Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1248/13.3T2AVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: ESTABELECIMENTO COMERCIAL
AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO
CONTRATO-PROMESSA
DOAÇÃO
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Nº do Documento: RP201609261248/13.3T2AVR-A.P1
Data do Acordão: 09/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 632, FLS.65-88).
Área Temática: .
Sumário: I - O estabelecimento comercial, enquanto móvel sui generis, é passível de ser adquirido por usucapião, embora com aplicação dos prazos previstos para os bens imóveis.
II - A presunção legal do nº 2, do artigo 1252º do Código Civil, só pode operar quando está provada uma materialidade fáctica que corresponda ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real de gozo.
III - A promessa de doação, rectius o contrato-promessa de doação não é passível de execução específica, atenta a natureza da obrigação assumida pelo doador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. N.º 1248/13.3.T2AVR-A.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 1248/13.3T2AVR-A.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. O estabelecimento comercial, enquanto móvel sui generis, é passível de ser adquirido por usucapião, embora com aplicação dos prazos previstos para os bens imóveis.
2. A presunção legal do nº 2, do artigo 1252º do Código Civil, só pode operar quando está provada uma materialidade fáctica que corresponda ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real de gozo.
3. A promessa de doação, rectius o contrato-promessa de doação não é passível de execução específica, atenta a natureza da obrigação assumida pelo doador.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Em 24 de Abril de 2015, por apenso à ação declarativa nº 1248/13.3T2AVR, pendente na 1ª Secção Cível da instância Central da Comarca de Aveiro, B…, ré nos autos principais, intentou o presente procedimento cautelar comum contra C…, na qualidade de cabeça de casal das heranças indivisas de D… e E…, pedindo que, com dispensa do contraditório, seja a final ordenada:
A) A notificação da AT (Autoridade Tributária) para que emita a favor da requerente nova senha que permita a esta aceder a todas as funcionalidades disponibilizadas pelo Portal das Finanças tendentes à gestão do estabelecimento e liquidação dos impostos devidos (IVA, IRS, etc…), senha essa que não poderá permitir a sua alteração futura pelo cabeça de casal, aqui requerido, sem a autorização deste Tribunal.
Subsidiariamente deve ainda ordenar-se,
B) A entrega/devolução pelo requerido à requerente, por qualquer modo, da senha do Portal das Finanças que permita a esta última a regularização imediata de todas as obrigações fiscais já em falta e o acesso irrestrito futuro a todas as funcionalidades daquele Portal, tendentes ao exercício gerencial da farmácia.
C) A devolução pelo requerido à requerente através de transferência bancária e para o NIB do F… …………………, de todas as quantias por si rececionadas do G…/G1…, desde finais de Fevereiro de 2015 até à prolação de decisão cautelar.
D) A Notificação urgente quer do G… quer da G1…, ambos com sede na Rua … nº./….-… Lisboa, para que passem a transferir imediatamente para o NIB da Farmácia até aqui vigente (n.º……………….. do F…) todas as quantias relativas ao receituário do SNS e demais organismos.
E) A comunicação ao Infarmed, G1…/G…, Segurança Social e AT – Autoridade Tributária do teor da douta decisão cautelar para os fins tidos por convenientes, mormente os de reconhecimento da requerente como única interlocutora e gestora/administradora do estabelecimento Farmácia H…, com o Alvará N.º…, e finalmente,
F) Que o requerido, que deu azo a todos os já denunciados prejuízos para o estabelecimento de farmácia, proceda à liquidação, do seu bolso, de todas as sanções, coimas, juros, penalidades fiscais ou outras, custas judiciais, honorários de Agente de Execução ou outros, resultantes desta sua atuação, e de que a requerente venha a ser futuramente notificada para liquidar.
Para fundamentar as suas pretensões, a requerente alega, em síntese, o seguinte:
- a requerente e ré na ação principal, (em conjunto com o marido) é desde 1982/83 a única e irrestrita administradora/gestora/dona do “estabelecimento Farmácia H…” com sede em … … …. Albergaria-a-Velha (Alvará n.º…..); a dita “Farmácia” (incluindo Alvará e respectivo recheio), em conjunto com o imóvel onde esta se sedia, (e que inclui uma parte habitacional e uma outra de natureza comercial) foram-lhe doados (verbalmente) pelos falecidos pais (até para restabelecer alguma “igualdade” entre os demais 5 irmãos já objeto à data de avultadas “entregas” de imóveis e não só; foi precisamente por esta relevante razão, que aqueles “bens” passaram a integrar o património da ora requerente em face da gestão/administração da “farmácia” e uso/posse ininterrupta, e por mais de trinta e dois anos a fio, do já citado imóvel e estabelecimento comercial; consumada tal posse na já invocada e aqui reiterada usucapião (por si e sua família), porque prolongada no tempo e nos atos atinentes, desde pelos menos 1982 até à presente data, e que aqui se renova para ser considerada e valorada; tal imóvel e estabelecimento comercial, dada a notoriedade, no concelho (e não só), “do Prof. E… e esposa Dr.ª D…”, (que inclusive eram oriundos da freguesia da …, deste concelho), era e foi sempre reconhecido (nos últimos 32 anos) publicamente e por todos, e sem oposição de quem quer que fosse, como propriedade da filha “dos donos do Colégio I…” (assim eram conhecidos os acima indicados pais da requerente) que inclusive e durante todos estes alongados anos de posse reiteradamente de forma pacifica, pública e de boa-fé, usufruiu deles (imóvel e estabelecimento) e retirou as respetivas vantagens, mormente tratando-os, conservando-os, nele residindo com a sua família, como primeira e única habitação, repete-se desde pelo menos 1982 em diante e até hoje; em 18 de fevereiro de 2015, a ora requerente (e até o requerido) foram informados pelo TOC (Dr. J…), que a “senha das finanças” que permitia até aí o acesso ao respectivo portal, tinha sido alterada e portanto já não seria possível à ora requerente, no futuro, cumprir, entre outras, com as obrigações fiscais da “farmácia”; no dia 20 de fevereiro de 2015, o requerido informou o TOC J… que este “deveria enviar todos os elementos contabilísticos” para uma outra empresa de contabilidade que aí identifica; a farmácia, e mais precisamente a ora requerente, tomou conhecimento, através da G1…, que o “G…” já havia regularizado nesse mesmo dia o valor do receituário, não para a conta habitual da farmácia (cujo NIB é e sempre foi o da Dr.ª B…), mas sim para uma outra conta do requerido e cabeça de casal (não referenciada), ficando pois a empresa sem meios para regularizar salários, impostos e “fornecimentos” aos seus credores; o requerido assumiu ou pretendeu assumir agora que não antes, a administração e a gestão da farmácia que por lei lhe é negada, já que é médico com consultório aberto ao público no concelho onde se sedia a farmácia aqui em causa, e portanto prescritor; esta situação coloca em perigo 4 postos de trabalho, a abertura do estabelecimento pelo menos após o final do corrente mês (altura em que se prevê que faltarão definitivamente medicamentos para venda), e até a sua futura sobrevivência/reabertura; a requerente comunicou o sucedido ao Infarmed (regulador/inspetor do setor), Ordem dos Médicos, e G1…/G…, (entidade esta que liquida mensalmente o valor do receituário entregue no SNS); com a alteração da senha fiscal pelo requerido que dá acesso ao portal das finanças, a requerente e o seu TOC estão impedidos, no imediato, de cumprir com todas as obrigações fiscais inerentes, mormente liquidação do IVA, envio do ficheiro Saft das facturas, apresentação de declaração de IRS etc… etc… etc..., e isto sem que se aborde todo o somatório sequencial danoso das coimas, juros que se seguirá; a requerente, à mingua da verba mensal do SNS, que por força do já antes descrito passou para as mãos do requerido (e não para a herança), viu-se impedida de pagar aos seus fornecedores (cujo pagamento ocorria de 20 em 20 dias, de molde a obter os descontos que propiciassem melhores margens de lucro); o maior fornecedor do estabelecimento/Farmácia H… era a K… (que substituiu a “L…“ em 2012); em face do acordado pagamento mensal (a 20 dias) que se mostra incumprido (a partir do mês de Fevereiro), cessou também e agora os fornecimentos diários de medicamentos já que o seu crédito global se cifrava em € 51.358,07 (se tudo isto não acontecesse tal crédito só seria de € 48.598,77, ou seja menos € 2.759,30 do que já se mostra reclamado judicialmente pela credora cooperativa), sendo que o requerido, pese embora alertado para a exigência de regularizar, esta e outras obrigações, nada entretanto fez; ao invés, o requerido vem detendo em conta própria (numa conta que abriu no M…, agência de … com o NIB …………………, todos os montantes até aqui pagos pelo G… e que somam pelo menos € 56.917,21; a requerente, pese embora todas os seus esforços e as porfiadas diligências encetadas nos últimos dois meses, nada mais poderá fazer para manter o estabelecimento aberto a partir do final do corrente mês de abril, e restabelecer o status quo ante, com a manutenção de pelo menos quatro postos de trabalho, pois que os salários já não poderão ser pagos no final deste mês; por força do desvio e sangria dos rendimentos da farmácia que neste momento somam mais de € 108.404,80 (€ 51.487,59 em 2013 e agora € 56.917,21), e esgotado o stock de medicamentos de que esta dispunha, não tem agora a requerente possibilidades financeiras para reabastecer o estabelecimento (até por corte de fornecimento), e consequentemente, não possui mercadoria para vender à sua clientela, até porque o G… está a “pagar” agora ao requerido o valor do receituário do SNS, e que seria mensalmente de largas dezenas de milhares de euros, mas, por força do ocorrido, e tal como de algum modo já atrás se documentou, será agora só de menos € 2.743,16, face à quebra na faturação (por perda de clientes e falta de medicamentos); a menos de 1,8 kms. de distância e na mesma localidade, existe uma outra Farmácia (“N…”) que como é óbvio “recolherá” entretanto toda a clientela da requerente.
Proferiu-se despacho liminar indeferindo a dispensa de prévia audiência do requerido e ordenando a citação do requerido para, querendo, deduzir oposição.
Efetuada a citação, C…, na qualidade de cabeça de casal das heranças abertas por óbito de D… e de E… deduziu oposição afirmando não ser possível a “inversão do contraditório” alegadamente requerida pela requerente, negou que a mesma seja propriedade da Farmácia H…, bem como a alegada doação verbal do mesmo estabelecimento e do imóvel onde se acha instalado o estabelecimento de farmácia, alegando que esta é um bem da herança aberta por óbito de D…, que a requerente tem rendimentos provenientes de uma farmácia de que é dona, que o pessoal da Farmácia H… não vê em perigo a subsistência dos contratos de trabalho se for a herança dona do estabelecimento a administrá-lo, tal como o mesmo estabelecimento não terá carência de meios financeiros se for a herança dele dona a administrá-lo, concluindo pela improcedência das providências requeridas.
Realizou-se a audiência final em três sessões, após o que foi proferida decisão final[1] julgando improcedente o procedimento cautelar intentado por B… contra C…, na qualidade de cabeça de casal das heranças abertas por óbito de D… e E….
Em 18 de agosto de 2015, inconformada com a decisão final do procedimento cautelar por si instaurado, B… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões[2]:
1.
Julgou a Senhora Juiz improcedente o procedimento cautelar, não decretando a providência, em virtude de não ver verificados os requisitos de que dependia o decretamento da mesma.
2.
In casu, salvo melhor opinião, e com o devido respeito, que é muito, andou mal a M.ª Juiz do Tribunal a quo ao decidir como decidiu, considerando que não logrou a AA fazer prova de que fosse dona da farmácia, ou de que assim foi considerada nos últimos anos, com posse pública e passiva, sem estar a lesar o dinheiro de quem quer que fosse – para efeitos de usucapião.
3.
A evidente precipitação na tomada da decisão redundou na incorrecta aplicação do Direito por parte da Mma. Juíza a quo e na negação da Justiça cuja aplicação se lhe impetrava.
4.
Para o efeito, fundamentou a sua decisão estatuindo, sumariamente, que: “Impunha-se, desde logo, que a AA, alegasse e provasse que possui um direito juridicamente tutelado, relativamente ao qual tenha receio de que alguém lhe cause lesão grave e irreparável."
“A AA não fez prova da existência de qualquer direito que a legitime ao recurso ao presente procedimento, e designadamente o direito de propriedade que se arroga, em relação ao estabelecimento de farmácia.”
“Apenas resultou provado que a AA era gerente de facto daquela farmácia, até ao decesso de sua mãe D…, sendo que, tão pouco, é ela a directora técnica da mesma. Acresce que, e não se tendo feito outra prova, tem necessariamente de concluir que a farmácia H… de herdeiros constitui um bem da herança da falecida D. D…. E sendo o requerido o cabeça de casal da mesma, é a ele que compete a administração dos bens da herança, nos termos do disposto no art.º 2079 do CC, 260 n.º 1 e 409 do CSC, sendo por isso legitimo que tenha procedido à alteração da senha – não competindo, neste âmbito, ao tribunal, aquilatar e aferir das concretas condições ou requisitos legais enunciados na legislação específica, mormente o DL n.º 307/2007, porquanto extravasa em muito o objecto do litigio. É certo que provavelmente, o modo como a requerente tomou conhecimento do facto de não ter acesso à senha não terá sido o mais correcto e cordial, tendo em conta que requerente e requerido são irmãos. Contudo, é a ele que compete gerir ou designar a seu mando quem deva gerir um bem da herança.”
“Ainda que se admita as dificuldades de pagamentos a fornecedores, acha-se estranho que um estabelecimento que em 31.12.2010 tinha de capital a quantia de mais de 120.000 € e movimentava os valores constantes do balancete de fls. 40 dos autos principais, tenha ficado em situação de ruptura total entre Janeiro e Abril, com iminência de fecho de portas. Assim como não deixa de ser estranho que os fornecedores à mínima falta de pagamento deixem logo de fornecer, o que revela o relacionamento que tem não é muito consistente. Por outro lado não se vislumbram dificuldades em cumprimento das obrigações fiscais, bastando para tanto que se dê conhecimento ao requerido ou alguém a seu mando de todos os documentos contabilísticos que lhe permitam cumprir com as suas funções legais.” In fine, o Tribunal conclui que “pelo exposto, tem necessariamente de improceder a presente acção”.
5.
Por conseguinte, salvo devido respeito, decidiu-se de forma simples uma questão complexa, não atribuindo ao caso em apreço o esforço e dedicação que se esperava do Tribunal recorrido. Na verdade, a Requerente trouxe ao Tribunal toda a prova necessária para o decretamento da providência, contando aliás com o auxílio das testemunhas, mesmo as trazidas pelo Requerido, ora Recorrido, que como veremos infra, confirmaram que a Recorrente é/era a única administradora/gestora e proprietária da farmácia.
6.
Os argumentos que o Tribunal recorrido se socorreu para – após uma sentença em que dá como provados factos susceptíveis de conduzir à procedência da providência – julgar improcedente o pedido soçobram perante a evidência dos autos!
7.
In prima facie, o referido na sentença que – “ora impunha-se, desde logo que a AA, alegasse e provasse que possui um direito juridicamente tutelado, relativamente ao qual tem há receio de que alguém lhe cause lesão grave e irreparável”, naufraga perante a própria narrativa da sentença. Ora, ela própria considera como indiciariamente provado que a “A. Requerente desde 1982/83 se encontra a gerir o estabelecimento Farmácia H…, com sede em … …, e com alvará n.º ….” (ponto A) e que “a Requerente ao longo dos anos foi efectuado obras de remodelação na casa de habitação, quer na farmácia, de extensão não concretamente apurada”. (ponto B)
E mais:
é referido na Sentença que foi dado como indiciariamente provado (ponto C) que “em 18/02/2015, a ora Requerente (a até o Requerido) são informados pelo TOC (Dr. J…), que a senha das finanças que permitia até aí o acesso ao respectivo portal, tinha sido alterada e já não seria possível à ora Requerente, no futuro, cumprir, entre outras, com as obrigações fiscais da farmácia”.
Bem como que: (ponto D) “No dia 20/02/15, a farmácia, e mais precisamente a Requerente, toma conhecimento, através da G1…, que o “G…” já havia regularizado nesse mesmo dia o valor do receituário, não para a conta habitual da farmácia (cujo NIB é e sempre foi o da Dr.ª B…), mas sim para uma outra conta do cabeça-de-casal”, e que (ponto E): “Ficando pois e aí a empresa em aqueles meios para regularizar salários, impostos e fornecimentos aos seus credores”.
Destaque ainda para : (ponto F) “O que já sucedera no dia 22/02/15 com o principal fornecedor (K…), que por essa razão cessou imediatamente os fornecimentos de medicamentos por força da não liquidação (por débito directo e em 23/02/2015) da factura do mês, e que se cifrava em 22.015,39 Euros”, e que (ponto G) “mais se agravou com o reiterado não pagamento das facturas subsequentes de respectivamente 17.834,73 e 8.748,65 Euros, que deveria ser paga, pelo mesmo método, em 05/03/2015”.
Bem como: (ponto M) “Com a alteração da senha fiscal (pelo Requerido) que dá acesso ao portal das finanças, a Requerente e o seu TOC estão impedidos, no imediato, de cumprir com todas as obrigações fiscais inerentes, mormente liquidação do IVA, envio do ficheiro Saft das facturas, apresentação de declaração de IRS”.
E ainda: (ponto N) “A Requerente à míngua da verba mensal do SNS, viu-se impedida de pagar aos seus fornecedores (cujo pagamento ocorria de 20 em 20 dias, de molde a obter os descontos que propiciassem melhores margens de lucro).”
e
(ponto O) “O Requerido retém numa conta que abriu no M… – Agência de … com o NIB ………………… todos os montantes até aqui pagos pelo G... e que se somam pelo menos 56.917,21 Euros.”
Por fim: (ponto P) “A farmácia tem diminuído a sua facturação (SNS e organismos), que se alcança do vislumbre dos seguintes números:
- Janeiro (pago em Fevereiro) de 2015 – 30.920,88 Euros
- Fevereiro (pago em Março) de 2015 – 26.422,40 Euros
- Março (pago em Abril) de 2015 – 19.692,28 Euros
De 01/04/2015 a 24/04/2015 – 2.743,16 Euros”.
8.
Ora, apesar de existirem inúmeras evidências de que o Recorrido, com os seus actos impede a Recorrente de gerir/administrar o bem aqui em causa, por força da alteração quer do NIB para transferência dos valores do receituário pelo “G…”, quer da senha de acesso às funcionalidades do Portal das Finanças, o que a vem impedindo de utilizar os meios financeiros inerentes, mormente para liquidação das obrigações fiscais, e outras (até aqui só quanto aos fornecedores/IVA e Segurança Social), mas que a partir desta data incidirá também nos salários dos trabalhadores que terão de ser dispensados/despedidos, e nas demais entidades com quem labora, e estando ainda SOBEJAMENTE DEMONSTRADO nos autos que os danos perpetrados e provados pela anómala actuação do Requerido, ora Recorrido, alguns deles já irreparáveis, só poderão ser de algum modo minorados com a restituição e urgente pelo menos da gestão/administração do identificado bem à sua proprietária e gestora de sempre, e que foi amiudadamente esclarecido pelas testemunhas, inclusive pelo marido da própria Requerente, Dr. O… e pela Dra.ª P…, actual directora técnica da farmácia e funcionária desde 2002, e pela testemunha Q…, funcionário da farmácia no período de 92 a 2011. Lamentavelmente, isso não foi suficiente para o Tribunal decretar a providência…
9.
Verifica-se ainda que existe e está devidamente justificado o fundado receio da Recorrente em ver irremediável e gravemente lesado/perdido quer o futuro reconhecimento do seu direito – já invocado nos autos principais – de propriedade sobre o estabelecimento e admissão deste, e a necessidade do presente procedimento cautelar…
(FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO)
10.
Primo, refira-se que uma situação é o julgamento da matéria de facto, no qual o Mmo. Juiz deve decidir quais os factos que considera provados e quais os que considera não provados e, realidade distinta, é a motivação desse julgamento, na qual o Mmo. Juiz, relativamente aos factos que considera provados e não provados, deve analisar “criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”, o que resulta do artigo 607.º, n.º 7, do Código de Processo Civil.
11.
Tal como decidiu recentemente o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de Junho de 2015, estatui “o artigo 662.º n.ºs 2, al. d), e 3, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil, nos termos dos quais o Tribunal da Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: “d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.” [nº 2]; “b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição d aprova na parte em que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições.” [nº 3]; e “d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão dessa impossibilidade.” [nº 3]“[3]. Deste modo, a omissão ou incorrecção da fundamentação da decisão da matéria de facto dará lugar à baixa dos autos à 1ª instância com vista à referida fundamentação nos termos referidos nos preceitos transcritos, o que desde já se requer pelas razões que oportunamente, se invocarão.
12.
Não obstante as sucessivas alterações legislativas, passou a reger o n.º 5 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo citado Diploma[4] que “se a decisão proferida sobre algum facto essencial para julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.” Destarte, passou o juiz de 1ª instância a ter o dever de explicitar e fundamentar o raciocínio lógico que, no processo de formação da sua convicção, efectuou quanto aos concretos pontos da matéria de facto em discussão, indicando os concretos meios probatórios em que se fundou e, analisando-os critica e conjugadamente, esclarecendo a razão por que neles fundou a sua convicção.
13.
Não podemos olvidar que o julgamento da matéria de facto constitui o principal objectivo do Processo Civil declaratório, tendo em conta que é da matéria provada e não provada que depende o resultado da acção. Mostra-se necessário que se entenda, em relação a cada um dos factos em concreto, qual (ais), em concreto, a(s) testemunha(s) em cujo(s) depoimento(s) as respostas assentaram, por que a ele(s) se atendeu e, perante a (eventual) existência de depoimentos divergentes, a razão da prevalência/preterição dos depoimentos. Neste sentido, é necessário que, dessa fundamentação, se alcance, nos termos já referidos, a razão de ser das respostas dadas.
14.
In casu, a fórmula utilizada pelo Tribunal a quo para fundamentar a decisão da matéria de facto não é, tal como supra se referiu, a correcta e, isso, porque ela, essencialmente, se limita a identificar as testemunhas que concorreram para a formação da convicção e a consignar o sentido dos respectivos depoimentos, não conexionando cada facto ou cada grupo de factos com os concretos meios de prova que nela se invocam, requer-se efectivamente a baixa do processo à 1ª instância com o fito de obter a respectiva e necessária fundamentação da matéria de facto. A Mm.ª Juiz fundamentou a decisão da matéria de facto nos seguintes termos:
“ O Tribunal formou a sua convicção através da conjugação da vasta prova documental junta aos autos e bem assim a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, que na sua globalidade, permite dar como indiciariamente provados e não provados os factos supra enunciados.” Ora, em momento algum a Mm.ª Juiz demonstra, in concretum, a(s) testemunha(s) em cujo(s) depoimento(s) as respostas assentaram! É manifesto que nada disso foi observado na sentença aqui recorrida que se quedou por um juízo meramente conclusivo ou inconcludente, omitindo-se totalmente as razões em que se baseia inúmeros factos dados como indiciariamente provados, juízo esse que não pode ser considerado como fundamentação bastante ou suficiente (cfr. art.ºs 205º, n.º 1, da CRP). O procedimento adoptado pela Meritíssima Juíza a quo envolve, para além de manifesta insuficiência de fundamentação.
15.
Da leitura da decisão deveria resultar a motivação de TODAS as respostas, ou seja, deveria fluir da mesma, para qualquer interprete colocado na posição do destinatário da decisão, quais os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
16.
Desde logo, há que levar em consideração que os factos dados como provados nos pontos Z, BB, EE, FF, GG,JJ, LL, OO, SS, AAA, DDD condicionaram a sentença proferida, pelo que a sua alteração, no que àqueles factos diz respeito, assume crucial importância, sendo apodíctico que a fundamentação deve ser adequada à necessidade que se imponha em cada caso concreto e, no caso em apreço, afigura-se-nos que a fórmula utilizada é insuficiente no sentido de se entender a razão do decidido, havendo razões (mais que) suficientes para determinar a baixa dos autos à 1ª instância para melhor fundamentação.
Ora vejamos:
• No ponto Z), salvo devido respeito, como é que foi dado como indiciariamente provado que “a proprietária e Directora Técnica da referida Farmácia, D… levou a filha a trabalhar consigo, de modo a adquirir a experiência necessária ao desempenho da profissão”?
Que depoimento ou que documento sustenta tal afirmação?
Desconhece-se por completo…
• No ponto BB), o que motivou a Meritíssima Juiz a quo, entender que foi dado como indiciariamente provado que “durante a vida, sempre D… liquidou os impostos inerentes não só ao estabelecimento comercial, mas também ao imóvel onde o mesmo se encontra instalado.”?
Qual o depoimento que sustenta tal afirmação? De que forma chegou a Mm.ª Juiz a essa conclusão? Também se desconhece por completo…
• No ponto EE), não se compreende o que motivou a Meritíssima Juiz a quo, a dar como indiciariamente provado que “todos os actos que a requerente praticou na mencionada farmácia o eram em nome e representação da sua mãe, D…”?
Também se desconhecem as razões de tal afirmação… não se encontrando qualquer referência a qualquer tipo de prova que a motive.
• No ponto FF), não se alcança o que motivou a Meritíssima Juiz a quo, a dar como indiciariamente provado que “consentia que a sua filha praticasse os referidos actos, pois a falecida Dr.ª D…, como está alegado na petição inicial, ia sempre à farmácia”. Desconhece-se por completo o que sustenta tal declaração…
• No ponto GG, “após o falecimento de D…, a ora Ré B… forneceu ao A. seu irmão e cabeça-de-casal, de forma voluntária, todos os elementos necessários para regularizar a situação da Farmácia H… junto do Infarmed”. Mais uma vez, desconhecem-se as razões e os depoimentos que influenciaram tal decisão…
• Destaque ainda para o ponto JJ: “Subsequentemente, a filha da ora requerente B…, S…, arrendou a D. D… essas instalações, tendo pago de Maio a Dezembro de 2009 uma renda mensal, pois pretendia aí instalar um ginásio, o que não se concretizou”. O que motivou tal decisão? Também se desconhece…
• Ponto OO: “Recentemente, a referida R. deixou de fornecer os elementos referidos impedindo o cabeça-de-casal de exercer adequadamente as suas funções, nomeadamente cumprindo as obrigações fiscais da herança.” Em que se alicerça tal decisão? Mais uma vez não se compreende...
• Ponto AAA: “Essa solicitação das declarações manteve-se ao longo destes anos, tendo a última missiva para o efeito sido enviada em 29/5/2014, entregue em mão, mas sempre sem qualquer resultado.” Mas, afinal, qual foi a prova produzida? Que depoimento é que foi valorado? Este facto indiciariamente provado resulta de que situação? Também se desconhece…
• Ponto DDD: “A que o ora respondente anuiu nos termos que constam da comunicação que lhe dirigiu em 28 de Maio de 2014, que lhe foi entregue em mão no dia seguinte”. Aqui também urge questionar o seguinte: qual foi a prova produzida? Que depoimento é que foi prestado nesse sentido? Esta facto indiciariamente provado, resulta de que situação? Que fundamentos é que foram decisivos para a convicção do julgador? Desconhecem-se por completo.
17.
Por fim, incorre-se ainda em erro de julgamento quando se valora o facto da Dra. D…, (alegadamente) se referir amiudadas vezes aos bens dos filhos como sendo dela, porquanto era prática corrente referir-se à propriedade dos bens como sendo dela, quando já os havia doado aos filhos, o que acontecia frequentemente relativamente a vários imóveis, sem que isso “anule” as doações que esta e o marido foram fazendo em vida…
18.
Bem como quando a Sentença refere que “Q…, como já se disse funcionário da Farmácia H… desde 92 até 2001, foi claro ao mencionar que quem o contratou e geria a farmácia era a D. B…, não obstante saber que a dona e directora técnica da mesma era a D. D…”, até porque, verdadeiramente, no seu depoimento, é referido que este nunca recebeu qualquer instrução por parte da mesma, e que apenas a viu na farmácia como se de uma utente se tratasse, ou para visitar a filha, e que sempre ouviu que a farmácia seria da Requerente e isso que era do total conhecimento da freguesia. Para além disso, afirmou que a Dra. D… se encontrava sempre no Colégio onde exercia a sua vida laboral enquanto Directora do Colégio, e nem com as sucessivas inspecções começou a frequentar a farmácia…
(tempo 03m:10s a 13m30m do depoimento da testemunha):
19.
Bem como quando inquirido pelo Mandatário do Requerido, (tempo 16m:26s a 16m34s do depoimento da testemunha), sobre os motivos que o levaram a afirmar que a Dra. D… era a proprietária da Farmácia, este último afirmou categoricamente que: “O alvará da farmácia diz propriedade e direcção técnica D… qualquer coisa…” Ora, é evidente que a testemunha se referia à “propriedade formal” da farmácia…e tão-somente por ser o nome que constava do alvará…
( IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO)
20.
Pretende ainda Recorrente que se dê como provados os seguintes itens:
• A Requerente é desde 1982/83 a única e irrestrita dona do “estabelecimento Farmácia H…” (incluindo Alvará e respectivo recheio), em conjunto com o imóvel onde esta se sedia (e que inclui uma parte habitacional e uma outra de natureza comercial) os quais lhe foram doados (verbalmente) pelos falecidos pais.”
• “A posse/gestão foi sempre irrestrita e nunca questionada, e sem que a mesma Requerente alguma vez tivesse prestado contas a ninguém do “negócio”, ou liquidando renda ou qualquer outra “compensação” pelo “uso” da parte habitacional e comercial, mormente aos falecidos pais seus anteriores donos, pelo que,
• - que a requerente tenha suportado todas as obras efectuadas no imóvel e na Farmácia
• - tal imóvel e estabelecimento comercial, dada a notoriedade, no Concelho (e não só), do Prof. E… e esposa Dr.ª D…, era e foi sempre reconhecido publicamente e por todos, e sem oposição de quem quer que fosse, como propriedade da filha, “dos donos do Colégio I…”.
• -que inclusive e durante todos estes alongados anos de posse reiteradamente de forma pacífica, publica e boa-fé, os usufruiu e deles (imóvel e estabelecimento) retirou as respectivas vantagens, mormente tratando-os, conservando-os, nele residindo com a sua família, como primeira e única habitação, repete-se pelo menos 1982 em diante e até hoje, o que, é e sempre foi reconhecido por todos, e nomeadamente da vizinhança, e dos demais residentes da Freguesia ….”
21.
Para o efeito relevam os depoimentos das testemunhas por si arroladas e inquiridas na audiência de julgamento ao que acresce a doação e a inerente posse dos últimos 32 anos…
22.
Tal como estatuiu o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 2012, “no uso dos poderes relativos à alteração da matéria de facto, conferidos pelo artigo 712.º do CPC, a Relação deverá formar e fazer reflectir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1ª Instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova”.[5]
23.
É convicção da Recorrente que o Tribunal a quo não fez uma correcta apreciação dos elementos probatórios de que dispunha e que o Tribunal ad quem tem acesso, devendo ser alterados os factos que se especificam pelas razões que se aduzirão. Sucede que os factos não provados contêm em si mesmos graves e insanáveis contradições com outros factos provados constantes dos autos, bem como, com o depoimento prestado pelas testemunhas.
24.
A Recorrente não desconhece o disposto nos números 4 e 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, nomeadamente no que concerne à livre apreciação da prova por parte do julgador. Todavia, a livre apreciação da prova não deve ser confundida com arbitrariedade na apreciação da prova. A título meramente exemplificativo, que sentido terá afirmar que o depoimento da testemunha Dr. O… está claramente condicionado e comprometido por ser marido da Requerente, e valorar, tout court, o depoimento da testemunha T… que é trabalhadora subordinada do Recorrido?
Salvo o devido respeito… parece-nos uma decisão minimamente incongruente…
25.
Na sentença é referido que “importa desde já dizer que não obstante a testemunha O… não ser parte nos presentes autos (que no rigor dos princípios e tendo em conta que a requerente alega ter adquirido o prédio e o estabelecimento da farmácia, por usucapião, na constância do casamento, e portanto seriam bens comuns do casal), o seu depoimento está claramente condicionado e comprometido por ser marido da AA e, indirectamente interessado na decisão que o tribunal venha a proferir, Além do mais é patente o grau de litigiosidade existente entre os intervenientes neste processo e os demais herdeiros, por força da partilha dos bens, com diferentes pontos de vista, que condiciona sempre a razão de ciência das testemunhas. Assim e porque a sua actividade profissional não está relacionada com a farmácia, o seu conhecimento acerca do funcionamento advém-lhe do que lhe é contado pela esposa, aqui requerente (aliado, eventualmente, à circunstância de possuírem um outro estabelecimento de farmácia, do qual é sócio, como resulta patente de documento junto aos autos”.
26.
A Mmª Juiz do Tribunal a quo desconsiderou o depoimento da testemunha Dr. O…, o qual depôs de forma isenta e verdadeira sem qualquer tipo de contradição!!! Todavia, é cristalino que o seu depoimento foi prestado de forma isenta, segura e com extrema objectividade, bem como demonstrando - ao contrário do que é referido na sentença - DIRECTO CONHECIMENTO DOS FACTOS, mormente sobre a doação do imóvel realizada há cerca de 32 anos, e que aqui se reveste da maior importância para o decretamento da providência!
27.
É que, a ter sido considerado o depoimento desta testemunha, como efectivamente deveria ter sido feito, cairia TOTALMENTE por terra a versão do Requerido, ora Recorrido, relativamente aos factos descritos nos Articulados.
PROSSEGUINDO:
28.
Nos autos e com referência ao facto provado no ponto Z:
Z: “A proprietária e Directora Técnica da referida Farmácia, D… levou a sua filha a trabalhar consigo, de modo a adquirir a experiência necessária ao desempenho da profissão”.
A Recorrente entende que este facto foi incorrectamente julgado, porquanto a Dra. D… não levou a sua filha a trabalhar consigo, nem tampouco de modo a adquirir a experiência necessária ao desempenho da profissão. Na verdade, a Dra. D… não exercia funções enquanto farmacêutica.
Sobre estes factos, a testemunha DR. O…, em depoimento a 11 de Junho de 2015, logrou trazer alguma luz sobre o assunto.
A instâncias do mandatário da Requerente, a testemunha referiu que ”…nunca a minha sogra nunca pôs os pés na farmácia, ao contrário do que se diz, a minha mulher não aprendeu a profissão, a minha mulher aprendeu muita coisa com a minha sogra, mas a profissão Senhora Juiz, não aprendeu rigorosamente em nada, desde logo também porque a minha sogra nunca exerceu a função. Tanto é assim que a minha sogra só em 2005 é que se inscreveu pela primeira vez na Ordem dos Farmacêuticos e
foi por obrigação, pressionada, foi o INFARMED que a notificou sob pena de ela não poder continuar a manter-se enquanto Directora Técnica que a pressionou a inscrever-se. Foi obrigatório, fê-lo por coacção, obrigatoriamente, sob pena de perder o alvará.”
(tempo 13m05s a 13m52s do depoimento da testemunha).
Para além disso, a testemunha DR. U…, a instâncias do mandatário da Requerente, referiu que “até 2007 não havia dúvidas de que a farmácia era para a sua irmã…” (tempo 32m13s a 33m53s do depoimento da testemunha).
29.
Por conseguinte, deve o ponto Z ser dado como não provado.
30.
No que toca à matéria de facto provado no ponto BB:
BB: “Durante a sua vida, sempre D… liquidou todos os impostos inerentes não só ao estabelecimento comercial, mas também ao imóvel onde o mesmo se encontra instalado.” A Recorrente entende que este facto foi incorrectamente julgado, porquanto, em momento algum isso foi alegado pelas testemunhas arroladas.
31.
A instâncias do mandatário da Requerente, a testemunha DR. O…, referiu que (tempo 01h24m:10s a 01h25m:46s do depoimento da testemunha) que “a minha sogra comunicava ao contabilista que é exactamente o mesmo da farmácia, que é o Dr. J…, a minha sogra tinha outros rendimentos, nomeadamente prediais, a minha sogra comunicava esses rendimentos prediais ao Dr. J… que por sua vez, elaborava o IRS dela e incluía os rendimentos da farmácia, mas ao mesmo tempo que o fazia, fazia o seguinte Senhora Juiz: fazia a chamada cômputo do valor do IRS que dizia respeito à farmácia e a minha mulher pagava, e os rendimentos prediais iam para a minha sogra pagar… era assim que todos os anos era feito. Relativamente ao à parte do IRS da farmácia, quem pagava esse IRS, era a minha mulher, os rendimentos prediais, era a minha sogra que os pagava” (…) Alias, quando o cabeça de casal começou a querer exercer a sua função, chegou a pedir à minha mulher que lhe fosse presente isso, e a minha mulher pediu ao contabilista, e o contabilista enviou exactamente uma simulação do que cabia à farmácia e do que cabia aos rendimentos prediais.”
Nem mesmo a testemunha arrolada pelo Requerido, DR. U…, afirmou o contrário do alegado pelo Dr. O… (tempo 04m44s a 05m59s do depoimento da testemunha)
(…)
Advogado do Requerido:- Agora, a farmácia e os rendimentos que produziu, esses rendimentos entravam nas contas de quem?
Testemunha:- Entravam nos rendimentos da minha mãe…
Ora, salvo devido respeito, referir que os rendimentos entravam nas contas da Dra. D…, NÃO É O MESMO que dizer que esta liquidava os impostos inerentes ao estabelecimento comercial, mormente o IRS…
MAS SE ESSA PARTE DO DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA DR. U… NÃO FOI TOTALMENTE ESCLARECEDOR. vide ainda:
(tempo 43m31s a 44m57s do depoimento da testemunha)
Advogado da Requerente: Diga-me uma coisa… Sabe se a sua irmã, B…, pagava a parte correspondente da farmácia? Se entregava à sua mãe…
Testemunha: EU SEI QUE ACERTAVA ALGUMAS CONTAS COM A MINHA MÃE, alguns anos sim, outros anos não, dependia, não tenho isso tudo… mas…
Advogado da Requerente: mas acertava contas porquê?
Testemunha: ouça… provavelmente a minha irmã dizia olha que está aqui…tem estes rendimentos da farmácia, a mãe vai pagar esses impostos… portanto sei que faziam uma simulação com e sem…
Advogado da Requerente: faziam uma simulação com e sem… para verificar ao certo quais os rendimentos que a farmácia gerava…
Testemunha: porque os rendimentos da farmácia eram muito elevados em relação aos restantes e portanto a minha mãe sempre se queixou que não recebia e lamentava-se, e a minha irmã, custa-me até dizer isto, quase como para ajudar a minha mãe a pagar os seus impostos, PAGAVA A PARTE DELA…
Mas a minha mãe queixou-se várias vezes entrega-me as contas, dá-me as contas, nunca me deste as contas e agora os impostos vêm para mim… portanto é uma situação parecida com aquela que estamos a viver agora… parecida… semelhante…
32.
Em consequência, na verdade, NEM A TESTEMUNHA DR. U…, NEM QUALQUER OUTRA INDICIOU QUE O PAGAMENTO DO IRS FOSSE REALIZADO PELA DRA. D… OU QUE A DRA. B… (AQUI REQUERENTE E RECORRENTE) NÃO PAGASSE A SUA PARTE!
33.
Para além disso, sublinhe-se com especial atenção que estas últimas declarações foram prestadas pelo Dr. U…, cujo depoimento foi considerado, pela Meritíssima Juiz a quo, como de parca isenção, por ser parte interessada na decisão que se venha a tomar, mas que face ao antedito, possui pretensões totalmente antagónicas às do Requerente… pelo que, in casu, deverá o depoimento ser efectivamente valorado!!
No que concerne ao depoimento de J…, auditor e TOC, (cujo depoimento supra transcrito aqui se dá por integralmente reproduzido - 2m54s a 13m20s do depoimento da testemunha -), a testemunha referiu que foi contratada pela Requerente, e que fazia o cômputo dos rendimentos gerados. Afirmou que como a farmácia estava em nome da Dra. D…, tinha que juntar todos os rendimentos que tinha, prediais e outros, e que, posteriormente, entregava a notificação à Requerente para pagamento, afirmando categoricamente que não conheci a Dra. D….
Quando confrontado com o documento referente à simulação dos rendimentos da farmácia explicou que este servia para separar o imposto referente à farmácia e o que dizia respeito aos restantes rendimentos, porque o cálculo é único somando todos os rendimentos (total de 37.118,00 Euros). Questionada sobre a razão dessa separação, a testemunha relatou que isto servia para saber o valor do imposto que dizia respeito à farmácia (in casu, 30.219 Euros), para ser liquidada pela farmácia, e que sobre os 7 mil euros referentes aos rendimentos prediais, estes seriam, certamente, liquidados pela Dra. D…. Mais informou que este procedimento sempre ocorreu assim, não tendo qualquer dúvida sobre ao assunto.
34.
Do cotejo dos depoimentos do Dr. O…, Dr. U… e de J…, resulta que era a Requerente quem liquidava o IRS da farmácia, não obstante o mesmo entrar nas contas do IRS da mãe da Requerente, até porque caso contrário, não se entenderia o cuidado que existia de realizarem duas simulações para verificarem quais os valores globais e depois posteriormente diferenciar os rendimentos realizados apenas pela farmácia, pelo que se a tese do Requerido fosse VERDADEIRA, não existiriam motivos para se realizarem essas simulações. Na verdade, os impostos referentes à farmácia foram sempre pagos pela Requerente, pelo que deve ser dado como não provado, face a tudo o que supra ficou explicitado, que a “DRA.D… liquidou todos os impostos inerentes não só ao estabelecimento comercial, mas também ao imóvel onde o mesmo se encontra instalado.”
35.
Deste modo, dúvidas não restam de que tais depoimentos fazem prova da existência dos factos alegados pela Requerente, ora Recorrente, sendo totalmente desfavoráveis aos factos supra referidos dados (erroneamente) como provados.
36.
Com efeito, a Recorrente entende que este facto foi incorrectamente julgado, pelo que o ponto BB deve ser dado como não provados, face a tudo o que supra se aludiu, porquanto era Recorrente quem liquidava os impostos referentes à farmácia…
37.
No que tange à matéria de facto provada no ponto EE, “todos os actos que a requerente praticou na mencionada farmácia o eram e representação de sua mãe, D…”, bem como no que toca à matéria de facto provado no ponto FF “A qual consentia que a sua filha praticasse os referidos actos, pois a falecida Dra. D…, como está alegado na petição inicial, ia sempre à farmácia”, refira-se que sobre estes dois assuntos, destaque para o depoimento das testemunhas Q…, DRA. P… E V…, e ainda pelo DR. U…. cujos depoimentos supra transcritos aqui se reproduzem para todos os efeitos legais.
De forma sucinta, a instâncias do mandatário da Requerente, a testemunha Q… , funcionário da farmácia de 92 até 2001, referiu que quem o contratou foi a Requerente e que quem negociou os termos do contrato e fez as comunicações da sua admissão às Finanças e à Segurança Social foi a Requerente. Para além disso, afirmou categoricamente que quem feria a farmácia era a Requerente, bem como quem fazia as encomendas dos medicamentos. Relatou ainda que nunca lidou com a Dra. D… em termos profissionais, e esta nunca lhe deu qualquer instrução, nunca tendo solicitado qualquer tipo de informação sobre o andamento do negócio ou estado da facturação. Durante os nove anos que trabalhou na farmácia, referiu que viu a Dra. D… também não como utente, mas como alguém que se dirigia à farmácia apenas para visitar a filha, e nunca em termos profissionais. (tempo 02m:10s a 03m00m do depoimento da testemunha, tal como supra se aludiu):
Já, a DRA. P.., actual directora técnica da farmácia, e funcionária desde 2002, (tempo 02m:05s a 02m40m do depoimento da testemunha), referiu que foi contratada pela Dra. B…, tendo o Contrato de Trabalho sido elaborado pelo marido da Dr.ª B… mas negociado entre as duas.
A testemunha afirmou ainda que (tempo 06m:26s a 06m53m do depoimento da testemunha) a Dra. B… sempre teve o poder de decisão, que sempre foi superior e que foi sempre a ela a quem ele se dirigiu em todas as questões.
Ainda durante o seu depoimento, (tempo 12m:37s a 15m38m do depoimento da testemunha), a testemunha afirmou que trabalha na farmácia desde 2002, e que a Dra. D… só ia à Farmácia como visita, nunca tendo dado qualquer tipo de instrução.
Last but not least, no que tange à testemunha V…:
(tempo 08m:55s a 15m:28s do depoimento da testemunha), demonstrou pleno conhecimento sobre as obras realizadas no imóvel, até porque foi quem forneceu toda a parte das madeiras necessárias, tendo sido contratado pela Dra. B… e pelo seu marido, lidando sempre com o casal, sendo estes quem procedeu aos respectivos pagamentos, não existindo qualquer tipo de intervenção dos pais da Dra. B…. Quando questionado sobre se era do conhecimento geral de que quem vivia naquela zona de que quem vivia naquele local era Requerente, a testemunha respondeu afirmativamente, referindo que isso era de conhecimento público, até porque eles usufruíam, dispunha… “como se costuma dizer”. Relatou ainda que via a Dra. B… na farmácia todos os dias, mesmo fora do horário do expediente, mas nunca encontrou a Dra. D… no estabelecimento comercial.
Sobre este assunto, destaque ainda para o depoimento da testemunha DR. U… (tempo 37m23 a 39m02s do depoimento da testemunha), referindo que quem fazia a gestão da farmácia era a sua irmã (ora Recorrente), sendo quem fazia as encomendas e contratava os funcionários, e que não se recordava mas que tinha ideia de que a irmã fez o estágio noutra farmácia.
38.
Ora, a Recorrente entende que este facto foi incorrectamente julgado, pelo que os presentes pontos EE e FF ser dados como não provados, face a tudo o que supra se aludiu, porquanto a Recorrente agia em nome próprio e enquanto proprietária da farmácia, e nunca em nome ou em representação dos seus pais…
CONCLUINDO,
39.
atendendo à análise das gravações, resulta claro que foram ignoradas diversas declarações prestadas pelas testemunhas, o que impede, necessariamente, que, em conjunto, possam servir para fundar a convicção do Tribunal, pelo que analisadas e reproduzidas as mesmas, em suma, deve a matéria de facto ser alterada nos seguintes termos:
40.
Para além dos supra citados factos julgados provados que deverão ser julgados como não provados, devem ser julgados como provados os factos que a sentença a quo entendeu como não provados e que aqui se transcrevem:
“A Requerente é desde 1982/83 a única e irrestrita dona do “estabelecimento Farmácia H…” (incluindo Alvará e respectivo recheio), em conjunto com o imóvel onde esta se sedia (e que inclui uma parte habitacional e uma outra de natureza comercial) os quais lhe foram doados (verbalmente) pelos falecidos pais.”
“A posse/gestão foi sempre irrestrita e nunca questionada, e sem que a mesma Requerente alguma vez tivesse prestado contas a ninguém do “negócio”, ou liquidando renda ou qualquer outra “compensação” pelo “uso” da parte habitacional e comercial, mormente aos falecidos pais seus anteriores donos, pelo que, - que a requerente tenha suportado todas as obras efectuadas no imóvel e na farmácia - tal imóvel e estabelecimento comercial, dada a notoriedade, no Concelho (e não só), do Prof. E… e esposa Dr.ª D…, era e foi sempre reconhecido publicamente e por todos, e sem oposição de quem quer que fosse, como propriedade da filha, “dos donos do Colégio I…”.
-que inclusive e durante todos estes alongados anos de posse reiteradamente de forma pacífica, publica e boa-fé, os usufruiu e deles (imóvel e estabelecimento) retirou as respectivas vantagens, mormente tratando-os, conservando-os, nele residindo com a sua família, como primeira e única habitação, repete-se pelo menos 1982 em diante e até hoje, o que, é e sempre foi reconhecido por todos, e nomeadamente da vizinhança, e dos demais residentes da Freguesia ….”
(DO DIREITO)
41.
Tal como foi amplamente referido na PI Cautelar, maxime no art. 2.º, a Recorrente, aí Requerente, é desde 1982/83 A ÚNICA E IRRESTRITA administradora/gestora/dona do “estabelecimento Farmácia H…”, com sede em … …. Albergaria-a-Velha (Alvará n.º ….), tendo a respectiva farmácia, em conjunto com o imóvel onde esta se sedia (e que inclui uma parte habitacional e uma outra de natureza comercial), sido doados (verbalmente) pelos falecidos pais, até para restabelecer alguma “igualdade” entre os demais cinco irmãos já objecto de avultadas “entregas” de imóveis, tal como também foi amplamente referido em sede de Julgamento e nos articulados. Por conseguinte, a entrega foi feita com espirito de liberalidade, tendo, desde aquela data, a Requerente, praticado todos os actos considerados normais a um comum proprietário, sempre crendo que a fracção que lhe fora entregue pelos falecidos pais, tinha passado a ser propriedade sua, - entendimento ao qual não era estranha a origem da “oferenda”, pelo qual se veio criando, legitimamente, uma confiança infrangível, nomeadamente através dos Pais da ora Recorrente.
42.
Destarte, estes bens passaram a integrar o património da ora Recorrente em face da gestão/administração da farmácia, e uso/posse ininterrupta, e por mais de 32 anos a fio, do já citado imóvel e estabelecimento comercial. Consumada tal posse na já invocada e reiterada usucapião (por si e pela sua família), porquanto prolongada no tempo e nos actos atinentes, desde pelo menos 1982 até à presente data, e que se renovou no Requerimento Inicial para ser considerada e valorada. (algo que efectivamente não sucedeu…)
43.
Refira-se ainda que, tal como foi indicado nos artigos 5.º e 6.º da PI Cautelar, a posse/gestão foi sempre IRRESTRITA E NUNCA questionada, sem que a Recorrente alguma vez tivesse prestado contas a ninguém do respectivo negócio, ou liquidado renda ou qualquer outra compensação pelo “uso” da parte habitacional e comercial, mormente aos falecidos pais, seus anteriores donos, pelo que, se a outro título a Requerente não possuísse, sempre teria adquirido por usucapião quer a totalidade do imóvel, quer o estabelecimento (farmácia).
44.
Naturaliter, de tal maneira que assim foi, que tal posse ininterrupta da Requerente – do edifício e estabelecimento Farmácia – se foi consumando nos últimos 32 anos, com a realização e pagamento adicional por esta de inúmeras e avultadas benfeitorias, no valor de várias dezenas de milhares de euros, quer no imóvel, quer no estabelecimento, e que foram objecto de identificação no artigo 8.º do Requerimento Inicial.
45.
Saliente-se que todas as obras de conservação/reparação e benfeitorias, realizadas na farmácia e no imóvel onde esta se sedia, reitere-se, foram realizadas e pagas pela Recorrente, que assim tratou e conservou o seu imóvel e respectivo estabelecimento, colhendo os respectivos frutos e liquidando os respectivos impostos, o que foi sempre concretizado à vista de toda a gente, de forma, portanto, pública, pacífica, e de boa-fé, até porque conhecida de toda a família da Recorrente e do actual cabeça-de-casal, que à referida actuação nada opôs. Para esse efeito, a Recorrente não careceu de qualquer autorização de quem quer que fosse, mormente dos pais – enquanto estes foram vivos – e ultimamente do próprio cabeça-de-casal…
46.
Se dúvidas existem, se um estabelecimento comercial pode ser objecto de usucapião, destaque para o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16 de Março de 2010, sumariando que “I – Um estabelecimento comercial pode ser objecto do direito de propriedade, podendo o mesmo ser também objecto de posse (artº 1251º C. Civ.) e de usucapião (artº 1287º C. Civ.)”.[6] Tal como foi referido nos artigo 12.º, 13.º e 14.º da PI Cautelar, tal imóvel e estabelecimento comercial, dada a notoriedade, no Concelho (e não só), “do Prof. E… e esposa Dr.ª D…, que inclusive eram oriundos da Freguesia … deste Concelho, era e sempre foi reconhecido, nos últimos 32 anos, publicamente e por todos, e sem oposição de quem quer que fosse, como propriedade da filha dos donos do Colégio I…”, assim eram conhecidos os acima indicados pais da Recorrente, que inclusive e durante todos os alongados anos de posse reiteradamente de forma pacífica, pública e de boa-fé, os usufruiu e deles (imóvel e estabelecimento) retirou as respectivas vantagens, mormente tratando-os, conservando-os, nele residindo com a sua família, como primeira e única habitação, desde pelo menos 1982 em diante até hoje.
47.
Todo o supra exposto foi concretizado com total conhecimento, e sem qualquer oposição dos pais da Requerente, aqui Recorrente, ou de terceiros, inclusive restantes herdeiros, sempre de forma pública, pacifica e de boa-fé[7], e sempre reconhecida por todos e nomeadamente da vizinhança e dos demais residentes da Freguesia …, mesmo após o decesso de ambos os progenitores, tudo se mantendo nos mesmos moldes, até que o Requerido, aqui Recorrido, eivada de vasta má-fé com a Requerente, aqui Recorrente, apresentou a Acção Principal a que este o Requerimento Inicial foi apensado, com o intuito de que – volvidos 32 anos – a Requerida desocupe e devolva o imóvel e o estabelecimento que “construiu” e melhorou continuamente.
48.
Neste sentido, e claramente insatisfeito com o decurso da Acção Principal, o Recorrido decidiu efectivamente substituir-se ao desígnio e decisão dos Tribunais, e a 18 de Fevereiro de 2015, a Recorrente foi informada pelo TOC, Dr. J…, de que a senha das finanças que permitia até aí o acesso ao respectivo portal, havia sido alterada, e portanto, já não seria possível à Recorrente, no futuro, cumprir, entre outras, com as obrigações fiscais da farmácia. Concomitantemente, no dia 20 de Fevereiro de 2015, a farmácia, e mais precisamente a Recorrente tomou conhecimento, através da G1…, que o “G…” já havia regularizado nesse mesmo dia o valor do receituário, não para a conta habitual da farmácia, cujo NIB é e sempre foi o da Recorrente, mas sim para um outra conta do cabeça-de-casal, ficando aí a empresa sem meios para regularizar salários, impostos e fornecimentos aos seus credores.
49.
Por conseguinte, o mesmo já havia sucedido no dia 22 de Fevereiro de 2015 com o principal fornecedor “K…”, que por essa razão cessou imediatamente os fornecimentos de medicamentos por força da não liquidação – por débito directo e em 23 de Fevereiro de 2015 – da factura do mês, e que se cifrava em 22,015,39 Euros, tal como foi referido no artigo 24.º do Requerimento Inicial e do respectivo Documento 7, que ora se juntou, mais se agravando com o reiterado não pagamento das facturas subsequentes de respectivamente 17.834,73 Euros e 8.748,65 Euros que deveriam ser pagas, pelo mesmo método, em 05 de Março de 2015, o que resulta do artigo 25.º do Requerimento Inicial e respectivos Documentos 7-A e 7-B.
50.
Acresce que, o cabeça-de-casal, ora Recorrido, para além de ter colocado em risco inopinada e de forma totalmente irresponsável a sobrevivência e manutenção do estabelecimento, provocou também, no imediato, um prejuízo de 742,25 Euros, ou seja 49.341,02 – 48.598,77 Euros = 742,25 Euros, por força da perda do desconto que a farmácia usufruía pelo pagamento à “K…” até aí processado a 20 dias. (art. 26 .º do Requerimento Inicial).
51.
Nesta senda, saliente-se ainda que o cabeça-de-casal, assumiu, ou pretendeu assumir agora a administração e a gestão da farmácia que por Lei lhe é negada, já que é médico com consultório aberto ao público no Concelho onde se sedia a farmácia aqui em causa, e portanto prescritor, e isto sem que se fale da sua total inabilidade e aptidão para a função.
52.
Ao contrário do que foi alegado pela Mm.ª Juiz, tal questão não extravasa o objecto do litígio, até porque as consequências dessa gestão poderão colocar em causa a manutenção da farmácia, de forma bastante grave. A situação também é gravíssima porque coloca em perigo 4 postos de trabalho, a abertura do estabelecimento pelo menos após o final do mês, altura em que se prevê que faltarão definitivamente medicamentos para venda, e até a sua futura sobrevivência/reabertura.
53.
Face ao retro exposto, é apodíctico que actuação ilícita e dolosa do Recorrido, cabeça-de-casal se traduz em tentar alcançar aquilo que por direito e justiça não lhe foi até agora permitido e consentido, ou seja, a retirada da gestão/posse/propriedade da farmácia (e não só) da irmã, Requerente, aqui Recorrente, ainda antes da inerente decisão judicial. Com a alteração da senha fiscal que dá acesso ao Portal das Finanças pelo Requerido, aqui Recorrido, a Recorrente e o seu TOC encontram-se impedidos, no imediato, de cumprir com todas as obrigações fiscais inerentes, mormente liquidação do IVA, envio ficheiro Saft das facturas, apresentando de declarações de IRS, etc, sem que se aborde, nesta instância, o somatório sequencial danoso das coimas, juros que se seguirá.
54.
Para além disso, que já não é pouco e suficientemente prejudicial e irresponsável, a Requerente à míngua da verba mensal do SNS, que por força do já antes descrito, passou para as mãos do Requerido (e não para a herança), viu-se impedida de pagar aos seus fornecedores (cujo pagamento ocorria de 20 em 20 dias, de molde a obter os descontos que propiciassem melhores margens de lucro), o que nem foi caso único, porquanto, tal com o se referiu em 17.º e 37.º da P.I. Cautelar, já havia sucedido anteriormente, em meados de 2012 e 2014 – 51.487,59 Euros), por causa diversa, mas também imputável ao Requerido, ora Recorrido, cujas consequências foram o accionamento judicial da farmácia e o corte de fornecimento de medicamentos (pela L…), na pessoa da Requerente, dado que todas estas entidades só conhecem a Requerente, e desde há 32 anos a esta parte, e a necessidade de celebração de um acordo judicial de pagamento faseado, sem juros moratórios, cuja ultima prestação se vencia precisamente no início do mês de Março corrente, e que se cifrava em 6.988,49 Euros.
55.
Na presente data, o maior fornecedor do estabelecimento/Farmácia H… era a K… – que substituiu a “L…” em 2012, em face do acordado pagamento mensal (a 20 dias) que se mostra incumprido, a partir do mês de Fevereiro, cessou também os fornecimentos diários de medicamentos já que o seu crédito global se cifrava em 51.358,07 Euros, pese embora o Requerido, ora Recorrido alertado para a exigência de regularizar, esta e outras obrigações, nada fez, retendo ilícita e abusivamente em conta própria, numa conta que abriu no M…-Agência … com o NIB …………………, todos os montantes até aqui pagos pelo “G…” e que somam pelo menos 56.917,21 Euros, o que permite demonstrar a intenção clara de se apropriar de algo que não lhe pertence, conforme foi alegado no artigo 43.º da PI Cautelar e Documentos n.º 10, 11, 11-A e 12 juntos com a mesma.
56.
Refira-se desde já que a conta do M… não é da herança, como aliás resulta do seu cabeçalho, mas sim do Requerido, aqui Recorrido, C… a título pessoal, circunstância esta que é totalmente diversa. E tanto assim é que para que a conta bancária pudesse ser efectivamente da herança, todos os herdeiros nela tinham que intervir, e consentir, o que não é o caso, porquanto, a título meramente exemplificativo, a Requerente, ora Recorrente, nunca foi consultada para o efeito pelo Requerido ou por outrem.
57.
Registe-se com especial relevância que os pagamentos/transferências efectuadas directamente para a conta bancária do Requerido, só se concretizaram por força da petição expressa – por carta- elaborada e enviada pelo mandatário – o mesmo dos autos principais – do dito requerido e dirigido à G1…/G…, e onde o mandatário alegando “a condição de cabeça-de-casal” do seu constituinte, exigiu que o dito pagamento passasse a efectivar-se para uma conta deste, que logo indicou. Ora, aparentemente seria da “herança”, só que de seguida tal conta anunciada como sendo da mesma, foi cancelada e convertida numa conta da cabeça-de-casal.
58.
O Requerido, bem como o seu Ilustre Mandatário, olvidaram-se convenientemente de referir na dita missiva aquilo que já há muito sabiam: de que o Requerido era/é médico prescritor, o que impede de gerir directa e ou indirectamente este tipo de estabelecimento, ou até de ser seu proprietário, cfr. artigo 16.º a) do D.L. 307/2007, de 30/08, condição esta que a não ser propositadamente ocultada, jamais possibilitaria o acesso do Requerido a tais valores, o mesmo sucedendo com a senha obtida junto da AT (Autoridade Tributária). Com efeito, todos estes actos são tendentes a forçar de facto, que não de direito, o afastamento compulsivo da Requerente da SUA farmácia,
59.
o que questiona gritantemente a sobrevivência e funcionamento futuro do estabelecimento, pelo que só o Tribunal poderá ainda desbloquear o assunto, quer na “G1…/G…”, quer na AT, até porque, a Recorrente, pese embora tenha diligenciado todos os seus esforços e as porfiadas diligências nos últimos dois meses, nada mais poderá fazer para manter o estabelecimento aberto a partir do final do corrente mês de Abril, e restabelecer o status quo ante, com a manutenção de pelo menos 4 postos de trabalho, na medida em que os salários já não poderão ser pagos…
Ademais,
60.
Por força do desvio dos rendimentos da farmácia que no momento da interposição da Providência Cautelar em apreço, somam mais de 108.404,80 Euros, (51.487,59 em 2013 + e agora 56.917,21 Euros), e esgotado o stock de medicamentos de que este dispunha, não tem agora a Requerente possibilidades financeiras para reabastecer o estabelecimento – até por corte de fornecimento – e consequentemente, não possui mercadoria para vender à sua clientela, até porque o “G…” está a pagar agora ao Requerido o valor do receituário do SNS, e que seria mensalmente de largas dezenas de milhares de euros, mas que por força do ocorrido, será agora menos de 2.743,16 Euros, face à quebra evidente na facturação, por perda de clientes e falta de medicamentos, pelo que continuando esta situação, não restará à Requerente outra solução que não o “encerramento de portas” e o despedimento compulsivo dos 4 trabalhadores da farmácia, não sendo possível, nem tecnicamente correcto continuar a manter aberto um estabelecimento desta natureza de forma tão desqualificada e inglória, em que diariamente é referenciado aos utentes, “que não se dispõe deste ou aquele medicamento”, conforme artigo 55.º da PI Cautelar e do respectivo Documento n.º 13 junto com a mesma.
61.
Refira-se ainda que é por demais evidente a quebra acentuadíssima na facturação (SNS e organismos) que se alcança dos seguintes números, alegados no artigo 57.º da PI Cautelar e respectivos Documentos 14 a 17, maxime:
• Janeiro – pago em Fevereiro – de 2015: 30.920,88 Euros
• Fevereiro – pago em Março – de 2015: 26.422,40 Euros
• Março – pago em Abril – de 2015 -: 19.692,28 Euros
• De 01/04/2015 a 24/04/2015: 2.734,16 Euros
62.
Para melhor intelecção do exposto, assim se destrói uma empresa e se desbarata, de forma inglória, um esforço e afincado trabalho diário de mais de 15/16 horas, prolongado por mais de 32 anos a fio por parte da Recorrente, bem como do esforço e trabalho dos falecidos pais da Recorrente para criar e fundar a empresa, cuja única filha farmacêutica é aqui Recorrente, e que em vida SEMPRE demonstraram, até por escrito, terem orgulho e empenho que prosseguisse nesta 2ª (filha) e 3ª geração (neta) farmacêuticos, porquanto a filha mais velha da Recorrente também é farmacêutica e a única da família com esta formação. Isto tudo pese embora a pendência do inventário, instaurado pelo segundo filho E… – Processo n.º 2/12.4T2ALB – o incidente de remoção do cabeçalato (do Requerido) que, abone-se, já leva pelo menos 3 anos de pendência, e uma prestação de contas – Processo n.º 544.13T2AND desta Instância Central da Aveiro – 1ª Secção Cível – J2), que pelos vistos não tem um “fim à vista”, embora com um sinal positivo, de que pelo menos o Recorrido já aí se mostra sentenciado a prestá-las, mas que vai negando a sua concretização, mês após mês.
63.
Face ao antedito, e na impossibilidade da Recorrente ver decidido a curtíssimo prazo o impedimento legal/incompatibilidade do Recorrido, pelo menos quanto à gestão do estabelecimento farmácia e por esse via, restituída ao seu inequívoco direito de continuar a gerir (bem) como sempre fez, o seu estabelecimento, acedendo, para o efeito, ao Portal das Finanças e pagamentos do G…, e ademais, reconhecido e sentenciando judicialmente o mesmo estabelecimento como seu, pelo menos até à data em, que for prolatada douto sentença no inventário e/ou autos principais, tal como foi alegado no artigo 66.º da PI Cautelar.
64.
In casu, é manifesto que a Recorrente tem receio (mais do que) fundado de que a manutenção da situação sumariamente descrita, lese e desvalorize em definitivo o estabelecimento ou até provoque a irremediável perda do dito bem, até através da cassação do alvará pelo Infarmed, já que o mesmo não poderá estar indefinidamente encerrado, bem como a demora na prolação de célere decisão, na medida em que a menos de 1,8 km de distância, e a 2 minutos de distância, e na mesma localidade, existe uma outra Farmácia (“N…”), que, naturalmente, “recolherá” entretanto toda a clientela da Requerente. (cfr. art. 70.º da PI Cautelar)
65.
Na verdade, os danos perpetrados e provados pela anómala actuação do Requerido, ora Recorrido, alguns deles já irreparáveis, só poderão ser de algum modo minorados com a restituição e urgente pelo menos da gestão/administração do identificado bem à sua proprietária e gestora de sempre, u seja, a aqui Recorrente, de molde a que este se veja restituída/investida nos inerentes direitos, tais com os de ser a única interlocutora válida e idónea junto do fisco, fornecedores, “Infarmed”, “G…”, “G1…” e etc,
Por outro lado, e finalmente,
66.
a presente providência urgente também se justifica pelo facto da requerente estar impossibilitada de gerir/administrar o bem aqui em causa, por força da alteração quer do NIB para transferência dos valores do receituário pelo “G…", quer da senha de acesso às funcionalidades do Portal das Finanças, o que a vem impedindo de utilizar os meios financeiros inerentes, mormente para liquidação das obrigações fiscais, e outras (até aqui só quanto aos fornecedores/IVA e Segurança Social), mas que a partir desta data incidirá também nos salários dos trabalhadores que terão de ser dispensados/despedidos, e nadas demais entidades com quem labora. Verifica-se ainda que existe e está, devidamente justificado o fundado receio da Recorrente em ver irremediável e gravemente lesado/perdido quer o futuro reconhecimento do seu direito – já invocado nos autos principais – de propriedade sobre o estabelecimento e admissão deste, e a necessidade do presente procedimento cautelar.
67.
A Recorrente nunca ocultou, seja nos articulados, ou em sede de Julgamento, que o imóvel em apreço era “formalmente” da propriedade da Dra. D…, apresentando sempre justificação cabal para o efeito, e que já supra se aludiu, pelo que é descabido motivar o não decretamento da providência por motivos tais como “a circunstancia de após o decesso da Dr.ª D… a farmácia passar a girar como Herdeiros de D…”, ou “a comunicação do falecimento da D. D… ao INFARMED, o que ocorreu por carta de 10/3/2011 e comunicação da nomeação da Dr.ª P…, como Directora Técnica da mesma, em substituição da Dra. D…, enviando-se os documentos respectivos, tudo em cartas assinadas pelo Requerido como cabeça de casal, e não pela requerente”, ou “regularização das declarações de IVA, em Dezembro de 2011, com transferência do IVA de empresário em nome individual para herança indivisa e anulação de coimas cfr. doc n.º 7 da oposição”, ou “entrega em nome da herança da declaração de IRS de 2011, discriminando no anexo J, a parte devida a cada herdeiro,” a circunstancia de os rendimentos da farmácia serem englobados nas declarações fiscais da sua mãe, como mencionado pela testemunha J….
68.
Pelas razões formais supra citadas, e bem esclarecidas pelo depoimento da testemunha Dr. O…, a propriedade do imóvel onde funciona a Farmácia, manteve-se nos últimos 32 anos sempre em nome dos falecidos pais da Requerente, como aliás sucedeu com os pagamentos dos IMI’s dos imóveis que estão apenas formalmente em nome de alguns herdeiros e nem por essa razão o Requerido, os arrolou no processo de inventário ou sequer apresentou os respectivos comprovantes…
69.
O que os pais da Recorrente pretenderam com a entrega referida foi doar o imóvel à sua filha, aqui Recorrente. Ora, a doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espirito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa, de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente, (Cfr. artigo 940.º do CC), ou seja, é um contrato dotado de eficácia real (quod effectum), no sentido em que, a transferência da propriedade, ou da titularidade do direito, se verifica em consequência do próprio contrato (Cfr. artigo 408.º e 954.º do Código Civil).
70.
Por honestidade intelectual, refira-se que a Requerente não ignora que doação de coisa imóvel só é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado (Cfr. artigo 947.º nº 1 do Código Civil). Contudo, as partes – in casu, os pais da Recorrente e a Recorrente – não formalizaram a doação, nem fizeram o competente registo de propriedade. Ora, tal falta de formalidade é causa directa do que havia sido “apalavrado” com os pais da Recorrente, que asseguraram que “não havia necessidade de formalização da doação”, até porque a Requerente possuía a expectativa de aceder
a outra farmácia, mantendo-se, por essa razão, a situação de não formalizarem a doação, na medida em que se o fizessem, esta não poderia ser proprietária de duas farmácias.
71.
Tal como foi referido pelo marido da Requerente, Dr. O…, em sede Julgamento (11m45s a 14m40s do depoimento da testemunha) reitere-se, num depoimento objectivo e sem qualquer tipo de contradição, a mãe da Requerente continuou como Directora técnica e não a própria Requerente, porquanto a Lei aplicável, na altura, só permitia a detenção e propriedade de uma farmácia nas seguintes condições: por um farmacêutico, e cada um só poderia ter uma farmácia, não podendo ter mais nenhuma. Por essa razão, e porque a mãe da Recorrente podia continuar a ser a Directora Técnica da Farmácia, pese embora fosse completamente e totalmente absentista quanto à Farmácia (nunca lá comparecendo), a Recorrente poderia vir a aceder a outra farmácia, pelo que se manteve, por essas razões, tudo nessas circunstâncias. Afigura-se pertinente referir ainda que, há 14 anos, a Requerente decidiu comprar uma farmácia, cuja propriedade ainda se verifica actualmente, e se nessa data fosse Directora Técnica da Farmácia (o que não era, mas sim apenas Directora Técnica Adjunta) não poderia aceder aquele Alvará, não podendo ser proprietária da farmácia. E os herdeiros, todos eles, tinham perfeito conhecimento disso…
72.
A mãe da Requerente nunca “punha os pés na farmácia”, até porque nunca exerceu essas funções. Só em 2005 é que se inscreveu na Ordem, pressionada, notificada pelo “INFARMED”, cuja inscrição foi, por essa razão, obrigatória e sob pena de perder o alvará. Pelo que, deve relevar tal comportamento, que criou uma nítida situação objectiva de confiança na Recorrente, e que se prolongou por pelo menos 32 anos, tendo ambas as partes agido – durante aquele período – no pressuposto da vinculação formal do contrato de doação, legítima expectativa ancorada – quanto mais não seja – nas relações familiares e na permanência – que efectivamente se verificou – no imóvel. O investimento na confiança da aqui Recorrente resultou da posição vinculante dos seus pais, que nunca questionaram as intervenções feitas no local, nem tampouco os restantes herdeiros. Pelo contrário, Sempre se congratularam com a “doação meritória” feita à filha – ora Recorrente –, única licenciada em Farmácia, criando, assim, – decalca-se, por dever de oficio – uma legítima expectativa naquela – e no seu marido, da titularidade do direito de propriedade do imóvel.
73.
Aliás, sempre foi a Recorrente que, PACIFICA E PUBLICAMENTE, se fez mostrar como proprietária. Ultrapassada a falta de forma, deve-se dar por transmitida a propriedade do imóvel em causa para a Recorrente.
Sem conceder, e caso assim não se entenda,
74.
Caso não se entenda que houve, face à matéria dada como indiciariamente provada e não provada, entre as partes, efectiva doação, deveria – declaração que, à cautela e subsidiariamente se impetra –reconhecer-se, no mínimo, que os Pais da Recorrente prometeram doar à Recorrente o referido imóvel, intenção que se materializou, desde logo, na efectiva traditio do imóvel, e na não oposição, por parte daqueles, às obras profundas que ali foram sendo realizadas. Este tipo contratual é lícito correndo nesse estuário doutrina maioritária e legitimante, nomeadamente dos Professores Doutores Antunes Varela e Pires de Lima[8], que expõem que “a promessa de doação, aceite pelo beneficiário, constitui assim uma verdadeira doação, na medida em que cria desde logo um direito de crédito em benefício do promissório à custa do património do promitente (cfr. anot. De Vaz Serra, ao ac. do Sup. Trib. Just., de 18-05-1976, na Ver. De Leg. E de Jur. Ano 110.º, pp 213). ”[9]
Ad cautelam, e apenas por cautela de patrocínio,
75.
e sendo certo que o contrato in casu não foi – sequer – reduzido a escrito, nem foi feito o registo da respectiva promessa de alienação a titulo gratuito – tudo, tal como exposto supra, por acordo entre as partes dispensando tais formalismos , tudo isto por – repitase por dever de ofício – porque, na verdade, tratou-se efectivamente de uma doação.
76.
Face ao retro exposto, tudo foi alicerçado na confiança na titularidade do imóvel que lhe foi entregue, ao ponto de a levar a um grande investimento de tempo, de entusiasmo, de trabalho e de custos, envolvendo, inclusivamente, a família. Ora, é da mais elementar justiça que tal confiança mereça imediata tutela do Direito.
77.
Se assim não se entender, e continuando a desconsiderar o depoimento da testemunha Dr. O… (que sendo valorado obrigaria a decisão totalmente diferente), e/ou não se considerando que efectivamente existiu a doação do imóvel à Requerente, perpassa que a solução adoptada do não decretamento da providência, tutela, um comportamento abusivo do Requerido.
78.
O artigo 334.º do Código Civil diz-nos (ainda que mal) o que é abuso de direito, mas não nos diz qual a sanção, quais os seus efeitos. Nas doutas palavras de Coutinho de Abreu “porém, já concluímos que o abuso de direito é uma forma de antijuridicidade ou ilicitude. Logo, as consequências do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto (ou omissão) ilícito.”[10]
79.
O mesmo Autor ensina-nos ainda que “o abuso de direito não é apenas fonte de responsabilidade civil – nem o Código o trata como tal, pois então deveria ele vir incluído entre os arts. 483.º, s.). Para além de se poder exigir a remoção do que se fez (independentemente de culpa do agente, se esta não for exigida para a remoção do que se fez sem direito, quando abuso se verifique na prática de negócios jurídicos, haverá, em principio, nulidade (art. 294.º)”. Deste modo, dúvidas não restam de que o Requerido, ora Recorrido, agiu abusivamente, em pleno abuso de direito, com o único fito de prejudicar a Requerente. No caso sub judice, é manifesto que, na eventualidade de a acção principal proceder a favor da Requerente, aqui Recorrente, o não decretamento da providência significará a produção de prejuízos de difícil reparação.
Para além disso,
80.
a providência cautelar exige apenas a chamada sumario cognitio, isto é, a prova sumária do direito ameaçado: a probabilidade da existência do direito para o qual se demanda a tutela provisória e o receio da sua lesão, e isso, salvo devido respeito, logrou a Requerente, aqui Recorrente, fazer, sem qualquer margem para dúvidas!
81.
Está sobejamente demonstrado que a Dra. D… NUNCA geriu a farmácia, dela retirando os proventos, ou fazendo as encomendas necessárias e os respectivos medicamentos, nem se deslocava à farmácia, nem acompanhava a evolução das vendas, nem ordenava qualquer tipo de compras. Na verdade, nenhuma das testemunhas teve dúvidas de que sempre a gestão da farmácia foi realizada pela Dra. B…, que quem contratava os funcionários era a Dra. B…, que quem comunicava essas contratações à Segurança Social era Dra. B…, e que quem fazia as encomendas era também Dra. B…, e que geria o dia-a-dia da farmácia pelo menos desde 1984.
CONCLUINDO,
82.
Ora, o decretamento de uma providência cautelar não especificada depende da verificação dos seguintes requisitos:
• Que MUITO PROVAVELMENTE exista o direito ameaçado;
• Que haja fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito;
• Que a providência requerida – não existindo nenhuma tipificada – seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado;
• Que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.
83.
Face ao exposto, vislumbra-se a necessidade de encontrar um ponto de equilíbrio entre interesses e direitos conflituantes: por um lado, a Requerente que é proprietária da Farmácia e do imóvel, em apreço e que exerceu a inerente posse, de forma pacífica, púbica e de boa-fé durante os últimos 32 anos, dele retirando as respectivas vantagens, tratando-os, conservando-os, nele residindo com a sua família, como primeira e única habitação, dedicando toda a sua vida de trabalho á farmácia, e o cabeça-de-casal que decidiu, substituir-se a qualquer decisão judicial, e mesmo alertado e devidamente consciente dos efeitos nefastos que esta situação está a implicar à saúde financeira da farmácia, decidiu impedir (da forma que supra se aludiu) a Requerente, ora Recorrente, de administrar a farmácia.
CONCLUINDO,
84.
atendendo à análise das gravações, resulta claro que foram ignoradas diversas declarações prestadas pelas testemunhas, o que impede, necessariamente, que, em conjunto, possam servir para fundar a convicção do Tribunal, pelo que analisadas, reproduzidas e esmiuçadas as mesmas, deve a matéria de facto ser alterada nos termos supra referidos, pelo que como já alvitrado, constata-se que sendo estes factos, dados como provados, adensa-se ainda mais a teia que impele o Tribunal em julgar procedente a providência. Julgamos que as presentes alegações dotaram o Tribunal de razões bastantes para que criticamente se possa avaliar a bondade da sentença de que se recorre.
85.
Por isso, corrigidos que estejam os erros que aqui se enunciam, estará o Tribunal em condições de, por imperativo legal e de justiça, revogar a decisão da primeira e decretar a providência, de forma a acautelar os legítimos direitos da Requerente.
C… contra-alegou pugnando por que a recorrente seja convidada a sintetizar as conclusões e, em todo o caso, pela total improcedência do recurso.
O recurso de apelação foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Em 25 de Janeiro de 2016 foi proferido acórdão que determinou a remessa dos autos ao tribunal a quo, a fim de ser devidamente fundamentada a decisão da matéria de facto, determinando-se a junção aos autos de todos os documentos tidos em conta na motivação e que não constem dos autos de procedimento cautelar.
Recebidos os autos no tribunal recorrido, a recorrente foi notificada para esclarecer se mantinha interesse no presente procedimento cautelar, vindo esta declarar que mantinha todo o interesse nestes autos.
Em 24 de março de 2016, foi proferida nova motivação da decisão da matéria de facto, ordenando-se a junção aos autos de certidão dos elementos tidos em conta na motivação de facto e que não constavam destes autos.
Na sequência da nova motivação da decisão da matéria de facto a recorrente nada mais requereu, tendo os autos sido remetidos de novo a este tribunal para conhecimento do recurso de apelação interposto por B….
Recebidos os autos neste tribunal, após vistos electrónicos, cumpre agora apreciar e decidir as questões cujo conhecimento ficou prejudicado pelo acórdão proferido nestes autos no dia 25 de janeiro de 2016.
2. Questões a decidir[11] tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da reapreciação das alíneas Z, BB, EE e FF dos factos provados[12], bem como de todos os factos julgados não provados pelo tribunal a quo;
2.2 Da aquisição pela recorrente do estabelecimento comercial de farmácia, bem como do imóvel no qual está instalado, por usucapião;
2.3 Da doação ou da promessa de doação do estabelecimento comercial de farmácia e do imóvel no qual está instalado à recorrente e da posição de confiança desta;
2.4 Do abuso do direito por parte do recorrido.
3. Fundamentos de facto
3.1 Da reapreciação das alíneas Z, BB, EE e FF dos factos provados, bem como de todos os factos julgados não provados pelo tribunal a quo.
A recorrente pugna por que sejam julgados não provados os factos das alíneas Z, BB e EE dos factos provados e que sejam julgados provados todos os factos que o tribunal recorrido julgou não provados.
As razões da recorrente para sustentar a sua pretensão recursória são, em síntese, as seguintes:
- no que respeita a alínea Z dos factos provados, entende a recorrente que não foi produzida qualquer prova da matéria nela vertida e, pelo contrário, foi produzida prova pessoal que aponta em sentido inverso ao dado como provado, como seja o depoimento das testemunhas O… e U…;
- relativamente à alínea BB dos factos provados, a recorrente sustenta que não foi produzida qualquer prova da matéria nela vertida e, pelo contrário, foi produzida prova pessoal que aponta em sentido inverso ao dado como provado, como seja o depoimento das testemunhas O…, U… e J…;
- no que tange as alíneas EE e FF dos factos provados, além de entender que não foi produzida qualquer prova da matéria vertida nesta alínea e em sentido inverso, a recorrente destaca os depoimentos das testemunhas Q…, P…, V… e U…;
- relativamente aos factos não provados, numa formulação algo obscura[13], mas que parece remeter para as provas pessoais que antes foi destacando, a recorrente sustenta que com base nelas deve essa matéria considerar-se provada.
Cumpre apreciar e decidir.
Os factos cuja reapreciação é requerida pela recorrente são os seguintes:
- “A proprietária e Diretora Técnica da referida Farmácia, D… levou a sua filha a trabalhar consigo, de modo a adquirir a experiência necessária ao desempenho da profissão” (alínea Z dos factos provados);
- “Durante toda a sua vida, sempre D… liquidou todos os impostos inerentes não só ao estabelecimento comercial, mas também ao imóvel onde o mesmo se encontra instalado” (alínea BB dos factos provados);
- “Todos os atos que a requerente praticou na mencionada farmácia o eram em nome e representação de sua mãe, D…” (alínea EE dos factos provados);
- “A qual consentia que a sua filha praticasse os referidos atos, pois a falecida Drª. D…, ia sempre à Farmácia H…” (alínea FF dos factos provados);
- “A requerente é desde 1982/83 a única e irrestrita dona do “estabelecimento Farmácia H…” (incluindo Alvará e respetivo recheio), em conjunto com o imóvel onde este se sedia (e que incluiu uma parte habitacional e uma outra de natureza comercial) os quais lhe foram doados (verbalmente) pelos falecidos pais” (1º parágrafo dos factos não provados);
- “A posse/gestão foi sempre irrestrita e nunca questionada, e sem que a mesma requerente alguma vez tivesse prestado contas a ninguém do “negócio”, ou liquidado renda ou qualquer outra “compensação” pelo “uso” da parte habitacional e comercial, mormente aos falecidos pais seus anteriores donos” (2º parágrafo dos factos não provados);
Que a requerente tenha suportado todas as obras efectuadas no imóvel e na farmácia” (3º parágrafo dos factos não provados);
- “Tal imóvel e estabelecimento comercial, dada a notoriedade, no Concelho (e não só), “do Prof. E… e esposa Dr.ª D…”, era e foi sempre reconhecido publicamente e por todos, e sem oposição de quem quer que fosse, como propriedade da filha “dos donos do Colégio I…”” (4º parágrafo dos factos não provados);
- “Que inclusive e durante todos estes alongados anos de posse reiteradamente de forma pacífica, pública e de boa-fé, os usufruiu e deles (imóvel e estabelecimento) retirou as respetivas vantagens, mormente tratando-os, conservando-os, nele residindo com a sua família, como primeira e única habitação, repete-se desde pelo menos 1982 em diante e até hoje, o que, é e sempre foi reconhecido por todos, e nomeadamente da vizinhança, e dos demais residentes da Freguesia …” (5º parágrafo dos factos não provados).
O tribunal a quo motivou a sua decisão da matéria de facto nos termos que seguem:
O tribunal formou a sua convicção através da conjugação da vasta prova documental junta aos autos e bem assim a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, que na sua globalidade, permite dar como indiciariamente provados e não provados os factos supra enunciados.
Acerca da gerência que requerente efectuava da Farmácia H…, para além de não ser contestada, ficou a mesma patente no depoimento das testemunhas O…, marido da requerente, Q…, funcionário da farmácia no período de 92 a 2011, P…, actual directora técnica da farmácia, e funcionaria desde 2002 e V…, amigo.
Na verdade, todos foram unanimes ao dizer que era a requerente que estava à frente da gerência da farmácia, ainda que esta a mesma tivesse alvará em nome da D. D…, a qual era directora da mesma.
A testemunha O… relatou o momento em que a sua mulher passou a estar á frente da gestão da farmácia e os motivos relacionados com o mesmo.
Importa desde já dizer que não obstante a testemunha O… não ser parte nos presentes autos (que no rigor dos princípios e tendo em conta que a requerente alega ter adquirido o prédio e o estabelecimento de farmácia, por usucapião, na constância do casamento, e portanto seriam bens comuns do casal), o seu depoimento está claramente condicionado e comprometido por ser marido da AA e, indirectamente interessado na decisão que o tribunal venha a proferir. Além do mais é patente o grau de litigiosidade existente entre os intervenientes neste processo e os demais herdeiros, por força da partilha dos bens, com diferentes pontos de vista, que condiciona sempre a razão de ciência das testemunhas, no tocante, concretamente, e tão só, à propriedade da farmácia.
Assim, e porque a sua actividade profissional não está relacionada com a farmácia, o seu conhecimento acerca do funcionamento advém-lhe do que lhe é contado pela esposa, aqui requerente (aliado, eventualmente à circunstancia de possuírem um outro estabelecimento de farmácia, do qual é socio, como resulta patente de documento junto aos autos.
E desde já também se refere que em igualdade de circunstâncias se encontra a testemunha U…, irmão da requerente e do requerido, e também ele herdeiro de D…, e por via disso claramente interessado na decisão venha a proferir. Dai que o seu depoimento é claramente comprometido e ainda que não seja (por ora) parte na acção, é manifesto o interesse directo que tem na decisão que se venha a tomar. Dai que o seu depoimento, tal como o anterior, ainda que credível, não pode ser considerado por manifesta falta de isenção[14].
Voltando á gerência efectuada pela requerente, a testemunha Q…, como já se disse funcionário da Farmácia H… desde 92 até 2001, foi claro ao mencionar que quem o contratou e geria a farmácia era a D. B…, não obstante saber que a dona e directora técnica da mesma era a D. D….
Também demonstrou conhecimentos acerca das obras que forma realizadas na farmácia, e bem assim os pagamentos das mesmas pela requerente ( e aqui um parêntesis, não sabe com que dinheiro é que o fazia, se próprio ou não)
Essencial para aferir a situação económica da farmácia e as consequências de não disporem da senha de acesso às finanças, temos o depoimento da testemunha P…, actual directora técnica da mesma. Esta testemunha foi contratada em 2002, pela requerente, como farmacêutica adjunta, sendo que em 2004 passou a ser farmacêutica adjunta substituta, para colmatar as ausências da directora técnica, a D. D…, que se encontrava no Colégio I…. Apos o decesso desta passou a ser a directora técnica. Relativamente à requerente, mencionou que é ela que tem todo o poder de decisão, gerindo a farmácia.
Referiu que desde Fevereiro de 2015 deixaram de poder cumprir com as obrigações fiscais porque estão sem a senha de acesso ao portal das finanças, envio dos ficheiros safte. Mais referiu que também estão privados dos reembolsos da comparticipação do receituário pelo SNS, que passou a ser transferido para uma conta diversa, e por via disso não podem pagar aos fornecedores. Por força dessa circunstância, desde Março do corrente ano que deixaram de comprar medicamentos, recorrendo, sempre que necessário a permitas com outras farmácias, ou socorrendo-se da outra farmácia da D. B…, de onde trazem os medicamentos. Confirmou a diminuição da facturação, e bem assim o risco de perder o seu posto de trabalho.
A testemunha J…, auditor e TOC, demonstrou conhecimentos acerca da contabilidade da farmácia H… desde 89. Por força disso demonstrou conhecimentos acerca de quem efectuava a gestão da mesma, sendo que todos os assuntos fiscais eram tratados com a D. B…, não obstante a farmácia girar com o nome da D. D…. Mais esclareceu que nos últimos anos, apos o decesso do pai da AA, era ele quem fazia a declaração de rendimentos da Dra D…, sendo que ai eram englobados os rendimentos da farmácia, e os impostos devidos eram pagos pela farmácia.
O tribunal teve, igualmente, em conta a vasta prova documental junta aos presentes autos e bem assim aos autos principais, e referidos pelas partes.
Contudo grande parte dela é absolutamente inócua se em qualquer interesse para a causa, sendo mais o desenvolvimento escrito do relacionamento pessoal tido entre as interessados na partilha do bens.
Quanto à prova documental junta aos autos, temos:
- o alvará n.º …., datado de 21 de Setembro de 2005, para a Farmácia H…, de onde decorre que o mesmo foi concedido a favor da farmacêutica Dra D…, em 11.02.1971;
- a fls. 55 temos o documento provisório de identificação fiscal dos herdeiros de D…, onde consta a requerente e os requeridos;
- a fls. 56 dos autos consta o email enviado pelo TOC X…, na sequência de ter sido contactado pelo cabeça de casal, dirigido ao contabilista da Farmacia H…, J…, a solicitar a contabilidade da farmácia;
- a fls. 58 consta um email da farmácia H…, enviado á G1…, datado de 20 de Fevereiro de 2015, assinado pela requerente, onde expressamente refere, em relação sua pessoa “é estranho como é que a G1… faz uma alteração deste teor sem contactar com o antigo titular da conta que é herdeiro (sublinhado nosso) e farmacêutico (…)”;
- a fls. 62 e 63 constam avisos de cobrança datados de 2, 16, 16 a 28 de Fevereiro de 2015, enviados pela K…, à Farmácia H…;
- a fls. 68, consta nova extracto enviado pela K…, á Farmácia H…, datado de 2 de Março de 2015, dando conta das facturas cujo pagamento se encontra em falta,
- a fls. 69 e 70 constam extractos de pagamento devolvidos por falta de provisão;
- a fls. 74 consta uma nota de lançamento datada de 2015/02/20, enviada a D… – cabeça de Casal da Herança de farmácia H…, pela G…, relativo ao pagamento de varias facturas, no valor total de € 30.273,91; assim como a fls. 164 consta aviso de pagamento da factura do SNS de fevereiro de 2015 e a fls. 165 de março de 2015;
- a fls. 75 consta uma informação do M… dirigida à requerente “na qualidade de herdeiro de D…, acerca da conta ai mencionada, cuja titularidade é do cabeça de casal da referida herança;
- a fls. 76 consta nota de lançamento da G…, datada de 2015/03/20, no valor de e 25.643,30;
- fls. 82 a 87 consta o mapa resumo de situação de entidades, relativo à Farmacia e ao mês de janeiro de 2015;
- o doc. 87 constitui um mapa das farmácias de serviço, onde se pode visualizar a proximidade de localização da Farmácia H… e da Farmácia N…, pertença da requerente;
- a fls. 118 e ss consta a certidão comercial da Farmácia W…, de onde se retira a data da sua constituição, em 20/05/2013, sendo a requerente e o seu marido, Dr. O…, além de outro, sócios e a requerente a gerente;
- a fls. 120 consta a simulação, para efeitos de IRS, relativos aos rendimentos da Sr. D. D…, considerados de forma isolada, e considerados tendo em conta os rendimentos da farmácia, e que foi devidamente analisada pela testemunha J…, supra mencionado;
- Do teor da carta de fls. 122, dirigida pela requerente ao requerido, referente ao anexo á Farmácia, permite concluir-se que esta reconhece que o imóvel é da herança;
- a fls. 124 consta o aviso de liquidação de IMI referente a D… (…)- cabeça de casal da herança de, representada pelo aqui requerido, referente ao mês de abril de 2015, e onde consta o imóvel onde se encontra instalado a farmácia e a fls. 192 e ss a respectiva certidão predial
- a fls. 126 e ss contam as declarações de IVA da sr. D. D…;
- a fls. 140 e ss. consta varia documentação relativa á penhora de créditos da Farmacia, troca de correspondência entre o requerido e os irmãos, acerca de assuntos relacionados com a farmacia, como sendo a necessidade de pagamento de impostos e penhora de créditos da farmacia, missivas de cobrança (cfr. fls. 146), carta dirigida pelo requerido á requerente, relativa a dividas da farmacia – cfr. fls. 147;
- a fls. 149 consta uma missiva dirigida pelo requerido á requerente, datada de 28 de Maio de 2014, a solicitar o envio das contas da farmacia dos anos de 2011 a 2013;
- a fls. 155 e ss consta a troca de correspondência entre a AT e o requerido, ma qualidade de cabeça de casal da herança de D… (…), datada de 25 de Fevereiro de 2015, dando conta da falta de entrega atempada de documentação, do reencaminhamento para a requerida, e solicitação da entrega do bem Farmacia H… à herança, reencaminhamento para o Dr. J…, contabilista da farmácia;
- decorre de fls. 158 a missiva entregue pelo requerido A requerente, datada de 28 de maio de 2014, dando conta das diligências com vista á realização de obras no local onde se encontra a farmácia;
- a fls. 159 consta uma factura da farmacia H…, datada de 27.03.2015, onde consta, no cabeçalho Farmacia H… – D… – herdeiros;
- a fls. 160 e ss consta uma comunicação do infarmed a solicitar a regularização da propriedade, direcção tecnia e farmacêutico substituto;
- a fls. 163 consta o extracto de conta do M…, datado do mês de março de 2015, pertença da herança, sendo o saldo de € 30.265,30.
- a fls. 167 e ss consta varia documentação relacionada com a candidatura a estagio emprego, junto do IEFP, sem o conhecimento do cabeça de casal da herança (cfrs. fls. 169).
O tribunal teve, igualmente em consideração a documentação referida na oposição e junta nos autos principais, ou seja:
- doc. 13 junto com a contestação – email do Dr. J…, datado de 31 de Agosto de 2012, a solicitar os rendimentos da herança;
- doc. 11, consistente num email enviado ao Dr. J… com o balanço à data do óbito.
Tais documentos não foram postos, concretamente, em causa, pela requerente, sendo que a pronuncia de fls. 230 e ss., como decorre de todos os articulados, é mais uma oportunidade para se trazer à lide questões que em muito ultrapassam todo o objecto do processo, e que dizem respeito a factos a resolver, se for o caso, no âmbito do processo de inventario ou em acções autónomas.
Procedeu-se à audição da prova pessoal gravada e ao exame crítico da prova documental junta de folhas 22 a 89, 118 a 149, 155 a 171, 192 a 221, 236 a 267 verso e a certidão[15] de folhas 495 a 497.
A audição da totalidade da prova pessoal gravada e a análise crítica da prova documental acima referenciada permite-nos analisar e fundamentar ponto por ponto a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente.
Começando pela alínea Z dos factos provados, na qual se deve dar como assente, por acordo das partes, a qualidade jurídica de proprietária e diretora técnica da Farmácia H…, em 1983[16], da mãe da recorrente, afigura-se-nos que a prova produzida relativamente ao restante segmento desta alínea é insuficiente para permitir a formação de uma convicção positiva deste tribunal quanto a tal realidade.
Não porque o depoimento da testemunha O…, advogado e marido da recorrente, nos mereça credibilidade e constitua pelo menos contraprova da aludida matéria, mas sim porque a prova que pela positiva foi produzida sobre essa matéria não permite concluir que a mãe da recorrente desempenhasse efetivamente as funções de diretora técnica da “Farmácia H…”, como resulta dos depoimentos produzidos pelas testemunhas Y…, professora, amiga da falecida mãe da recorrente, de oitenta e oito anos de idade, T…, empregada de escritório e ligada laboralmente à família da recorrente há já vinte e dois anos e de U…, irmão de recorrente e de recorrido. De facto, nenhuma destas testemunhas oferecidas pelo recorrido foi no sentido de que a mãe da recorrente levou esta para a farmácia a fim de lhe ensinar a profissão de farmacêutica, resultando, pelo contrário, que a falecida D… se dedicava quase exclusivamente ao Colégio I…, embora se deslocasse com frequência à farmácia.
Por isso, este ponto dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação:
- D… era proprietária e diretora técnica da “Farmácia H…” quando B… foi para lá trabalhar, em 1983.
Apreciemos agora a impugnação da alínea BB dos factos provados da sentença recorrida.
No que respeita esta matéria de facto, atenta a prova documental junta a folhas 120[17], 124 e de folhas 192 a 193, pode concluir-se que foi produzida prova de que pelo menos o imposto sobre o rendimento inerente ao estabelecimento de farmácia e ao IMI do prédio onde estava instalado o referido estabelecimento eram pagos pela falecida mãe da recorrente e assim continuou a ser após o seu óbito, relativamente ao IMI, pelo requerido, cabeça de casal da herança aberta por óbito de sua mãe, também mãe da recorrente. Relativamente ao IRS, atenta a titularidade formal do estabelecimento, também é forçoso concluir que não podia deixar de ser a falecida mãe da recorrente a pagar tal imposto.
Neste quadro probatório, incumbia à recorrente oferecer e produzir prova que pudesse pelo menos criar dúvida sobre a veracidade da prova oferecida pelo recorrido.
Ora, as declarações do marido da recorrente, interessado indireto na sorte do litígio e manifestando grande ódio contra o recorrido e de J…, técnico oficial de contas, desacompanhadas de elementos documentais corroboradores, não têm aptidão para colocar em crise o que resulta da citada documentação.
Assim, deve a alínea BB dos factos provados passar a ter a seguinte redação:
- Durante toda a sua vida, sempre D… liquidou os impostos decorrentes dos rendimentos do estabelecimento comercial, mas também do imóvel onde o mesmo se encontra instalado.
Apreciemos agora a impugnação das alíneas EE e FF dos fundamentos de facto da sentença recorrida.
No que respeita esta factualidade, relevando a prova já analisada para fundamentar a resposta à alínea BB dos factos provados e ainda a que se mostra junta a folhas 71 a 74, 76, 83 a 86, 122, 141, 159, 214 a 217, 239 e verso, 265 a 266 verso, resulta patente que a recorrente, antes e após o óbito de sua mãe, nunca se assumiu como titular, em nome próprio, da “Farmácia H…”, não sendo esta abundante prova documental destruída por declarações interessadas, como são as do marido da recorrente, ou ambíguas, como são as das pessoas que trabalharam na farmácia e que apenas descreveram a prática de atos de gestão por parte da recorrente[18], atos compatíveis quer com a prática de atos em nome próprio, na qualidade de dona, quer com a qualidade de comodatária, com cláusula permissiva de aproveitamento dos frutos do estabelecimento (concessão do gozo gratuita).
Assim, face a quanto precede, conclui-se que se devem manter as alíneas EE e FF dos factos provados, apenas se extirpando desta última alínea o segmento “, como está alegado na petição inicial,” em virtude de se tratar de matéria processual inócua para a sorte do litígio.
Apreciemos agora o primeiro parágrafo dos factos não provados.
Este parágrafo contém matéria de direito – a qualidade de dona do estabelecimento comercial “Farmácia H…” – e uma resposta positiva a esta alegação implicaria a resolução do caso ao nível factual, com a comprovação direta de uma qualidade jurídica que apenas em face de certo complexo fáctico mais ou menos extenso se pode demonstrar.
No que respeita a alegada doação verbal, não existe prova pessoal e documental que com um mínimo de consistência permita dar como provada essa ocorrência.
O próprio marido da recorrente foi prestando declarações em que oscilou na afirmação da entrega da farmácia em gestão à recorrente (ouça-se o depoimento desta testemunha do minuto dois em diante), na sua doação à recorrente (ouça-se o depoimento desta testemunha do minuto oito e quinze segundos em diante) e ainda afirmando que a farmácia estava destinada a sua esposa (ouça-se o depoimento desta testemunha do minuto quinze e quarenta segundos em diante).
Não obstante o marido da recorrente tenha afirmado ter em seu poder um postal da autoria de seu falecido sogro do qual constava a afirmação da necessidade de marcação de escritura para a transmissão da farmácia para a titularidade da recorrente, esse alegado documento não se mostra junto aos autos[19].
Finalmente, resultou inequívoco da prova produzida que parte do imóvel foi arrendada ao Estado Português para instalação de um Centro de Saúde, utilização que se manteve até há uns anos atrás, não resultando da mesma prova que a recorrente alguma vez tenha recebido rendas pela concessão desse gozo dessa parte do imóvel[20].
Assim, face a quanto precede, deve manter-se não provada a segunda parte deste parágrafo, não se respondendo à sua primeira parte por não se tratar de matéria de facto.
Apreciemos agora o segundo parágrafo dos factos não provados.
No que respeita este ponto dos factos não provados, a sua primeira parte, referente à afirmada posse, constitui matéria de direito, sendo conclusiva, na parte relativa à afirmada gestão. Em qualquer destes casos, o que importava era a alegação e prova de múltiplos factos singulares concretos, repetidos no tempo, que permitissem depois, em sede de qualificação e subsunção jurídica, concluir pela existência da alegada posse, em nome próprio ou alheio ou do alegado exercício da gestão do estabelecimento comercial, sendo certo também que tanto gere aquele que o faz por conta própria, como aquele que o faz por conta e no interesse de outrem.
No que tange a afirmada não prestação de contas a ninguém do “negócio”, atentas as provas que se relevaram para as respostas às alíneas BB, EE e FF dos factos provados, afigura-se-nos que não foi produzida prova que permita a formação de uma convicção positiva deste tribunal relativamente a tal segmento factual, pois que daí resulta que pelo menos anualmente, eram facultados os elementos necessários para apurar os rendimentos provenientes do exercício do estabelecimento comercial de farmácia.
No que respeita ao alegado não pagamento pela recorrente de qualquer renda ou compensação pelo uso da parte habitacional e comercial do imóvel onde está instalado o estabelecimento comercial de farmácia, afigura-se-nos que do conjunto da prova pessoal e documental produzida na audiência final e especialmente dos depoimentos convergentes do marido da recorrente e do irmão da recorrente, U…, resulta que assim efetivamente foi sucedendo ao longo dos anos e até à presente data.
Assim, não se deve responder ao segmento deste parágrafo em que se cura da averiguação de posse e gestão irrestritas, por se tratar de matéria de direito e conclusiva, mantendo-se não provada a parte referente à não prestação de contas do “negócio” e apenas resultando provada a parte em que é afirmado que a requerente nunca pagou renda ou qualquer outra “compensação” pelo “uso” da parte habitacional e comercial, nomeadamente a seus pais.
Vejamos agora o terceiro parágrafo dos factos não provados.
No que respeita esta matéria, foi produzida prova pessoal no sentido da sua confirmação com base no depoimento interessado e por isso suspeito do marido da recorrente, de Q…, técnico de farmácia que trabalhou na “Farmácia H… de 1992 a 2001 e de V… que afirmou ter efetuado diversas por conta da recorrente e às custas desta. Porém, estas provas pessoais não foram corroboradas por qualquer elemento documental fiável, sendo certo, além disso, que tais trabalhos também podiam ser custeados à custa dos rendimentos da farmácia, o que sempre geraria dúvidas sobre quem efetivamente suportou tais despesas[21].
Assim, face a quanto precede, deve manter-se não provada a matéria que integra o terceiro parágrafo dos factos não provados.
Apreciemos agora o quarto parágrafo dos factos não provados.
No que respeita este segmento dos factos não provados, alguma da prova documental oferecida pela recorrente, como seja o alvará da “Farmácia H…”, comprova inequivocamente que pelo menos junto das autoridades competentes para controlar a atividade desenvolvida na farmácia, a recorrente não era tida como dona de tal estabelecimento, sendo certo que também o não poderia ser pelos clientes ocasionais que se dirigissem ao estabelecimento e que apenas tivessem acesso às indicações relativas à propriedade e direção técnica que sempre existem neste tipo de comércio[22].
Daqui resulta que não pode dar-se como provado que a recorrente alguma vez tenha sido reconhecida por todos, como dona da “Farmácia H…”, devendo manter-se a resposta negativa ao quarto parágrafo dos factos não provados.
Debrucemo-nos agora sobre o quinto parágrafo dos factos não provados.
Neste parágrafo está vertida matéria que é claramente de direito integrante do núcleo do litígio e que por isso não deve ser objeto de um juízo probatório, como sucede quanto à afirmada posse e à sua qualificação como pacífica, pública e de boa-fé.
No que respeita ao uso habitacional do piso localizado sobre a farmácia, o marido da recorrente afirmou que habitaram nesse local até há cerca de treze anos. Esta afirmação, porque desfavorável, em parte, à recorrente e corroborada por outros depoimentos testemunhais concordes na desabitação do piso que está sobre a farmácia, é assim insuspeita de parcialidade, o que nos permite relevar este segmento do depoimento desta testemunha.
A convergência do depoimento produzido pelo marido da recorrente com o que foi produzido pelo irmão da recorrente, U…, de más relações com a autora e de boas relações com o requerido, relativamente à retirada das vantagens do estabelecimento comercial de farmácia, ao longo dos anos, permite-nos formar uma convicção positiva quanto à realidade dessa matéria.
Importa ainda relevar a matéria de facto assente, porque não impugnada pelas partes, no que respeita a efetivação de obras de remodelação na habitação e no estabelecimento de farmácia.
Assim, tudo sopesado, não se responde ao último parágrafo dos factos não provados, na parte em que se inquire da posse da recorrente sobre o imóvel e o estabelecimento comercial, bem como sobre as características dessa afirmada posse, julgando-se apenas provado que desde 1983 a requerente residiu com a sua família no piso situado sobre a farmácia, como primeira habitação e até há cerca de treze anos e retirou as vantagens decorrentes da exploração da “Farmácia H…” instalada no … sito sob a aludida residência familiar, tratando e conservando esses espaços, mantendo-se não provado o mais que aí vem alegado.
Face a quanto precede, conclui-se pela parcial procedência da reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente.
3. Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida, bem como dos decorrentes da reapreciação da decisão da matéria de facto que antecede
3.1 Factos provados
3.1.1
A requerente desde 1982/83 encontra-se a gerir o estabelecimento Farmácia H…, com sede em …, e com o alvará n.º …. (alínea A dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.2
A requerente, ao longo dos anos foi efectuando obras de remodelação na casa de habitação, quer na farmácia, de extensão não concretamente apurada (alínea B dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.3
Em 18/02/2015, a ora requerente (e até o requerido) são informados pelo TOC (Dr. J…), que a “senha das finanças” que permitia até aí o acesso ao respectivo portal, tinha sido alterada e já não seria possível à ora requerente, no futuro, cumprir, entre outras, com as obrigações fiscais da “farmácia (alínea C dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.4
No dia 20/02/15, a farmácia, e mais precisamente a requerente, toma conhecimento, através da G1…, que o “G…” já havia regularizado nesse mesmo dia o valor do receituário, não para a conta habitual da farmácia (cujo NIB é e sempre foi o da Dr.ª B…), mas sim para uma outra conta do cabeça de casal (não referenciada), ficando pois e aí a empresa sem aqueles meios para regularizar salários, impostos e “fornecimentos” aos seus credores, o que já sucedera no dia 22/02/15 com o principal fornecedor (K…), que por essa razão cessou imediatamente os fornecimentos de medicamentos por força da não liquidação (por débito directo e em 23/02/2015) da fatura do mês, e que se cifrava em € 22.015,39, e, mais se agravou com o reiterado não pagamento das faturas subsequentes de respectivamente € 17.834,73 e € 8.748,65, que deveriam ser pagas, pelo mesmo método, em 05/03/2015 (alíneas D, F, E e G dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.5
O requerido é médico com consultório aberto ao público no Concelho onde se sedia a farmácia aqui em causa, e portanto prescritor (alínea H dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.6
A requerente comunicou o sucedido ao Infarmed (regulador/inspetor do setor), Ordem dos Médicos, e G1…/G…, (entidade esta que liquida mensalmente o valor do receituário entregue no SNS), tendo recebido daquele instituto regulador da actividade farmacêutica, (Infarmed) o documento-certidão junto aos autos como doc. 8[23] (alíneas I e J dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.7
Tal documento/certidão foi enviado/entregue pela requerente a todos os organismos supracitados, e inclusive à Autoridade Tributária, já que, com a alteração da senha fiscal (pelo requerido) que dá acesso ao portal das finanças, a requerente e o seu TOC estão impedidos, no imediato, de cumprir com todas as obrigações fiscais inerentes, mormente liquidação do IVA, envio do ficheiro Saft das faturas, apresentação de declaração de IRS (alíneas L e M dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.8
A requerente, à míngua da verba mensal do SNS, viu-se impedida de pagar aos seus fornecedores (cujo pagamento ocorria de 20 em 20 dias, de molde a obter os descontos que propiciassem melhores margens de lucro) (alínea N dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.9
O requerido retém numa conta que abriu no M… -Agência … com o NIB ……………….. todos os montantes até aqui pagos pelo G… e que somam pelo menos € 56.917,21 (alínea O dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.10
A farmácia tem diminuído a sua faturação (SNS e organismos), que se alcança do vislumbre dos seguintes números:
- janeiro (pago em fevereiro) de 2015 - € 30.920,88.
- fevereiro (pago em março) de 2015 - € 26.422,40.
- março (pago em abril) de 2015 - € 19.692,28.
- De 01/04/2015 a 24/04/2015 - € 2.743,16 (alínea P dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.11
Ainda no tempo em que era vivo E…, este e a sua esposa D…, abriram um estabelecimento comercial denominado “Farmácia H…”, que gira com o número de contribuinte ………, estabelecimento esse que, embora iniciando a sua atividade em 1952, noutro local, num prédio arrendado em …, acabou por se fixar definitivamente na Estrada …, ao quilómetro …, no lugar …, …. - … …, na freguesia …, concelho de Albergaria-a-Velha, num prédio construído por eles para o efeito, prédio esse que pertencia a um parente, vindo depois a ser recebido por herança de que foi beneficiária a falecida D… (alínea Q, R e S dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.12
É que a mencionada D… era licenciada em Farmácia, sendo ela, por isso mesmo, além de proprietária também a Directora Técnica da mesma farmácia (alínea T dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.13
Estando a referida Farmácia H… instalada hoje num prédio urbano de que o casal também era proprietário, sito no lugar …, freguesia …, concelho de Albergaria-a-Velha, composto de casa destinada a farmácia, serviços de previdência e habitação, a confrontar do norte com AB…, do sul com AC…, nascente com Estrada Nacional nº. … e poente com o próprio, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 1732º, aí inscrito em nome dos falecidos pais de A. e R. mulher[24] (alíneas U e V dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.14
Sucede que, por volta do ano de 1980, como a filha, a ora requerente B… tivesse concluído a licenciatura em Farmácia pela Universidade de Coimbra, sendo a proprietária e Diretora Técnica da referida Farmácia, D…, B… foi para lá trabalhar, em 1983 (alíneas X e Z dos fundamentos de facto da sentença recorrida, com reapreciação deste tribunal da Relação no que respeita a alínea Z).
3.1.15
A requerente nunca pagou renda ou qualquer outra “compensação” pelo “uso” da parte habitacional e comercial, nomeadamente a seus pais (segmento provado do segundo parágrafo dos factos não provados, por força da reapreciação efetuada por este tribunal).
3.1.16
Desde 1983 a requerente residiu com a sua família no piso situado sobre a farmácia, como primeira habitação e até há cerca de treze anos e retirou as vantagens decorrentes da exploração da “Farmácia H…” instalada no rés-do-chão sito sob a aludida residência familiar, tratando e conservando esses espaços (segmento provado do quinto parágrafo dos factos não provados, por força da reapreciação efetuada por este tribunal).
3.1.17
Com efeito, a requerente é hoje proprietária e diretora técnica de uma outra farmácia, a Farmácia W…, sita em … - Aveiro, o que acontece desde 2005, ainda que atualmente - desde 2013 - por intermédio de uma sociedade de que ela e o marido são os únicos sócios (alínea AA dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.18
Durante toda a sua vida, sempre D… liquidou os impostos decorrentes dos rendimentos do estabelecimento comercial, mas também do imóvel onde o mesmo se encontra instalado (alínea BB dos fundamentos de facto da sentença recorrida, reapreciada por este Tribunal da Relação).
3.1.19
Sempre os rendimentos da Farmácia H… eram declarados pela falecida D. D… na sua declaração de IRS, conjuntamente com o seu marido até à morte deste e na declaração individual, posteriormente a essa morte, sendo igualmente paga pelo seu património o IMI referente ao imóvel onde se encontra instalada a referida Farmácia H… (alíneas CC e DD dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.20
Todos os atos que a requerente praticou na mencionada farmácia o eram em nome e representação de sua mãe, D…, a qual consentia que a sua filha praticasse os referidos atos, pois a falecida Drª. D… ia sempre à farmácia (alíneas EE e FF dos fundamentos de facto da sentença recorrida, reapreciadas por este Tribunal da Relação).
3.1.21
Após o falecimento de D…, a ora ré[25] B… forneceu ao autor[26] seu irmão e cabeça de casal, de forma voluntária, todos os elementos necessários para regularizar a situação da Farmácia H… junto do INFARMED, tendo até, na primeira reunião com todos os herdeiros, ocorrida em 24/03/2011, fornecido voluntariamente o balancete de razão financeira das contas da actividade da Farmácia H… à data de 31/12/2010 (alíneas GG e HH dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.22
Acresce que o edifício, onde se encontra a Farmácia H…, tinha uma parte não ocupada por esta e que estava arrendada à ARS - Sub-região de Saúde de …, por contrato de arrendamento que terminou em 30 de Setembro de 2008 (alínea II dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.23
Subsequentemente, a filha da ora requerente B…, S…, arrendou a D. D… essas instalações, tendo pago de Maio a Dezembro de 2009 uma renda mensal, pois pretendia aí instalar um ginásio, o que se não concretizou (alínea JJ dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.24
Quanto ao edifício onde se encontra a farmácia, que, ainda recentemente, em Maio de 2013, a requerente cedeu gratuitamente parte do imóvel a um profissional de fotografia vítima de um incêndio, tendo comunicado essa cedência aos restantes herdeiros, bem como a finalidade da referida cedência (alínea LL dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.25
Tem sido a herança que tem pago o Imposto Municipal sobre Imóveis relativo ao prédio em causa, o que já aconteceu no presente ano de 2015 (alínea MM dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.26
Sempre que havia necessidade de apresentar qualquer documentação no INFARMED, era o ora requerido que assinava, segundo sugestão da requerente (alínea NN dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.27
Recentemente, a referida requerente deixou de fornecer os elementos referidos impedindo o cabeça de casal de exercer adequadamente[27] as suas funções, nomeadamente cumprindo as obrigações fiscais da herança (alínea OO dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.28
Para efeito de elaboração da relação de bens necessária à liquidação do imposto de selo, foi esse balanço ad hoc que este usou depois perante a Repartição de Finanças no cumprimento das obrigações fiscais inerentes à participação do falecimento de D… (alínea PP dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.29
Pedido à interessada B…, por carta de 8/3/2012 para que a mesma entregasse os elementos para a declaração de rendimentos de 2010 e 2011, não o fez a ora requerente (alínea QQ dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.30
Como as Finanças estivessem a pressionar para apresentar a declaração dos rendimentos da Farmácia, como se alcança do doc. n.º 12 junto com a petição inicial dos autos principais[28], o ora requerido pediu à ora requerente que entregasse a declaração de rendimentos, por carta de 24 de Outubro de 2012 (alínea RR dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.31
Aliás, esta carta era resposta a uma comunicação da referida requerente no sentido de ser paga uma dívida a um fornecedor da farmácia, pois ela até aos fornecedores deixara de pagar (alínea SS dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.32
Em 6 de Abril de 2013, são os herdeiros, incluindo o ora requerido e cabeça de casal confrontados com a comunicação enviada pelo TOC da Farmácia, Dr. J…, de que deviam incluir os herdeiros nas respetivas declarações os rendimentos referidos na comunicação já junta sob o nº. 14 com a petição inicial[29] (alínea TT dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.33
Mas não houve qualquer entrega de rendimentos, pelo que os herdeiros iriam pagar imposto de rendimentos que não receberam, mas que, pelos vistos, a Farmácia H… gerou e pertenciam à herança ilíquida e indivisa de D. D… (alínea UU dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.34
Por isso, o cabeça de casal e ora requerido dirigiu à requerente, em 11 de Abril de 2013, a carta que se junta sob o nº. 12[30] (alínea VV dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.35
Todavia, apesar de ter recusado entregar ao cabeça de casal os elementos relativos ao IRS de 2011, mas, sem legitimidade[31] para tal, entregou em nome da herança a respectiva declaração de IRS, discriminando no anexo J, a parte devida a cada herdeiro, mas não tendo entregue a qualquer deles qualquer quantia, apoderando-se de todo o rendimento da farmácia e obrigando os restantes herdeiros a pagar impostos relativamente a quantias que não receberam (alínea XX e ZZ dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.36
Essa solicitação das declarações manteve-se ao longo destes anos, tendo a última missiva para o efeito sido enviada em 29/5/2014, entregue em mão, mas sempre sem qualquer resultado (alínea AAA dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.37
Até recentemente a Autoridade Tributária notificou em 25 de fevereiro de 2015 o ora requerido para juntar as faturas do mês de janeiro de 2015, que nem a requerente, nem o contabilista que a requerente utiliza para fazer a contabilidade da farmácia fizeram (alínea BBB dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.38
No final da Assembleia Geral da AV Murtosa, Lda., ocorrida a 31/03/2014, a ora requerente informou os demais herdeiros sobre a necessidade de obras de beneficiação do prédio onde está instalada a Farmácia H… e outro espaço comercial, de momento desocupado (bens da herança), a que o ora respondente anuiu nos termos que constam da comunicação que lhe dirigiu em 28 de Maio de 2014, que lhe foi entregue em mão no dia seguinte (alíneas CCC e DDD dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
3.1.39
Nos recibos que processa a venda de medicamentos, é referido que a Farmácia H… de “D… - Herdeiros” (alínea EEE dos fundamentos de facto da sentença recorrida)
3.1.40
É esse averbamento de que se está a tratar, conforme notificação recebida do INFARMED e que se vai satisfazer, sendo certo que quanto à Diretora Técnica, Drª. P… e ao Farmacêutico Substituto, que é o Dr. AD… já foi enviada a documentação em 10/3/2011, conforme documento 9 junto com a petição inicial e em 11 de Maio seguinte, conforme doc. 10 junto com a petição inicial[32] - Cfr. doc. n.º 17[33].
3.2 Factos não provados
3.2.1
Que D… levou a sua filha a trabalhar consigo, de modo a adquirir a experiência necessária ao desempenho da profissão.
3.2.2
Que desde 1982/83 o estabelecimento “Farmácia H…” (incluindo Alvará e respectivo recheio), em conjunto com o imóvel onde esta se sedia, (e que inclui uma parte habitacional e uma outra de natureza comercial) foram doados (verbalmente) à requerente pelos falecidos pais.
3.2.3
Sem que a requerente alguma vez tivesse prestado contas a ninguém do “negócio”.
3.2.4
Que a requerente tenha suportado todas as obras efectuadas no imóvel e na farmácia
3.2.5
Tal imóvel e estabelecimento comercial, dada a notoriedade, no Concelho (e não só), “do Prof. E… e esposa Dr.ª D…”, era e foi sempre reconhecido publicamente e por todos, e sem oposição de quem quer que fosse, como propriedade da filha “dos donos do Colégio I…”
3.2.6
Que a requerente reside com a sua família atualmente no piso sobre a farmácia, sendo essa a sua única habitação.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da aquisição pela recorrente do estabelecimento comercial de farmácia, bem como do imóvel em que está instalado, por usucapião
A recorrente, estribada essencialmente na alteração da decisão da matéria de facto, pugna pela verificação de uma atuação possessória da sua parte, em termos de proprietária, sobre o estabelecimento comercial “Farmácia H…”, bem como sobre o imóvel onde residiu e no qual está instalado o referido estabelecimento.
Cumpre apreciar e decidir.
A usucapião é uma modalidade de aquisição originária do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo sobre imóveis e móveis e verifica-se sempre que exista uma atuação possessória, com certas características e por certo prazo mínimo (vejam-se os artigos 1287º a 1300º do Código Civil).
Embora a questão não seja pacífica, é dominante o entendimento de que o estabelecimento comercial, enquanto móvel sui generis, é passível de ser adquirido por usucapião, embora com aplicação dos prazos previstos para os bens imóveis[34].
Entre outras características que a posse deve ter para permitir a aquisição por usucapião, conta-se a da publicidade, isto é, a que é exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados (artigo 1262º do Código Civil).
No caso dos autos, relativamente ao estabelecimento de farmácia, sujeito a rígidas regras legais para tutela da saúde e segurança dos utentes, afigura-se-nos que nunca se pode falar de publicidade da posse, sempre que aquele que atua de facto e que se arroga a posse, o faça sob o nome de outra pessoa habilitada legalmente para a exploração desse estabelecimento.
No caso dos autos, salvo melhor opinião, é o que se verifica relativamente à atuação da recorrente no que respeita ao estabelecimento de farmácia, exercida até certa altura, sob a invocação da direção técnica e da propriedade da mãe da recorrente[35]. Dito por outras palavras, no que diz respeito ao estabelecimento comercial sempre faleceria o requisito da publicidade da posse.
Seja como for, a factualidade provada relativamente aos atos materiais praticados pela recorrente na exploração do estabelecimento comercial de farmácia, bem como sobre o imóvel em que o mesmo está instalado, não são inequivocamente característicos de uma conduta em termos de direito de propriedade e, além disso, foram sempre exercidos em nome alheio.
O exercício da gestão de um estabelecimento é compatível quer com a titularidade em termos de direito de propriedade, quer com uma concessão de gozo gratuita do mesmo estabelecimento, sendo última realidade verosímil dada a proximidade familiar da titular do estabelecimento com a ora recorrente. Deste modo, tendo em conta que a presunção legal do nº 2, do artigo 1252º do Código Civil, só pode operar quando está provada uma materialidade fáctica que corresponda ao exercício de um certo direito real[36], está inviabilizada a sua aplicação ao caso dos autos.
Assim, por tudo quanto precede, conclui-se que a recorrente não provou factos integradores de uma atuação possessória, em termos de direito de propriedade, sobre o estabelecimento comercial “Farmácia H…”, bem como sobre o imóvel no qual está instalado, o que obsta à procedência da sua pretensão de demonstração da aquisição do direito de propriedade por usucapião desses bens.
4.2 Da doação ou da promessa de doação do estabelecimento comercial de farmácia bem como do imóvel no qual está instalado à recorrente e da posição de confiança desta:
A recorrente pugna pela comprovação de uma doação verbal da titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel onde está instalado o estabelecimento comercial relativamente ao qual pediu em juízo o decretamento de variadas providências cautelares. A não se entender assim, sempre se verificará uma promessa de doação juridicamente vinculante.
Cumpre apreciar e decidir.
A validade da doação de bens imóveis depende atualmente da celebração mediante escritura pública ou por documento particular autenticado (artigo 947º, nº 1, do Código Civil) e à data da afirmada celebração do negócio, da celebração de escritura pública (artigos 947º, nº 1, na redação então vigente e 89º, alínea a), do Código do Notariado, aprovado pelo decreto-lei nº 47619, de 31 de março de 1967), enquanto a doação de um estabelecimento comercial, por se traduzir na transmissão definitiva do direito de propriedade sobre esse bem depende atualmente, quando funcione em prédio arrendado, ao menos para a transmissão do direito ao arrendamento, de forma escrita (artigo 1112º, nº 3, do Código Civil) e à data da alegada doação dependia da celebração de escritura pública (artigo 89º, alínea k), do Código do Notariado, aprovado pelo decreto-lei nº 47619, de 31 de março de 1967).
Independentemente da questão da validade formal da invocada doação, certo é que a matéria alegada pela recorrente para comprovar esta transmissão de direitos não se provou.
A alegada promessa de doação também não resulta minimamente comprovada factualmente, sendo certo, em todo o caso, que a ter existido, nunca teria aptidão para a transmissão dos direitos de propriedade sobre o imóvel e sobre o estabelecimento comercial nele instalado, mas apenas transmitiria para a esfera jurídica do donatário de um direito de crédito. De todo o modo, importa ainda referir que a promessa de doação, rectius o contrato-promessa de doação não é passível de execução específica, atenta a natureza da obrigação assumida pelo doador (artigo 830º, parte final do nº 1, do Código Civil)[37].
A questão da tutela da confiança decorrente da celebração de uma doação verbal e do consequente grande investimento de tempo, de trabalho e de custos pela ora recorrente não se coloca porque não se provaram quaisquer factos donde se possa retirar ter sido feita uma doação verbal do estabelecimento de farmácia, bem como do imóvel no qual tal estabelecimento estava instalado.
Por isso, improcede esta questão suscitada pela recorrente para sustentar que ao invés do que se entendeu na decisão recorrida, a recorrente é titular de um direito real violado pela conduta do recorrido.
4.3 Do abuso do direito por parte do recorrido
A recorrente finaliza as suas conclusões afirmando que o não decretamento das providências por si requeridas tutela um comportamento abusivo do requerido, pois que agiu com o fito exclusivo de prejudicar a requerente.
Cumpre apreciar e decidir.
Esta questão do eventual comportamento abusivo do requerido só agora é trazida à liça, em sede de recurso. Porém, como se trata de matéria de conhecimento oficioso, isso não obsta a que seja conhecida em via de recurso. Contudo, porque a exceção de abuso do direito pressupõe a prova de matéria incompatível com a alegada inicialmente em sede de requerimento inicial (só se pode afirmar a existência de abuso do direito quando outrem, no caso o requerido, exerce abusivamente o seu direito) e o procedimento cautelar foi instaurado no pressuposto de que a ora recorrente era titular de um direito real sobre o estabelecimento e o prédio no qual está instalado, é exíguo o espaço de manobra dessa arguição.
No caso em apreço, a matéria de facto provada retrata um conflito entre herdeiros relativamente aos bens que a ora recorrente afirma serem da sua titularidade, com o exercício por parte do cabeça de casal dos poderes que lhe competem enquanto administrador dos bens da herança.
Para além do conflito existente entre os herdeiros, nada mais ressalta da matéria de facto que permita concluir que o requerido agiu com o exclusivo propósito de prejudicar a recorrente. Ao contrário, a recorrente é que parece ter atuado com o propósito de prejudicar os restantes herdeiros (veja-se o ponto 3.1.35 dos factos provados).
Assim, face a quanto antecede, não se verifica o invocado abuso de direito e improcede o recurso de apelação interposto por B…, salvo na parte relativa à reapreciação da decisão da matéria de facto.
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente pois que, não obstante a parcial procedência da impugnação da decisão da matéria de facto, a mesma não teve qualquer influência na decisão final, mantendo-se a decisão recorrida (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam e julgar parcialmente procedente a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida por B…, nos termos que ficaram precedentemente expostos, improcedendo no mais o recurso de apelação por esta interposto, confirmando-se a sentença proferida em 17 de Julho de 2015.
Custas a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
***
O presente acórdão compõe-se de quarenta e sete páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 26 de setembro de 2016
Carlos Gil
Carlos Querido
Alberto Ruço
___
[1] Proferida em 17 de julho de 2015 e notificada eletronicamente às partes por expediente eletrónico elaborado em 20 de julho de 2015.
[2] A numeração das notas de rodapé não corresponde à que consta das conclusões das alegações de recurso, havendo uma diferença, para menos, de quinze.
[3] Consultável em www.dgsi.pt. Processo 839/13.7TTPRT.P1
[4] Na redacção anterior, que então tinha o nº 4, referia-se que «Se alguma as respostas aos quesitos não contiver, como fundamentação, a menção pelo menos dos meios concretos de prova em que se haja fundado a convicção do julgador e a resposta for essencial para decisão da causa, a Relação pode, a requerimento do interessado (…), mandar que o tribunal fundamente a resposta, (…)»
[5] Consultável em www.dgsi.pt
[6] Disponível em www.dgsi.pt. Processo n.º 160/07.0TBGVA.C1
[7] Tal como crismou o Digesto “nec vi, nec clam, nec precario”.
[8] VARELA, Antunes, LIMA, Pires de; Código Civil Anotado, em anotação ao artigo 940.º, nº3
[9] Destaque ainda para o douto Acórdão da Relação de Lisboa de 25 de Junho de 2009, estatuindo que “o contrato-promessa de doação é admissível e válido em face da nossa ordem jurídica, até por casualmente justificável, não se confundindo com a própria doação, por não pressupor a imediata entrega do bem ao donatário”, cujo Relator foi Pereira Rodrigues; Proc. 2431/04.8TVLSB.L1-6.
[10] ABREU, Coutinho, O abuso de direito na jurisprudência portuguesa, p. 76, Almedina
[11] A questão do eventual convite à recorrente para sintetizar as conclusões das alegações deve considerar-se ultrapassada face à anterior decisão deste tribunal proferida em 25 de janeiro do corrente ano.
[12] No corpo das alegações e nas conclusões das alegações, num título denominado “Falta de Fundamentação da Decisão da Matéria de Facto”, a recorrente questiona que provas serviram para firmar as respostas às alíneas Z, BB, EE, FF, GG, LL, OO, SS, AAA e DDD, apenas impugnando destas, seguidamente, as alíneas Z, BB, EE e FF. Em face do que foi decidido no acórdão proferido em 25 de janeiro de 2016, relativamente à insuficiente fundamentação e a ausência de qualquer reação da recorrente face à nova motivação da decisão da matéria de facto por parte do tribunal a quo, afigura-se-nos que a questão da invocada falta de fundamentação de tais alíneas dos factos provados se deve considerar ultrapassada.
[13] De facto, no ponto 119º do corpo das alegações escreveu-se o seguinte: “atendendo à análise das gravações, resulta claro que foram ignoradas diversas declarações prestadas pelas testemunhas, o que coíbe, necessariamente, que, em conjunto, possam servir para fundar a convicção do Tribunal, pelo que analisadas e reproduzidas as mesmas, em suma, deve a matéria de facto ser alterada nos seguintes termos:”, escrevendo-se seguidamente no ponto 120 o seguinte: “serem julgados como provados os factos que a sentença a quo entendeu como não provados e que se transcrevem.”.
[14] Salvo melhor opinião, não percebemos como pode um depoimento, simultaneamente, ser considerado credível e desconsiderado por falta de isenção do depoente. A nosso ver, a comprovada falta de isenção é um factor que retira credibilidade ao depoimento.
[15] Esta certidão fica aquém daquilo que foi determinado pelo tribunal a quo, faltando nela certidão da decisão que terá sido proferida nos autos principais. Porém, porque isso não havia sido determinado no acórdão deste tribunal de 25 de Janeiro de 2016 e porque a exigência de que a certidão contivesse tudo quanto foi determinado pelo tribunal recorrido se traduziria num protelamento da decisão por parte deste tribunal, sem que daí adviessem ganhos para estes autos, entendeu-se não se justificar insistir por aquela peça em falta.
[16] Só por isso esta matéria se pode aí manter, enquanto realidade comum incontroversa entre as partes, reforçada pelo teor do alvará nº …., referente ao estabelecimento em causa, datado de 14 de dezembro de 1971, emitido a favor de D… (folhas 22 destes autos), pois que se assim não fosse, a qualidade de dono pressuporia todo um arsenal factual devidamente comprovado que permitisse a qualificação da falecida mãe da recorrente como dona do estabelecimento comercial de farmácia denominado “Farmácia H…”.
[17] A testemunha J… foi confrontada com este documento, no qual consta a data de 02 de novembro de 2011, como data do seu envio por fax, reconhecendo como sendo da sua autoria os dizeres manuscritos “Total” e “Só a Farmácia” apostos em tal documento.
[18] Embora estas pessoas tenham referido terem sido contratadas pela recorrente, nenhuma prova foi produzida no sentido da recorrente ter efetivamente assumido a qualidade de sua entidade patronal, nomeadamente, contratos de trabalhos e declarações para a Segurança Social.
[19] Também a testemunha Q…, depois de afirmar que havia a intenção de “passar” a farmácia para a recorrente, aludiu a um postal enviado pelo pai da recorrente a felicitá-la pelo nascimento de uma neta e a comentar que haviam de resolver o problema da farmácia (ouça-se o depoimento desta testemunha do minuto cinco e cinquenta e cinco segundos em diante).
[20] O próprio marido da recorrente afirmou que as rendas eram recebidas pelo sogro, sendo as declarações de U… no mesmo sentido.
[21] De facto, a concessão gratuita do gozo do estabelecimento poderia ter como contrapartida a obrigação do beneficiário do gozo ir fazendo, à custa dos rendimentos do estabelecimento, as necessárias beneficiações e obras de conservação.
[22] E cuja existência foi vincada pela testemunha U….
[23] O teor do documento em causa, intitulado “Declaração”, subscrito por Z…, invocando a qualidade de Diretora da Direção de Inspeção e Licenciamentos do Infarmed é o seguinte: “Z…, Diretora da Direção de Inspeção e Licenciamentos do Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., declara para os devidos efeitos, de acordo com solicitação da Exma. Senhora Dra. B…, que conforme disposto na alínea c) do artigo 16º do Regime Jurídico das Farmácias de Oficina, estabelecido no decreto-lei nº 307/2007 de 31 de Agosto, na sua redação atual, não podem deter ou exercer, direta ou indiretamente, a propriedade, a exploração ou a gestão de farmácias os profissionais de saúde prescritores de medicamentos. Por ser verdade e para constar onde convier, passo a presente declaração, que assino e autentico com selo em branco em uso neste instituto. Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., aos dois de Março de dois mil e quinze.
[24] Esta referência a “mulher” resultou da acrítica importação do que foi alegado no artigo 18º da oposição e não tem qualquer sentido pois não há qualquer ré mulher. Parece que o requerido na oposição continua a pensar que ocupa a posição processual de autor que tem na ação principal.
[25] Aliás requerente.
[26] Aliás requerido.
[27] Este advérbio de modo não tem aptidão para delimitar de forma precisa e concreta o seu alcance pois só por comparação das funções que cabem ao cabeça de casal com as efetivamente desempenhadas por ele e com o grau de diligência empregado nas mesmas se poderá proferir um juízo sobre a adequação do desempenho.
[28] Este documento não se mostra junto a estes autos.
[29] Este documento não se mostra junto a estes autos.
[30] O conteúdo desta carta é o seguinte: “B…, Na sequência da comunicação que me foi remetida por um representante teu, Dr. J…, a quem já declarei não reconhecer legitimidade para praticar qualquer acto em nome da Herança Ilíquida e indivisa aberta por óbito da nossa Mãe, tive conhecimento de que apresentaste o Anexo I respeitante a “Rendimentos de Herança Indivisa”. Como bem sabes, apenas me faltava a documentação que por diversas vezes te pedi e que nunca me entregaste respeitante à “Farmácia H…” para poder cumprir as minhas obrigações fiscais relativamente à Herança como cabeça-de-casal. Assim, e como expressamente declaraste um rendimento de € 66 218,96, solicito que me entregues de imediato tal montante para, como cabeça-de-casal e administrador da Herança poder distribuí-lo por todos os herdeiros na percentagem que tão bem calculaste, ou seja, 16,67% a cada herdeiro. Como o teu representante te poderá explicar, não vamos pagar um imposto proveniente de um rendimento que até hoje só tu recebeste. Aguardo o recebimento do rendimento da “Farmácia H…”, bem da Herança, no montante de € 66 218,96.
[31] Esta referência à “legitimidade”, por ser claramente de direito, será obviamente desconsiderada, devendo considerar-se não escrita.
[32] Estes documentos não estão juntos a estes autos.
[33] O conteúdo do documento nº 17 oferecido com a oposição é o seguinte: “Na sequência de processo de regularização de propriedade que deu entrada no Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., no dia 11-03-2014, o qual mereceu a nossa melhor atenção, cumpre solicitar a V. Exas. o envio, no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis, do seguinte: I) No que concerne à Direção Técnica, a. Fotocópia do B.I. do novo diretor técnico (Dra. P…), actualizado; b. Fotocópia do Cartão de Contribuinte do novo diretor técnico, actualizado; c. Certificado de Registo Criminal do novo diretor técnico; d. Fotocópia da Carteira Profissional da Ordem dos Farmacêuticos, da Dra. P…, com as quotas em dia (actualizada); e. Declaração de Incompatibilidades; f. Requerimento de cancelamento de funções anteriores (como farmacêutica substituta, na Farmácia H…) subscrito pela Dra. P…; g. Original do alvará da farmácia para averbamento; h. Averbbamento no Alvará: cheque ou transferência bancária no valor de € 475,00 (alíneas b) e e) do n.º 2 do art.º 28 da Portaria n.º 352/2012, de 30 de outubro; i. Guia de pagamento das taxas previstas no artigo 28.º da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro, disponível no site do Infarmed, em http://www.infarmed.pt/portal/page/portal/INFARMED/TAXAS, preenchida, bem como, comprovativo de pagamento das mesmas. ii) Farmacêutico Substituto
[34] Na doutrina, por todos, sobre esta problemática veja-se Direito das Coisas, Coimbra Editora 2012, Orlando de carvalho, páginas 139 a 149 e especialmente a nota 3, da página 145 à página 149.
[35] A explicação dada em audiência para essa conduta foi a de que por esse modo ficaria aberta a aquisição de outra farmácia por parte da ora recorrente, dadas as limitações legais então existentes quanto à titularidade de farmácias, não pode ser atendida, sob pena de se dar cobertura a uma situação em que se busca obter vantagens jurídicas, com patente fraude à lei.
[36] Sobre esta questão veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de maio de 2016, proferido no processo nº 9950/11.8TBVNG.P1.S1 e acessível no site da DGSI.
[37] Neste sentido veja-se, O contrato-promessa e o seu regime civil, Almedina 1995, Ana Prata, página 315.