Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3952/16.5T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DECLARAÇÕES DE PARTE
Nº do Documento: RP201811053952/16.5T8VFR.P1
Data do Acordão: 11/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 683, FLS 72/81)
Área Temática: .
Sumário: I – A alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais e pontuais, só devendo ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.
II – A prova por declarações de parte, nos termos do art.º 466.º do CPC, é apreciada livremente pelo tribunal, na parte em que não constitua confissão, na certeza de que a livre apreciação é sempre condicionada pela razão, pela experiência e pelas circunstâncias e que, neste enquadramento, a declaração de parte que é favorável e que surge desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou indicie, será normalmente insuficiente à prova de um facto essencial à causa de pedir.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3952/16.5T8VFR.P1
5.ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
1. A autora, B..., intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra o réu, C..., ambos melhor identificados nos autos.
1.1 A autora alega que, do relacionamento amoroso que teve com o réu, nasceu uma filha menor, D.... Em 30 de Abril de 2015, no âmbito de processo de regulação do exercício de responsabilidades parentais, ficou acordado em audiência de julgamento que a menor fixava residência com a progenitora, ficando esta responsável pelas despesas e encargos com a mesma; o réu, tendo sido aí questionado se estaria a receber qualquer prestação a título de abono, referiu não estar a receber nenhuma quantia.
Atualmente, o réu encontra-se a trabalhar na Suíça. A autora tomou conhecimento que o mesmo, desde maio de 2012, está a receber uma quantia, a título de abono de família, paga pela Segurança Social Suíça, relativamente à filha menor, tendo já recebido um total de aproximadamente € 10.280,00. Essas quantias não pertencem ao réu mas sim a quem tem a guarda da menor e está encarregue das despesas desta.
Interpelou o réu por carta que veio devolvida. Em contacto telefónico, tendo-lhe pedido o depósito em conta bancária da menor, o réu respondeu-lhe que só devolve o dinheiro quando o tribunal o obrigar.
Afirma que, ao ter conhecimento que o réu mentiu em tribunal e que recebeu quantias respeitantes à menor e filha de ambos durante todos estes anos, agindo com dolo directo, sentiu-se triste e bastante depressiva com toda a situação, o que, no âmbito das regras da responsabilidade civil por facto ilícito, configura danos morais que legitimam indemnização.
A autora conclui pedindo que, com a procedência da acção, o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 10.280,00 referente aos aludidos abonos e a quantia de € 3.000,00 por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
1.2 O réu foi citado editalmente e não apresentou contestação.
Citado o Ministério Público em sua representação, também não foi deduzida qualquer contestação.
1.3 No prosseguimento dos autos e terminada a audiência de julgamento, onde a prova produzida se materializou na inquirição da autora, em declarações de parte, o tribunal proferiu sentença onde concluiu com a prolação de decisão nos seguintes termos:
«Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência:
- Condeno C..., aqui Réu, a pagar a B..., aqui Autora, a quantia de CHF 1398,80 (mil, trezentos e noventa e oito e oitenta francos suíços), acrescida de juros contabilizados à taxa legal civil, a contar da data da citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo o Réu do mais peticionado pela Autora.
Custas (…)»
2.1 A autora, inconformada com a decisão proferida, dela veio interpor o recurso que aqui se aprecia, concluindo nos seguintes termos:
«1.º Intentou a presente acção a Recorrente por o Recorrido não ter restituído a quantia referente ao subsídio de abono da filha menor de ambos desde o ano de 2012, ano em que a mesma nasceu.
2.º Tendo o Recorrido recebido um total de aproximadamente € 10.280,00 (dez mil, duzentos e oitenta euros), a título de abono de família, paga pela Segurança Social Suíça nomeadamente:
- entre Maio de 2012 e Dezembro de 2012 recebeu a quantia de € 1.600,00;
- no ano de 2013 recebeu a quantia de € 2.800,00;
- no ano de 2014 recebeu a quantia de € 2.800,00;
- no ano de 2015 recebeu a quantia de € 3.080,00;
3.º Vem no entanto o tribunal de primeira instância proferir sentença em que condena o aqui Recorrido apenas ao pagamento da quantia de CHF 1398,80 (mil, trezentos e noventa e oito e oitenta francos suíços), acrescida de juros contabilizados à taxa legal civil, a contar da data da citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo o Réu do mais peticionado pela Autora, respeitante apenas à quantia recepcionada por este no ano de 2015.
4.º Tal condenação é motivada por o tribunal referir que “Na verdade, os documentos juntos aos autos não atestam tal materialidade fáctica e a Autora em declarações de parte não fez alusão a tal factualidade e se fez não com a segurança que se exige para considerar tal matéria provada, sendo muito vagas as suas declarações quanto a tais factos”.
Ora, não pode a aqui Recorrente, salvo o devido respeito, concordar com tais factos dado que,
5.º Desde que a filha da Recorrente e Recorrido nasceu, sempre esteve aos cuidados da Recorrente – facto assente dado que o Recorrido esteve sempre na Suíça e a menor ficou com a mãe em Portugal.
6.º Tal facto comprova-se pela ata de regulação de poderes paternais junto aos autos com a Petição Inicial bem como se afere ao longo de todo o depoimento da Autora quando esta refere que:
Meritíssima Juíza – Fizeram diligências e descobriram que afinal ele recebia o abono?
Recorrente – Sim, eu já sabia porque foi ele que mandou os papéis do E411 na altura e disse “olha vou-te mandar os papéis para tu preencheres, vais à segurança social, aqui o dinheiro do abono é mais alto, é mais uma ajuda para ti dado que tive este tempo todo sem te ajudar em nada. E eu “tudo bem”.
Meritíssima Juíza – E lembra-se desde que altura é que ele recebia tal quantia de abono?
Recorrente – Ele recebe desde que a menina nasceu.
Meritíssima Juíza – Desde quando?
Recorrente – Desde 19/05/2012.” (ficheiro áudio 20171206100028_3639481_2870482, minuto 02:26 e seguintes)
7.º Depreendendo-se também que a menor está a seu cargo desde que nasceu quando a Recorrente refere que:
Recorrente – (…) isto provocou-me despejo, com a minha filha de 1 ano.
Meritíssima Juíza – Ficou com dificuldades é isso?
Recorrente – Porque a minha filha ficou doente nessa altura, eu estava a trabalhar e tive de deixar de trabalhar porque a menina ganhou uma broncolite e ganhava febre, teve otites, logo a seguir teve de usar óculos e o dinheiro não dava para tudo. Eu disse ao C... “não me mandaste o dinheiro do abono?” e ele disse “não me digas que não recebeste? Mandei por vale de correio” e eu fui aos correios na altura (…)” (minuto 04:46 do ficheiro áudio 20171206100028_3639481_2870482).
8.º Pelo que de tais afirmações da Recorrente se depreende que esta tinha a menor a seu cargo quando ela tinha um ano (ou seja no ano de 2013), tendo apenas o poder paternal sido regulado no ano de 2015.
9.º O que comprova de forma inequívoca que a menor desde que nasceu esteve aos cuidados da Recorrente.
10.º Tendo também o Recorrido emigrado para a Suíça e por lá tendo permanecido durante todos estes anos, sendo-lhe impossível ter ficado com a menor desde 2012 a 2015, pelo que apesar da ata de regulação das responsabilidades parentais datar de 30 de Abril de 2015, a menor sempre esteve aos cuidados da Recorrente desde que nasceu, tendo o processo de regulação de poderes paternais decorrido apenas para fixar uma pensão de alimentos dado que o Recorrido não se encontrava a pagar nada à menor.
11.º Encontrando-se o Recorrido a receber quantias respeitantes à menor desde o ano em que esta nasceu sem ter legitimidade para tal, tal facto sendo provado por prova documental e pelas próprias declarações da autora (ficheiro áudio 20171206100028_3639481_2870482, a partir do minuto 02:40):
Meritíssima Juíza – E lembra-se desde que altura ele recebia tal quantia de abono?
Recorrente – Ele recebe desde que a menina nasceu.
Meritíssima Juíza – Mas desde quando?
Autora – 19 de Maio de 2012
12.º Confirmando ainda a Recorrente que desde Maio de 2012 até ao ano de 2015 sempre o aqui Recorrido recebeu as prestações referentes à prestação de abono:
Meritíssima Juíza – Desde Maio de 2012, data de nascimento da filha até o ano de 2015, ele recebeu o abono?
Recorrente – Ele sim.
Meritíssima Juíza – Sabe o valor?
Recorrente – Aquilo às vezes era a dobrar mas era uma média de 2.800,00 € por ano” (ficheiro áudio 20171206100028_3639481_2870482, minuto 03:20 e seguintes)
13.º Sendo que tem sido a Recorrente quem veste, alimenta e paga as despesas básicas da menor, tendo-o feito desde 2012 até 2015 (data da ata de regulação das responsabilidades parentais), sendo apenas a partir dessa data que o Recorrido começou o pagamento da pensão de alimentos.
14.º Devendo por isso o Recorrido ser condenado a devolver o valor que recebeu a título de abono desde Maio de 2012 até ao ano de 2015, e não apenas o valor referente ao ano de 2015.
- Quanto ao pedido de indemnização cível:
15.º A Recorrente vem pedir nos presentes autos uma indemnização ao Recorrido no valor de 3.000,00 € a título de danos morais, tendo o tribunal de primeira instância absolvido o aqui Recorrido do mesmo por não considerar provado que a Recorrente se tenha sentido triste e deprimida por o Recorrido ter retido quantias que pertenciam à filha menor de ambos.
16.º Não tendo dado como provado que o aqui Recorrido tenha mentido em tribunal e referido que nada recebia a título de abono.
Ora não pode a Recorrente concordar com tais factos dado que,
17.º Tal facto ficou provado pelas declarações da autora (veja-se o minuto 02:02 do cd áudio – ficheiro áudio 20171206100028_3639481_2870482) onde a Autora refere que:
– O advogado que representou o pai da minha filha disse à juíza que não, que era mentira, que não recebia qualquer valor de abono, e mostrou três recibos de vencimento anteriores e que por isso não tinha lá nada, e eu disse à juíza que era verdade, que tinha conhecimento e ia conseguir provar isso (…)”.
18.º Em todo o depoimento da Recorrente esta demonstra e expressa o quanto ficou abatida e triste com a situação dos presentes autos, tal também se conseguindo aferir da audição do ficheiro áudio (a partir do minuto 04:46 e seguintes), nos quais a recorrente além de demonstrar tristeza no seu depoimento quando chora no mesmo revela que:
“Recorrente – (…) isto provocou-me despejo, com a minha filha de 1 ano.
Meritíssima Juíza – Ficou com dificuldades é isso?
Recorrente – Porque a minha filha ficou doente nessa altura, eu estava a trabalhar e tive de deixar de trabalhar porque a menina ganhou uma broncolite e ganhava febre, teve otites, logo a seguir teve de usar óculos e o dinheiro não dava para tudo. Eu disse ao C... “não me mandaste o dinheiro do abono?” e ele disse “não me digas que não recebeste? Mandei por vale de correio” e eu fui aos correios na altura (…)
Meritíssima Juíza – Ficou abalada com essa situação. Precisava do dinheiro para as despesas.
Recorrente – E tive ordem de despejo, se não fosse as minhas amigas tinha ficado na rua com a minha filha com 1 ano.” (ficheiro áudio 20171206100028_3639481_2870482, minuto 04:46 a 05:29)
19.º Pelo que, e utilizando o bom senso, se consegue perceber perfeitamente tais afirmações.
20.º Dado que a Recorrente se encontra a educar a sua filha sozinha desde que esta nasceu tendo suportado as despesas desta sozinha estando o Requerido a usufruir das quantias de abono da menor sem pagar quaisquer despesas desta, tendo este referido que só devolveria a quantia quando o tribunal assim o obrigasse:
Recorrente – (…) o que ele disse foi: não tenho nada que devolver nada, o dinheiro está de lado, quando o tribunal disser para o devolver, eu devolvo” (ficheiro áudio 20171206100028_3639481_2870482, minuto 04:25 e seguintes)
21.º O que sucedeu desde o ano de 2012 a 2015, data em que foi obrigado pelo tribunal ao pagamento de uma pensão de alimentos.
22.º Forçando a Recorrente a ter de recorrer às vias legais para conseguir que este restitua a quantia à qual a sua filha menor tem direito.
23.º Factos estes que inevitavelmente conduzem à má-fé por parte do Recorrido e que forçosamente – e como se afirma na petição inicial – preenchem os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito e consequentemente imputam o Recorrido no dever de indemnizar.
24.º Pelo que deveria o Recorrido ter sido condenado no pagamento do valor peticionado a título indemnizatório à Recorrente.
- Quanto à impugnação da matéria de facto dado como não-provada na sentença:
25.º Pelo exposto, e ao contrário do que consta na sentença, deveria ter sido dado como factos provados, além dos que já se encontram provados que:
1) O Recorrido recebeu um total de aproximadamente € 10.280,00 (dez mil, duzentos e oitenta euros), a título de abono de família, paga pela Segurança Social Suíça nomeadamente:
- entre maio de 2012 e dezembro de 2012 recebeu a quantia de € 1.600,00;
- no ano de 2013 recebeu a quantia de € 2.800,00;
- no ano de 2014 recebeu a quantia de € 2.800,00;
- no ano de 2015 recebeu a quantia de € 3.080,00;
2) A Recorrente sempre teve a menor a seu cargo desde que a mesma nasceu;
3) A Autora tentou, por diversas vezes, que o Réu lhe devolvesse os abonos em causa, via telefónica, inclusive pedindo o depósito do mesmo em conta bancária da menor, tendo-lhe sido respondido por este que “só devolve o dinheiro quando o tribunal o obrigar”.
4) A Autora ao ter conhecimento que o Réu mentiu em tribunal e que recebeu quantias respeitantes à menor e filha durante todos estes anos, sentiu-se triste e depressiva com toda a situação.
26.º Devendo por isso o Recorrido ser condenado ao total do peticionado.»
Termina afirmando que, admitido o presente recurso, deve ser o mesmo julgado procedente, considerando-se os factos supra expostos como provados e revogando-se assim a sentença proferida em primeira instância, condenando-se o recorrido ao pagamento da quantia de € 10.280,00 à autora, a título de restituição dos valores recebidos indevidamente de abono desde Maio de 2012 a 2015 e da quantia de € 3.000,00 (três mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
2.2 O Ministério Público apresentou contra-alegações, concluindo que deve manter-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.
3. Colhidos os vistos legais e na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pela apelante definem a matéria que é objecto de recurso e que cabe aqui precisar, delas resultando que se impõe a apreciação das seguintes questões:
• A pretendida alteração da matéria de facto.
• A pretendida condenação do recorrido no pagamento total dos valores peticionados.
II)
Fundamentação
1. Factos relevantes.
Antes de avançar na apreciação das diferentes questões suscitadas em sede de motivação do recurso e com interesse para a decisão a proferir, importa considerar os factos que foram julgados provados e não provados na sentença que é objecto de recurso e que integralmente se transcrevem, bem como a respectiva motivação.
«(…) A) Os factos provados
1. A Autora e o Réu mantiveram um relacionamento amoroso do qual nasceu a menor D....
2. Em 30 de Abril de 2015, no âmbito do processo n.º 819/14.5TBVFR, que correu termos na Instância Central de Família e Menores de Santa Maria da Feira, em audiência de discussão e julgamento, a aqui Autora e Réu chegaram a acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais, além do mais, nos seguintes termos:
1.ª – A menor D... fixa residência com a progenitora;
As responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da menor serão exercidas pelo progenitor que em cada momento estiver com a filha, não podendo no entanto o progenitor contrariar as orientações educativas mais relevantes definidas pela progenitora.
Quanto às responsabilidades parentais relativas aos atos de particular importância para a vida da menor, serão exercidas por ambos os progenitores de comum acordo”.
3. Por sentença datada de 30 de Abril de 2015, foi homologado por sentença esse acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais.
4. No período compreendido entre 01/10/2014 e 31/12/2014, o Réu recebeu CHF 447,45, a título dos diferenciais do apoio de abono de família, paga pela Segurança Social Suíça, nomeadamente pelo organismo Caisses Interprofessionnelles neuchâteloises de compensation, relativamente à sua filha menor (cfr. doc. de fls. 7v, 36v e 37).
5. … no período compreendido de 01.2015 e 12.2015, o Réu recebeu um total de CHF 2098,95, a título dos diferenciais do apoio (cfr. doc. de fls. 34v, 35 e 36, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido).
6. A Autora remeteu uma carta ao Réu, datada de 10 de Novembro de 2016, a qual veio devolvida (cfr. doc. de fls. 8 a 9v, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido).
B) Os factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente os que a seguir se enunciam:
1. Na data referida em 2) dos factos provados, o aqui Réu foi questionado sobre se estaria a receber qualquer prestação a título de abono, o qual referiu em tribunal não estar a receber nenhuma quantia.
2. Actualmente o Réu encontra-se o Réu a trabalhar na Suíça, residindo na seguinte morada: Rue ... – ..., ..., ...., Suisse.
3. O Réu recebeu um total de aproximadamente € 10.280,00 (dez mil, duzentos e oitenta euros), a título de abono de família, paga pela Segurança Social Suíça nomeadamente:
- entre Maio de 2012 e Dezembro de 2012 recebeu a quantia de € 1.600,00;
- no ano de 2013 recebeu a quantia de € 2.800,00;
- no ano de 2014 recebeu a quantia de € 2.800,00;
- no ano de 2015 recebeu a quantia de € 3.080,00;
4. A Autora tentou, por diversas vezes, que o Réu lhe devolvesse os abonos em causa, via telefónica, inclusive pedindo o depósito do mesmo em conta bancária da menor, tendo lhe sido respondido por este que “ só devolve o dinheiro quando o tribunal o obrigar”.
5. A Autora ao ter conhecimento que o Réu mentiu em tribunal e que recebeu quantias respeitantes à menor e filha durante todos estes anos, sentiu-se triste e depressiva com toda a situação.
*
O demais alegado pelas partes nos seus articulados encerra matéria puramente conclusiva e/ou de direito, razão pela qual o Tribunal não se pronuncia sobre a mesma.
C) A motivação da convicção do tribunal
O Tribunal formou a sua convicção conjugando o teor dos documentos juntos aos autos (ata da audiência de julgamento de fls. 4 a 5v, carta de fls. 8 a 9v, tradução dos documentos de fls. 6 a 7v a fls. 33 a 37) com as declarações de parte da Autora, que confirmou os abonos e a interpelação via carta do Réu para restituir tais abonos.
No que respeita à matéria não provada para além do que ficou supra exposto, importa esclarecer quanto à mesma não foi apresentada prova testemunhal ou documental segura para a considerar como provada.
Na verdade, os documentos juntos aos autos não atestam tal materialidade fáctica e a Autora em declarações de parte não fez alusão a tal factualidade e se fez não com a segurança que se exige para considerar tal matéria provada, sendo muito vagas as suas declarações quanto a tais factos.»
2. A pretendida alteração da matéria de facto.
2.1 Nos termos do artigo 662.º do Código de Processo Civil, na redacção actual, resultante da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a matéria de facto deve ser alterada, em sede de recurso, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa; e pode ser alterada pela Relação se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 640.º, a decisão proferida com base neles.
Importa ter presente a prevalência do princípio da liberdade de julgamento, consagrado no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, nos termos do qual o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Mas não invalida a convicção do tribunal o facto de não existir uma prova directa e imediata da generalidade dos factos em discussão, sendo legítimo que se extraiam conclusões em função de elementos de prova, segundo juízos de normalidade e de razoabilidade, ou que se retirem ilações a partir de factos conhecidos.
Por isso, a alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais e pontuais; naquilo que aqui interessa, a alteração só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.
“A efectivação do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não implica a repetição do julgamento pelo tribunal de 2.ª instância – um novo julgamento, no sentido de produzir, ex novo, respostas aos quesitos da base instrutória –, mas, apenas, verificar, mediante a análise da prova produzida, nomeadamente a que foi objecto de gravação, se as respostas dadas pelo tribunal recorrido têm nas provas suporte razoável, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2007 (disponível em www.dgsi.pt, processo 06S3540).
Assim, as disposições em causa não visam propriamente a concretização de um segundo julgamento que inclua a reapreciação global e genérica de toda a prova, tendo antes em vista um segundo grau de apreciação da matéria de facto, de modo a colmatar eventuais erros de julgamento, nos concretos pontos de facto que o recorrente assinala.
2.2 Conforme resulta da motivação do recurso, a recorrente questiona a decisão do Tribunal a quo, relativamente a factos que julgou não provados, pretendendo no essencial que as declarações de parte que foram por si prestadas em audiência de julgamento, em conjugação com documentos que integram os autos, justificam que se julguem provados esses factos.
Nos termos do artigo 466.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo (n.º 1); às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º – quanto ao dever de cooperação para a descoberta da verdade – e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior, relativa à prova por confissão das partes (n.º 2); o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão (n.º 3).
O citado artigo 466.º constitui disposição processual inovadora, mencionando-se na Exposição de Motivos da proposta de lei n.º 113/XII, que está na origem da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que se prevê “a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão”.
«A apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas» – Lebre de Freitas, “A acção Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª edição, página 278.
A relevância probatória destas declarações tem sido objecto de apreciação em sede de jurisprudência, salientando-se diferentes acórdãos proferidos por este Tribunal da Relação.
Condensando o que é afirmado no acórdão proferido em 15 de Setembro de 2014, no âmbito do processo 216/11.4TUBRG.P1, disponível na base de dados do IGFEJ (www.dgsi.pt), as «declarações de parte [artigo 466.º do novo CPC] – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos».
A prova por declarações de parte, nos termos enunciados no artigo 466.º do Código de Processo Civil, é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, na certeza de que a livre apreciação é sempre condicionada pela razão, pela experiência e pelas circunstâncias e que, neste enquadramento, a declaração de parte que é favorável e que surge desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie, será normalmente insuficiente à prova de um facto essencial à causa de pedir.
2.3 No caso dos autos, é pacífico que a autora e o réu mantiveram um relacionamento amoroso do qual nasceu a menor D..., resultando do relato da autora e do teor dos documentos que integram os autos que a menor nasceu em 19 de Maio de 2012.
O réu recebeu prestações a título dos diferenciais do apoio de abono de família, pagas pela Segurança Social Suíça, no período compreendido entre 1 de Outubro e 31 de Dezembro de 2014 e ao longo do ano de 2015, sendo que as prestações de 2014 ascenderam a CHF 447,45 e as prestações do ano de 2015 a um total de CHF 2098,95.
A recorrente questiona os factos que acima se transcreveram nos parágrafos 3, 4 e 5 dos factos não provados, pretendendo que os mesmos devem julgar-se provados, a eles se aditando ainda como facto provado que a recorrente sempre teve a menor a seu cargo desde que a mesma nasceu.
Relativamente a este último ponto, importa considerar que, como salienta o Ministério Público na resposta à motivação do recurso, «nenhuma prova foi feita sobre a data em que ocorreu a separação, sendo certo que não basta o simples facto do réu se encontrar a trabalhar noutro país para que daí a mesma decorra automaticamente. Um casal pode estar a morar em países diferentes e continuarem a sua relação, estando apenas separados fisicamente por motivos em regra profissionais. Não tendo resultado das declarações da recorrente qualquer prova sobre a data em que o casal se separou, resta apenas a prova resultante do processo judicial que regulou as responsabilidades parentais da menor».
De facto, no caso dos autos, não há uma caracterização consistente da relação de autora e réu, da sua duração e dos termos da respectiva separação, no que concerne ao seu tempo e circunstâncias, de modo a poderem compreender-se, a perceber como ocorreu.
Por outro lado, a recorrente reporta a doença da criança e o seu despejo da casa onde vivia à idade de um ano da criança; não se evidencia no entanto qualquer procedimento referente à determinação de prestações à criança, o que se materializa em 2015, quando a menor quase completara três anos de idade, sem que se veja documentado nos autos a alegada afirmação do réu.
Não se regista alteração no que concerne às prestações auferidas pelo réu a título dos diferenciais do apoio de abono de família, na parte em que a autora/recorrente pretende que recebeu um valor global de € 10.280,00. Releva aqui o que antes se enunciou em relação à relevância probatória das declarações prestadas pela autora, em declarações de parte e naquilo que não configura confissão de factos. Perante os documentos que integram os autos, acima referenciados, acompanhando a petição inicial e com a respectiva tradução a fls. 32 e seguintes, apenas se comprova o pagamento dos valores que o tribunal julgou provado, sem que se veja por qualquer forma justificada, nomeadamente pelo depoimento da própria autora, a inexistência de elementos documentais que comprovem os restantes valores que a autora pretende que foram igualmente pagos e a totalizar o valor global pretendido, de € 10.280,00.
A dúvida quanto à alegada afirmação mentirosa do réu em tribunal, relativamente a quantias que recebeu respeitantes à menor e filha durante todos estes anos também não se mostra minimamente comprovada por outros elementos de prova, nomeadamente documentais, verificando-se a este propósito – entre outros elementos – que não consta na acta da diligência de 30 de Abril de 2015, apesar de a autora alegar que foi nessa data que o réu, através do respectivo advogado, foi questionado sobre se estaria a receber qualquer prestação a título de abono e que referiu então em tribunal não estar a receber nenhuma quantia. Afirmou a autora que o advogado que representou o réu disse à juíza que não, que era mentira, que não recebia qualquer valor de abono, ao que ela própria disse à juíza que era verdade, que tinha conhecimento e ia conseguir provar isso.
Apesar de ser também referenciada pela autora no respectivo depoimento (sensivelmente 02m:20s) a existência de elementos documentais (comunicações via e-mail), é certo que nada consta a esse propósito, o que legitima a dúvida.
Perante o que se deixa exposto, mostra-se prejudicada a comprovação da alegada tristeza e depressão da autora. Acresce que também aqui não foi feita prova de que a recorrente tenha ficado triste e deprimida com a não entrega das quantias a título de abono pelo réu, para além do que ela própria afirma em declarações de parte; não foi produzida qualquer outra prova, nomeadamente testemunhal ou documental, da qual resulte a comprovação do estado psicológico afirmado pela recorrente.
Além disso a recorrente nas suas declarações nada refere sobre a caracterização desse estado psicológico, referenciando que foi alvo de despejo e que teve dificuldades financeiras.
Por isso, também aqui se conclui não haver razão consistente para afirmar a existência de erro de julgamento na sentença recorrida, ponderando que, como antes se mencionou, a livre apreciação pelo Tribunal, perante as declarações de parte, é sempre condicionada pela razão, pela experiência e pelas circunstâncias e que, neste enquadramento, a declaração de parte que é favorável e que surge desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie, será normalmente insuficiente à prova de um facto essencial à causa de pedir.
3. A pretendida condenação do recorrido no pagamento total dos valores peticionados.
Estão aqui em causa dois valores distintos: por um lado, a quantia global de € 10.280,00 que a autora reclama a título de prestações de abono de família e que diz ter sido paga pela Segurança Social Suíça; por outro, o montante de € 3.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais que diz ter sofrido.
Relativamente ao primeiro destes valores, afirma-se na sentença recorrida, com referência ao que dispõem os artigos 1877.º e 1878.º do Código Civil sobre responsabilidades parentais, que o abono de família no caso de separação dos progenitores deverá ser entregue àquele que fica com o menor a seu cargo, perante o que, tendo-se provado que no âmbito do processo com o n.º 819/14.5TBVFR, foi homologada sentença datada de 30 de Abril de 2015 do acordo que as partes aí alcançaram quanto ao exercício das responsabilidades parentais, ficando a menor D... a residir com a progenitora, aqui Autora, é apenas a partir desta data que o abono recebido pelo progenitor na Suíça deverá ser entregue à Autora, altura em que ficaram definidas as responsabilidades parentais a favor da menor, não tendo a Autora alegado e provado que antes desta data a menor já residia consigo.
Por conseguinte, deverão ser entregues à Autora os valores recebidos pelo réu a título de abono desde maio de 2015 a Dezembro de 2015, o que perfaz o montante de CHF 1398,80. No que respeita aos juros moratórios, tendo presente o disposto nos artigos 559.º, n.º 1, 804.º, n.ºs 1 e 2, 805.º, n.º 3 e 806.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, bem como a Portarias n.º 291/2003, de 8 de Abril, deverão os mesmos ser considerados desde a data da citação do réu, à taxa legal civil.
No que concerne ao segundo valor, referente a indemnização dos alegados danos não patrimoniais, considera-se na sentença recorrida que fica prejudicado pelo facto de não se ter provado tal factualidade.
Pelas razões antes enunciadas, não há fundamento para censurar a decisão recorrida, concluindo-se que improcede o recurso.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas, acordam os juízes subscritores em julgar improcedente o recurso, mantendo integralmente a decisão proferida na sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, sem prejuízo de apoio judiciário.
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Porto, 5 de Novembro de 2018.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes