Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PEDRO DAMIÃO E CUNHA | ||
Descritores: | PROCESSO DE INSOLVÊNCIA VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS EXTEMPORANEIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP202204043454/20.5T8STS-G.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/04/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O credor que não tenha reclamado o seu crédito sobre o insolvente no prazo fixado na sentença que declarou a insolvência, nem o tenha visto incluído na lista de créditos reconhecidos elaborada pelo Administrador, poderá ainda fazê-lo valer, desta feita em acção própria, intentada precisamente com vista a esse reconhecimento, correndo a mesma por apenso ao processo de insolvência. II - Esta reclamação ulterior de créditos está dependente do cumprimento dos seguintes requisitos (conforme o nº 2, als. a) e b) do art. 146º do CIRE): a. Relativamente a créditos de constituição anterior apenas poderão ser reclamados se: o respectivo titular não tiver sido oportunamente avisado pelo Administrador de Insolvência da sua inclusão na lista de créditos por ele não reconhecidos (uma vez que, tendo-o sido, já lhe foi dada a oportunidade de reclamar dessa não inclusão, tendo-se conformado - pela sua inércia - com ela); e, cumulativamente, não terem ainda decorrido seis meses desde o trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência (por forma a obter-se uma rápida estabilização da pretérita - e normal - reclamação, verificação e graduação de créditos). b. Relativamente a créditos constituídos decorridos que sejam aqueles seis meses, a acção de verificação ulterior de créditos pode ainda ser apresentada no prazo de 3 meses a contar da referida data da constituição do crédito. III - No caso concreto, estando em causa a primeira das situações referidas no ponto II, a), constata-se que o recorrente deduziu a sua pretensão fora dos respectivos prazos pelo que tem que se considerar que a sua pretensão é extemporânea. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO Nº 3454/20.5T8STS-G.P1 Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC): ………… ………… ………… * Comarca do Porto Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 3 * Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.* I. RELATÓRIO.Recorrente: - AA; * Recorrida: “X..., Lda.” (massa insolvente)* A presente acção de verificação ulterior de créditos foi instaurada pelo recorrente AA por apenso ao processo de insolvência da sociedade comercial “X..., Lda.”.O Autor veio intentar a presente acção a 27.10.2021. Em face da petição inicial, o tribunal recorrido em despacho liminar, logo determinou a notificação do requerente para se pronunciar sobre a sua eventual extemporaneidade, considerando que a sentença de insolvência transitou em julgado aos 11.1.2021. Pronunciou-se o Requerente sobre esta questão da forma que consta do seu requerimento junto aos autos em 7.11.2021. * De seguida, o Tribunal Recorrido proferiu o seguinte despacho liminar:“Nesta conformidade, consideramos manifestamente extemporânea a acção ora intentada por ter já decorrido o prazo legalmente estipulado para o efeito, estando, pois, vedado ao autor reclamar o seu apontado crédito/direito neste domínio insolvencial. Face ao exposto, julga-se procedente a excepção de extemporaneidade, e nessa conformidade, indefere-se liminarmente a presente demanda”. * É justamente desta decisão que o Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:………………. ………………. ………………. * Não foram apresentadas contra-alegações. * Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. * No seguimento desta orientação, o Recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar:1- nulidade da sentença prevista no artigo 615º, nº 1, d), do CPC; 1.1. porque o tribunal recorrido não se pronunciou sobre o reconhecimento do crédito; 1.2. porque o tribunal recorrido não se pronunciou sobre a propriedade dos bens adquiridos pelo Recorrente e restituição dos mesmos nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 146.º do CIRE * 2.- Saber se verifica (ou não) a caducidade do direito do Autor propor a presente acção de verificação ulterior de créditos (extemporaneidade).* A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO* O tribunal recorrido considerou como factos provados relevantes para a discussão da causa os seguintes:“Os factos a considerar, com interesse para a decisão a proferir, são os seguintes (de acordo com o processado observado neste apenso e nos demais existentes, bem como nos autos principais): 1) A sentença de declaração de insolvência proferida nos autos principais e que decretou a insolvência da “X..., Lda.”, com os demais sinais identificadores constantes dos autos, foi proferida em 21.12.2020 e transitou em 11.01.2021, e foi autuada como se tratando de “apresentação à insolvência”; 2) A presente acção que constitui o apenso G por referência ao processo insolvencial principal, deu entrada em juízo aos 27.10.2021; 3) Para fundamentar o seu pedido, o aqui autor AA, alega a existência de um Escrito Particular celebrado em 11.03.2010, através do qual a insolvente lhe veio a fornecer materiais ou equipamento de padaria, tendo o aqui autor sinalizado determinada aquisição com a entrega à insolvente de €38.526,50, em razão do que tem agora o requerente direito à devolução daquele valor, e bem assim os respectivos juros moratórios calculados à taxa legal aplicável ao ano, tudo conforme teor da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido; 4) Ouvido o requerente acerca da tempestividade da presente demanda, veio alegar que nunca foi notificado do processo insolvencial, e como tal foi impedido de reclamar atempadamente o seu crédito, e que não tendo domicílio em Portugal viu-se arredado de se poder inteirar do estado de saúde financeira da ora insolvente, e que deveria o AI ter reconhecido este crédito com base nos dados contabilísticos da sociedade insolvente, alegando a verificação da nulidade prevista no art.º 615.º do CPC; 5) O autor não foi avisado nos termos do art.º 129.º do CIRE, não tendo constado quer da lista dos créditos reconhecidos a que alude o art.º 129.º do CIRE, quer da lista dos não reconhecidos; 6) No âmbito dos autos principais, o ora autor nunca foi indicado como credor da insolvente, tendo a secretaria cumprido com as normas previstas no art.º 37.º, n.º 1, 2, 3, 5 e 7, do CIRE. * B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITOJá se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir. Comecemos por apreciar a arguida nulidade da decisão recorrida. Defende o recorrente que a sentença é nula por omissão de pronúncia (cfr. artigo 615º, nº 1, d), do CPC) 1.1. porque o tribunal recorrido não se pronunciou sobre o reconhecimento do crédito; 1.2. porque o tribunal recorrido não se pronunciou sobre a propriedade dos bens adquiridos pelo Recorrente e restituição dos mesmos nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 146.º do CIRE. * Segundo o disposto no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.A previsão deste preceito legal está em consonância com o comando do n.º 2 do art. 608.º do mesmo Código, em que se prescreve que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. No entanto, com vem sendo referido, importa não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido. As questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente das questões a dirimir/decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 608º, n.º 2 do CPC. Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia[1]. A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas; Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento (error in iudicando), mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia. Feito este enquadramento, cabe referir que a sentença recorrida, contrariamente ao invocado não padece, manifestamente, do aludido vício, na estrita medida em que o Tribunal Recorrido não omitiu qualquer pronúncia sobre qualquer uma das questões alegadas, em sede de recurso, pelo recorrente. Quanto à primeira questão é óbvio que se o tribunal considerou extemporânea a reclamação de créditos peticionada pelo recorrente, nunca poderia entrar na questão do seu reconhecimento. Tanto basta para ficar evidente a inexistência de omissão de pronúncia. Relativamente à segunda questão também não é difícil chegar à conclusão que o tribunal recorrido não omitiu a sua pronúncia sobre a mesma. É que o tribunal recorrido, tendo em conta o objecto da acção (de verificação ulterior dos créditos), tal como ela foi configurada pelo Autor na petição inicial, não tinha como questão a resolver “a propriedade dos bens adquiridos pelo Recorrente e restituição dos mesmos nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 146.º do CIRE” (pretensão que, aliás, o recorrente, entretanto, veio deduzir por apenso, instaurando a acção de restituição e separação de bens que tenham sido indevidamente apreendidos – apenso H). Como é evidente, estas duas acções não se confundem, embora o legislador determine que as disposições relativas à reclamação e verificação dos créditos sejam aplicáveis à acção de restituição e separação de bens que se encontra prevista de uma forma autónoma nos arts. 141º e ss. do CIRE (cfr. nº 1 do art. 141º do CIRE). Nesta conformidade, não podia o tribunal ter omitido a pronúncia sobre questão que nem sequer lhe foi colocada. Aqui chegados, podemos assim concluir que é patente que não ocorreu uma qualquer omissão de pronúncia, tendo o Tribunal Recorrido, ao invés, conhecido de todas as questões que tinham sido colocadas pelo recorrente. Destarte, e sem necessidade de mais alongadas considerações, improcede a nulidade ora invocada. * Ultrapassada esta questão, importa, então, verificar se o recorrente poderá ter razão quando insiste que a sua pretensão não é extemporânea.São dois, no fundo, os fundamentos invocados. 1º. A presente acção também visava a separação e reparação dos bens, por isso podia ser proposta a todo o tempo. 2º Uma das obrigações do Administrador da Insolvência é verificar os elementos da contabilidade da Insolvente no sentido de aferir e elaborar a relação dos créditos reconhecidos e dos não reconhecidos, pelo que devia ter incluído na lista de créditos o crédito do recorrente. Quanto ao primeiro fundamento invocado, conforme já referimos, não tem qualquer aplicabilidade ao caso concreto, tendo em conta a configuração que o recorrente deu à presente acção (como acção de verificação ulterior de créditos), configuração essa que decorre, desde logo, do pedido formulado (“- Requer a V. Exª que, autuada por apenso, se digne admitir e atender a presente acção, verificando e graduando no lugar que lhe competir o crédito do Autor, no valor global de €38.526,50, acrescido de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal”). Improcede este fundamento sem necessidade de mais alongadas considerações. Quanto ao segundo fundamento, trata-se de questão já foi plenamente tratada pelo tribunal recorrido com toda a pertinência, nada mais se podendo acrescentar àquilo que já foi referido pelo tribunal recorrido. De qualquer forma, sempre se dirá o seguinte em confirmação da decisão recorrida. Lê-se no art. 90º do CIRE que os “credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência”; e lê-se no art. 91º seguinte que a “declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva”. Compreende-se, por isso, que a sentença que declare a insolvência tenha, obrigatoriamente, que designar “prazo, até 30 dias, para a reclamação de créditos” (art. 36º, nº 1, al. f) do CIRE); e, tendo a ulterior verificação de créditos “por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento”, nem mesmo “o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva (…) está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento” (nº 3 do art. 128º do CIRE). Reafirma-se, deste modo, quer a natureza de “processo de execução universal” do processo de insolvência (isto é, sobre todo o património do devedor), conforme art. 1º do CIRE, quer a sua natureza de “processo concursal” (isto é, em que são chamados todos os credores do insolvente, por forma a garantir a igualdade de todos aqueles que se encontrem nas mesmas condições, face às classes de créditos que invoquem), conforme art. 47º, nº 4 do mesmo diploma[2]. Fala-se, assim, de um verdadeiro ónus de reclamação a cargo de cada credor do insolvente, cujo incumprimento o impedirá de vir a participar no produto da liquidação do activo[3]. Contudo, o credor que não tenha reclamado o seu crédito sobre o insolvente no prazo fixado na sentença que declarou a insolvência, nem o tenha visto incluído na lista de créditos reconhecidos elaborada pelo Administrador, poderá ainda fazê-lo valer, desta feita em acção própria, intentada precisamente com vista a esse reconhecimento, correndo a mesma por apenso ao processo de insolvência; e sem que se exija qualquer superveniência desse crédito em relação ao prazo normal para apresentação das reclamações. Com efeito, lê-se no art. 146º, nº 1 do CIRE que, findo “o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos (…), de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor”; e tal acção corre “por apenso aos autos de insolvência” (art. 148º do CIRE). Logo, e sem margens para dúvidas, esta reclamação ulterior de créditos é para ser feita, e atendida, no âmbito do processo de insolvência. Assim, “terminado o prazo para as reclamações de crédito, a lei contempla ainda uma última oportunidade aos credores de reconhecimento dos respectivos créditos, por forma a que sejam atendidos no processo de insolvência – trata-se do processo de verificação ulterior de créditos e de outros direitos”[4]. Contudo, esta reclamação de outros créditos está dependente do cumprimento de “determinadas condições”[5], conforme nº 2, als. a) e b) do art. 146º citado, nomeadamente: não «pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior» (al. a); e só «pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respectiva constituição, caso termine posteriormente» (al. b). Por outras palavras, e relativamente a créditos de constituição anterior, apenas poderão ser reclamados se: o respectivo titular não tiver sido oportunamente avisado pelo Administrador de Insolvência da sua inclusão na lista de créditos por ele não reconhecidos (uma vez que, tendo-o sido, já lhe foi dada a oportunidade de reclamar dessa não inclusão, tendo-se conformado - pela sua inércia - com ela); e, cumulativamente, não terem ainda decorrido seis meses desde o trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência (por forma a obter-se uma rápida estabilização da pretérita - e normal - reclamação, verificação e graduação de créditos). Uma vez decorrido o prazo de seis meses referido, o credor da insolvência fica definitivamente impedido de reclamar o seu crédito, independentemente da natureza que se atribua àquele prazo (com consequências, sobretudo, ao nível do regime do seu conhecimento): como prazo de caducidade[6]; ou como prazo de natureza processual [7]. Em conclusão, decorre, pois, do nº 2, al. b) do art. 146º do CIRE que a reclamação de créditos nos termos referidos no nº 1 pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respectiva constituição, caso este último prazo termine posteriormente. Portanto, este normativo delimita de forma inequívoca o limite temporal para o exercício do direito de acção para reclamação ulterior de créditos - independentemente de, como vimos, se poder discutir a natureza e o regime do prazo em causa. Isto dito, vejamos, então, se se verifica, ou não, a reconhecida excepção de caducidade (ou como o tribunal recorrido a enquadrou, se a reclamação deduzida é extemporânea)[8]. Ora, não há duvidas que o recorrente veio deduzir a sua pretensão respeitante a um crédito constituído anteriormente, fora do prazo que o legislador lhe confere para deduzir a sua pretensão, ou seja, já depois de ter decorrido o prazo de seis meses subsequente ao trânsito em julgado da sentença (artigo 146.º, nº 2, al. b) primeira parte, atrás transcrito). Defende, no entanto, o recorrente que o Administrador da Insolvência devia ter incluído na lista de créditos o crédito do recorrente, pois que tinha informação sobre a sua existência no processo. É certo que a reclamação não é essencial para o reconhecimento do crédito, uma vez que o administrador da insolvência tem o dever de reconhecer, não apenas os créditos reclamados, mas também os que constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento (artigo 129.º, nº 1 do CIRE). “Nada disto preclude o entendimento da reclamação como um ónus do credor. De facto só os créditos reclamados são necessariamente apreciados para efeitos de processo de insolvência; os créditos não reclamados podem sê-lo ou não – sê-lo-ão apenas na eventualidade de o administrador os conhecer”[9]. Acontece que, no caso concreto, como bem refere o tribunal recorrido, a verdade é que o Sr. Administrador da insolvência denotou não ter conhecimento da existência do alegado crédito do recorrente e, compulsados os autos, também não se consegue atingir que daqueles se possa retirar “… quaisquer elementos que lhe permitissem aferir da possibilidade de tal crédito ou obrigação de devolução existir ou resultar minimamente indiciada, caso contrário teria feito constar o ora autor da lista dos créditos ou reconhecidos, ou mesmo dos créditos não reconhecidos, o que se constata – através da compulsa e análise do apenso C – não ter tido lugar. Contudo, dir-se-á que daqui não se legitima concluir por qualquer incumprimento dos deveres do administrador ou incúria por parte do mesmo, desde logo porque face aos factos ora alegados, percebe-se que terá existido uma relação comercial longa, com diversos fornecimentos e pagamentos entre o ora autor e a ora insolvente. Por outro lado, é exactamente para estes casos, em que os credores não se viram contemplados quer na lista dos créditos reconhecidos quer na lista dos não reconhecidos, que a lei entendeu estatuir a norma que permite o lançar mão da verificação ulterior de créditos, não importando para este domínio, indagar das razões pelas quais o alegado crédito não mereceu inserção numa daquelas listas” – considerações que aqui se subscrevem integralmente. Por outro lado, importa dizer que se mostram integralmente cumpridas as normas específicas do CIRE, relativas às citações e notificações a credores (cfr. art.º 37.º do CIRE), tendo em consideração os credores que eram conhecidos e que haviam sido indicados pela devedora apresentante, naquela fase processual (note-se que o ora requerente não poderia ter sido citado nos termos do disposto no art.º 37.º, n.º 4, do CIRE, pois que não era conhecida a sua existência naquele momento). Assim, o tribunal ao ter procedido à citação nos termos do preceituado no art.º 37.º, n.º 7, do CIRE, afastou a ocorrência de qualquer nulidade ou irregularidade no que tange a esta temática. Na verdade, o legislador, nestas situações, “ficciona a citação por duas vias: por um lado, pela afixação de editais, com prazo de dilação de cinco dias, na sede ou residência do devedor, nos seus estabelecimentos e no tribunal onde o processo decorre; por outro lado, por anúncio publicado no portal citius. Os credores terão de estar atentos aos editais e aos anúncios”[10]. Nesta conformidade, o recorrente, dentro destas circunstâncias, teria que ter cumprido o aludido prazo de 6 meses, a contar do trânsito em julgado da sentença declarativa da insolvência, não podendo invocar que não tinha conhecimento desta, pois que essa invocação, como bem refere o tribunal recorrido, é “perfeitamente inócua, para os efeitos pretendidos (“sibi imputet”), atendendo a que nenhuma situação anómala foi demonstrada a respeito das legais citações/notificações e regime de publicidade obrigatório a observar em contexto insolvencial”. Pelo exposto, julga-se que bem andou o Tribunal Recorrido em considerar extemporânea a pretensão do recorrente, uma vez que, quanto o recorrente instaurou a presente acção e verificação ulterior do seu alegado crédito, já tinha decorrido o aludido prazo de seis meses estabelecido no artigo 146.º, nº 2, al. b) primeira parte, do CIRE. Assim, e sem necessidade de mais alongadas considerações, decide-se julgar totalmente improcedente o Recurso e, consequentemente, manter integralmente a decisão recorrida. * III - DECISÃOPelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar: - o Recurso interposto pelo Recorrente improcedente, com a consequência de se manter integralmente a decisão recorrida; * Custas pelo Recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC).Notifique. * Porto, 4 de Abril de 2022(assinado digitalmente) Pedro Damião e Cunha Fátima Andrade Eugénia Cunha _____________________________ [1] Vide, neste sentido, por todos, Ac. do STJ de 8.02.2011 (relator: Moreira Alves), e Ac. da RG de 24.11.2014, (relator: Filipe Caroço), ambos in www.dgsi.pt. [2] Alexandre de Soveral Martins, in “Um Curso de Direito da Insolvência”, pág. 41. [3] Conforme Salvador da Costa, in “O Concurso de Credores”, pág. 350. [4] Maria do Rosário Epifânio, in “Manual de direito da insolvência”, pág. 248. [5] Catarina Serra, in “Lições de direito da Insolvência”, pág. 288. [6] Neste sentido, v. Ac. da RG, de 15.12.2012, Manso Rainho, Processo nº 123/11.8TBPCR-LG1, Ac. da RP, de 21.02.2013, Carlos Portela, Processo nº 2981/11.0TBSTS-G.P1, Ac. da RG, de 06.02.2014, Estelita de Mendonça, Processo nº 1551/12.0TBBRG-C.G1, Ac. da RL, de 02.06.2014, Manuel Domingos Fernandes, Processo nº 495/12.0TBVFR-F.P1, Ac. da RP, de 17.06.2014, João Proença, Processo nº 1218/12.9TJVNF-Q.P1, e Ac. da RG, de 26.02.2015, Manuel Bargado, Processo nº 1936/07.3TBFAF-U.G1- todos em Dgsi.pt [7] Neste sentido, v. Ac. da RP, de 13.03.2014, José Amaral, Processo nº 1218/12.9TJVNF-N.P1, Ac. da RP, de 10.04.2014, José Manuel de Araújo Barros, Processo nº 1218/12.9TJVNF-P.P1, Ac. da RP, de 27.03.2014, Judite Pires, Processo nº 1218/12.9TJVNF-W.P1, e Ac. da RL, de 28.04.2015, Roque Nogueira, Processo nº 664/10.7YLSB-AB.L1-7 – todos em Dgsi.pt. [8] Sublinhe-se que “… de qualquer modo, o decurso do prazo de reclamação não provoca a caducidade do direito de crédito, mas apenas a caducidade de o reclamar naquele processo de insolvência” – como esclarece Catarina Serra, in “Lições de direito da insolvência”, Almedina (2019), pág. 270, nota 410. [9] Catarina Serra, in “Lições de direito da insolvência”, Almedina (2019), pág. 268. [10] Ana Prata/Jorge Morais Carvalho/Rui Simões, in “CIRE anotado”, pág. 132. |