Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
760/21.5T8FLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO MULTI-RISCOS
FURTO
MEDIAÇÃO DE SEGUROS
ABUSO DE DIREITO
DECLARAÇÃO DE RISCO
Nº do Documento: RP20230420760/21.5T8FLG.P1
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A cláusula contratual geral inserta em contrato de seguro facultativo, Multi-risco Empresas, que prevê o risco de furto e roubo do recheio, tendo por objecto um armazém, tomado pelo segurado de arrendamento comercial, sem mais, não cobre, no seu âmbito e alcance, mercadoria que o segurado vendeu a um cliente, que já pagou metade do preço e, que este pediu para ali ficar depositada mais um tempo.
II - Não obstante não ter sido alegado, sequer, que o mediador de seguros, agindo em nome da seguradora, tinha poderes específicos para o efeito, nos termos do artigo 30.°/3 RJCS - que consagra a chamada representação aparente - o contrato de seguro é eficaz em relação a esta, se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do segurado, de boa fé na legitimidade do mediador, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar tal confiança.
III - E, assim, o relacionamento entre seguradora e mediador de seguros terá de ser tido como um relacionamento entre comitente e comissário, sendo por isso a seguradora responsável perante o segurado.
IV - Constitui abuso de direito a seguradora que aceitou a proposta, emitiu a factura para pagamento do prémio, o recebeu, que ao fim de 6 meses, recebeu e tratou a participação da ocorrência do sinistro, que procedeu a averiguações, que indemnizou o segurado, do valor que entendia estar coberto pela apólice, condições gerais e particulares, vir depois defender que não há elementos nos autos, que permitam apurar em que qualidade agiu o mediador.
V - O tomador do seguro/segurado, ao subscrever a proposta de seguro, torna-se responsável, pela inexactidão constante do questionário de risco preenchido pelo punho do mediador, onde este faz constar, ao contrário do por si afirmado verbalmente, que as instalações tinham instalado sistema de segurança.
VI - Assumindo esta inexactidão relevância nos termos do clausulado do contrato, não pode deixar de implicar a consequência contratualmente prevista, de redução em 10% no valor da indemnização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 760/21.5T8FLG.P1

Apelação - Processo 760/21.5T8FLG - Ação de Processo Comum - do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Local Cível de Felgueiras - Juiz 2
Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto - Carlos Portela
Adjunto - António Paulo de Vasconcelos

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No A..., Unipessoal, Lda. intentou a presente acção declarativa contra B..., Companhia de Seguros, S. A., pedindo a condenação no pagamento do valor de € 42.630,64, acrescido dos respectivos juros de mora, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tal alegou, em resumo, que,
- celebrou um contrato de seguro com a ré que cobria, entre o mais, o furto de material das suas instalações;
- o seguro foi contratado por intermédio de mediador, tendo este sido informado que as instalações não dispunham de alarme;
- as aludidas instalações vieram a ser furtadas, tendo sido subtraído diverso material, ascendendo o prejuízo a € 83.757,08;
- a ré apenas considerou como prejuízo indemnizável o valor de € 39.424,89, tendo para o efeito excluído produto acabado já facturado, convertido os preços de venda aos custos de produção e aplicado taxas de perecimento sem qualquer critério legal;
- embora concorde com a conversão do prejuízo do produto acabado aos custos de produção, discorda dos demais critérios aplicados pela ré;
- a ré igualmente reduziu o valor indemnizatório em 10% em virtude da inexistência de sistema de alarme, o que não poderia fazer;
- não obstante a ré já ter pago o montante de € 39.424,89, pretende que lhe seja pago o valor remanescente.
Citada, contestou a ré, invocando, em síntese, a aplicação dos critérios já refutados pela autora na petição inicial, mais realçando que da apólice consta a existência de sistema de alarme, o que não correspondia à realidade, o que igualmente motivou a dedução do valor indemnizatório em 10%.
A autora foi convidada a concretizar o valor efectivamente recebido pela ré, o que fez, corrigindo o mesmo para € 31.934,16.
Seguida a pertinente tramitação seguiu o processo para julgamento, com observância de todo o formalismo legal e que culminou com a prolação de sentença a julgar a acção parcialmente procedente e, a condenar a ré a pagar à autora o valor de € 40.582,67, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Inconformada recorre pugnando pela revogação da sentença e sua substituição por outra que condene a ré, rematando as alegações com as conclusões que se passam a transcrever:
I. Os produtos acabados "Espadril Branco", "Espadril Jaune", "Espadril Brique" e "Espadril Jeans" não eram, à data do furto ocorrido, propriedade da recorrida. Não tendo sido dado como provado nos autos que a mesma tenha tido qualquer prejuízo/dano com o furto dos mesmos.
II. A prova de qualquer dano na sua esfera jurídica, enquanto elemento constitutivo do seu direito, cabia à autora. Que não o fez. Pelo que não se verifica qualquer fundamento legal ou contratual para condenar a ré no pagamento do valor correspondente àqueles produtos, não prevendo a apólice contratada a cobertura de bens propriedade de terceiros. A solução encontrava pelo tribunal a quo poderá levar mesmo um enriquecimento sem causa da autora às custas da ré.
III. A decisão recorrida deverá ser, nesta parte, revogada, e substituída por uma outra que, exclua dos montantes devidos pela ré à autora os valores correspondentes ao "Espadril Branco", "Espadril Jaune", "Espadril Brique" e "Espadril Jeans", num total de € 15.027,44, absolvendo a mesma no pedido nesta parte.
IV. Os factos dados como provados pelo tribunal a quo não permitem imputar à recorrente qualquer responsabilidade por "lapso" referente à (in)existência de alarme no local objecto do seguro constante da proposta de seguro apresentada pela autora à ré.
V. O que tudo deverá levar à revogação da decisão proferida, substituindo-se a mesma por outra que, aplicando a consequência contratualmente prevista, deduza 10% ao valor a receber pela autora.
Contra-alegou a autora defendendo a improcedência do recurso.
Seguidamente foi proferido despacho a admitor o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, nos termos dos artigos 627.°, 644.º/1 alínea a), 645.º/1 alínea a) e 647.º/1 CPCivil.
Remetido o processo a este Tribunal, foi proferido despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que a tal nada obsta.

II. Fundamentação

II. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, as questões suscitadas no presente são as de saber se,
- se a mercadoria vendida pela autora está, ou não, abrangida pela cobertura da apólice;
- se a actividade do mediador vincula e em que termos a ré;
- consequência para o "lapso" constante da proposta atinente com a existência de alarme.

II. 2. Vejamos primeiramente os fundamentos da decisão recorrida.
II. 2. 1. Factos provados
1. A autora tomou de arrendamento a fracção autónoma sita Praça ..., Edifício ..., ...., 1.° Piso, ..., ....
2. Para assegurar o recheio que a autora tivesse nesse mesmo edifício, veio a subscrever junto da ré um contrato Multirriscos Empresas, com a apólice n.° ..., no dia 22/06/2020, seguro esse que cobria o recheio do armazém sito na Praça ..., Edifício ..., ....,1.° Piso, ..., ....
3. Para o efeito, recorreu ao mediador da ré, AA, com o e-mail ...> remetendo a este, em 22/06/2020, um e-mail onde solicita um seguro.
4. A autora informou o aludido mediador da existência do contrato de arrendamento, valor de mercadoria acabada e valor de matérias-primas, bem como, ainda referiu que o local não tinha alarme, embora considerassem no futuro dotar o local de um alarme.
5. Todavia, o mediador fez constar da proposta de seguro, nos dados de local do risco, que o local a segurar estava dotado de medidas adicionais de segurança, nomeadamente sistema de alarme.
6. Tal indicação originou um desconto de 10% do valor do prémio de seguro cobrado à autora pela apólice em causa.
7. Nos termos da Cláusula 16.°, n.° 1, das cláusulas gerais do contrato de seguro celebrado consta que "O Tomador do Seguro ou o Segurado estão obrigados, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheçam e razoavelmente devam ter por significativas para a apreciação do risco pelo Segurador.".
8. O n.° 6 de tal cláusula refere que: "Em caso de omissões ou inexactidões dolosas ou negligentes do Tomador do Seguro e/ou do Segurado aplica-se o disposto nos artigos 18.° e 19.° destas Condições Gerais, respectivamente.".
9. A cláusula 19.°, n.° 4, alínea a), das condições gerais, referente ao incumprimento negligente do dever de declaração inicial do risco, determina que:
"4. Se, antes da cessação ou da alteração do contrato de seguro, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexactidões negligentes:
a) O Segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente;".
10. O capital do seguro é de € 90.500,00, com as seguintes coberturas contratadas:
Coberturas Contratadas Capitais Franquias Tipo
Atos de Vandalismo, Maliciosos ou de sabotagem 90.500,00€ 65
Aluimento de Terras 90.500,00€ 65
Assistência ao Estabelecimento Sem Franquia
Avaria de Máquinas 22.625,00€ 211
Choque ou Impacto de Objectos Sólidos 90.500,00€ Sem Franquia Choque ou Impacto de Veículos Terrestres 90.500,00€ Sem Franquia Danos em Bens do Senhorio 2.500,00€ 97
Danos por Água 90.500,00€ 65
Demolição e Remoção de Escombros Sem Franquia
Derrame Acidental de Óleo 90.500,00€ Sem Franquia
Derrame de Sistemas de H.P.C.I. 90.500,00€ 65
Equipamento Electrónico 22.625,00€ 211
Furto ou Roubo 90.500,00€ 65
Furto ou Roubo- Dinheiro em Caixa 250,00€ Sem Franquia
Furto ou Roubo- Dinheiro em Cofre 1.250,00€ Sem Franquia
Greves/Tumultos/Alteração Ordem Pública 90.500,00€ 65
Incêndio, Acção Mecânica de Queda de Raio, explosão 90.500,00 Sem Franquia Inundações 90.500,00€ 65
Privação do Uso do Local Arrendado ou Ocupado 9.500,00€ Sem Franquia Protecção a Clientes-Acid.Pessoais 500,00€ Sem Franquia
Protecção a Clientes-Roubo Din./Obj. Pessoais 250,00€ Sem Franquia
Protecção do Seg./Empr.Acid.Pessoais 500,00€ Sem Franquia
Protecção do Seg./Empr.-Roubo Din./Obj. Pessoais 250,00€ Sem Franquia
Protecção Jurídica Sem Franquia
Quebra de Vidro e Pedras Ornamentais 1.500,00€ Sem Franquia
Quebra ou Queda de Antenas 500,00€ Sem Franquia
Quebra ou Queda de Anúncios e Letreiros Luminosos 1.500,00€ Sem Franquia
Quebra ou Queda de Painéis Solares 2.500,00€ Sem Franquia
Queda de Aeronaves 90.500,00€ Sem Franquia
RC Proprietário, Inquilino ou Ocupante 9.500,00€ 66
Responsabilidade Civil Exploração (Opção 1) 100.000,00€ 64
Tempestades 90.500,00€ 65
11. A franquia tipo 65 corresponde a 10% do valor indemnizável, com um mínimo de € 50,00.
12. No dia 11/11/2020, ocorreu um furto no imóvel objecto do contrato de seguro.
13. Na sequência de tal furto, foram subtraídas das instalações da Autora as seguintes matérias-primas:
Matérias-Primas Quantidades C Valor Unitário
Selvagem Jaune 1713,25 € € 3.346,50
Camurça Azul 3272 € € 3.926,40
Anilinas Várias 2608 € € 4.694,40
Nubuck Azul 3775 € € 7.172,50
Crust Preto 2335 € € 4.203,00
Laminado Cast 2014 € € 4.028,00
Selvagem Cognac 2457 € € 4.299,75
Pull Cast 725,5 € € 1.559,83
Pull Marine 694,7 € € 1.493,61
Pull Gonac 705,5 € € 1.516,83
Cam Cast 192,7 € € 260,15
Crute Azul 548 € € 739,80
Cam Amarelo 331,5 € € 447,53
Cam Azulon M 102 € € 137,70
Cam Vermelho 218 € € 294,30
Total € 38.200,28
14. De igual modo, foi subtraído o seguinte produto acabado:
Sapatos Quantidades Preço Custo Preço Cliente Custo produção Valor Cliente Espadril Branco 195 € 12,85 € 13,60 € 2.505,75 € 2.652,00
Espadril Jaune 379 € 12,41 € 13,60 € 4.703,39 € 5.154,40
Espadril Brique 181 € 12,41 € 13,60 € 2.246,21 € 2.461,60
Espadril Jeans 449 € 12,41 € 13,60 € 5.572,09 € 6.106,40
Espadril Senhora 280 € 12,26 € 13,50 € 3.432,80 € 3.780,00
Sandália E 3498 168 € 15,33 € 17,50 € 2.575,44 € 2.940,00
Luva Foreva 880 € 13,48 € 14,75 € 11.862,40 € 12.980,00
Ref Paris Azul 38 € 10,85 € 11,00 € 412,30 € 418,00
Ref Paris Cast 16 € 10,85 € 11,00 € 173,60 € 176,00
Vela Azul 889 € 10,00 € 10,00 € 8.890,00 € 8.890,00 Total € 42.373,98 € 45.558,40
15. A autora accionou a apólice subscrita junto da ré, onde participou o furto e os danos sofridos.
16. A ré efectuou a sua averiguação ao sinistro e veio apurar que as quantidades furtadas à autora foram 21.692,15 pés a título de matérias primas e 3.475 pares a título de produto acabado.
17. A ré indemnizou a autora no montante de € 31.934,16, a que corresponde um prejuízo apurado de € 39.424,89, com redução em 10% a título de franquia, acrescido de 10% por errónea informação que o armazém dispunha de sistema de alarme.
18. Para justificar o valor por si calculado, a ré invocou os seguintes pontos:
a) Exclusão do produto acabado já facturado/vendido, no pressuposto que juridicamente não é propriedade da empresa segurada;
b) Conversão dos preços de venda reclamados para os respectivos custos de produção;
c) Aplicação de taxa de deperecimento fixada em 20% para o produto acabado não vendido;
d) Aplicação de taxa de deperecimento fixada em 50% para as matérias primas;
e) Ausência de consideração da matéria-prima "Crust Preto" em virtude de não constar do inventário da Autora.
19. No que concerne ao produto acabado, a ré não considerou os produtos "Espadril Branco", "Espadril Jaune", "Espadril Brique" e "Espadril Jeans", por entender que os mesmos já não eram propriedade da autora.
20. Tais produtos foram facturados em 13/08/2020 ao cliente C..., Lda. pelo valor de € 22.649,68.
21. Relativamente a tais produtos, uma vez que a sua cliente solicitou o adiamento da entrega dos bens, a autora, para não entrar em incumprimento junto dos fabricantes, solicitou o pagamento de 50% da mercadoria já produzida, pois de outro modo não teria capacidade financeira para suportar tal compromisso.
22. Assim, o cliente da autora acedeu ao pagamento de 50% da mercadoria contra factura, sendo que esta, em contrapartida, comprometeu-se a guardar a mercadoria nas suas instalações até ordem do cliente.
23. As matérias-primas (peles, anilina, coute e outras), quando ainda não trabalhadas para um determinado produto, como sucedia nas que foram subtraídas, não tem qualquer tipo de depreciação, apresentando, ao invés, uma tendência de subida de preço.
24. De igual modo, o produto acabado não sofreu qualquer tipo de depreciação.
25. Caso as instalações dispusessem de sistema de alarme, não teria sido possível a subtracção de tanto material como veio a ocorrer.

II. 2. 2. De direito
"Como supra se aludiu, a única questão jurídica a apreciar prende-se com o direito da autora à indemnização peticionada.
Vejamos.
No caso em análise, não subsistem dúvidas - até porque não foi objecto de oposição pela Ré - que entre a própria e a Autora foi celebrado um contrato de seguro.
O legislador não forneceu uma definição expressa para o contrato de seguro, incumbindo ao julgador a dedução de tal conceito a partir dos seus elementos constitutivos.
Não obstante, e conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2014, proc. n.° 919/13.9TVLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt, "O "contrato de seguro" poderá, pois, definir-se como aquele em que uma das partes (segurador) se obriga contra o pagamento de certa importância (prémio), a indemnizar outra parte (segurado ou terceiro), pelos prejuízos resultantes da verificação de determinados riscos".
O contrato celebrado entre as partes abrangia o recheio do armazém sito na Praça ..., Edifício ..., ...., 1.° Piso, ..., ..., e previa uma indemnização por furto ou roubo, com o limite contratual de € 90.500,00, mediante o pagamento de uma franquia de 10% pelo tomador do seguro, com o valor mínimo de € 50,00.
Mais resulta demonstrado que, em Novembro de 2020, ocorreu um furto no armazém, tendo sido subtraídos diversos objectos que se encontravam acondicionados no interior do mesmo.
Ainda, advém da matéria de facto dada como provada que a Ré procedeu ao pagamento à Autora do valor de € 31.934,16, considerando nada mais ter a pagar.
No mais, resulta demonstrado que a Autora justificou a limitação do valor a pagar nos
seguintes termos:
a) Exclusão do produto acabado já facturado/vendido, no pressuposto que juridicamente não é propriedade da empresa segurada;
b) Conversão dos preços de venda reclamados para os respectivos custos de produção;
c) Aplicação de taxa de deperecimento fixada em 20% para o produto acabado não vendido;
d) Aplicação de taxa de deperecimento fixada em 50% para as matérias primas;
e) Ausência de consideração da matéria-prima "Crust Preto" em virtude de não constar do inventário da Autora.
Relativamente aos pontos c), d) e e), não existem dúvidas, face á materialidade de facto dada como provada, que não assiste razão à Ré. De facto, ficou demonstrado que nem as matérias-primas, nem os produtos finais, sofreram qualquer depreciação, e que a matéria-prima "Crust Preto" foi, de facto, objecto de furto.
Existem, por conseguinte, três pontos concretos a apreciar:
a) Inclusão de produto eventualmente vendido no montante a indemnizar;
b) Redução do valor do produto final ao respectivo custo de produção; e
c) Aplicação de uma redução de 10% ao valor a receber pela inexistência de sistema de alarme.
Vejamos.
Da inclusão de produto eventualmente vendido no montante a indemnizar: No que concerne a tal ponto, há que levar em conta que, juridicamente, o os produtos "Espadril Branco", "Espadril Jaune", "Espadril Brique" e "Espadril Jeans", de facto, já não era propriedade da Autora.
Neste ponto, o Tribunal segue de perto o entendimento constante do Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça de 18/02/2014, proc. n.° 22927/10.1T2SNT.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
Tal Acórdão, que se debruça sobre a construção de máquinas pela vendedora, com pagamento parcial do preço pela compradora antes da entrega das mesmas, após qualificar o contrato como compra e venda de bens futuros, conclui, em primeiro lugar, que a transferência da propriedade da coisa resulta directamente do próprio contrato, não dependendo de qualquer acto translativo da respectiva posse - cfr, art.°s 879.° e 880.° do Cód. Civil.
Não obstante, como refere aquele Acórdão, a transferência da propriedade da coisa fica, no caso de venda de coisa futura, suspensa até ao momento em que a mesma é fabricada, passando a ter existência física.
A data do furto, os bens já existiam, sendo, por via disso, propriedade da sociedade C..., Lda.
Porém, tal não implica que a Autora não tivesse direito ao recebimento do respectivo valor pela Ré.
Na verdade, há que levar em consideração que no âmbito das condições particulares da apólice resulta que o objecto seguro corresponde ao "recheio" do armazém sito na Praça ..., Edifício ..., ...., 1.° Piso, ..., ..., independentemente da propriedade do mesmo.
Assim, ainda que a Ré tenha alegado que os bens que não fossem propriedade da Autora não eram objecto do "recheio" a segurar, a verdade é que não demonstrou tais factos, nomeadamente com indicação dos concretos elementos - condições gerais ou particulares da apólice - que restringisse o conceito de "recheio" aos bens que, efectivamente, são da Autora.
Analisando situação similar, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Março de 2017, proc. n.° 801/13.0YXLSB.L1-1, disponível in www.dgsi.pt, considerou que: "Estabelecendo- se num contrato de seguro multi-risco a limitação da cobertura 'responsabilidade civil' à responsabilidade extracontratual e a cobertura de 'furto ou roubo' do conteúdo de um stand de motas e de uma oficina, ambas do tomador do seguro/segurado, e estipulando-se que os 'bens à guarda (motas dos clientes)' podiam estar em qualquer um dos locais de risco, tal seguro abrange todas as motas de terceiro que se encontrem legitimamente no local seguro consideradas como integrando o património do tomador do seguro/segurado, independentemente da propriedade dos mesmos."
Ainda que a expressão "bens à guarda" não seja similar ao brocardo "recheio", não se vislumbra qualquer razão para atribuir interpretação diferente daquela que foi dada pelo douto Acórdão.
Deste modo, considera o Tribunal que os bens "Espadril Branco", "Espadril Jaune", "Espadril Brique" e "Espadril Jeans" devem ser objecto de indemnização, independentemente de não serem propriedade da Autora.
Da redução do valor do produto final ao respectivo custo de produção
No que concerne à invocada redução, considera, neste ponto, que assiste razão à Ré.
De facto, por um lado, a Autora não alegou que tenha havido lugar à resolução de qualquer negócio pendente em virtude da subtracção do produto final.
Por via disso, o prejuízo da Autora corresponde, precisamente, ao custo de produção do respectivo produto, já que não lhe estava vedada a possibilidade de criar novo produto idêntico ao subtraído para proceder à sua venda.
Tendo em conta tudó o que se expôs, e face ao valor da matéria prima subtraída, que ascende a € 38.200,28, a que acresce o custo de produção do produto final subtraído, no montante de € 42.373,98, resulta que o valor global dos prejuízos ascendia a € 80.574,26.
A tal valor deve ser descontado 10% a título de franquia, valor que ascende a € 8.057,43.
Da aplicação de uma redução de 10% ao valor a receber pela inexistência de sistema de alarme
Na sua contestação, a Ré salienta que o valor da indemnização deve ser descontado em 10%, uma vez que, contrariamente ao alegado pela Autora, não existia um sistema de alarme.
Tendo em conta a matéria de facto dada como provada, resulta, de facto, das cláusulas gerais da apólice celebrada entre a Autora e a Ré que a menção da existência de um sistema de segurança implica uma redução do prémio em 10% e que, em caso de informação errada, por dolo ou negligência, do tomador do seguro, a redução do prémio não fosse devida, ao valor da indemnização seria reduzido nos mesmos pontos percentuais da bonificação do prémio - cfr. Cláusulas 16.°, n.°s 16 e 19.°, n.° 4, alínea a).
No caso em apreço, encontra-se demonstrado que a Autora, para celebração do contrato de seguro, recorreu ao mediador da Ré, AA, tendo informado expressamente o mesmo que o local não tinha alarme.
Mais resulta da matéria de facto dada como provada que foi o mediador que fez constar da proposta de seguro, nos dados de local do risco, que o local a segurar estava dotado de medidas adicionais de segurança, nomeadamente sistema de alarme, e que tal indicação motivou um desconto de 10% no valor do prémio a pagar.
Perante a matéria de facto dada como provada, entende o Tribunal que não pode ser imputada à Autora qualquer dolo ou negligência na prestação das informações erradas.
De facto, a Autora indicou correctamente que as instalações em causa não dispunham de sistema de segurança, tendo sido o mediador que, erroneamente, colocou informação diversa.
Ainda que, no caso, não tenha sido alegado que o mediador AA actuava em representação da Ré, assume pertinência a conclusão formulada pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 24 de Novembro de 2020, proc. n.° 13495/16.1YIPRT.G3.S1, disponível in www.dgsi.pt, que refere:

"I- O artigo 31°, n°2 do RJCS dispõe que «Quando o mediador de seguros actue em nome e com poderes de representação do segurador, os mesmos actos realizados pelo tomador do seguro, ou a ele dirigidos pelo mediador, produzem efeitos relativamente ao segurador como se fossem por si ou perante si directamente realizados.».
II- A Lei é clara no que tange ao entendimento dos poderes de representação por banda do mediador de seguros, fazendo depender os mesmos de um escrito emitido pelo segurador ao mediador, no qual constem os necessários poderes de representação, cfr artigo 32° da apólice uniforme de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem anexa à Portaria 256/2011, de 5 de Julho.
III- Contudo, sem embargo dessa injuntividade normativa, existem situações em que as relações entre a seguradora e a mediadora conduzem à asserção de que aquela admitiu que esta praticasse actos como sua representante, criando confiança na tomadora do seguro o que faz subsumir a situação na representação aparente contemplada no n°3 do artigo 30° do RJCS, isto é «O contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é eficaz em relação a este se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.», o que conduz à responsabilização da entidade seguradora."
No caso, resulta demonstrado que o contrato de seguro foi celebrado inteiramente por intermédio de AA, através de troca de-emails entre este e a Autora, tendo a apólice sido elaborada pelo próprio mediador.
Por conseguinte, independentemente da existência de verdadeiros poderes de representação por parte do mediador, a verdade é que a Autora encontrava-se convicta que, ao lidar com o mediador, celebrava o negócio directamente com a respectiva seguradora.
Em consequência, da perspectiva da Autora, o lapso do mediador na indicação de sistema de segurança corresponde a um lapso da própria Ré, motivo pelo qual não é imputável à Autora a causa da bonificação do prémio de seguro, independentemente de se ter demonstrado que a existência do alarme seria idónea a reduzir a quantidade de materiais que poderiam vir a ser subtraídos.
Por via disso, não há lugar a uma acrescida redução de 10% do montante indemnizatório a pagar pela Ré à Autora.
Tendo em conta tudo o que acima se expôs, considerando que o valor indemnizatório total a pagar pela Ré à Autora ascende a € 72.516,83 (€ 80.574,26 - € 8.057,43 relativo aos 10% de franquia), e tendo em conta que a Ré já pagou à Autora a quantia de € 31.934,16, permanece em dívida o montante de € 40.582,67, que deverá ser pago pela Ré à Autora.
A tal valor acrescem os respectivos juros à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

II. 3. Apreciando.

O recurso incide sobre duas parcelas da indemnização. Por um lado, quanto aos produtos acabados "Espadril Branco", "Espadril Jaune", "Espadril Brique" e "Espadril Jeans", no valor total de € 15.027,44, que à data do furto, já não eram propriedade da autora.
Defende a ré que deve ser absolvida do pagamento deste valor, estruturando a sua discordância no facto de não estar provado que a autora haja sofrido qualquer prejuízo/dano com o furto dos mesmos - prova cujo ónus sobre ela incidia.
Pelo que não se verifica qualquer fundamento legal ou contratual para condenar a ré no pagamento do valor correspondente àqueles produtos, não prevendo a apólice contratada a cobertura de bens propriedade de terceiros - podendo a solução encontrava na decisão recorrida conduzir, mesmo, a um enriquecimento sem causa da autora à sua custa.
E, por outro, quanto à dedução de 10% no valor a receber pela autora, em virtude da inexistência de alarme.
Defende a ré que deve ser efectuada esta redução no valor a receber dado que,
- não vem provado qualquer facto que lhe permita imputar qualquer responsabilidade por "lapso" referente à (in)existência de alarme no local objecto do seguro constante da proposta de seguro apresentada;
- a decisão recorrida partiu do facto não dado como provado (nem, desde logo, alegado ou sequer resultante da prova produzida) - o facto de o mediador AA actuar em representação da ré ou que a Autora disso estivesse convencida - considerou ser de imputar à ré a referência errada na proposta de seguro apresentada para, dessa forma, negar a redução de 10% nos montantes a liquidar.

II. 3.1. Introdução.

Desde já, importa fazer a seguinte referência.
Em sede de recurso da matéria de direito - como é o caso - o apelante deve, desde logo, invocar as normas jurídicas violadas, cfr. artigo 639.°/2 alínea a) CPCivil.
Não o fez aqui a ré, contudo.
O que apesar de constitui fundamento para o endereçar de convite para o fazer, aqui, se não revela, de todo pertinente ou necessário, tendo presente a boa realização da Justiça do caso concreto.
Por um lado, porque se o não fez, à primeira, duvidamos que o pudesse fazer à segunda.
E, decisivamente, porque as razões da sua discordância estão tão inequivocamente direcionadas para pontos específicos, concretos e determinados, que não resta margem para dúvidas sérias, sobre, afinal, quais os fundamentos jurídicos do recurso.
E, assim.
Autora e ré celebraram um contrato de seguro, denominado de Multi-riscos empresas, no que ao caso releva, com cobertura de danos em coisas derivados de furto ou roubo, com o limite de € 90.500,00, mediante o pagamento de uma franquia de 10% pelo tomador do seguro, com o valor mínimo de € 50,00 e abrangia o recheio do armazém - onde existe mercadoria acabada e matéria primas - onde ocorreu um furto, tendo sido subtraídos diversos objectos que se encontravam acondicionados no interior.
Muito embora, o texto da lei não consagre uma definição conceptual do que seja o contrato de seguro, José Vasques, in "Contrato de Seguro", Coimbra Editora, 1999, 94, propõe a seguinte noção: "seguro é o contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de
E, Margarida Lima Rego, in "Contrato de Seguro e Terceiros - Estudo de Direito Civil", Wolters Kluwer e Coimbra Editora, 2010, 66, enuncia o seguinte conceito: "(...) seguro é o contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, suporta um risco económico da outra parte ou de terceiro, obrigando-se a dotar a contraparte ou o terceiro dos meios adequados à supressão ou atenuação de consequências negativas reais ou potenciais da verificação de um determinado facto".
Como refere o Professor Almeida Costa in RLJ, 129.°, 20, "contrato de seguro será a convenção por virtude da qual uma das partes (segurador) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (segurado), a assumir um risco ou conjunto de riscos e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado".
Ou, como se refere no acórdão do STJ de 23.11.2005, consultado no site da dgsi, "o contrato de seguro é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante o pagamento por outrem de determinado prémio, a indemnizá-la ou a terceiro pelos prejuízos causados decorrentes da verificação de certo evento de risco".

II. 3. 2. O significado da expressão "recheio".

II. 3. 2. 1. Enquadramento da questão.

Temos então que, o contrato de seguro é um negócio formal, que tem de ser reduzido a escrito chamando-se apólice ao documento que o consubstancia e dela devendo constar todas as condições estipuladas entre as partes.
Coloca-se aqui a questão da definição do âmbito e alcance da cláusula contratual geral ínsita no aludido contrato - facultativo - celebrado entre as partes e no qual se densificou o conceito correspondente ao sinistro "furto ou roubo", como abrangendo o recheio do armazém.
Importa, pois, definir com precisão o âmbito e o alcance do risco coberto.
E, assim, importa, concretamente, saber se o conceito de recheio, reportado a um armazém, abrange, ou não, apenas bens pertencentes ao segurado, ou, pelo contrário, bens, no que ao caso releva, que, entretanto, já havia vendido a um cliente, que havia pagou metade do preço - mas que este pediu para ali ficarem mais um tempo.
De referir, desde logo, que não existe qualquer cláusula de exclusão da cobertura, que contribua para dilucidar a questão, mormente a excluir bens pertencentes a terceiros.
Há então que interpretar o contrato na busca do seu concreto conteúdo normativo, por forma a fixar o sentido do encontro vinculativo da vontade dos contraentes.
Tarefa, que, no entanto, não pode ser levada a cabo sem ter presente a qualificação jurídica do contrato, na medida em que, conforme veremos infra, contribuirá, decisivamente, para a interpretação da estipulada noção de "recheio".
É questão incontroversa nestes autos que estamos perante um contrato de seguro, cujo objecto é o recheio do estabelecimento comercial, de armazém, tomado de arrendamento pela autora, por risco de furto e roubo.

O contrato de seguro dos autos é regulado pelas estipulações da respectiva apólice e, supletivamente, pelo RJCS, aprovado pelo Decreto Lei 72/2008, de 16/04 e, subsidiariamente, pelas disposições da lei civil.
Dispõe O artigo 1.ª do RJCS que "por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente".
E o artigo 11.° que, "o contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do presente regime, com os limites indicados na presente secção e os decorrentes da lei geral".
Estamos, no caso, perante um seguro de danos inserido no Título II, Capítulo I, Secção I do RJCS, aprovado pelo Decreto Lei 72/2008, que nos termos do artigo 123.°, "pode respeitar a coisas, bens imateriais, créditos e quaisquer outros direitos patrimoniais".
A propósito de seguro de um conjunto de coisas dispõe o artigo 125.°,
que,
"1 - Ocorrendo o sinistro, cabe ao segurado provar que uma coisa perecida ou danificada pertence ao conjunto de coisas objecto do seguro.
2 - No seguro de um conjunto de coisas, e salvo convenção em contrário, o seguro estende-se às coisas das pessoas que vivam com o segurado em economia comum no momento do sinistro, bem como às dos trabalhadores do segurado, desde que por outro motivo não estejam excluídas do conjunto de coisas seguras.
3 - No caso do número anterior, tem direito à prestação o proprietário ou o titular de direitos equiparáveis sobre as coisas".
Através deste novo RJCS foram revogados os artigos 425.° a 462.° do Código Comercial aprovado por Carta de Lei de 28 de Junho de 1888.
À semelhança do que acontecia na vigência do Código Comercial de 1888, este novo diploma legal não forneceu um conceito correspondente à necessária densificação do conceito de recheio, nesta sede e, assim, temos que a regulamentação do seguro de furto/roubo, atenta a previsão geral do seguro de danos, fica circunscrita ao âmbito e menções especiais na apólice.
Nos termos do artigo 45.°/1 RJCS, respeitante ao conteúdo do contrato de seguro: "as condições especiais e particulares não podem modificar a natureza dos riscos cobertos tendo em conta o tipo de seguro celebrado" e O artigo 11.° RJCS dispõe que "o contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do presente regime, com os limites indicados na presente secção e os decorrentes da lei geral".
Nos termos do artigo 99.° RJCS, o sinistro corresponde à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato.
Conforme refere José Engrácia Antunes in Direito dos Contratos Comerciais, Almedina 2019, 706/707: "(...) o âmbito do risco coberto deve ser delimitado relativamente a cada contrato de seguro em concreto pelas próprias partes, constituindo um elemento obrigatório de qualquer apólice de seguro (artigo 37.°/2 alínea d) RJCS): tal implica, quer uma delimitação primária da respectiva "cobertura de base" - mediante a enumeração do conjunto de factos ou circunstâncias cuja ocorrência origina o dever de liquidação do sinistro por parte do segurador, realizada em função do objecto do seguro (v.g., saúde, edifício, automóvel), da causa do sinistro (v.g., morte ou doença, incêndio, acidente), do momento ou local da sua verificação (v.g., território nacional), etc, - quer uma

delimitação secundária ou pela negativa das respectivas "exclusões" e "limitações" - v.g., actos dolosos do segurado, guerra, insurreição, terrorismo, greves, desastres nucleares, artigos 45.° e 46.° da LCS".
O conceito de "risco" encontra-se, portanto, associado à (rigorosa) definição de "sinistro coberto", constituindo este o elemento nuclear e decisivo do tipo legal do contrato de seguro em causa que permitirá em cada situação determinar o âmbito e o alcance da responsabilidade da seguradora perante o segurado.
Como refere Cunha Gonçalves, in Comentário ao Código Comercial Português, II, 565, sinistro, em termos jurídicos: "é um caso fortuito ou de força maior de que resultou a parcial ou total realização do risco garantido pelo segurador ou do dano previsto por ambas as partes no respectivo contrato". E, Margarida Lima Rego, in Contrato de Seguro e Terceiros - Estudo de Direito Civil", 2010, 96: "chamamos "sinistro", precisamente, à verificação de um desses factos previstos no contrato de seguro, que compõem a chamada cobertura-objeto, e cuja verificação determina a obrigação de prestar por parte do segurador".
Risco é, assim, o evento futuro e incerto, normalmente danoso, cuja verificação constitui o sinistro e dá lugar à atribuição patrimonial por parte do segurador.
No seguro de fruto ou roubo, o risco que se segura é o de ocorrência de um desapossamento, sem ou com violência de determinados bens.
Questão que aqui não está em causa.
A controvérsia centra-se no que se deve entender por recheio do local seguro, de forma a ficar abrangido pelo contrato e cobertos os prejuízos causados por esse facto.
Nos termos do direito substantivo civil, RJCS, a apólice deverá conter os riscos contra que se faz o seguro, outrossim, em geral, todas as circunstâncias cujo conhecimento possa interessar o segurador, a par de todas as condições estipuladas entre as partes.
A apólice é, pois, o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, de onde constam as respectivas condições gerais, especiais, se as houver, e particulares acordadas, sendo que o âmbito do contrato, consiste na definição das garantias, riscos cobertos e riscos excluídos.
Na fixação do conteúdo de qualquer negócio jurídico interessa, antes do mais, analisar os termos do acordo que os respectivos outorgantes firmaram ao abrigo da liberdade contratual ditada pelo artigo 405.° CCivil, termos esses que, no contrato de seguro, reiteramos, terão de constar da respectiva apólice, posto que, esta exigência legal de documento, sublinhamos, constitui elemento do contrato, isto é, formalidade ad substantiam, artigo 364.°/1 CCivil, cfr. Moitinho de Almeida in O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, 37 e Menezes Cordeiro in Manual de Direito Comercial, volume, I, 585 e ss.
Assim, da apólice deverão constar o objecto do seguro, os riscos cobertos, a vigência do contrato, a quantia segura e o prémio ajustado, importando, pois, para aferição do conteúdo do contrato, atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos na apólice, havendo igualmente que ter em conta as estipulações negociais que visam delimitar ou excluir certo tipo de riscos, donde, como defende, Romano Martinez, apud, Direito dos Seguros, 91 e ss. e José Vasques, apud, Contrato de Seguro, 355/6, o âmbito deste tipo contratual passa pela definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos.
A concretização dos riscos cobertos resultará de os mesmos serem indicados na apólice, integrada por condições gerais, especiais e particulares, ou de, pelo contrário, se evidenciarem na apólice os riscos excluídos, caso em que se considerarão cobertos todos os restantes.
Porque se trata de um seguro facultativo vigora o princípio da liberdade contratual e, assim, desde que se contenham nos limites legais podem ser introduzidas no contrato quaisquer cláusulas.
O contrato de seguro está abrangido pelo regime das cláusulas contratuais gerais, definido pelo RCCG, aprovado pelo Decreto Lei 466/85.
Esta questão está, inegavelmente, relacionada com os apelidados contratos de adesão. E, como é sabido, contrato de adesão é "aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado", neste sentido, Professor Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, 7.a edição, 262.
Tais contratos contêm, por via de regra, "cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão", neste sentido, Galvão Telles in Direito das Obrigações, 6.a edição, 75.
Os contratos de adesão suprimem a liberdade de negociação, correspondem a necessidades de contratação em massa, estando de um lado, empresas de grande envergadura económica - no caso seguradoras - que assumem riscos, e, do outro lado - consumidores mais ou menos informados.
Neste tipo de contratos existem cláusulas uniformes e também específicas, de harmonia com os interesses dos outorgantes.
É, por vezes difícil, perante um determinado contrato, reconhecer quais as normas que concretamente resultaram de um acordo específico ou têm a natureza de predeterminadas e de pura adesão. No entanto, o artigo 1.°/3 RCCG resolve o impasse, ao dispor que, "o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo".

II. 3. 2. 2. A interpretação.

O contrato de seguro em causa é um contrato de seguro facultativo, por via do qual a seguradora se obriga a pagar determinado capital, no caso de verificação do risco coberto, o furto do recheio do armazém - afinal, o local segurado.
É na transferência do risco que se encontra o elemento unificador do contrato de seguro.
Como sabemos, ainda recentemente o STJ no AUJ 9/2022, se pronunciou sobre questão Similar, ao decidir que, "a cláusula contratual geral inserta em contrato de seguro, mesmo facultativo, em que se define sinistro "incêndios" como "combustão acidental", não cobre, no seu âmbito e alcance, o incêndio causado dolosamente por terceiro, ainda que não seja identificado o seu autor".
Daqui e do acórdão, igualmente do STJ de 25.10.2018, consultado no site da dgsi retiramos as seguintes referências, em termos de interpretação do clausulado.
Estando em causa a interpretação de uma cláusula contratual não pode deixar de se atender às disposições do RCCG, conforme decorre do artigo 3.° do RJCS, que prevê a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre, designadamente, cláusulas contratuais gerais, especiais e particulares.
E, assim, importa considerar que "as cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam", artigo 10.° LCCG.
Mas será de ponderar, complementarmente, o princípio privativo deste tipo de negócios, segundo o qual, na dúvida quanto ao sentido da declaração negocial, deve a mesma ser interpretada "contra stipulatorem", desfavorecendo o autor das condições gerais pré-ordenadas e dirigidas a uma multiplicidade de contratos individuais e beneficiando correspectivamente o aderente - parte mais débil nesta relação - que não teve intervenção participativa na sua genérica concepção, em bloco e em massa.
É o que expressamente resulta do artigo 11.°, que sob a epígrafe de "cláusulas ambíguas", dispõe no seu n.° 1, que "as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição do aderente real" e no n.° 2, que, "na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente", vide, sobre esta matéria, Mota Pinto, in obra citada, 447 a 448.
E, assim, a interpretação das cláusulas contratuais deve obedecer às regras contidas nos artigos 236.° a 238.° CCivil, ex vi artigo 10.° RCCG, acentuando o artigo 11.º que, em caso de dúvida prevalece o sentido mais favorável ao aderente, e compreende-se que assim seja, pois, o aderente não pode ser concebido, nestes casos, como um mero terceiro totalmente alheio à relação contratual entre as partes do contrato de seguro, como resulta, aliás, de várias considerações.
Em primeiro lugar, e ainda que esta não seja a mais importante, porque das próprias declarações do aderente é que resultará também o complexo de riscos assumidos pelo segurador; em segundo lugar, porquanto a própria actuação do segurador desempenha um papel relevante na formação do vínculo com o aderente; finalmente, e sobretudo, do facto de que no seguro de grupo contributivo é o "terceiro" aderente quem assume o dever de pagar, no todo ou em parte, o prémio.
Daqui resulta que na interpretação, nomeadamente, das condições gerais, das respetivas cláusulas, se deverá adoptar a teoria da impressão do destinatário, tendo em conta, como instrumentos interpretativos, a natureza e o objeto do seguro, o teor das suas cláusulas contratuais, o seu contexto, a sua finalidade e o seu efeito útil, sem deixar de considerar que deverá prevalecer o sentido mais favorável ao aderente/segurado.
De resto, a regra da interpretação contra proferentem do artigo 11.° da LCCG corresponde sensivelmente ao artigo 5.° da Directiva 1993/13/CE, de 5 de abril de 1993, aplicável aos contratos de seguro.
Dispõe, então, o artigo 236.°/1 CCivil, consagrando a teoria da impressão do destinatário, que, "a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele".
Segundo o Prof. Vaz Serra in RLJ, 103.°, 287, "(...) a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário, a interpretaria, como o que se procura, num conflito entre o interesse do declarante no sentido que atribuiu a sua declaração e o interesse do declaratário no sentido que podia razoavelmente atribuir-se a esta, dar preferência a este, que se julga merecedor de maior protecção, não só porque era mais fácil ao declarante evitar uma declaração não coincidente com a sua vontade do que ao declaratário aperceber-se da vontade real do declarante, mas também porque assim se defendem melhor os interesses gerais do tráfico ou comércio jurídico. Mostra isto que a interpretação das declarações negociais não se dirige (salvo o caso no n°.2 do artigo 236° do Código Civil) a fixar a um simples facto o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração, mas a fixar o sentido jurídico, normativo da declaração."
Por sua vez, o Professor Manuel de Andrade in Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 309/310, refere que "trata-se daquele sentido com que a declaração seria interpretada por um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário efectivo. Toma-se, portanto este declaratário, nas condições reais em que ele se encontrava, e finge-se depois ser ele uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída, diligente e sagaz, quer no tocante à pesquisa das circunstâncias atendíveis, quer relativamente ao critério a utilizar na apreciação dessas circunstâncias. Por outras palavras: parte-se do princípio de que o declaratário teve conhecimento das circunstâncias que na verdade conheceu, e ainda de todas aquelas outras que uma pessoa razoável, posta na sua situação, teria conhecido; e figura-se também que ele ajuizou dessas circunstâncias, para entender a declaração, tal como teria ajuizado uma pessoa razoável".
Os Professores Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, I, 3.a edição, 223, defendem, igualmente, que "a normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante."
Sobre esta questão da interpretação, de referir que no acórdão da RL de 9.11.2010, consultado no site da dgsi, com o sumário,
"I - O contrato de seguro é um contrato bilateral, de execução continuada, aleatório e de adesão, pelo qual uma das partes se obriga a cobrir um risco e, no caso da sua concretização, a indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos;
II - Na interpretação das suas cláusulas deve seguir-se a doutrina da impressão do destinatário; e, se forem ambíguas, esgotadas todas as hipóteses, prevalece o sentido mais favorável ao segurado, artigo 11.°/2 do Decreto Lei 446/85",
decidiu-se que, muros, de índole essencial para o suporte de terras e segurança do imóvel - é inquestionável que foi a necessidade de segurança do prédio, pelo risco de desmoronamento, que justificou a construção dos muros de contenção e protecção - atenta a sua implantação numa encosta de acentuado declive; donde, natural se vislumbra portanto, para além da integração dos muros no edifício, visto como aquela unidade predial, também a sua participação na cobertura dos riscos assumidos e referentes a ela.
Baixando ao caso concreto.
Estamos perante um conceito, "recheio" extraído da linguagem corrente e comum - se bem que também adoptado na legislação civil, a propósito das atribuições preferências, dispondo o artigo 2103.°-C CCivil que, "para os efeitos do disposto nos artigos anteriores, considera-se recheio o mobiliário e demais objectos ou utensílios destinados ao cómodo, serviço e ornamentação da casa" - "recheio", reportado a "armazém", que importa interpretar.

O cerne da questão reside na interpretação de um determinado conteúdo
- o conceito de "recheio", reportado a um armazém, para efeitos de cobertura de seguro - que não se encontra expressamente vertido, em termos formais, num qualquer texto, nem legal, nem contratual e, que por essa, razão, aqui, importa densificar, para efeitos de definição do sinistro coberto pelo seguro contratado.
E, concretamente, saber se os bens pertencentes a outrem que não ao segurado, que os havia vendido a um terceiro, estão ou não abrangidos na noção de recheio.
Estamos convictos que, para resolver a controvérsia, há que partir, naturalmente, do próprio texto escrito do clausulado - da utilização da expressão "recheio", inserido neste contrato, concreto que cobre o risco de furto do armazém.
Vejamos primeiro o significado da expressão.
Como princípio, há que começar por interpretar as palavras e expressões utilizadas, neste tipo de contrato, no sentido corrente da linguagem do dia a dia, sendo que o sentido corrente de um termo é o do dicionário, cfr. Moitinho de Almeida, "A interpretação e integração das lacunas do contrato de seguro" in "Contrato de seguro (estudos)", 122 a 123. Sobre o recurso ao dicionário de língua portuguesa para descobrir o sentido de certas palavras e expressões, veja-se o Acórdão RL de 27.3.2001 in CJ, II, 88.
Nesta óptica pode definir-se recheio como aquilo que recheia ou enche, tudo o que ocupa, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e Miolo, aquilo que ocupa ou guarnece um espaço, Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora de 2003.
O que traduz uma noção, aqui, estando em causa um armazém, uma absoluta e incontornavelmente dinâmica - em contraponto, já agora, com a mesma noção, se reportada a uma casa de habitação.
Já assim não seria se estivéssemos perante recheio de uma habitação, onde prevalece, ainda assim, a estabilidade.
Aqui, recheio seria a totalidade dos bens ali existentes. Os comuns, móveis, que compõem uma habitação, pertencentes a quem lá vive - mobiliário, eletrodomésticos, loiças, serviços, roupas, decorações, TV e sistema de som e de vídeo.
Porventura acrescido dos especiais, de valor acrescido, que nesta sede, são comummente autonomizados - jóias, materiais preciosos, antiguidades, obras de arte, colecções de moedas.
No entanto, a expressão "recheio", se reportado ao local, armazém, não reúne, em si mesmo, a mesma capacidade de delimitação do direito de propriedade - reportada e restrita ao segurado, locatário do armazém.
Estamos aqui a falar de mobiliário, de máquinas, de equipamentos, de mercadoria, de veículos.
É certo que não estamos perante um interposto comercial. Perante o armazém do ... ou do ....
Atente-se que o armazém poder-se-ia destinar ao depósito de bens e mercadoria - mesmo aos hoje vulgarizados espaços de "box".
O que aumenta o risco e o torna dificilmente, ou mesmo, não quantificável
- independentemente de se ter estipulado um valor limite do capital seguro.

No contrato de seguro celebrado entre as partes o âmbito da cobertura do risco assumido pela ré foi contratualmente delimitado, apenas através de uma descrição das circunstâncias que abstratamente recortam, pela positiva, a cobertura do seguro e, não, pela descrição de quaisquer circunstâncias objetivas excludentes dessa cobertura.
O seguro em causa é um seguro designado de "multirriscos, empresas" e tem como local seguro o armazém da autora.
O que sede logo, na interpretação da expressão "recheio" não pode deixar de ser atendido naturalmente, no sentido de que os riscos cobertos têm em conta essas particulares circunstâncias.
De onde resulta a possibilidade/probabilidade/previsibilidade de no armazém se encontrarem bens e mercadoria que não seja, ainda ou já, propriedade da segurada.
Quer pertençam ao segurado, quer hajam já sido vendidos a um cliente - e, da mesma forma, estivessem em vias de ser adquiridos a um fornecedor, já agora.
Afinal os destinados e inseridos no âmbito da actividade da segurada, para a qual tomou o armazém de arrendamento e, sentiu necessidade de transferir o risco de furto e roubo.
O que dita a experiência comum de vida é que quem celebra um seguro de furto e roubo relativo ao recheio do armazém que tomou de arrendamento, para o exercício da sua actividade, visa acautelar a eventualidade da totalidade dos bens e mercadoras que ali se possam encontrar, inseridas no âmbito, originadas e destinadas ao exercício da sua actividade.
Como se afirmou na decisão recorrida, ainda que bens à guarda não seja similar à expressão "recheio, invocando a seu favor o decidido no acórdão da RL de 14.3.2017 - que, contudo, versava uma situação substancialmente, diversa, pois que se se tratava, é certo, de um seguro multi-risco com cobertura de furto ou roubo, tinha como objecto o conteúdo de um stand de motas e de uma oficina, ambas do tomador do seguro/segurado, estipulando-se que os bens à guarda (motas dos clientes) podiam estar em qualquer um dos locais de risco, abrange todas as motas de terceiro que se encontrem legitimamente no local seguro consideradas como integrando o património do tomador do seguro/segurado, independentemente da propriedade dos mesmos.
Se bem que ao caso não reporta directamente, pois que expressamente abrangia a cobertura de bens à guarda (motas dos clientes).
Isto é, estava expressamente prevista a cobertura de património de um terceiro. Como acontece, no vulgar seguro de furto de garagistas, de quem exerce esta actividade, de forma profissional, num local a destinado a aparcamento, ou reparação de veículos.
Mas diz a ré, quer na contestação - questão que não foi abordada na decisão recorrida - quer nesta sede, que assim se decidindo, a autora pode vir a enriquecer à sua custa.

II. 3. 2. 3. A integração.

Se entendermos estar perante um contrato a favor de terceiro, o que vem de ser dito terá perfeito e acabado cabimento,
Doutra forma, a solução terá que ser diversa.
E, cremos que aqui carece de fundamento a decisão recorrida, sendo pertinente a observação feita pela ré, que traduz o verdadeiro enquadramento da matriz do contrato aqui em causa.
Dispõe O artigo 406.°/2 CCivil que, "em relação a terceiro, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei".
A este propósito, refere-se no acórdão deste tribunal de 14.3.2013, consultado no site da dgsi, que "por oposição aos direitos absolutos ou subjectivos que já são dotados de eficácia erga omnes. A natureza relativa das obrigações prende-se com o seu aspecto estrutural e significa que os contratos apenas produzem efeitos entre as partes, que apenas o credor tem o direito de exigir do devedor o cumprimento da obrigação e que o devedor só está vinculado a esse cumprimento perante o credor - "res inter alios acta nec nocet nec prodest".
A consequência lógica da relatividade da obngaçao é a de que o devedor só responde pelas consequências do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso da prestação causadas ao credor e só este lhe pode exigir a reparação das consequências danosas.
A nossa ordem jurídica prevê, no entanto, várias excepções ao princípio da relatividade dos contratos.
Desde logo, a principal excepção é, no entanto, constituída pela figura dos contratos a favor de terceiro. O contrato a favor de terceiro é aquele em que uma das partes assume perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio, o qual adquire direito à prestação, independentemente de aceitação, artigos 443.° e 444.° CCivil.
Como escreveu Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 5a edição, Almedina, 279, neste tipo de contratos "o que se exige é que o promitente e o promissário actuem com intenção de o contrato produzir os efeitos de uma atribuição imediata, e não apenas reflexa, relativamente ao terceiro". No contrato a favor de terceiro, portanto, as partes estipulam um efeito positivo para um terceiro e este pode invocar directamente essa estipulação, cujos efeitos se produzem de imediato na sua esfera jurídica."
Esta questão tem particular acuidade no âmbito dos contratos de seguro facultativo de responsabilidade civil, já que por norma nos que são obrigatórios a possibilidade de o lesado demandar directamente a seguradora resulta da própria lei, do que são exemplo os seguros obrigatórios de responsabilidade civil automóvel ou de acidentes de trabalho.
Atente-se que hoje, está expressamente consagrado no RJCS o princípio da relatividade dos contratos, ao consagrar, que, por via de regra, o terceiro não pode exigir a indemnização do segurador.
Só o pode fazer em duas situações, previstas no artigo 140.°,
- quando o contrato de seguro assim o preveja, n.° 2 e,
- quando o segurado tenha informado o lesado da existência do seguro "com o consequente início de negociações directas entre este e o segurador", n.° 3.
Como é sabido, no contrato a favor de terceiro o tomador não contrata em nome próprio, mas no interesse de terceiro, que adquire um imediato direito de crédito em relação à seguradora por mero efeito do contrato.
A propósito da noção de contrato a favor de terceiro, dispõe o n.° 1 do artigo 443.° CCivil que "por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se "promitente" a parte que assume a obrigação e "promissário" o contraente a quem a promessa é feita".
Segundo o acórdão deste Tribunal de 8.3.2019, consultado no site da dgsi, "caracteriza este normativo legal a figura do "contrato a favor de terceiro" definido como aquele em que um dos contraentes (o promissário) obtém do outro (o promitente) a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro estranho ao negócio (o destinatário).
Neste enquadramento jurídico-positivo é relevante o facto de o promissário agir em nome próprio e também a circunstância de o terceiro não ser um simples destinatário da prestação, pois que adquire um direito de crédito autónomo. Distingue-se dos falsos ou impróprios contratos a favor de terceiro na consideração de que com estes visa-se apenas dar ao promissário o direito de exigir que o promitente faça a prestação a terceiro sem que o terceiro beneficiário adquira crédito algum, podendo apenas receber a prestação.
Essencial ao contrato a favor de terceiro, como figura típica autónoma, é que os contraentes procedam com intenção de atribuir, através dele, um direito (de crédito ou real) a terceiro ou que dele resulte, pelo menos, uma atribuição patrimonial imediata para o beneficiário, efr Antunes Varela, Obrigações, II, 375
E o beneficiário fica investido no direito por força do contrato, sem necessidade de manifestar a sua vontade no sentido de o aceitar - é uma aquisição automática, ipso jure, cfr. Galvão Telles, Obrigações, 99".
Cremos, contudo, resultar, indubitável que o contrato com a cobertura do risco furto, abrangendo o recheio do armazém tomado de arrendamento pela autora, não pode ser qualificado como um contrato a favor de terceiro, na noção supra enunciada, onde se inserem os seguros de responsabilidade civil, de acidentes de trabalho, de vida, do garagista, como os mais frequentes e emblemáticos.
Não há aqui qualquer terceiro beneficiário da obrigação assumida pela ré, o que, permitiria, de resto, o direito de acção directa contra esta.
E, o que teria a virtualidade de obviar à aludida possibilidade - aventada pela ré - de enriquecimento por parte do tomador do seguro á sua custa.
O que seria susceptível de ocorrer, se a autora fosse indemnizada pelo prejuízo tido pelo cliente - estranho ao contrato - a quem já havia vendido a mercadoria, quando afinal não estava obrigado à sua entrega - fosse qual fosse a fonte da obrigação, vg. o contrato de compra e venda, ou o mais próximo, de depósito - já que a perda sem culpa da detenção, justifica, desde logo, a extinção da mencionada obrigação, nos termos gerais, por impossibilidade do cumprimento por causa não imputável ao devedor, artigo 790.°/1 CCivil, cfr, acórdão do STJ de 18.4.2006, consultado no site da dgsi.
E, assim, decisivamente, atendendo à natureza e ao objeto do contrato de seguro, ao teor das suas cláusulas contratuais, ao seu contexto, à sua finalidade e ao seu efeito útil, cremos poder concluir - afinal como um declaratário normal - que, no contexto do contrato, conjugando a aludida cláusula, a expressão "recheio" - reportada a um estabelecimento comercial, a um armazém, tomado de arrendamento, pela autora - ínsita na definição do âmbito do risco de furto e roubo, só pode ser interpretada no sentido de que o contrato de seguro não cobre aquele risco, em relação aos bens que lá se encontrem, que sejam objecto do furto ou roubo, mas que não pertençam já ao tomador do seguro, ao segurado.
Da leitura conjugada da definição dos riscos cobertos pelo seguro, pela positiva, sem contraponto na negativa, para um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, resulta que recheio de um armazém - no âmbito de um contrato que não reveste a natureza de contrato a favor de terceiro - não abrange o que ali se encontre e, que o tomador do seguro/segurado já vendera.
Esta será a perspectiva de um declaratário médio, não jurista, mas com um grau de compreensibilidade razoável, minimamente informado, sagaz e diligente, que atendeu efectivamente ao teor da cláusula antes da verificação do sinistro, traduzida naquilo que a expressão "recheio", reportada a um armazém, vulgar e comummente, transmite e representa: o seu conteúdo, pertencente ao tomador/segurado, em dado momento, resultante da dinâmica das relações comerciais, que o segurado mantém no desenrolar quotidiano da sua actividade.
É esse conteúdo, que faz sentido e assume inteira utilidade, cobrir na contratação do seguro do ramo furto/roubo.
Nem se diga, que o apontado regime especial respeitante às denominadas "cláusulas ambíguas", não servirá para que o consumidor que não se preocupou com o alcance da definição do conceito do sinistro-incêndio no momento em que adere à proposta contratual, não se esforçando minimamente por o entender, ou nem querendo sequer saber disso.
Ou, que aqui não invoca sequer o incumprimento dos deveres de comunicação e informação a cargo da seguradora, nos termos dos artigos 5.° e 6.° RCCG.
E, que agora possa oportunisticamente procurar, uma vez verificado o sinistro, aproveitar-se então de uma pretensa dúvida sua - que verdadeiramente nunca sentiu nem alimentou - para sustentar a sua pessoal interpretação do termo recheio como incluindo bens que não lhe pertencem, assim logrando obter, em seu favor, uma cobertura que em rigor não foi contratualizada aquando da celebração do seguro e beneficiar, gratuitamente, de uma situação de agravamento objectivo do risco com que a seguradora não podia obviamente contar.
Resultado este, que afectaria indiscutivelmente o equilíbrio entre as prestações sinalagmaticamente firmadas entre a seguradora e o segurado.
O que em nada contende com o facto de que, no caso, foi contratualmente, fixado um plafond, um limite máximo para o valor da cobertura, do risco assumido pela seguradora. E, com base nele foi fixado o prémio a pagar pelo segurado.
Improcede, assim, este segmento do recurso.
II. 3. 3. A relação mediador/segurador.
Defende a ré que deve ser aplicada a redução de 10% no valor a receber pela autora, pois que não há elementos nos autos, que permitam apurar em que qualidade agiu o mediador e, nessa medida, se qualquer "lapso" nas informações inexactas transmitidas com a apresentação da proposta de seguro lhe pode ser imputado a ela.
Discordando que, sem mais, tal lapso apenas a ela possa ser imputado, até porque, a apresentação de uma proposta de seguro cabe ao segurado, sendo este responsável nos termos da lei e do próprio contrato celebrado entre as partes, por qualquer inexatidão constante da mesma e, no caso, resulta dos autos que a falta de alarme teve influência no assalto ocorrido uma vez que com tal sistema de segurança, o volume de bens furtados seria manifestamente inferior.

II. 3. 3.1. O "lapso" na informação/declaração inexacta.

O contrato de seguro, aqui ajuizado, foi celebrado com a intervenção de um mediador de seguros na vigência do RJCS, dispondo o artigo 28.° que "sem prejuízo da aplicação das regras contidas no presente regime, ao contrato de seguro celebrado com a intervenção de um mediador de seguros é aplicável o regime de acesso e de exercício da actividade de mediação se seguros".
O RJMS (Regime Jurídico de Mediação de Seguros) consta do Decreto Lei 144/2006, de 31 de julho, prevendo o seu artigo 5o, alínea c), que no âmbito desse regime se deve entender por mediação de seguros "qualquer actividade que consista em apresentar ou propor um contrato de seguro ou praticar outro acto preparatório da sua celebração, em celebrar o contrato de seguro, ou em apoiar a gestão e execução desse contrato, em especial em caso de sinistro".
Esta actividade tanto pode ser exercida por pessoas singulares ou colectivas em nome e por conta da empresa de seguros, como é o caso do "mediador de seguros ligado" e/ou do "agente de seguros", como de forma independente, como é o caso do "corrector de seguros" - cfr. alíneas a), b) e c) do artigo 8.°.
Vejamos, agora, o que de pertinente sobre a matéria da representação, dispõe o RJCS, aprovado pelo Decreto Lei 72/08 de 16/04:
- artigo 2.° "Regimes especiais":
"As normas estabelecidas no presente regime aplicam -se aos contratos de seguro com regimes especiais constantes de outros diplomas, desde que não sejam incompatíveis com esses regimes";
- artigo 30.° "Representação aparente":
"1.0 contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado, sem prejuízo do disposto no n.° 3.
2. Considera-se o contrato de seguro ratificado se o segurador, logo que tenha conhecimento da sua celebração e do conteúdo do mesmo, não manifestar ao tomador do seguro de boa fé, no prazo de cinco dias a contar daquele conhecimento, a respectiva oposição.
3. O contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é eficaz em relação a este se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro";
- artigo 31.° "Comunicações através de mediador de seguros":
"1 -(...);
2. Quando o mediador de seguros actue em nome e com poderes de representação do segurador, os mesmos actos realizados pelo tomador do seguro, ou a ele dirigidos pelo mediador, produzem efeitos relativamente ao segurador como se fossem por si ou perante si directamente realizado".
Deste quadro normativo resulta que a celebração do contrato de seguro através de mediador tem regimes e consequências jurídicas diferentes consoante o mediador tenha ou não poderes específicos ou poderes de representação para o efeito.
No caso, de facto, como se assume na decisão recorrida, não vem provado, nem sequer fora alegado, que o mediador AA actuava em representação da ré.
Mediante a outorga de uma procuração, cfr. artigo 262.° CCivil. E, então numa conclusão apressada poder-se-ia defender, desde logo, que ... não havia, sequer, contrato de seguro.
A propósito desta representação, vamos seguir, mesmo com transcrição, porque não diríamos nem mais nem melhor, o acórdão do STJ de 1.4.2014, consultado no site da dgsi "a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que essa representação deve ser considerada, mesmo no caso de inexistência de uma procuração.
Seguiremos, doravante, de perto, e por vezes integralmente, o parecer constante dos autos, da autoria do Professor Pedro Romano, por nas suas linhas mestras se nos afigurar a correcta doutrina.
Em primeiro lugar, na situação de ausência de procuração, pode entender-se ocorrer uma representação implícita, resultante da relação existente entre os dois sujeitos.
Ou, que é possível configurar uma relação que se pode designar por «representação tolerada».
Nesta, um sujeito (segurador) admite, repetidamente, que outrem (mediador) pratique actos como seu representante.
Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2005, 103, entende que, na representação tolerada, não há procuração nem os poderes de representação resultam, directamente, de um dado contrato (p. ex., contrato de trabalho, art.° 111.°, n.° 3, do Código do Trabalho), pois trata-se «apenas de um esquema de tutela, por força da confiança, imputada ao "representado", suscitada pela conduta do "representante"»; mas Mota Pinto in Teoria Geral de Direito Civil, 4.ª ed. revista por Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, 551, entende que se «o representado tolera a conduta, dele conhecida, do representante, e essa tolerância, segundo a boa-fé e considerando os usos do tráfico, pode ser interpretada pela contraparte no negócio no sentido de que o representante recebeu procuração do representado para agir por ele», então foram conferidos poderes de representação".
(...)
No caso de representação aparente, segundo Mota Pinto in Teoria Geral de Direito Civil, cit, 551, "o representado não conhecia a conduta do representante, mas com o devido cuidado teria podido conhecer e impedir», por outro lado, «a contraparte podia de acordo com a boa-fé compreender a conduta do representante no sentido de que ela não poderia ter ficado escondida do representado com a diligência devida, e que este, portanto, a tolera". A este propósito, Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, cit, 103 e 106, explica que a procuração aparente assenta num dado objectivo (alguém actua como representante) e num dado subjectivo (negligência do "representado"), esclarecendo que tem particular relevo no domínio do Direito comercial, justificada na tutela do dano de confiança do terceiro de boa-fé.
Em caso de representação aparente, ainda que se entenda que o acto não produz efeitos na esfera jurídica do representado (segurador), este seria, sempre, responsável, perante o terceiro lesado (tomador do seguro), pelo acto do representante aparente (mediador).
Neste ponto, há uma diferença entre o Direito civil e o Direito comercial; enquanto no primeiro a representação aparente, por via de regra, não terá o efeito da efectiva representação, só implicando responsabilidade civil, no Direito comercial é normal equipararem-se os efeitos da representação aparente aos da representação efectiva.
Na medida em que o contrato de seguro, assim como a mediação de seguros integram o elenco das relações comerciais, estão sujeitos ao regime de Direito comercial.
A representação aparente tem, pois, particular relevo no Direito comercial, mormente nos negócios de distribuição comercial, como o de mediação de seguros.
O mediador de seguros, ainda que designado agente, não está sujeito ao regime do contrato de agência, sendo distinta a mediação de seguros da agência, como a jurisprudência tem assinalado, cfr. ac. STJ de 18.12.07, proc. 07A4305 e ac. Rei. Lisboa de 22.5.2007, proc. 297/2007-7, ambos in www.dgsi.pt).
No contrato de agência, estabelece-se que, artigo 23 ° do Decreto Lei 178/86, de 3 de Julho), havendo aparência de representação, o negócio é eficaz perante o representado (principal). Está em causa a necessidade de tutelar a legítima confiança de terceiros, solução a que também se poderia chegar, em sede geral, pelo recurso ao instituto do abuso de direito.
Pelo contrário, no regime jurídico da mediação de seguros, cfr. Decreto Lei 388/91, de 10 de Outubro, não consta regra similar a essa.
Ainda assim, é opinião generalizada que várias regras do regime de agência - entre as quais a norma que prescreve o regime da representação aparente - se aplicam a outros contratos de distribuição comercial. Mota Pinto, in obra e local citado, afirma expressamente: "Tal solução é de alargar, pelo menos, a todos os casos em que a representação se verifica no quadro de contratos de cooperação ou de colaboração, no domínio comercial. De igual modo. Pinto Monteiro in Contrato de Agência. Anotação ao Decreto Lei 178/86, 5.a ed. Almedina, Coimbra, 2004, 108. e ss., escreve: "a solução consagrada por esta norma será de alargar a todos os contratos de cooperação ou de colaboração - como decidiu o já citado Acórdão da Relação do Porto de 6 de Outubro de 1992, in CJ, IV, 250 - ou, até, aos contratos de gestão em geral (na linha do também já citado Acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Outubro de 1993, in CJ, IV, 135)".
Este entendimento veio a ter consagração na nova regulamentação da mediação de seguros, cfr. Decreto Lei 144/2006 de 31 de Julho, onde se prescreve, artigo 30.°/3, um regime de responsabilização do segurador, em caso de representação aparente, similar ao constante do diploma regulamentador do contrato de agência.
Apesar de este diploma se não aplicar ao caso vertente, sendo a mediação de seguros um contrato de distribuição comercial e, tendo ambas as disposições por fundamento a tutela da confiança, justifica-se aplicar-se aqui o regime da representação aparente, previsto no artigo 23.° do Decreto Lei 178/86, ou, o que é o mesmo, os princípios gerais da boa-fé contratual e da tutela da confiança.
A representação aparente assenta na verificação de determinados pressupostos.
Adaptando o disposto no artigo 23.° do regime da agência à mediação de seguros, dir- se-á que haverá representação aparente se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, a justificar a confiança do tomador de boa-fé, na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar essa confiança do tomador.
(...)
Há divergência jurisprudencial quanto à responsabilidade do segurador por informações prestadas pelo mediador, divergência que radica em dois tipos de fundamento (v. Acs. da Relação de Coimbra de 23.03.2004 e de 31.05.2005 in respectivamente CJ, II, 22 e III, 5 e decisões citadas por José Vasques in Novo Regime Jurídico da Mediação de Seguros, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, nota 263, 78 e 79.
"Por vezes, entende-se que a responsabilidade do segurador por informações erradas do mediador está associada à outorga de poderes de representação; mas este argumento, sendo válido para concluir pela existência de responsabilidade civil, não parece que, por si, seja suficiente para excluir o dever de indemnizar. De facto, ainda que o mediador não tenha poderes de representação do segurador, este pode ser responsável pelas informações prestadas por aquele, nomeadamente se o segurador utiliza o mediador para o cumprimento das suas obrigações relativamente ao tomador, artigo 800.°/1 CCivil, isto é, se transferiu para o mediador o dever de prestar certas informações contratuais. É conveniente ter em conta que o citado artigo 800.° CCivil não circunscreve esta situação de responsabilidade objectiva à representação, admitindo-a também em meros casos de auxílio no cumprimento de obrigações, sem poderes de representação.
Por outro lado, como a responsabilidade do segurador por informações prestadas pelo mediador assenta na tutela do terceiro (tomador do seguro), que confiou no sujeito com quem contactou, está em causa uma especial tutela da confiança, que nem sempre se justifica em todos os casos de actuação de mediadores.
Na questão em apreço é este o aspecto de particular relevo. Independentemente de o segurador ter conferido ao mediador poderes de representação, tendo em conta a relação existente entre segurador e mediador, por um lado, e o relacionamento entre tomador do seguro e mediador, por outro, a tutela da confiança do terceiro lesado (tomador) determina a responsabilização do segurador pelas informações incorrectas prestadas pelo mediador".
Não é legítimo inferir daqui que os seguradores são sempre responsáveis pelas informações incorrectas prestadas pelos mediadores.
Tal responsabilidade só se justificará se decorrer da necessidade da especial tutela de confiança do tomador do seguro, relacionada com a situação concreta e de um comportamento negligente do segurador.
(...)
A responsabilidade do segurador por actos do mediador, independentemente de haver ou não outorga de poderes de representação, baseada no dano de confiança encontra-se sustentada em recentes decisões jurisprudenciais e na doutrina.
No Acórdão da Relação de Coimbra de 14 de Dezembro de 2006 in CJ, V, 113, considerou-se o segurador responsável pelo dano de confiança por o seu colaborador (mediador de seguros não exclusivo) não ter entregado a proposta de seguro recebida de um cliente. Neste caso, apesar de o segurador não ter conferido poderes de representação ao mediador de seguros e de este, por isso, não poder contratar em nome daquele, tendo em conta os princípios da boa-fé e da tutela de terceiros, considerou-se o segurador responsável, porquanto o mediador se apresentava como seu representante (embora não o sendo), tendo nisso o tomador do seguro confiado.
Também no acórdão da Relação de Lisboa, de 9.02.2012, proferido no processo n.° 960/07.0YXLSB.L1-2, inserto em www.dgsi.pt. depois de se entender que "por forma não exactamente expressa, a seguradora adoptou uma postura que se terá de interpretar como a assunção entre ela e a agente de seguros de uma relação de representação, em que esta actuava em nome e por conta dela" se defendeu:
'"Como escreveu Baptista Machado, o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Por isso. «toda a conduta, todo o agir ou interagir comunicativo, além de carrear uma pretensão de verdade ou de autenticidade (de fidelidade à própria identidade pessoal) desperta nos outros expectativas quanto à futura conduta do agente» e «todo o agir comunicativo implica uma autovinculação (uma exigência de fidelidade à pretensão que lhe é inerente), na medida em que desperta nos outros determinadas expectativas quanto a uma conduta futura", cfr. RLJ, 117/233.
(...)
Na doutrina, esta posição encontra detalhado apoio em Menezes Cordeiro, in obra citada, 409 e ss. Como o autor refere, a confiança das pessoas é protegida desde o Direito romano e, no Direito português, além de disposições legais específicas, vg. Artigos 266.° e 291.° CCivil, há tutela da confiança em institutos gerais. Nomeadamente, a protecção da confiança encontra tutela na boa-fé. Basta que haja uma situação de confiança - justificada e em que alguém investiu - e a imputação a outrem dessa situação de confiança. Havendo tutela da confiança responsabiliza-se aquele a quem se imputa essa situação".
No mesmo sentido, cfr. o acórdão do STJ de 24.11.2020 - invocado na decisão recorrida - disponível in www.dgsi.pt, a traduzir jurisprudência uniforme e sem brechas, onde se refere, que "fora, além da existência de poderes de representação, constatada por escrito, existem situações em que as relações entre a seguradora e a mediadora conduzem à asserção de que aquela admitiu que esta praticasse actos como sua representante, criando confiança na tomadora do seguro o que faz subsumir a situação na representação aparente contemplada no n.º 3 do artigo 30.° RJCS".

No caso verificam-se os pressupostos de que depende a aplicação deste regime.
A autora confiou legitimamente na actuação do mediador e o segurador não podia desconhecer o modo de actuação deste mediador e pactuou com a situação, com a declaração inserta inexacta, aceitando-a como sendo uma declaração negocial do segurado.
A autora procurou aquele, profissional, aquele mediador, para celebrar o contrato de seguro.
A autora declarou, informou o mediador que o local não estava dotado de alarme.
Foi o mediador que, fez constar o contrário.
A autora confiou, legitimamente, que o que tinha declarado, a propósito da falta de alarme, no momento da celebração do contrato, seria, naturalmente, o que ficara clausulado, que passaria a constar e a vigorar e, que vincularia as partes contratantes.
A autora encontrava-se convicta que, ao lidar com o mediador, celebrava o negócio diretamente com a seguradora.
A autora não pode ser prejudicada pelo erro feito constar pelo mediador.
Afirmar que não tinha alarme, desde logo, é comummente entendido como circunstância que a não beneficiaria. E, não obstante, foi o que declarou, cumprindo com o dever de esclarecimento e de verdade que sobre si recaía - naturalmente disposta a aceitar as consequências, contratualmente previstas, para tal facto.
Nenhum fundamento teria, para acreditar, para supor, sequer, que tal pudesse não acontecer.
E, assim, ficou convencido de que o declarou seria o que ficaria a constar das condições particulares - o pressuposto de não ter alarme instalado.
Nada permite concluir, sugerir, sequer, o contrário.
A seguradora, tendo em conta a relação com o mediador e o facto de ter emitido a respectiva apólice de seguro - e a factura relativa ao prémio - imputa-se a mencionada situação de confiança, sendo, por isso, responsável.
Com este fundamento se entende, que o contrato de seguro celebrado entre a autora e a ré tem de se considerar com o clausulado tal como declarado pelo segurado.
Concluindo, os actos jurídicos praticados pelo mediador são eficazes perante a seguradora, mesmo que não tivessem sido conferidos poderes de representação, por se estar perante uma situação óbvia de representação aparente, não pode ser invocada pela seguradora perante o segurado, em prejuízo deste, o facto de o mediador, contrariando o que disse o segurado, ter feito consignar uma declaração inexacta, traduzida no facto de ter declarado que existia alarme.
Nesta medida, este "lapso" - como a ré qualifica - nas informações inexactas transmitidas com a apresentação da proposta de seguro, praticado pelo mediador, terá que se repercutir na esfera jurídica da seguradora e, não pode ser imputado, nem reflectido na do segurado.
É óbvio e vem provado, de resto, que a falta de alarme assume influência na dimensão do sinistro, no volume, no valor do dano, mas tal circunstância tem que ser assumida pela ré, por via da actuação do mediador, na origem de quem esteve a apontada declaração inexacta.
Do regime legal aplicável à situação em análise, decorre que o erro na declaração da autoria do mediador vincula o segurador.
a seguradora acreditou numa «história» contada pelo mediador quanto à existência de alarme instalado.
A seguradora confiou que tal correspondia ao que fora declarado pelo segurado.
Assim, nos termos legais, para que a representação aparente se verifique é necessário que existam razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.
Nenhumas razões se vislumbram para não considerar o segurado, como estando de boa fé, sendo perfeitamente admissível e razoável, em face da materialidade provada, que estivesse plenamente convencido que ao declarar, aquando da entrega da proposta ao mediador, que não tinha alarme, estava a assumir que tal era a verdade dos factos e, que seria plasmada e, assim, ficaria validamente, para o bem e para o mal, assumida na execução do contrato - até ser alterada, uma vez que declarou, também, que pensava no futuro instalar o sistema de segurança.
O que no quadro supra delineado, de resto, se veio, a confirmar, ainda que a posteriori, pela atitude da ré, a deixar transparecer, de forma assaz inequívoca a confiança do segurado de boa fé na legitimidade do mediador de seguros
Se isto é assim, no caso concreto haverá, ainda, outra circunstância a impedir que a pretensão da ré possa ser acolhida.
Com efeito, todas as circunstâncias apuradas inerentes às diversas etapas, à preparação, formalização e execução do contrato, são de molde a considerar- se, numa avaliação objectiva, a boa fé da autora e a fundada confiança depositada sobre a legitimidade do mediador de seguro, tendo a ré contribuído, decisiva e inegavelmente para gerar essa confiança.
Nestas circunstâncias específicas, impera a tutela da confiança com a protecção do segurado.
Com efeito.
Apenas, depois da ocorrência do sinistro vem a seguradora tentar tirar partido da apontada declaração inexacta. É o momento em que surge a oportunidade de esmiuçar as apólices, as condições gerais e particulares e procurarem, uns ver o que está incluído e previsto e, outros o que está excluído e não previsto.
Mas o que não pode é a ré vir, neste momento, pretender discutir se o mediador tinha poderes de representação para celebrar o contrato de seguro com a autora.
Esta posição é absolutamente contrária ao comportamento da ré, que terá emitido a apólice, aceite o pagamento do prémio, pela celebração do contrato em JUN, que aceitou a participação do sinistro, ocorrido em NOV, que procedeu a averiguações que culminaram na assunção da transferência do risco, com o pagamento do que entendeu estar coberto sem que suscitasse a questão da falta de representatividade do mediador.
E, este foi o comportamento da ré, porventura por ter entendido ser caso de representação aparente, conforme o citado n.° 3 do artigo 30.° RJCS, "o contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é eficaz em relação a este se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro".
O que conduz à responsabilização da seguradora.
A questão só surge, porque afinal, se pretende escusar a ver aplicada a redução de 10% no valor do dano, isto porque, contrariamente ao declarado pela autora, o mediador fez constar que existia sistema de alarme.
Vir agora nestas circunstâncias pretender ver aplicada a dita redução com o argumento de que não há elementos nos autos, que permitam apurar em que qualidade agiu o mediador e, nessa medida, se qualquer "lapso" nas informações inexactas transmitidas com a apresentação da proposta de seguro lhe pode ser imputado, resulta numa inequívoca e incontornável situação de abuso de direito, por parte da ré.
Dispõe o artigo 334.° CCivil que "é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".
Daqui decorre a proibição do venire contra factum proprium, ou teoria dos actos próprios, que visa proteger a parte contra aquele que deseja exercer um status jurídico em contradição com um comportamento assumido anteriormente.
A locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento, por si, assumido anteriormente.
E, assim, também, com este fundamento, sempre soçobraria o recurso.

II. 3. 3. 2. Consequências práticas do apontado "lapso".

Resta ainda a questão atinente com a discordância da ré com o entendimento de que aquele "lapso" apenas a ela possa ser imputado, até porque, a apresentação de uma proposta de seguro cabe ao segurado, sendo este responsável nos termos da lei e do próprio contrato celebrado entre as partes, por qualquer inexatidão constante da mesma - sendo certo, que no caso, resulta que a falta de alarme teve influência no assalto ocorrido uma vez que com tal sistema de segurança, o volume de bens furtados seria manifestamente inferior.
Como vimos, no caso a menção da existência de um sistema de segurança implica uma redução do prémio em 10% e, em caso de informação errada, por dolo ou negligência, do tomador do seguro, a redução do prémio é devida, sendo, ao valor da indemnização, reduzido nos mesmos pontos percentuais da bonificação do prémio - cfr. cláusulas 16.°/1 6 e 19.°/4 alínea a).
E, como vimos a autora disse que não tinha, mas que ia instalar e o mediador fez constar que tinha.
Isto na proposta apresentada pela própria autora - o que aqui assume carácter absolutamente decisivo.
Na decisão recorrida entendeu-se que não podia ser imputada à autora qualquer dolo ou negligência na prestação das informações erradas, pois que indicou correctamente que as instalações em causa não dispunham de sistema de segurança, tendo sido o mediador que, erroneamente, colocou informação diversa.
Atente-se - se bem que aqui não releva, de todo - que ao fim de 3 meses ainda não estava instalado.
Como vimos, "contrato de seguro é o contrato pelo qual o segurador, em troca do pagamento de uma soma em dinheiro (prémio) por parte do contratante (segurado), se obriga a manter indemne o segurado dos prejuízos que podem derivar de determinados sinistros (ou casos fortuitos), ou ainda a pagar (ao segurado ou a terceiro), uma soma em dinheiro conforme a duração ou os eventos de vida de uma ou várias pessoas", cfr. Francisco Guerra da Mota in O Contrato de Seguro Terrestre, vol. I, 271.
O contrato de seguro compreende, portanto, duas prestações: a da seguradora, de conteúdo complexo, consistente na assunção do risco e na obrigação de pagar um determinado capital se esse sinistro se verificar; e a do segurado, consistente na obrigação de pagamento do prémio.
Trata-se de um contrato, comercial, pelo menos quanto à seguradora, formal, bilateral ou sinalagmático, pois dele resultam obrigações para ambas as partes, verificando-se um nexo de reciprocidade ou interdependência entre elas, oneroso, visto cada parte prosseguir uma vantagem pessoal que é contrapartida daquela que confere à outra, aleatório: o segurador não sabe se terá ou não de efectuar a prestação ou se há certeza de prestação, quando se efectuará, não havendo, porém, incerteza na prestação do segurado, de execução continuada e de adesão.
Estamos, então, em sede de um contrato de natureza bilateral, de execução continuada, aleatório e de adesão, cfr. acórdão deste Tribunal de 15.3.1999 in CJ.
Sendo, ainda, "uma das características essenciais do contrato de seguro é ser um contrato de boa fé. Com efeito, se, na generalidade dos contratos, a boa fé é um elemento extremamente importante, no contrato de seguro, a boa fé é uma característica basilar ou determinante, uma vez que a empresa de seguros aceita ou rejeita um dado contrato de seguro com um eventual tomador de seguros e determina o valor do prémio de seguro que este deverá pagar com base nas declarações por ele prestadas.
Esta característica não visa reforçar a necessidade das partes actuarem, tanto nos preliminares, como na formação do contrato, de boa fé, artigo 227.°/1, 1.ª parte CCivil, mas sim realçar a necessidade de o tomador de seguro (e o segurado) actuar com absoluta lealdade, uma vez que a empresa de seguros não controla a veracidade destas no momento da subscrição.
Ao celebrar um contrato é obrigação do segurado não prestar declarações inexactas, assim como não omitir qualquer facto ou circunstância que possam influir na existência ou condições do contrato".
Com efeito, "sobre o segurado recai o ónus de não encobrir qualquer facto que possa contribuir para a apreciação do risco por parte da seguradora e se o fizer, tendo conhecimento de tais factos que de alguma maneira possam influir sobre a formação do contrato e as condições do mesmo, perde o direito à contraprestação da seguradora".

No mesmo sentido, refere Moitinho de Almeida que "sobre o segurado recai o dever de declaração do risco, pois, se não completar a declaração realizada por quem fez o seguro, tendo conhecimento de factos ou circunstâncias que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, perde o direito à prestação do segurador".
É efectivamente obrigação do segurado não omitir quaisquer factos ou circunstâncias que se possam considerar decisivos para a apreciação do risco que a seguradora se propõe assumir e que terá por ela de ser aferido e avaliado com rigor, munida, portanto, do conhecimento de todos os respectivos
elementos referenciadores", cfr. acórdão do STJ de 2.12.2013, citado no recente acórdão da RG de 9.2.2023, consultado no site da dgsi.
Sobre a questão, aqui, suscitada, dispõe o artigo 24.° do RJCS, na subsecção denominada de deveres de informação do tomador do seguro ou do segurado, sob a epígrafe de "declaração inicial do risco" que,
"1 - O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.
3-O segurador que tenha aceitado o contrato, salvo havendo dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, não pode prevalecer-se:
a) Da omissão de resposta a pergunta do questionário;
b) De resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos;
c) De incoerência ou contradição evidentes nas respostas ao questionário;
d) De facto que o seu representante, aquando da celebração do contrato, saiba ser inexacto ou, tendo sido omitido, conheça;
e) De circunstâncias conhecidas do segurador, em especial quando são públicas e notórias.
4 - O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.° 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais".
Ao segurador, quanto aos seus deveres de informação, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca daquele seu dever, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais.
Sendo do tomador de seguro ou segurado o ónus da prova do incumprimento da obrigação de informação e dos eventuais efeitos danosos daí decorrentes geradores de responsabilidade civil da seguradora, nos termos gerais do artigo 342.°/1 CCivil e 24.°/4 RJCS.
Como se sabe, é à seguradora que incumbe, atentas as regras de repartição do ónus da prova, contida no artigo 342.° CCivil o ónus da prova da matéria atinente com a informação, com o esclarecimento.
Com efeito.
Segundo o artigo 1.º RCCG aprovado pelo Decreto Lei 446/85,
"1 - As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
2 - O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.
3 - O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo".
Por seu turno, o artigo 5.°, sob a epígrafe "Comunicação", dispõe que:
"1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3-O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais".
O artigo 6.°, sob a epígrafe "dever de informação", que:
"1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados". E, o artigo 8.° estabelece que:
"Consideram-se excluídas dos contratos singulares:
a) - As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.°;
b) - As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo".
É este pois o quadro normativo que contempla as regras da repartição do ónus probatório no respeitante ao dever de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais, e que nos dá, desenvolvidamente, conta o acórdão do STJ de 28.9.2017, consultado no site da dgsí:
"no acórdão do STJ, de 23/01/2007, foi considerado que:
1 - O dever de comunicação do teor das cláusulas contratuais gerais tem duas vertentes: por um lado, o proponente deve comunicar na íntegra à outra parte as cláusulas contratuais gerais de que se sirva (art. 5.°, n.° 1, do DL n.° 446/85, de 25-10), por outro lado, ao fazer esta comunicação, deve realizá- la de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência (art. 5.°, n.° 2).
II - Querendo-se estimular o proponente a bem cumprir esse dever, o n.° 3 do art. 5.° faz recair sobre ele o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva.
III - O comando contido na al. a) do art. 8.° do referido DL, ao prescrever a exclusão das cláusulas não comunicadas nos termos do art. 5.°, tem que ser entendido - atenta a referida norma sobre o ónus da prova - como prescrevendo a exclusão das cláusulas em relação às quais se não prove terem sido comunicadas.
IV - Trata-se de, e ainda na fase de negociação, ou pré-contratual, comunicar quais as cláusulas a inserir no negócio mas, e também, prestar todos os esclarecimentos necessários, designadamente informando o aderente do seu significado e implicações. Este regime já podia ser detectado nos arts. 227.°, n.° 1, e 232.° do CC.
V - Todavia, previamente à prova de que a comunicação e a informação existiram e foram adequadas, "subsiste o ónus, para aquele que se quer fazer valer da violação desses deveres, de alegar a respectiva facticidade, nomeadamente que aderiu ao texto das cláusulas sem que o proponente lhas tivesse comunicado ou prestado os devidos esclarecimentos";
no acórdão do mesmo Tribunal, de 26/06/2007, foi entendido que:
I - A seguradora que invoca uma determinada cláusula para limitar a sua responsabilidade tem de alegar e provar o seu conhecimento completo e efectivo por parte do tomador de seguro na conclusão do contrato ou na fase a ela conducente (arts. 5.°, n.° 3, e 6.°, do DL n.° 446/85, de 25- 10).
II - Não tendo a seguradora provado, conforme lhe competia, que cumpriu aquela obrigação quanto a determinada cláusula, a consequência é, nos termos do art. 8.° do DL n.° 446/85, de 25- 10, a exclusão da mesma (...)";
no acórdão deste Tribunal de 21/10/2010, foi afirmado que:
"I - A prova da comunicação (efectiva, adequada e esclarecedora) e da informação ao aderente a que se reportam os arts. 5.°, n.° 3, e 6.° do DL n.° 446/85, de 25-10, cabe, nos termos de tais normativos, ao contraente que submete àquele as respectivas cláusulas contratuais gerais.
II - Previamente à prova de que a comunicação e informação foram efectuadas, impende sobre quem se quer fazer prevalecer da violação desses deveres o ónus da alegação de tal preterição.
III - Não sendo cumprido esse ónus de alegação na petição inicial (momento processual próprio), não pode o mesmo ser satisfeito nas conclusões da apelação, por redundar numa questão nova. (-)";
no acórdão do STJ, de 10/05/2007, proferido no processo 07B841, considerou que:
"previamente à demonstração a que os ónus de prova previstos no Decreto-Lei n.° 446/85, de 25/10, se reportam, tem de haver a demonstração, a cargo da parte que quer beneficiar da invalidade das cláusulas contratuais gerais, de que estamos em terreno próprio destas".
Donde, no âmbito das cláusulas contratuais gerais, importa distinguir, por um lado, o ónus de alegação ou invocação, por parte do aderente, da violação dos deveres de comunicação e informação de cuja preterição se pretende prevalecer e, por outro lado, o ónus de prova, por parte do proponente, sobre a adequada comunicação e informação das cláusulas desse tipo inseridas no contrato.
Assim, no âmbito dos contratos de adesão, o ónus de prova da observância dos deveres de adequada comunicação e informação de cláusulas contratuais gerais, que incumbe ao proponente, nos termos e para os efeitos dos artigos 5.°, 6.° e 8.° do Decreto Lei 446/85, pressupõe a invocação, pelo aderente, da violação desses deveres por banda daquele.
E, a autora, não alegou tal facto, donde não se suscitava a necessidade de a ré ter que fazer a prova da efectivação de qualquer comunicação e os termos em que foi feita.
"Trata-se de um dever pré-contratual do segurador - e não um ónus - já que o seu incumprimento implica responsabilidade civil pré-contratual nos termos gerais.
Que prevê a obrigação de indemnizar os danos causados por quem culposamente violar as regras da boa-fé no decurso das negociações destinadas à formação de um contrato) ou a também denominada culpa in contrahendo (artigos 227.° e 562.° e ss. do Cód. Civil), cujos pressupostos são os mesmos da responsabilidade civil subjetiva: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto ilícito e dano", cfr. este último acórdão do STJ citado no acórdão da RG de 9.2.2022, que continuamos a citar, "e, então, mesmo sendo verdade que haja sido a funcionária a preencher o questionário, não é menos verdade que o fez com a informação prestada pela autora e pelo falecido, sendo, portanto da responsabilidade destes as declarações aí prestadas, incluindo as respostas falsas.
Só que a questão da existência, ou não, de sistema de segurança, colocada na proposta de seguro, não se trata, como é bom de ver, de uma cláusula contratual geral, tão pouco, um questionário pré-preenchido em que as respostas são pré- elaboradas sem que os aderentes possam alterar a mesma ou dar-lhe outra redacção.

Estamos, perante um questionário de risco, que se insere na fase pré- contratual do contrato de seguro e não se reporta a qualquer cláusula contratual geral, integrando-se na previsão legal do RJCS.
"O "questionário" não constitui cláusula contratual gerai do contrato de seguro para efeito de vinculação da seguradora aos deveres de comunicação e informação dessas cláusulas em contratos de adesão", decidiu-se no acórdão do STJ de 6.7.2011.
Ao segurado cabe, então, a "declaração inicial do risco", sendo seu dever não omitir quaisquer factos ou circunstâncias que se possam considerar decisivos para a apreciação do risco que a seguradora se propõe assumir e que terá por ela de ser aferido e avaliado com rigor, munida, portanto, do conhecimento de todos os respectivos elementos referenciadores.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 06.07.2011, do que aqui se trata "é da postura do candidato ou proponente do seguro relativamente a perguntas simples e claras (...) meras declarações de ciência que, destinadas embora a serem valoradas pela contraparte na sua declaração negocial, não continham qualquer declaração de vontade relativamente à qual se possa falar de adesão e vinculação, para efeitos de inclusão na previsão dos arts. 1º e do RJCCG, designadamente em relação ao Segurado.
Pré-elaborado está o questionário e, não as respostas, e destinatário destas é a seguradora. O segurado não adere ao questionário, responde-lhe para fornecer à seguradora elementos em função dos quais esta estabelece as condições de aceitação do contrato. Tudo numa fase prévia à respectiva celebração" (cfr. ainda neste sentido - não é aplicável ao questionário o regime das cláusulas contratuais gerais, porquanto não se adere ao questionário, responde-se-lhe, numa fase prévia á celebração do contrato -, os Acórdãos do Supremo Tribunal de justiça de 14/12/2017, 12/07/2018, 14/12/2021, todos publicados in www.dgsi.pt)".
E, antão, estamos no âmbito de uma proposta subscrita pela autora - muito embora preenchida pelo mediador, onde consta aquela inexactidão, com relevância nos termos do clausulado do contrato.
Como se refere no acórdão do STJ de 30.11.2022, consultado no site da dgsi - que doravante seguiremos de perto, mesmo com transcrição, não só, por ser emblemático , mas dado o seu carácter recente - "a importância da declaração inicial do risco no âmbito do contrato de seguro assume total sentido atento o seu desígnio, que é o de transferir determinado sinistro para a seguradora mediante uma contrapartida, cfr. acórdão do STJ de 08-03-2022, proferido no Processo n.° 656/20.8T8PRT.L1.S1 (a que se pode aceder através das Bases Documentais do ITIJ), "Essa especial relevância explica-se, por um lado, por ser o tomador do seguro ou o segurado quem melhor conhece o risco de que se quer proteger; compreendem-se, assim, quer o significativo ónus de revelar completamente e com verdade o risco a segurar, quer as consequências de declarações falsas ou omissivas, determinantes para a celebração do contrato. Mas igualmente se explica, por outro lado, e agora na perspectiva da seguradora, pela necessidade de proteger a segurança na formação da decisão de contratar e de aceitação do âmbito e condições de cobertura, ou dos termos da contrapartida, para apenas referir alguns pontos ostensivamente dependentes da possibilidade de real avaliação do risco em jogo - ou seja, da probabilidade de o sinistro ocorrer durante a vigência do contrato".
Trata-se, afinal, da relevância do princípio da boa-fé na fase pré-contratual, dever adstrito aos contraentes (a conformação da conduta de qualquer das partes envolvidas com os ditames de um correcto, honesto e leal proceder, que se reconduz não só na obrigação do tomador do seguro ou do segurado declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador, como na imposição, à entidade seguradora, de conduzir todo o processo negocial com lisura procedimental, em nome da tutela da confiança da contraparte, reflectida quer na elaboração e teor do questionário, quer no esclarecimento do tomador ou segurado acerca da relevância do dever de informação exacta que sobre o mesmo impende, cfr. Filipe Albuquerque de Matos, "Uma outra abordagem em torno das declarações inexactas e reticentes no âmbito
do contrato de seguro, os artigos 24.° a 26 ° do Dec-Lei n.° 72/2008, de 16 de Abril, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra, 2010, p. 622., que salienta, a fls. 623, que o questionário acaba por constituir uma técnica ou regra de selecção de riscos".
Aqui se cita, ainda o sumário do acórdão do STJ de 24.5.2002 "(...) II. Em complemento e válvula de segurança, o artigo 24°/4 RJCS prescreve um dever de informação a cargo do segurador como um mecanismo (ainda por cima sob cominação de responsabilidade civil por incumprimento) que se instrumentaliza, num contexto de boa fé colaborativa das partes, em favor do esclarecimento completo e exacto previsto no n.° 1 do artigo 24° e, ademais, como um expediente ao serviço da superação de situações em que o risco percepcionado pelo segurador pode ser mesmo distinto do risco real. Não sendo cumprido, faz surgir um perigo de omissão e inexactidão na declaração inicial de risco (em particular perante um tomador de seguro ou segurado negligentes) que corre por conta do segurador. III. As circunstâncias (pelo menos) desconhecidas (e, por isso, omitidas ou "reticentes") sem dolo ou negligência e as omissões e inexactidões irrelevantes ou indiferentes (na visão do segurador) para a determinação do risco (assistidos pelos nexos causais respectivos) não atingem a validade, artigo 25°, nem o conteúdo e vigência do contrato de seguro, artigo 26.°" - a que se poderá aceder através de https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2022/11/sum_acor_civel_maio.pdf.
E, então em face deste regime legal, não há como não concluir que a resposta constante do aludido questionário que faz parte da proposta apresentada e, subscrita, pela autora - não obstante a resposta ter sido aposta pelo mediador, facto que, naturalmente, não a dispensava de ler previamente e, de só assinar, depois de com ela concordar - traduzindo uma inexactidão sobre um facto comumente aceita como de relevante significado para a assunção do risco, não pode deixar de implicar a apontada consequência contratualmente prevista - a redução em 10% no valor da indemnização.
Mal comparado, se o mediador é o autor material da apontada inexactidão, a autora a partir do momento, em que subscreve a proposta, torna-se co- autora.
Procede, pois, na totalidade o recurso da ré.
Em função do que resulta o seguinte:
- a autora alegando ter sofrido um prejuízo de € 38.200,28 na matéria prima e de € 45.558,40 no produto acabado, tudo no valor total de € 83.757,08 e, tendo já recebido da ré a quantia de € 39.424,89 €, pediu a condenação desta na diferença, que ascende a € 42.986,83 - seja, € 82.411,72 - 39.424,89;
- a ré defendeu que apurou, como prejuízo sofrido, efectivamente, pela autora, a quantia de € 39.424,89, sendo destes € 22.427,04 referentes e produtos acabados e € 16.997,85 a matéria prima, tendo deduzido a franquia contratualmente prevista de 10% (€ 3.942,49) e mais 10 % referentes à bonificação do prémio (€ 3.548,24), no que resulta a quantia de € 31.934,16, valor devido à autora pelo furto ocorrido no armazém local do risco e que já liquidou.
- na sentença, tendo presente que a ré indemnizou a autora no montante de € 31.934,16, a que corresponde um prejuízo apurado de € 39.424,89, com redução em 10% a título de franquia, acrescido de 10% por errónea informação que o armazém dispunha de sistema de alarme, condenou-se a ré a pagar á autora o valor de € 40.582,67;
valor encontrado tendo em conta que,

o valor da matéria prima subtraída, ascende a € 38.200,28, a que acresce o custo de produção do produto final subtraído, no montante de € 42.373,98, resulta que o valor global dos prejuízos ascendia a € 80.574,26, devendo ser descontado 10% a título de franquia, valor que ascende a € 8.057,43;
e, assim, considerando o valor indemnizatório total a pagar pela ré à autora de € 72.516,83 (€ 80.574,26 - € 8.057,43 relativo aos 10% de franquia), tendo em conta que a ré já pagou à autora a quantia de € 31.934,16, permanece em dívida o montante de € 40.582,67;
- recorre a ré atribuindo ao recurso o valor de € 21.158,76, pretendendo se reconheça que a autora não tem o direito a ser indemnizada - como se decidiu - pela mercadoria que vendera já, com o valor total, de custo de produção, de € 15.027,44 - valor a ser excluído do atribuído na decisão recorrida e se reconheça ter a ré o direito a deduzir - o que não foi feito na decisão recorrida -10% no valor total da indemnização a receber pela autora.
Desta decisão resulta agora,
- o valor total da indemnização, antes fixado em € 80.574,26, fica agora reduzido em € 15.027,44 - a parcela ali incluída relativa ao valor de produção da mercadoria acabada e vendida - no que resulta o valor de € 65.546,82;
- a este valor há que aplicar a franquia de 10% e, depois, igual percentagem de redução pela inexistência de alarme, contra o que foi declarado;
- assim, € 65.546,82x10%= € 58.992,14x 10%=€ 53.092,93, sendo este o valor que a autora tem a receber;
- tendo a ré já pago a quantia de € 31.934,16 falta, então, pagar € 21.158,77.

III. Sumário - artigo 663.°/7 CPCivil.
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IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em conceder total provimento à apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida nos segmentos impugnados, em função do que,
- se reconhece que a autora não tem o direito a ser indemnizada - como se decidiu - pela mercadoria que vendera já, com o valor total, de custo de produção, de € 15.027,44 - valor a ser excluído do atribuído na decisão recorrida;
- se reconhece ter a ré o direito a deduzir 10% no valor total da indemnização a receber pela autora.
Custas pela apelada, atenta a regra do decaimento contida no artigo 527.°
CPCivil.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1.° signatário.

Porto, 20/04/2023
Ernesto Nascimento
Carlos Portela
António Paulo Vasconcelos