Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1021/16.7T8OAZ-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
MULTA
PAGAMENTO DE VALOR INFERIOR
CONSEQUÊNCIA PROCESSUAL
Nº do Documento: RP201810091021/16.7T8OAZ-D.P1
Data do Acordão: 10/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º848, FLS.142-153)
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTIGO 139.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I - Um acidente de viação sofrido pelo mandatário, que motivou para este ausência do serviço, não constitui só por si justo impedimento quando existem outros mandatários constituídos e relativamente a estes nada se alega quanto à impossibilidade de atempada prática do ato.
II - O não pagamento da totalidade da multa a que se refere o art. 139º, nº 5, al. c) do Cód. de Proc. Civil equivale a falta de pagamento, daí decorrendo que o ato praticado não tem validade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1021/16.7 T8OAZ-D.P1
Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis – Juiz 1
Apelação (em separado)
Recorrentes: B… e C…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Maria de Jesus Pereira e José Igreja Matos
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
B… e C…, nos autos de incidente de qualificação da insolvência da sociedade “D…, Lda.”, vieram, em 9.2.2018, deduzir oposição à sua qualificação como culposa, pretendendo que a mesma seja considerada como fortuita.
Em 15.2.2018 foi aberta conclusão com a seguinte informação:
“… informando que, pelos oponentes, não foi atribuído qualquer valor à oposição tendo solicitado apoio judiciário junto da Seg. Social, contudo, e porque deram entrada à oposição já no 3º dia a que alude o artº. 139º do CPC, autoliquidaram multa que a meu ver se revela insuficiente pois o valor de 40,80€ serão 40% de uma Taxa de 102,00€ que correspondem a um valor processual de apenas até os 2.000€.”
Foi depois proferido o seguinte despacho com a mesma data:
“Tendo em conta o que se discute nos incidentes de oposição, sempre atribuímos o valor de 30.000,01€ a estas causas, não havendo razão para, neste caso, ser aberta qualquer excepção.
Pelo que, desde já se atribui à causa o valor de 30.000,01€, determinando-se a notificação dos requeridos para procederem ao complemento da multa paga de acordo com o agora decidido.
Prazo: 10 dias.
Notifique.”
Notificados deste despacho os requeridos, em 1.3.2018, vieram expor o seguinte:
“− aquando da apresentação da oposição ao incidente de qualificação da insolvência, os requeridos procederam ao pagamento da quantia de 40,80€, a título de pagamento pela quantia devida pela prática do acto no terceiro dia de multa, nos termos do artigo 139.º n.º 5 al. c) do Código do Processo Civil ex vi artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
− Agora, foram os requeridos notificados para proceder ao complemento da multa paga de acordo com o valor do processo.
− Com o devido respeito por opinião contrária, os requeridos consideram que foi paga a quantia efectivamente devida pela prática do acto no terceiro dia de multa.
− Isto porque, nos termos da Tabela II A, anexa ao Regulamento das Custas Processuais (D.L. 34/2008, de 26 de Fevereiro), o valor devido a título de taxa de justiça por conta da tramitação de um incidente ascende ao montante de 102,00€.
− Ademais, é essa mesma informação que resulta da secção ‘Autoliquidação de Taxas de Justiça’, disponível na plataforma citius – cfr. prints que se junta como documentos 1 e 2 e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
− Assim, se a taxa de justiça devida pelo incidente ascende ao montante de 102,00€ e se a multa fixada pela prática do acto no terceiro dia de multa se fixa em 40,00% da taxa correspondente, o valor devido sempre será de 40,80€.
Contudo,
− caso assim não se entenda, desde já se requer que V. Exa. ordene a notificação dos requeridos para proceder à liquidação do complemento da multa devido, com a indicação do montante em concreto que considere em falta,
− pagamento que os requeridos farão de imediato, sem prejuízo para o normal andamento dos presentes autos.”
Sobre esta exposição incidiu o seguinte despacho judicial datado de 3.4.2018:
“Ao contrário do que defendem os requeridos, a tabela do Regulamento das Custa Processuais a considerar não é a tabela II A mas sim a tabela I B (artigo 12º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais) já que não estamos perante um incidente processual mas sim perante uma verdadeira acção declarativa que corre por apenso ao processo de insolvência.
Atendendo ao valor que atribuímos aos incidentes de qualificação de insolvência – 30.000,01€ - a taxa de justiça devida é a de 3 UC pelo que a multa devida se cifra em 122,40€.
Notifique, sendo os requeridos para procederem ao complemento em falta.”
Depois, em 30.5.2018, foi proferido o seguinte despacho judicial:
“Os requeridos B… e C… apresentaram oposição ao pedido de qualificação da insolvência da “D…, Lda.” como culposa no dia 09/02/2018 juntando, para o que aqui nos interessa, procuração forense, cópia do pedido de apoio judiciário para dispensa de pagamento de custas e DUC da multa pela apresentação no 3º dia útil após o prazo da referida oposição que liquidaram pelo montante de 40,80€.
Por despacho proferido no dia 15/02/2018 foi atribuída à causa o valor de 30.000,01€ e determinada a notificação dos requeridos para procederem ao complemento da multa já liquidada, de acordo com o decidido.
Os requeridos, por requerimento de 01/03/2018 vieram defender terem pago já a multa devida e requerer, caso tal não viesse a ser entendido, a sua notificação para procederem à liquidação do que viesse a ser determinado.
No dia 03/04/2018 foi proferido despacho que, analisando o requerimento dos requeridos, indeferiu a pretensão dos mesmos e determinou o pagamento do montante necessário ao pagamento da integralidade do montante devido e que se fixou em 122,40€.
Os requeridos não procederam ao referido pagamento.
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Cumpre extrair as ilações dessa omissão.
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O artigo 145º, nº 2 do Código de Processo Civil estabelece que o pagamento da taxa de justiça de valor inferior ao devido equivale à falta de junção da taxa de justiça.
Ora, fora dos casos de justo impedimento (que aqui não está em causa) a prática do acto após o decurso do prazo extingue-se excepto se forem cumpridas as sanções pecuniárias que a lei estabelece – artigo 139º do Código de Processo Civil.
Pese embora da actual redacção do n.º 5 do artigo 139.º, do Código de Processo Civil não conste que a falta de pagamento da multa pela apresentação da peça processual num dos três dias seguintes ao seu termo implica a “perda do direito de praticar o acto”, o legislador manteve no n.º 5 desta norma que o pagamento da multa é condição de validade da sua prática, razão por que, não sendo paga, o acto não tem validade, ou seja, não pode produzir qualquer efeito.
Note-se que, para este efeito, não releva o facto de os requeridos terem requerido apoio judiciário já que tal benefício não abrange a dispensa de pagamento de multas quando estas têm a ver com a inobservância dos prazos judiciais e revestem a natureza de sanção processual (cfr. Ac. do TRP de 17/12/2014 proferido no âmbito do processo nº 586/14.2T8PNF-R.P1, relatado pela Exma. Sra. Desembargadora Dra. Ana Paula Amorim e disponível em www.dgsi.pt).
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Nestes termos, porque devidamente notificados para procederem ao complemento do montante devido a título de multa os requeridos não vierem proceder a tal pagamento e sendo certo que o pagamento em montante inferior (já efectuado) equivale ao não pagamento, não se admite a oposição apresentada.
Desentranhe e devolva aos apresentantes a referida oposição e todos os documentos que foram juntos pelos requeridos.
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Custas do incidente pelos requeridos, fixando-se em 1 UC a respectiva taxa de justiça (artigo 7.º, n.ºs 4 e 8, do Regulamento das Custas Processuais e tabela II a ele anexa).
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Notifique.”
Notificados desde despacho, os requeridos, em 14.6.2018, expuseram o seguinte:
“A. Do Justo Impedimento
- Conforme pode ler-se no despacho aqui em crise:
“Os requeridos B… e C… apresentaram oposição ao pedido de qualificação da insolvência da ‘D…, Lda.’ como culposa no dia 09/02/2018 juntando, para o que aqui nos interessa, procuração forense, cópia do pedido de apoio judiciário para dispensa de pagamento de custas e DUC da multa pela apresentação no 3.º dia útil após o prazo da referida oposição que liquidaram pelo montante de 40,80€. Por despacho proferido no dia 15/02/2018 foi atribuída à causa o valor de 30.000,01€ e determinada a notificação dos requeridos para procederem ao complemento da multa já liquidada, de acordo com o decidido. Os requeridos, por requerimento de 01/03/2018 vieram defender terem pago já a multa devida e requerer, caso tal não viesse a ser entendido, a sua notificação para procederem à liquidação do que viesse a ser determinado. No dia 03/04/2018 foi proferido despacho que, analisando o requerimento dos requeridos, indeferiu a pretensão dos mesmos e determinou o pagamento do montante necessário ao pagamento da integralidade do montante devido e que se fixou em 122,40€. Os requeridos não procederam ao referido pagamento.”
- O despacho faz o verdadeiro relato dos factos ocorridos.
- Porém, a notificação datada de 04.04.2018, remetida aos recorrentes, não chegou ao seu conhecimento.
- Isto porque, em 17.03.2018, a mandatária dos recorrentes (aqui signatária) foi vítima de atropelamento e por indicação médica, manteve-se afastada do trabalho durante várias semanas.
- Sendo certo que, só em 02.05.2018 obteve alta médica – cfr. cópia da comunicação de alta que se junta como documento 1 e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
- Desta forma, o despacho proferido em 03.04.2018 e notificado no dia seguinte só aquando da notificação do despacho que foi proferido a 30.05.2018, em 01.06.2018, chegou ao conhecimento dos requeridos.
- Isto posto, dispõe-se no artigo 140.º n.º 1 do CPC que “considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto”.
- Atendendo a tudo o que precede, entende a mandatária signatária, com o devido respeito, que não lhe é censurável o ocorrido e que, por isso, se encontram preenchidos, no caso em apreço, os pressupostos integradores da situação de justo impedimento.
- Pelo que, à luz do exposto, deverá considerar-se verificado o justo impedimento e, em consequência, dar sem efeito o despacho que ordenou o desentranhamento da oposição à qualificação da insolvência apresentada.
- Pelos motivos expostos, de justo impedimento, por um facto obstaculizador da prática do acto que resulta da omissão da mandatária, porém sem culpa da mesma ou dos ora recorrentes, apenas agora foi possível dar cumprimento ao ordenado, razão pela qual, os recorrentes procederam à liquidação do montante necessário ao pagamento da integralidade da quantia devida pela prática do acto no terceiro dia de multa.
- Atendendo a tudo o que precede, entende a mandatária signatária, com o devido respeito, que não é censurável o ocorrido e que, por isso, se encontram preenchidos, no caso em apreço, os pressupostos integradores da situação de justo impedimento.
- Pelo que, requer que vossa excelência se digne admitir como tempestivo o pagamento do remanescente do montante necessário ao pagamento da multa devida pela prática do acto no terceiro dia de multa, isto é, a diferença entre o valor devido efectivamente e aquele que foi inicial pago, o que ascende a 81,60€ (122,40€ – 40,80€), que ora se junta.
Sem prescindir, por dever de patrocínio, sempre se dirá que…
B. Do Artigo 570º nº 5:
- Nos termos do artigo 570.º n.º 5 do CPC, ex vi artigo 17.º do CIRE, findos que estejam os articulados e sem prejuízo do prazo, de 10 dias, concedido para juntar ao processo o comprovativo de pagamento da multa omitida, o Juiz profere despacho no qual convida o réu a proceder, em novo prazo de 10 dias, ao pagamento da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC.
- Com o devido respeito, apenas e só se, no termo deste segundo prazo de 10 dias concedido, o réu persistir na omissão, o Tribunal determinaria o desentranhamento da oposição apresentada.
- Assim, defendem os requerentes que lhes deverá ser concedido este prazo, previsto no artigo 570.º n.º 5 do CPC, o que desde já se requer.
- Neste sentido, requer igualmente que V. Exa. ordene a notificação dos requeridos para cumprimento do previsto no artigo no 570.º n.º 5 do CPC, ex vi artigo 17.º do CIRE, pagamento que os requeridos farão, sem novo prejuízo para o normal andamento dos presentes autos.”
Sobre este requerimento, incidiu o seguinte despacho datado de 19.6.2018:
“Por despacho proferido no dia 30/05/2018 determinou-se o desentranhamento e devolução aos requeridos da oposição que haviam apresentado nos presentes autos de incidente de qualificação de insolvência por não terem os mesmos pago o complemento do montante devido a título de multa pela apresentação no 3º dia útil após o prazo da referida oposição.
Notificados do teor de tal despacho, veio a Il. Mandatária dos requeridos apresentar o requerimento junto a fls. 94/97, ora em análise, invocando justo impedimento e requerendo, para o caso de vir a ser desatendido tal pedido, a aplicação do disposto no artigo 570º, nº 5 do Código de Processo Civil.
Alegou, para o efeito, que em 17 de Março foi vítima de um atropelamento em consequência do qual esteve ausente do escritório, só tendo tido alta no dia 02/05/2018 pelo que só se apercebeu do determinado em 03/04/2018 quando foi notificada do despacho proferido no dia 30/05/2018.
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Juntou aos autos documento de alta clínica datada de 02/05/2018.
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Para apreciação do requerido é de considerar a seguinte factualidade:
1 – No dia 30/01/2018, os requeridos emitiram procuração forense constituindo sua mandatária a “E… – Sociedade de Advogados, SP, RL” nas pessoas dos advogados F…, G… e H….
2 – É a Exma. Sra. Dra. H… quem subscreve os requerimentos dos requeridos nestes autos.
3 – A Il. Advogada sofreu um acidente de viação no dia 17/03/2018, tendo tido alta no dia 02/05/2018.
4 – O despacho proferido no dia 03/04/2018 foi notificado aos requeridos, nas pessoas dos seus mandatários, no dia 04/04/2018 e mostra-se lido no dia 05/04/2018 às 12h:14m:30s.
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Os factos acima indicados resultam tão só do histórico do processo.
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Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto (artigo 140º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
O conceito de justo impedimento assim configurado é bastante mais vasto do que o contido neste mesmo artigo na redacção anterior à reforma de 1995, pois que aí apenas era considerado justo impedimento o evento imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilitasse de praticar o acto por si ou por mandatário.
Com a reforma do Código de Processo Civil, introduzida pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, visou o legislador, como dá conta Lebre de Freitas, “a flexibilização do conceito de justo impedimento, de modo a permitir abarcar situações em que a omissão ou o retardamento da parte se haja devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria”. Daí que, “à luz do novo conceito, basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção. Tal não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade. (…) Passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário (…)”, cabendo à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa (Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, Coimbra Editora, 1999, p. 257 e 258).
Para além da prova de evento impeditivo da prática do acto dentro do prazo estabelecido, a verificação do justo impedimento depende da comprovação da inexistência de culpa, negligência ou imprevidência da parte, seu representante ou mandatário na produção desse evento, aferida por comparação com o procedimento que um bom pai de família teria adoptado se colocado nas mesmas circunstâncias externas (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30/01/2013, proc. n.º 856/11.1JAPRT.P1; no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17/05/2007, proc. n.º 1065/2006-2 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17/10/2012, proc. n.º 1361/10.9GAVCD.P1, todos acessíveis in www.dgsi.pt).
Posto isto, e tendo em conta os factos acima indicados, cremos que não se verifica o justo impedimento invocado pela Il. Advogada.
De facto, se por um lado a Exma. Sra. Dra. H… esteve ausente do serviço no período compreendido entre os dias 17/03/2018 e 02/05/2018, por outro lado, nada vem referido quanto aos Exmos. Senhores Dr. F… e Dra. G…, Il. Mandatários que, nos termos da procuração emitida e junta aos autos, igualmente representam os requeridos neste processo.
Acresce que, tendo em conta o motivo que levou à ausência da Il. Advogada requerente do seu escritório, mal se compreende que os demais advogados que representam os requeridos não tivessem efectuado, logo nos dias subsequentes a 17 de Março, uma supervisão do trabalho por aquela deixado abruptamente, até porque não poderiam ignorar que estes autos são urgentes e encerram matérias que, a serem demonstradas, trazem graves consequências para os seus constituintes.
Por outro lado, o despacho aqui em causa – o de 03/04/2018 – notificado que foi no dia 04/04/2018 foi lido no dia 05/04/2018 e quem o leu tinha a obrigação de o encaminhar devidamente para o colega da Exma. Advogada que estivesse a substituí-la, não sendo admissível que, 19 dias após o acidente da Exma. Sra. Dra. H… ainda não houvesse quem, no escritório de advogados mandatado pelos requeridos, estivesse a supervisionar o trabalho por esta subitamente interrompido por força do acidente que sofreu.
Assim, porque nada impediu aos demais advogados da sociedade mandatada pelos requeridos e, designadamente, aos que representam os aqui requeridos, de cumprirem o despacho que leram no dia 05/04/2018, indefere-se o requerido pois que não se tem por verificado o justo impedimento invocado.
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Requer a Il. Advogada, ainda, a aplicação do disposto no artigo 570º, nº 5 do Código de Processo Civil.
Ora, salvo o devido respeito, o artigo 570º, nº 5 do Código de Processo Civil não tem aqui qualquer aplicação uma vez que se refere às consequências previstas para a falta de pagamento de taxa de justiça, falta essa que gera a obrigação de pagamento, também, de uma multa.
O caso aqui em apreço é completamente distinto pois que se trata do pagamento da multa pela apresentação da oposição dentro dos três dias úteis subsequentes ao fim do prazo legalmente estabelecido.
E nesse caso, conforme se disse na decisão pela qual se determinou o desentranhamento da oposição apresentada, rege o artigo 139º do Código de Processo Civil.
Acresce que inexiste qualquer razão para os requeridos se “queixarem de falta de prazos” e de “oportunidades” para efectuarem o pagamento devido pois que mesmo quando foram notificados para procederem ao complemento da multa (por despacho proferido no dia 15/02/2018), ainda vieram defender, a 01/03/2018, que nada mais seria devido, o que motivou a prolação do despacho de 03/04/2018 que, esclarecendo qual a taxa de justiça devida, fez a devida correspondência para a multa que deveria ter sido paga e determinou o pagamento do montante em falta.
E assim, por falta de fundamento legal, se indefere a concessão de qualquer outro prazo aos requeridos.
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Notifique.”
Os requeridos interpuseram recurso do despacho proferido em 30.5.2018, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto do despacho que determinou a inadmissibilidade da oposição apresentada e em consequência ordenou o seu desentranhamento e devolução aos apresentantes.
2. Não obstante o cuidado havido na elaboração do despacho proferido, a apelante entende, com todo o respeito pelo Tribunal a quo, que tal despacho merece censura, como a seguir se demonstrará.
3. O despacho faz o verdadeiro relato dos factos ocorridos.
4. Porém, não conhecia a realidade dos mesmos àquela data, no essencial a situação de justo impedimento.
5. Na verdade, a notificação datada de 04.04.2018, remetida aos recorrentes, não chegou ao seu conhecimento.
6. Isto porque, em 17.03.2018, a mandatária dos recorrentes foi vítima de atropelamento, sendo que por indicação médica, manteve-se afastada do trabalho durante várias semanas.
7. Sendo certo que, só em 02.05.2018 obteve alta médica.
8. Desta forma, o despacho proferido em 03.04.2018, notificado às partes no dia seguinte, só aquando da notificação do despacho proferido a 30.05.2018, chegou ao conhecimento dos requeridos.
9. Isto posto, nos termos do artigo 140.º n.º 1 do CPC, considera-se justo impedimento evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto, como é o caso da situação aqui em apreço.
10. A mandatária esteve ausente do escritório durante um largo período de tempo, no decurso desse mesmo período de tempo foi-lhe remetido o despacho de 03.04.2018, ao qual não deu imediato cumprimento.
11. É certo que, logo após ter tomado conhecimento do conteúdo do dito despacho, deu afinal o cumprimento ao mesmo, ou seja, ao pagamento da quantia de 81,60€.
12. Ora, o valor em discussão nos presentes autos é o montante global dos créditos reconhecidos em sede de lista definitiva de créditos, o que ascende à quantia global de 435.577,60€.
13. É flagrante a desproporcionalidade entre o montante da multa ainda por liquidar e o bem em causa nos presentes autos.
14. Atendendo a tudo o que precede, entende a mandatária signatária, com o devido respeito, que não lhe é censurável o ocorrido e que, por isso, se encontram preenchidos, no caso em apreço, os pressupostos integradores da situação de justo impedimento.
15. Pelo que, à luz do exposto, deverá considerar-se verificado o justo impedimento e, em consequência, dar sem efeito o despacho que ordenou o desentranhamento da oposição à qualificação da insolvência apresentada, nos termos do artigo 140.º do CPC,
16. e bem assim admitir a oposição apresentada.
17. Sem prescindir, por dever de patrocínio, sempre se dirá que não foi dado integral cumprimento do artigo 570.º do CPC
18. No dia 09.02.2018, os recorrentes apresentaram oposição ao pedido de qualificação da insolvência como culposa, cópia do pedido de apoio judiciário para dispensa de pagamento de custas e DUC da multa pela apresentação no 3.º dia útil após o prazo da referida oposição que liquidaram pelo montante de 40,80€.
19. Os requeridos consideraram que foi paga a quantia efectivamente devida pela prática do acto no terceiro dia de multa.
20. Isto porque, nos termos da Tabela II A, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, o valor devido a título de taxa de justiça por conta da tramitação de um incidente ascende ao montante de 102,00€.
21. Assim, se a taxa de justiça devida pelo incidente ascende ao montante de 102,00€ e se a multa fixada pela prática do acto no terceiro dia de multa se fixa em 40,00% da taxa correspondente, o valor devido sempre será de 40,80€.
22. Acontece que, por despacho proferido no dia 15.02.2018 foi atribuída à causa o valor de 30.000,01€ e no dia 03.04.2018 foi proferido despacho que determinou o pagamento do montante necessário ao pagamento da integralidade do montante devido pela prática do acto no terceiro dia de multa, valor fixado em 122,40€.
23. No dia 04.04.2018, este despacho foi notificado aos recorrentes.
24. Pelos motivos supra expostos, de justo impedimento, a notificação não chegou ao conhecimento dos recorrentes que não procederam ao referido pagamento.
25. Apenas aquando da notificação do despacho imediatamente a seguir, o que foi proferido em 30.05.2018, os requeridos tomaram conhecimento do teor do despacho de 03.04.2018.
26. Pelo que, no prazo de dez dias, contados da notificação deste despacho, ou seja, logo que tomaram conhecimento, os recorrentes procederam à liquidação da integralidade da quantia devida pela prática do acto no terceiro dia de multa.
27. Com o devido respeito por opinião contrária, tal acto sempre caberia nas previsões da Lei Processual Civil.
28. Independentemente de justo impedimento, nos termos do artigo 139.º n.º 4, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa.
29. Ora, nos termos do artigo 139.º n.º 6 do CPC, quando o acto for praticado em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se trate de acto praticado por mandatário.
30. Acontece que, ainda que os recorrentes hajam sido notificados para proceder ao pagamento da quantia em falta a título de parte da multa, não o foram nos termos daquele normativo, uma vez que não foram notificados para pagar qualquer penalização de 25 %, ou outra!
31. Acresce que, do artigo 570.º n.º 3 do CPC, ajustado à falta de pagamento da multa, resulta que, se no prazo legal para o efeito faltar a apresentação de documento comprovativo do pagamento, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.
32. Depois, conforme previsão do n.º 5 do mesmo artigo, após esta notificação, findos que estejam os articulados, e sem prejuízo do prazo de 10 dias já concedido, o Juiz profere despacho no qual convida o réu a proceder, em novo prazo de 10 dias, ao pagamento da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC.
33. Conforme dita a própria letra da Lei, este despacho tem cabimento na al. c) do n.º 2 do artigo 590.º do mesmo diploma legal.
34. A ratio deste artigo é a de vincar os poderes/deveres do Juiz de concretização dos princípios de gestão processual, cooperação e descoberta da verdade material.
35. Com o devido respeito, apenas e só se, no termo deste segundo prazo de 10 dias, houver persistência na omissão, o Tribunal determina o desentranhamento da oposição apresentada, vide 570.º n.º 6 do CPC.
36. Tal resulta quer das disposições legais supra invocadas, quer da própria intenção do legislador de impedir que razões puramente formais prejudiquem a aplicação do Direito substantivo.
37. Assim, a falta de aplicação das cominações legais resultantes do artigo 570.º n.º 5 do CPC, por remissão do artigo 145.º n.º 3 do CPC, constitui uma violação de lei e dos princípios da tutela jurisdicional efectiva, que desde já expressamente se invoca.
38. Para além de violação da lei, a omissão da notificação prevista no artigo 570.º n° 5, do CPC, por se tratar de acto que a lei prescreve, configura nulidade por omissão nos termos do artigo 195.° do CPC.
39. É por isso ilegal e indevido o despacho que ordenou o desentranhamento da oposição apresentada, já que os recorrentes não foram notificados para os termos do artigo 570.º n.º 5 do CPC.
40. No caso aqui em apreço, estamos perante a oposição à qualificação da insolvência, a única peça processual na qual os recorrentes tiveram oportunidade de fornecer aos autos os elementos necessários à apreciação da causa.
41. Pelo que, deverão ser concedidas aos recorrentes as prerrogativas previstas no artigo 570.º n.º 3 e n.º 5 do CPC.
42. De outra forma, será gritante a desproporcionalidade entre o valor não pago a título de multa (de 81,60€) e o valor em discussão nos presentes autos (435.577,60€).
43. Neste sentido, deverá o despacho proferido a 30.05.2018 ser dado sem efeito e em consequência deverá Tribunal a quo substituí-lo por outro no qual seja dado integral cumprimento ao previsto no artigo no 570.º n.º 5 do CPC, ex vi artigo 17.º do CIRE.
44. Isto porque, o Tribunal apenas notificou os recorrentes para proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, nos termos do artigo 570.º n.º 3 do CPC e não deu cumprimento ao n.º 5 do mesmo artigo.
45. Em conclusão, o despacho recorrido não fez uma correcta aplicação do Direito, em parte por desconhecer – à data da sua prolação – o justo impedimento, mas essencialmente por violação, por omissão e deficiente interpretação e aplicação do disposto nos artigos 139.º n.º 6, 570.º n.º 3 e 5 e 590.º n.º al. c), todos do CPC, bem dos princípios do acesso ao Direito e da tutela jurisdicional, do dever de gestão processual, do princípio da cooperação e do princípio da proporcionalidade.
46. Desta forma, deve o despacho em causa ser substituído por outro e admitido – como tempestivo – o pagamento da quantia devida pela prática do acto no terceiro dia multa ou,
47. caso assim não se entenda, substituído por outro do qual resulte o cumprimento do artigo 570.º do CPC ex vi artigo 17.º do CIRE.
48. Em consequência, não haverá lugar ao desentranhamento das oposições apresentadas pelos recorrentes, bem como não terá lugar a consequente devolução aos apresentantes.
Pretendem assim que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que admita como tempestivo o pagamento da quantia devida pela prática do ato no terceiro dia de multa ou, caso assim não se entenda, por outro que dê integral cumprimento ao disposto no art. 570º do Cód. de Proc. Civil aplicável “ex vi” do art. 17º do CIRE.
Os requeridos interpuseram também recurso do despacho proferido em 20.6.2018, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto do despacho que determinou a o indeferimento da invocação do justo impedimento por parte da mandatária signatária e que, consequentemente, manteve despacho que determinou o desentranhamento e devolução aos apelantes da oposição deduzida em sede de incidente de qualificação da insolvência.
2. Não obstante o cuidado havido na elaboração do despacho proferido, os Apelantes entendem, com todo o respeito pelo Tribunal a quo, que tal despacho merece censura, como a seguir se demonstrará.
3. Aquando da prolação do despacho que ordena o desentranhamento, o Tribunal a quo desconhecia o evento ocorrido à mandatária signatária e no qual a mesma fundamentou a invocação de justo impedimento.
4. Em virtude de um atropelamento de que foi vítima em 17.03.2018, a mandatária signatária não teve conhecimento do despacho datado de 04.04.2018, no qual foi ordenado o pagamento do complemento de taxa de justiça.
5. Acresce que, só em 02.05.2018 obteve alta médica.
6. Desta forma, o despacho proferido em 03.04.2018, notificado às partes no dia seguinte, só aquando da notificação do despacho datado de 30.05.2018, chegou ao conhecimento dos Apelantes, tendo sido, desde logo, dado conhecimento ao Tribunal a quo do justo impedimento verificado.
7. Isto posto, nos termos do artigo 140.º n.º 1 do CPC, considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto, como é o caso da situação aqui em apreço.
8. A mandatária esteve ausente do escritório durante um largo período de tempo, no decurso do qual foi-lhe remetido o despacho de 03.04.2018, ao qual não teve acesso, pelo que não lhe deu imediato cumprimento.
9. É certo que, logo após ter tomado conhecimento do conteúdo do dito despacho, deu afinal o cumprimento ao mesmo, ou seja, ao pagamento da quantia de 81,60€.
10. Atendendo a tudo o que precede, entende a mandatária signatária, com o devido respeito, que não lhe é censurável o ocorrido e que, por isso, se encontram preenchidos, no caso em apreço, os pressupostos integradores da situação de justo impedimento.
11. Ora, no entendimento do Tribunal a quo, o facto de constarem da procuração junta nos autos, para além da mandatária signatária, os Exmos. Senhores Doutor F… e a Dra. G…, invalida a invocação de justo impedimento, entendimento do qual os Apelantes discordam.
12. Sucede que, compulsados os autos, verifica-se que somente a advogada signatária interveio no âmbito deste processo judicial, sendo que os restantes mandatários não se encontram sequer associados à plataforma Citius.
13. Todas as peças processuais submetidas através da plataforma Citius em representação dos apelantes encontram-se apenas assinadas pela advogada signatária.
14. Sem prejuízo de estarmos perante uma procuração conjunta, a verdade é que apenas a mandatária signatária exercia efectivamente o mandato que lhe foi conferido.
15. Diga-se ainda que, a indicação de mais do que um advogado na procuração resulta de uma formalidade do escritório de advogados mandante, sendo que o efectivo tratamento do processo judicial em curso se encontrava atribuído à mandatária signatária.
16. Atendendo a que nada em contrário se encontra convencionado na procuração junta aos presentes autos, a mandatária signatária sempre exerceu de forma isolada o mandato que lhe foi conferido.
17. Diga-se ainda que o evento ocorrido à mandatária signatária, o qual não lhe poderá ser imputável, não poderá prejudicar o direito de defesa dos Apelantes titulares do interesse material em discussão nos presentes autos.
18. Pelo que, à luz de tudo quanto foi exposto, deverá considerar-se verificado o justo impedimento e, em consequência, dar sem efeito o despacho aqui em crise,
19. e bem assim admitir a oposição apresentada.
20. Neste sentido, deverá o despacho proferido a 20.06.2018 ser dado sem efeito e em consequência deverá Tribunal a quo substituí-lo por outro no qual seja admitido o justo impedimento alegado pela advogada signatária.
21. Em consequência, não deverá haver lugar ao desentranhamento das oposições apresentadas pelos recorrentes e a consequente devolução aos apresentantes.
Pretendem assim que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que admita como legítima a invocação do justo impedimento da mandatária signatária.
Não foram apresentadas contra-alegações.
A Mmª Juíza “a quo” admitiu ambos os recursos como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo e determinou, porque a unidade das decisões assim o justifica, a organização de um único apenso.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
IVerificação de uma situação de justo impedimento;
II Cumprimento do disposto no art. 570º, nº 5 do Cód. do Proc. Civil.
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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.
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Passemos à apreciação jurídica.
IVerificação de uma situação de justo impedimento
Os recorrentes, no recurso que, em 22.6.2018, interpuseram do despacho proferido em 30.5.2018, invocaram a verificação de uma situação de justo impedimento, alegando que a notificação datada de 4.4.2018 não chegou ao conhecimento da sua mandatária, em virtude desta ter sido vítima de atropelamento, tendo ficado afastada do trabalho durante várias semanas. Só em 2.5.2018 obteve alta médica e apenas com a notificação do despacho de 30.5.2018 tomou conhecimento do antecedente despacho de 3.4.2018.
Porém, já antes, através do requerimento de 14.6.2018, os ora recorrentes haviam invocado o referido justo impedimento, procedendo logo nessa ocasião ao pagamento do complemento da multa devida nos termos do art. 139º, nº 5, al. c) do Cód. do Proc. Civil.
A sua pretensão foi indeferida pelo despacho de 19.6.2018, do qual foi também interposto recurso, em 13.7.2018, que versou essencialmente sobre a questão do justo impedimento.
Considera-se justo impedimento «o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.» - art. 140º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil
Algo diferentemente, na redação do Cód. de Proc. Civil de 1961 anterior à Reforma de 1995, considerava-se justo impedimento o evento normalmente imprevisível, estranho à vontade das partes, que a impossibilite de praticar o ato, por si ou por mandatário.
De acordo com o atual conceito, para que estejamos perante uma situação de justo impedimento basta que o facto obstaculizador da prática do ato não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção.[1]
Pretendeu-se assim operar alguma flexibilização no conceito de “justo impedimento” colocando no cerne da figura a inexistência de um nexo de imputação subjetiva à parte ou ao seu representante do facto que causa a ultrapassagem do prazo perentório.
O que deverá relevar decisivamente para a verificação do “justo impedimento” [mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do ato] é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário na ultrapassagem do prazo perentório, a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no nº 2 do art. 487º do Cód. Civil, e sem prejuízo do especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das causas.[2]
O presente conceito de “justo impedimento” é pois bem diferente do anterior, uma vez que assenta na responsabilidade por culpa e não como antes sucedia no facto imprevisível e alheio à vontade da parte, apelando, por isso, à consideração de elementos endógenos e não meramente exógenos ao agente.
Verifica-se quando a pessoa que devia praticar o ato foi colocada na impossibilidade de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto que lhe não é imputável.
Se o evento é imputável a culpa, imprevidência ou negligência da parte ou do mandatário, se a parte ou o mandatário contribuiu, por qualquer modo para que aquele se produzisse, aquele evento é-lhe imputável e, por isso, está-lhe vedado o recurso ao justo impedimento. Se, não obstante o facto, a parte e o seu representante ou mandatário, poderiam, dentro do prazo legal, ter praticado o ato, incorreram em negligência e não podem, por isso, invocar o justo impedimento.[3]
Cabe então à parte que não praticou o ato em tempo alegar e provar a sua falta de culpa (cfr. art. 799º nº 1 do Cód. Civil).[4]
Prosseguindo, não pode, contudo, ignorar-se a redação do nº 2 do mesmo art. 140º do Cód. do Proc. Civil, onde se estatui que «a parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admitirá o requerente a praticar o ato fora de prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.»
Resulta daqui exigir a lei que a parte pratique o ato omitido quando cessa o impedimento, o que se compreende como forma de obviar à utilização abusiva do instituto do “justo impedimento”, impedindo-se que este se possa converter num expediente destinado a colmatar situações de distração e de falta de diligência imputáveis às partes ou aos seus mandatários.
Com efeito, para que um ato possa ser praticado fora de prazo não basta que a parte tenha sido impedida de o fazer por qualquer evento que não lhe seja imputável nem a ela, nem aos seus representantes ou mandatários. Exige-se, para tal, que ela alegue o justo impedimento e ofereça a respetiva prova no momento em que se apresenta a praticar o ato. Conforme salientava José Alberto dos Reis[5], a propósito do § 2º do art. 146º do Cód. do Proc. Civil de 1939, que corresponde ao nº 2 do art. 140º do Cód. do Proc. Civil atual, a leitura deste preceito mostra claramente que a parte não deve ser admitida a praticar o ato fora de prazo enquanto não alegar e provar o justo impedimento e que a alegação e prova do justo impedimento deve ser feita no preciso momento em que o interessado se apresenta para praticar o ato intempestivo.[6]
A parte tem pois de requerer a prática extemporânea do ato mediante a alegação e prova do justo impedimento, mas logo que cesse a causa impeditiva, de tal modo que o juiz só a deve deferir se se provar que a parte se apresentou a requerer logo que o impedimento cessou.[7]
Regressando ao caso dos autos, tal como o entendeu a 1ª Instância, consideramos que não ocorre a situação de justo impedimento alegada pela ilustre mandatária dos requeridos, Sr.ª Dr.ª H….
Das procurações emitidas em 30.1.2018 pelos requeridos, resulta que estes constituíram sua bastante procuradora a “E…, SPRL”, na pessoa dos advogados F…, G… e H….
Não se discute que a Sr.ª Dr.ª H… tivesse estado ausente do serviço no período compreendido entre 17.3.2018 e 2.5.2018 em virtude de acidente de viação, mas o que se verifica é que nada é alegado no tocante aos Srs. Drs. F… e G…, que, por constarem da procuração, também representam os requeridos nos presentes autos.
Significa isto que, não obstante o acidente de viação sofrido pela Sr.ª Dr.ª H… donde decorreu a sua ausência do serviço, o determinado pelo despacho de 3.4.2018 – pagamento do acréscimo da multa devida para os efeitos do art. 139º, nº 5, al. c) do Cód. de Proc. Civil – poderia ter sido cumprido por qualquer um dos outros dois mandatários constituídos pelos requeridos.
Aliás, conforme assinala a Mmª Juíza “a quo”, face ao motivo que conduziu à ausência do escritório da Sr.ª Dr.ª H…, dificilmente se compreende que os demais advogados que representam os requeridos não tivessem efetuado, logo após a data do acidente de viação que aquela sofreu, uma supervisão do seu trabalho, pois não se pode ignorar que há processos em que a omissão da atempada prática de um ato pode trazer graves consequências para os seus constituintes.
Tal como também, havendo outros mandatários constituídos, não se acha demonstrado nos autos que a Sr.ª Dr.ª H… tenha ficado impossibilitada de comunicar com os demais para os alertar dos processos que estava a acompanhar e que demandariam maior atenção.
De resto, se o despacho de 3.4.2018 se mostra lido em 5.4.2018, pelas 12h:14m:30s, conforme refere a 1ª Instância, também não se compreende que quem o leu não o tenha encaminhado para o colega da Sr.ª Dr.ª H… que a estivesse a substituir, tanto mais que após o acidente de viação por aquela sofrido já tinham transcorrido 19 dias e o ato a praticar impunha brevidade no seu cumprimento.
Em suma: se a Sr.ª Dr.ª H… estava ausente do serviço em virtude do referido acidente de viação, tal não obstava a que os demais advogados constantes da procuração emitida pelos requeridos pudessem cumprir o determinado pelo despacho datado de 3.4.2018, lido em 5.4.2018.
Deste modo, tem-se por não verificada a situação de justo impedimento invocada pelos recorrentes.[8]
*
II Cumprimento do disposto no art. 570º, nº 5 do Cód. de Proc. Civil
Os recorrentes pretendem ainda que ao caso “sub judice” seja aplicado o regime previsto no art. 570º do Cód. de Proc. Civil e mais concretamente o seu nº 5.
A epígrafe deste preceito legal, que se integra no capítulo relativo à contestação, é “Documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça” e a redação dos seus nºs 3, 5 e 6 é a seguinte:
«(…)
3. Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse documento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.
(…)
5. Findos os articulados e sem prejuízo do prazo concedido no nº 3, se não tiver sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa por parte do réu, ou não tiver sido efetuada a comprovação desse pagamento, o juiz profere despacho nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 590º, convidando o réu a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC.
6. Se, no termo do prazo concedido no número anterior, o réu persistir na omissão, o tribunal determina o desentranhamento da contestação.
(…)”
Ora, da leitura deste preceito adjetivo, logo se alcança que o mesmo visa os casos de falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação de contestação, sendo que para estas situações se prevê a possibilidade do interessado proceder ao seu pagamento, mas agora como o acréscimo de uma multa nos termos dos nºs 3 e 5 acima citados.
Porém, a situação dos autos é diversa.
Não está aqui em causa o pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da oposição no incidente de qualificação da insolvência, até porque os recorrentes requereram ambos a concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e dos demais encargos com o processo, mas sim o pagamento da multa prevista no art. 139º, nº 5, al. c) do Cód. de Proc. Civil, atendendo a que a referida oposição foi apresentada no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo legalmente estabelecido para esse efeito.
Por isso, não faz sentido pretender aplicar ao caso dos autos o regime do art. 570º do Cód. de Proc. Civil, que se acha circunscrito a situações de falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação de contestação, aqui oposição.
Para a situação dos autos rege o referido art. 139º do Cód. de Proc. Civil.
Aí se diz no seu nº 5 que independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa.
Ou seja, o pagamento da multa é condição de validade da prática do ato, de tal modo que não sendo paga a multa o ato não tem validade, não produz qualquer efeito.
No caso aqui em apreciação, os requeridos ao deduzirem oposição no incidente de qualificação da insolvência no terceiro dia subsequente ao termo do respetivo prazo procederam ao pagamento da multa prevista no art. 139º, nº 5, al. c) do Cód. de Proc. Civil, fazendo-o pela importância de 40,80€.
Sucede que este montante viria a ser considerado inadequado pelo tribunal, que, nos termos dos despachos proferidos em 15.2.2018 e 3.4.2018, fixou a multa a que se refere o dito art. 139º, nº 5, al. c) no montante de 122,40€, tendo notificado os requeridos para procederem ao pagamento do acréscimo da multa em falta.
Os requeridos não o fizeram.
Ora, tal como no tocante à taxa de justiça em que a junção de documento comprovativo do seu pagamento em valor inferior ao devido equivale a falta de junção – art. 145º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil –, também no que concerne ao pagamento de uma multa em valor inferior ao legalmente previsto se deverá entender que tal equivale a falta de pagamento.
Deste modo, constatado o não pagamento do acréscimo da multa por parte dos requeridos, nenhuma censura merece o despacho proferido pela Mmª Juíza “a quo” em 30.5.2018 que, perfilando-se o pagamento da multa prevista no art. 139º, nº 5, al. c) do Cód. do Proc. Civil como condição de validade da prática do ato, não admitiu a oposição apresentada.
Tal como também nenhuma censura merece, pelos motivos que se vêm expendendo, o posterior despacho de 19.6.2018 que considerou, por um lado, não verificada a situação de justo impedimento invocada e, por outro, não aplicável ao caso dos autos o regime do art. 570º, nº 5 do Cód. de Proc. Civil.
Por conseguinte, ambos os recursos interpostos pelos requeridos serão julgados improcedentes
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos pelos requeridos B… e C… e, em consequência, confirmam-se os despachos proferidos em 30.5.2018 e 19.6.2018.
Custas a cargo dos recorrentes, sem prejuízo de apoio judiciário.
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Porto, 9.10.2018
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Cfr. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, págs.257/8.
[2] Cfr. Lopes do Rego, “Comentários ao Código do Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., págs. 154/5.
[3] Cfr. Ac. Rel. Coimbra de 30.6.2015, proc. 39/14.9 T8LMG-A.C1, disponível in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Ac. Rel. Porto de 25.3.2010, p. 17151/04.5 TJPRT-A.P1, disponível in www.dgsi.pt.
[5] In “Comentário ao Código do Processo Civil”, vol. 2º, Coimbra, 1945, pág. 79.
[6] Cfr. Ac. STJ de 4.5.2005, p. 04S4329, disponível in www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Ac. Rel. Coimbra de 30.6.2015, proc. 39/14.9 T8LMG-A.C1, disponível in www.dgsi.pt.
[8] Sobre esta matéria, cfr. o Acórdão da Rel. de Lisboa de 13.1.2016 (proc. 182/14.4 TTFUN, disponível em texto integral in www.pgdlisboa.pt), onde se consignou o seguinte no respetivo sumário: “A doença do mandatário não pode constituir por si só justo impedimento quando existiam outros mandatários constituídos, não tendo ficado demonstrado que o mandatário que ficou subitamente incapacitado tenha ficado impossibilitado de comunicar com os demais.”