementos acessórios que permitam dedutivamente qualificar a hipótese da acusação como exclusiva, afastando as probabilidades da tese do arguido.
O núcleo dos elementos de prova para a verificação dos delitos de recetação nos presentes autos não consegue estabilizar-se, face ao volume de dúvidas que se suscitam. O depoimento do mecânico testemunha DD não permite dissipar as duvidas que permanecem.
A aquisição de peças automóveis em sucateiro, ou mesmo no OLX, torna plausível a ausência de fatura, dada a informalidade como os negócios são feitos nesses ambientes. Seja como for, o arquivo de faturas, por regra, ocorre quando o sujeito é comerciante no ramo da reparação de veículos, ou venda de peças, e quando respeita as preocupações perante o fisco. Diversamente, não se divisa como provável ou expetável que necessariamente se arquivem faturas para eventual produção de prova e demonstrações perante presumíveis processos crimes. Isto para referir que a circunstância do arguido não apresentar faturas, não o coloca alvo de presunções judiciais desfavoráveis sobre essa sua conduta de não pedir ou arquivar faturas.
Assim sendo, embora o uso repetido de peças provenientes de veículos furtados na reparação dos 4 veículos salvados adquiridos pelo arguido, contenha a probabilidade maioritária (sem ser elevada) de verificação dos delitos (ou seja, que o arguido conhecesse a proveniência ilícita das peças de veículos furtados), a mesma confronta-se com as hipóteses alternativas suscitadas pelo arguido, estas também de probabilidade relevante, de haver adquirido as peças em causa, e muitas outras peças (essas sem referência a qualquer ilícito), quer em sucateiros, no OLX, ou no Facebook, sendo estes últimos mercados com alguma extensão, embora circunstancial. Este condicionalismo afasta o carácter exclusivo da versão da acusação, cujo grau de probabilidade sendo maioritário, não será, contudo, elevado.
No acórdão RelP de 10/05/2023 do processo nº17583/18.1T9PRT.P1 publicado no site do ITIJ por nós relatado, sustentou-se que “No processo penal, o princípio in dúbio pro reo, constitui um refinamento do princípio da presunção de inocência, enquanto princípio de prova, dando corpo ao standard da prova em processo penal. Com efeito, a par da probabilidade elevada que a versão da acusação deve merecer da prova produzida, não pode essa probabilidade competir com parâmetros de dúvida atendível que se estabeleçam em hipóteses alternativas. Daí que a dúvida aferirá não apenas o grau de probabilidade da versão da acusação, como o grau de probabilidade das versões alternativas que constam da defesa, e será no jogo dessas probabilidades que os parâmetros de dúvida se podem instalar, ou não.”. Por sua vez, acórdão da Rel.P proferido no processo 285/18.6GAARC.P1 de 12/01/2022 publicado no site do ITIJ por nós relatado, no mesmo alinhamento, sustentou-se “Assim, e desde logo, casos há em que, muito embora a prova produzida seja fortemente sugestiva ou indutora de uma realidade de facto a favor da hipótese da acusação, por si só, essa sugestão não excluí, ou pode não excluir, a importância das hipóteses alternativas de facto. Sobre o que sejam hipóteses alternativas à hipótese da acusação (ou da pronúncia relativa à participação do arguido) e que podem influir na discussão entre a absolvição e a condenação, destacam-se as versões trazidas expressamente pela defesa ou oficiosamente indagadas pelo Tribunal, que, ou excluem de forma absoluta a participação do arguido (elegendo a participação de terceiros, ou simplesmente, colocam o arguido fora do cenário do delito); ou alteram a participação do arguido nos factos (com discussão de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa); ou tornam a conduta do ofendido causal aos danos provocados.” (…) probabilidade das hipóteses divergentes que vier a ser achada em audiência, enquanto se situar num grau plausível (de verificação razoável) afetará irremediavelmente a convicção probatória. De notar que a ponderação sobre a plausibilidade das hipóteses alternativas e a verificação do seu quantum de probabilidade não supõe necessariamente a prova sobre a matéria fáctica das mesmas, dado que a relevância sobre a probabilidade de uma hipótese pode manter-se desde que, suscitada oficiosamente ou pela defesa, e desde que os seus pressupostos teóricos se apliquem e moldem à situação em discussão nos autos, criando a dúvida que será aferida pela lógica, em confronto com os restantes factos que se apurem. Ou seja, se a defesa suscitar uma hipótese alternativa, o julgador na ponderação da situação histórica em discussão, considerará os contornos daquela hipótese, podendo-lhe atribuir plausibilidade/probabilidade, apenas com apelo às regras da lógica, mesmo que não ocorra a prova concreta sobre os pressupostos de facto dessa hipótese alternativa, assim se instalando no seu espírito uma dúvida juridicamente relevante (podendo até bastar mera a argumentação lógica, como também, verificar-se a indiciação [que não prova] de alguns desses pressupostos, para que ocorra a dúvida). De notar que, se a hipótese alternativa suscitada, apenas opera com a lógica (e não com a prova ou indiciação dos seus pressupostos de facto) aplicada aos factos em discussão, então, diferentemente de uma hipótese de factos, será antes uma suposição ou conjetura que opera mais com possibilidades do que com probabilidades. (…) A discussão deste tema assume particular interesse nos casos limite, em que a probabilidade da hipótese divergente é de grau reduzido, mas com relevo suficiente para firmar a dúvida judiciária, sendo que esta deve prevalecer quando, segundo as regras da experiência comum e da lógica, mesmo com probabilidades reduzidas, é perturbada a consciência do julgador, que no plano constitucional está vinculada ao “standard” da prova em processo penal, só podendo julgar provados os factos da acusação, quando isso implique o afastamento das hipóteses divergentes, afirmando-se a hipótese da acusação como a única exclusiva que explique os factos, estabilidade que deve estabelecer-se na consciência do julgador.”.

Deve ainda precisar-se que, comummente, a violação do princípio in dúbio pro reo é, por regra, localizada e apreciada em sede de erro notório na apreciação da prova nos termos do art.410 nº2 alínea c) do CPP, concretamente, nos casos em que o juiz na motivação da decisão da matéria de facto verbalizou ou exprimiu algum grau de dúvida, o que, por si, tornava notório o erro e assim a invalidava a convicção probatória, por preterição do referido princípio. Note-se, ainda assim, que o Tribunal pode expressar e equacionar dúvidas (e até, não só, é natural que o faça, como deve fazê-lo), mas se desconsiderar a sua relevância, inexiste qualquer erro notório.
Independentemente da dúvida ter sido, ou não, verbalizada, quando ocorre a impugnação da decisão da matéria de facto nos termos do art.412º nº3 do CPP, é esse o ambiente “ex professo” de aferição do in dúbio pro reo, onde a decisão de facto impugnada será apreciada todos os seus parâmetros, concretamente, da prova produzida e da mensuração de todas as probabilidades em discussão, se existem dúvidas revelantes que devam ser consideradas, para afastar o carácter exclusivo da hipótese da acusação.
Por vezes, o tratamento dado ao princípio in dúbio pro reo costuma ser segmentado como uma realidade à parte da livre convicção do juiz, exceção seja feita à afirmada “dimensão objetiva” do princípio “in dúbio pro reo”, prosseguida pelo acórdão do TRL de 22/9/2020, com relator o juiz desembargador dr Jorge Gonçalves e disponível em www.dgsi.pt., quando referiu “no caso de o tribunal dar como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que não tenha manifestado ou sentido a dúvida, mesmo que não a reconheça, há violação do princípio se, do confronto com a prova produzida, se conclui que se impunha um estado de dúvida.”.
Na realidade, como já defendemos noutras decisões, cremos que a plena afirmação, “ex professo”, do princípio in dúbio pro reo, ocorre no seio da formação da convicção probatória, e a discussão sobre o seu incumprimento tem a sua sede natural no nº 3 do art. 412º do CPP (muito mais do que mero erro notório, aliás de verificação estatística escassa). Quando se constata a violação desse princípio em pleno terreno de apreciação do erro de julgamento de facto, então estaremos perante a verdadeira infração material, “próprio sensu”, do princípio in dúbio pro reo.
Pois, o princípio “in dúbio pro reo” integra o núcleo central do standard de prova em processo penal, e na formação da livre convicção constitui ponto central a ponderação dos parâmetros de dúvida que se suscitam na medição e pesagem das probabilidades que se verificam nas hipóteses alternativas à hipótese da acusação (a mensuração da dúvida tem como finalidade e função o afinamento do grau de probabilidade na mensuração do risco da causalidade adequado a determinar, no juízo de prova). No caminho da certeza probatória, há, por regra, a ponderação da dúvida.
A ponderação das probabilidades entre as várias hipóteses é que afere a têmpera da dúvida, e em que medida a mesma será de afastar definitivamente, ou diversamente, quando a mesma triunfa, mesmo sobre a versão da acusação com probabilidades elevadas, mas que, ainda assim, não resistem às dúvidas. De notar que, como as hipóteses colocam-se em universos distintos do acontecer histórico, as probabilidades não se complementam até perfazer 100%, podendo a versão da acusação contar com uma probabilidade muito elevada de 80%, e a hipótese alternativa da defesa colher uma probabilidade de 40%.
O problema da dúvida na formação da convicção probatória constitui o campo privilegiado da ciência jurídica e processual da prova, sendo “expressamente colocada no ordenamento jurídico civil e processual civil, mas com diversa incidência da do processo penal, por ser diferente o paradigma probatório, assim como a operação de calibrar probabilidades. Desde logo, o regime do art.346º do CC prevê quando instalada a dúvida a “questão é decidida contra a parte onerada com a prova”, por sua vez, o disposto no art.414º do CPC estabelece que havendo “dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus de prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”. A dúvida surge igualmente integrado no sistema de presunções de culpa no direito substantivo, como é exemplo paradigmático o disposto no art.506 nº2 do CC.” (ver citado acórdão da RelP de 10/05/2023 do processo nº17583/18.1T9PRT.P1). No processo penal, a dúvida que se expressa na colocação de questão racional que é expectante de uma resolução ou certeza, percorre a aferição das probabilidades, só se formando a convicção probatória positiva sobre a hipótese da acusação, quando esta se tornou exclusiva, assim, se expurgando do horizonte próximo as dúvidas subsistentes.
No Acórdão da RelP de 28/04/2021 do processo nº2282/17.0T9MAI.P1 publicado no site do ITIJ sustentou-se “A dúvida juridicamente relevante para a absolvição é aquela que, no espírito do julgador, subsiste numa hipótese divergente ainda que o respetivo grau de probabilidade seja mínimo, mas não desprezável, de tal modo que perturba definitivamente a convicção fundada no sucesso da tese da acusação de probabilidade muito elevada.
O juízo de prova consolida-se quando, fruto da racionalidade, no espírito do julgador é considerada como historicamente exclusiva a hipótese da autoria do arguido, afastando-se a probabilidade das de teses concorre.”

In casu, não sobreveio nenhum elemento probatório com a capacidade de tornar exclusiva a versão da acusação, não resistindo às dúvidas que decorrem da probabilidade igualmente verificada na hipótese sustentada pelo arguido. Motivo, porque o compromisso de prova, ditado pelo standard do processo penal, não se mostra cumprido, triunfando o in dúbio pro reo, que atinge a prova do dolo nos delitos de recetação, assim, inverificado.

Deste modo, forçoso será concluir, que se impõe uma alteração de fundo da matéria de facto que fora julgada em primeira instância, e que determinará profundas alterações nesse julgamento, em particular em sede do elemento subjetivo do agente no que toca aos delitos de recetação, concretamente nos pontos da matéria de facto a seguir discriminados, que passarão, respetivamente, a ter alterada a sua redação; eliminados do elenco dos factos provados e aditados ao elenco dos factos não provados, da seguinte forma:

* Quanto à 1ª Situação referente ao veículo BMW furtado de matrícula “PE” e a aquisição do salvado de matrícula “PQ”:
É alterada a redação dos seguintes factos provados:

“10. O arguido obteve de terceiro não identificado, o radiador do veículo furtado com a matrícula ..-PE-...
11.Empregou-o no veículo que pretendia recuperar.”

São eliminados dos factos provados os pontos 15 a 18.

São aditados ao elenco dos factos não provados os seguintes pontos:
(referentes à 1ª Situação):
3. O arguido sabia que o radiador que adquiriu e que pertencia ao veículo de matrícula ..-PE-.., era o resultado da prática de crime contra o património.
4. e quando o empregou-o no veículo que pretendia recuperar, omitiu ao mecânico e ao terceiro interessado na aquisição do bem a origem criminosa daquelas.
5. O arguido quanto à reparação do veículo “PQ” aceitou adquirir o radiador – proveniente da prática de crime contra o património - para daí retirar vantagem de conteúdo patrimonial ilícito.
6. O arguido estava ciente que o radiador comprado não pertencia ao vendedor/detentor e que este havia acedido à posse do mesmo mediante a prática de atos lesivos do património alheio.
7. Não obstante esse conhecimento, não se coibiu de ficar na posse desse artigo, a fim de obter para si vantagem de conteúdo patrimonial, como de facto obteve.
8. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

* Quanto à 2ª situação referente ao veículo Mini ... furtado de matrícula OE e a aquisição do salvado de matrícula “QL”:
É alterada a redação dos seguintes factos provados:

“26. O arguido obteve de terceiro não identificado o forro do chão do habitáculo do veículo furtado com a matrícula ..-PE-...
27. Empregou-o no veículo que pretendia recuperar.”
São eliminados dos factos provados os pontos 29 a 32.

São aditados ao elenco dos factos não provados os seguintes pontos:
(referentes à 2ª Situação):
9 - O arguido sabia que o forro do chão que adquiriu do habitáculo do veículo furtado com a matrícula ..-PE-.. era o resultado da prática de crime contra o património
10 – e quando o empregou-o no veículo que pretendia recuperar, omitiu ao mecânico a origem criminosa daquelas.
11. O arguido aceitou adquirir aquele material – proveniente da prática de crime contra o património - para daí retirar vantagem de conteúdo patrimonial ilícito.
12. O arguido estava ciente que os objetos comprados não pertenciam aos vendedores/detentores e que estes haviam acedido à posse dos mesmos mediante a prática de atos lesivos do património alheio.
13. Não obstante esse conhecimento, não se coibiu de ficar na posse desses artigos, a fim de obter para si vantagem de conteúdo patrimonial, como de facto obteve.
14. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

* Quanto à 3ª situação referente ao veículo BMW furtado de matrícula “QD” e a aquisição do salvado de matrícula “SF”:
É alterada a redação dos seguintes factos provados:

“42. O arguido obteve de terceiro não identificado, a estrutura frontal – faróis, plásticos, travessa e radiador - e o motor do veículo furtado com a matrícula ..-QD-...
43. Empregou-as no veículo que pretendia recuperar.”

São eliminados dos factos provados os pontos 46 a 49.

São aditados ao elenco dos factos não provados os seguintes pontos:
15 - O arguido sabia que a estrutura frontal – faróis, plásticos, travessa e radiador - e o motor do veículo furtado com a matrícula ..-QD-.., que adquiriu, era o resultado da prática de crime contra o património
16 – e quando empregou-as no veículo que pretendia recuperar, omitiu ao mecânico e ao terceiro interessado na aquisição do bem a origem criminosa daquelas.
17. O arguido aceitou adquirir o material acima descrito – proveniente da prática de crime contra o património - para daí retirar vantagem de conteúdo patrimonial ilícito.
18. O arguido estava ciente que os objetos comprados não pertenciam aos vendedores/detentores e que estes haviam acedido à posse dos mesmos mediante a prática de atos lesivos do património alheio.
19. Não obstante esse conhecimento, não se coibiu de ficar na posse desses artigos, a fim de obter para si vantagem de conteúdo patrimonial, como de facto obteve.
20. O arguido agiu, sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

* Quanto à 4ª situação referente ao veículo Mercedes furtado de matrícula “BE” e a aquisição do salvado de matrícula “KRK” entretanto alterada para matrícula nacional “VD”:
É alterada a redação dos seguintes factos provados:

“57. O arguido obteve de terceiro não identificado – a caixa de velocidades, a caixa de direção, o airbag do acompanhante, o airbag da janela do lado esquerdo, o airbag lateral dianteiro direito e bateria de arranque do veículo furtado com a matrícula BE.......
58. Empregou-as no veículo que pretendia recuperar.”
São eliminados dos factos provados os pontos 62 a 65.

São aditados ao elenco dos factos não provados os seguintes pontos:
21 - O arguido sabia que a caixa de velocidades, a caixa de direção, o airbag do acompanhante, o airbag da janela do lado esquerdo, o airbag lateral dianteiro direito e bateria de arranque do veículo furtado com a matrícula BE...... .., que adquiriu, era o resultado da prática de crime contra o património
22 – e quando empregou-as no veículo que pretendia recuperar, omitiu ao mecânico e ao terceiro interessado na aquisição do bem a origem criminosa daquelas
23. O arguido aceitou adquirir aquele material – proveniente da prática de crime contra o património - para daí retirar vantagem de conteúdo patrimonial ilícito.
24. O arguido estava ciente que os objetos comprados não pertenciam aos vendedores/detentores e que estes haviam acedido à posse dos mesmos mediante a prática de atos lesivos do património alheio.
25. Não obstante esse conhecimento, não se coibiu de ficar na posse desses artigos, a fim de obter para si vantagem de conteúdo patrimonial, como de facto obteve.
26. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Do pedido civil (BB):
Será eliminado dos factos provados o ponto 94.
É alterada a redação do ponto 95 dos factos provados:

“95. Em 02 de outubro de 2019, a viatura Mercedes ..-VD-.., em consequência de ter sido reparada com peças provenientes de um veículo furtado, foi apreendida à ordem dos presentes autos.”

Portanto, este Tribunal de recurso ouvidas as declarações do arguido, do perito CC, e da testemunha DD, não pode concordar com o resultado probatório que foi realizado pelo Tribunal a quo, o qual não obstante ser esforçado, acaba por não pesar devidamente os termos do in dúbio pro reo que está bem presente nos trâmites da convicção probatória, o que impõe a supra alteração da decisão de facto, assim procedendo o essencial da impugnação movida à decisão da matéria de facto.
*
Apreciando a nulidade que o arguido sustenta sobre omissão de pronúncia de factos alegados na Acusação Pública, concretamente os 1§ a 8§, assim como peças do veículo furtado de matrícula PE e colocadas no PQ referente à 1ª situação, para além do radiador; assim como peças do Mini ... do veículo furtado de matrícula OE e colocadas no veículo de matrícula “QL” referente à 2ª situação, para além do forro do chão (a qual configuraria a nulidade da sentença nos termos dos arts.374, nº2, do C.P.P. e artº. 379, nº. 1, al. a), do C.P.P.). Ora quanto aos primeiros oito§ da acusação, são eles relativamente genéricos, embora pretendam enquadrar o dolo do arguido adiante afirmado em cada uma das situações. Quanto às restantes peças dos veículos que o arguido refere haver omissão de pronúncia por parte do Tribunal, pelo menos quanto á sua colocação no elenco dos factos não provados, esta questão mostra-se prejudicada, pela falência de prova que foi supra julgada, quanto ao elemento subjetivo dos crimes de recetação. Por essa razão, as conclusões do recurso a este respeito não têm provimento.
*
No que concerne às questões de direito suscitadas quanto aos crimes de recetação de falsificação de documento.
Quanto aos crimes de recetação, embora se apure que as peças de veículos automóvel em questão eram de proveniência ilícita por delitos contra o património (cfr.art.231º nº1 do Cód.Penal). Esta proveniência constituindo um elemento típico objetivo que também rege no tipo negligente (o contrário de legítima proveniência é o facto ilícito contra o património), contudo, não se provou o dolo do arguido no cometimento dos 4 crimes de recetação.
Quanto ao figurino do nº2 do art.231º do Código Penal, também nada se prova quanto à exigibilidade perante o arguido em suspeitar da proveniência do facto ilícito típico contra o património (cfr. nº 2 do art. 231º do Cód.Penal).
A indagação sobre a sua atitude subjetiva tornaria necessária a discussão, nestes autos, sobre a tipicidade prevista no nº2 do art.231º do Cód.Penal, designadamente sobre se encerra em si um tipo doloso complexo (o qual integra uma primeira atitude negligente de falta de cuidado na averiguação, mas também, e a seguir, um dolo eventual sobre a proveniência ilícita), ou se, constitui em si, um só tipo negligente (disso dependendo saber se a expressão legal “faz razoavelmente suspeitar que” se reporta ao agente típico, ou ao homem médio que pelo juízo da experiência comum razoavelmente suspeitaria).
É que, se a expressão típica “faz razoavelmente suspeitar que” se reportar ao agente, então essa expressão supõe uma vincada representação da realidade, e por isso, quase volitiva, no campo da aceitação (uma vez que a “suspeita” implica um juízo valorativo da realidade).
Reportando-se a expressão ao homem médio, então, estamos perante a construção de um tipo meramente negligente, uma vez que evidencia uma exigência típica sobre o agente, de previsibilidade da realidade, e nessa medida, desse juízo médio, só pode emergir um juízo de previsibilidade característico da negligência, e não já o querer, próprio de certo agente em particular.
Definido que se trata de um tipo negligente, claro está não se haver provado qualquer expressão de dolo e muito menos o condicionalismo de onde fizesse razoavelmente suspeitar a proveniência ilícita contra o património das peças de automóveis furtados.
Por último, acresce que no nº2 do tipo em análise não se expressa o elemento típico subjetivo da intenção de obter para si a vantagem patrimonial, precisamente, porque a atuação por negligência nunca é dirigida ao desvalor do resultado. O nº1 já o prevê dado a natureza dolosa do tipo. Seja como for, não se apurando em que termos ocorreu cada uma das aquisições, designadamente o seu valor, então, igualmente encontra-se afastada a ponderação do cometimento dos delitos recetação na forma negligente prevista e punida pelo nº2 do art.231º do CP.
Devem assim, o arguido deverá ser absolvido de todos os crimes de recetação de que estava acusado.

No que concerne ao crime de falsificação de documento, o recorrente sustenta circunstâncias que, no entanto, não afastam a verificação típica, ilícita e culposa, embora, essas mesmas circunstâncias determinem um dolo de menor intensidade, assim como uma ilicitude de menor vulto, que serão tidas em conta na medida da pena, mas que não podem obstar à consumação do delito previsto e punido pelo art. 256º, nºs 1, al. d) e 3 do Código, dado que a circulação automóvel com desconformidade da matrícula, enquanto documento autêntico, faz verificar os elementos típicos, dúvidas também não subsistindo quanto ao elemento doloso no cometimento do delito, com prejuízo do Estado na fé pública que deve merecer a matricula, nesta parte improcedendo as conclusões do recurso.
*
O recorrente também discorda da pena cominada no crime de falsificação de documento que considera excessiva. Nos termos do art.70º do Cód.Penal considerando a primariedade do arguido, a sua inserção social e profissional, e a dimensão contida do dolo, dado que a matricula usada para circular, era a anteriormente atribuída ao veículo no estrangeiro, este condicionalismo situa as exigências de prevenção geral num plano moderado e que determina a opção pela pena não privativa da liberdade, aqui procedendo as conclusões do recurso.
Face à moldura abstrata da pena de multa fixada de 60 a 600 dias (cfr. art. 256 nº 3 do CP) ponderando todas as condicionantes do art.71º do CP, designadamente, as já referidas primariedade, inserção social e profissional, a dimensão contida da ilicitude e do dolo, evidenciam um menor peso das exigências de prevenção, assim como da culpa, o que impõe uma medida concreta da pena de multa moderada, devendo a pena concreta corresponder a 90 dias de multa à taxa diária de 9€ (face à capacidade económica revelada) cfr.art.47º do CP. Deste modo, e nesta parte, também procedem parcialmente as conclusões do recurso.
*
Com o provimento do recurso no que concerne à totalidade dos quatro crimes de recetação, cujo tipo de ilícito não se tornou perfeito, daí resultam diversas consequências, impondo-se a modificação do douto acórdão, quanto às consequências da perda de vantagens, cujos pressupostos previstos no art.110º do CP deixam de se verificar.
*
Quanto às duas pretensões de indemnização cível deduzidas nos autos, por força do acórdão de uniformização de jurisprudência nº 7/1999, fundando-se as mesmas em responsabilidade extracontratual, a absolvição do arguido, não se apurando parâmetros de culpa, determina que não se aprecie a eventual responsabilidade contratual, daí que o regime jurídico da venda de coisa defeituosa, não seja aqui apreciado, o que determina a improcedência dos pedidos de indemnização cível deduzidos nos autos (com fundamento delitual cfr.art.483º do CC).
*
Deste modo, o recurso tem provimento parcial, embora em parte determinante e dominante.

DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso penal parcialmente provido e consequentemente, alterar a decisão do Tribunal “A Quo” concretamente quanto ao julgamento da matéria de facto nos termos supra determinados e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, julgando-se nos seguintes termos:

Julgar a acusação parcialmente procedente, e consequentemente:
A) Absolver o arguido AA dos quatro crimes de recetação dolosa de que estava acusado, previstos e punidos pelo artº 231º, nº 1, do Código Penal;
B) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artº 256º, nºs 1, al. d) e 3 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 9€ (nove euros), ou seja, na multa global de 810 (oitocentos e dez) euros, e na legal prisão subsidiária;
C) Condenar o arguido nas custas e encargos do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
D) Mais se absolve o arguido da pretensão deduzida nos termos do artº 110.º, n.ºs 1, al. b), 4 e 6 do Código Penal.

*** Parte civil
1. Julgam-se improcedentes os pedidos cíveis deduzidos pelo demandante BB, e demandante A..., S.A.

2. Custas do pedido cível a cargo, respetivamente, pelos demandantes.”

No mais mantém-se os termos do acórdão do Tribunal “A Quo”.

Notifique.

Sumário.
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Porto, 21 de Junho 2023.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha
Pedro Afonso Lucas