Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
385/18.2T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
DIREITOS ECONÓMICOS
CLUBE
SOCIEDADE DESPORTIVA
Nº do Documento: RP20200211385/18.2T8PVZ.P1
Data do Acordão: 02/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Com a celebração de um contrato de trabalho desportivo emergem para o clube desportivo, entidade patronal do atleta, para além de outros direitos, os denominados direitos federativos e económicos.
II - O clube desportivo que pretenda participar em competições desportivas profissionais, só o poderá fazer, sob a forma jurídica societária (Dec.-Lei n.º 10/2013 de 25.01) e, nessa hipótese, são transferidos, obrigatória e automaticamente, para a sociedade desportiva os direitos de participação no quadro competitivo em que estava inserido o clube fundador bem como os contratos de trabalho desportivos.
III - Os direitos económicos consubstanciam expectativas de ganho do clube desportivo com a eventual transferência do atleta, efectuada durante o período de vigência do contrato de trabalho desportivo, ou seja, constituem direitos sujeitos a uma condição suspensiva.
IV - Com a substituição da entidade patronal do atleta, em consequência imperativa da lei, não se concretizou a condição suspensiva a que ficou sujeito o acordo celebrado pelo anterior empregador com terceiro relativo ao pagamento dos direitos económicos na hipótese de transferência para outro clube desportivo; por não se terem produzido os efeitos jurídicos do negócio, não é exigível a obrigação a que o clube fundador se vinculou.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 385/18.2T8PVZ.P1

Relatora : Anabela Tenreiro
Adjunta : Lina Castro Baptista
Adjunta : Alexandra Pelayo
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
“B…, Unipessoal, Lda.” propôs a presente acção declarativa condenatória, com processo comum, contra “C…, Lda.” e “C1…”, formulando os seguintes pedidos:
“a) Ser a 1ª R. condenada a pagar à A., ao abrigo do “instrumento particular de parceria sobre os direitos económicos do vínculo desportivo de atleta profissional de futebol”, da quantia de 36.000,00€ a título de direitos económicos do jogador D…, mais IVA à taxa legal em vigor, acrescidos de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento;
b) Subsidiariamente, para o caso do “instrumento particular de parceria sobre os direitos económicos do vínculo desportivo de atleta profissional de futebol”, alegado em 4º a 17º e junto como documento 3, vir a ser julgado nulo, ineficaz ou inexequível, e não obter vencimento o supra alegado em 33º a 42º desta p.i., mais deve:
b.1) Declarar-se que a A. tem o direito de exigir da 1.ª R. a restituição da quantia de 36.000,00€, mais IVA à taxa legal em vigor, a título de enriquecimento sem causa, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação até integral e efectivo pagamento;
b.2) Ser a 1ª R. condenada a reconhecer o pedido formulado em b.1);
b.3) Ser a 1ª R. condenada a pagar à A. a quantia de 36.000,00€, mais IVA à taxa legal em vigor, a título de enriquecimento sem causa, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento;
c) Subsidiariamente, para o caso do supra alegado em 24º a 27º e 30º a 42º e 43º a 53º (por referência à 1ª R.) não resultar provado, e não forem julgados procedentes os pedidos supra formulados em a) e b), mais deve o 2º R. ser condenado a pagar à A., ao abrigo do “instrumento particular de parceria sobre os direitos económicos do vínculo desportivo de atleta profissional de futebol”, da quantia de 36.000,00€, mais IVA à taxa legal em vigor, a título de direitos económicos do jogador D…, acrescidos de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento;
d) Subsidiariamente, para o caso do “instrumento particular de parceria sobre os direitos económicos do vínculo desportivo de atleta profissional de futebol”, alegado em 4º a 17º e junto como documento 3, vir a ser nulo, ineficaz ou inexequível, por referência ao 2º R. e não obter vencimento o supra alegado em 59º a 70º desta p.i., nem for julgado provado e procedente o pedido c) supra formulado, mais deve:
b.1) Declarar-se que a A. tem o direito de exigir do 2º R. a restituição da quantia de 36.000,00€, mais IVA à taxa legal em vigor, a título de enriquecimento sem causa, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento;
b.2) Ser o 2º R. condenado a reconhecer o pedido formulado em d.1);
b.3) Ser a 2º R. condenado a pagar à A. a quantia de 36.000,00€, mais IVA à taxa legal em vigor, a título de enriquecimento sem causa, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento”.
Alegou, para tanto, ter celebrado com o segundo réu um contrato, que reduziram a escrito e denominaram de “instrumento particular de parceria sobre os direitos econômicos do vincula desportivo de atleta de futebol”, mediante o qual aquele cedeu a este 20% dos direitos económicos decorrentes de qualquer futura transferência do atleta D…, jogador contratado por este clube, e que, tendo em 3 de Julho de 2015 sido constituída a primeira ré e cedidos a esta a posição no contrato de trabalho e os direitos económicos do jogador e vindo este a ser transferido em Maio de 2016, nenhum dos réus procedeu ao pagamento à autora daquela percentagem no valor da transferência de 180.000,00€. Mais alegou ter promovido e participado nas reuniões entre os responsáveis da primeira ré e do clube para o qual o jogador foi transferido, sustentando, por isso, que caso se considere aquele contrato nulo, é-lhe devida a mesma quantia a título de enriquecimento sem causa.
A “C…, Lda.” contestou, invocando a falta de legitimidade passiva com fundamento no facto de não ter celebrado com a autora o contrato que esta invoca, e por impugnação. Em síntese sustentou que não se operou para a sua esfera jurídica qualquer transferência dos direitos ou obrigações emergentes daquele contrato e, nessa medida, não está obrigada a repartir o valor da transferência do jogador com a autora.
O “C1…” apresentou também contestação, defendendo-se por impugnação. Assentou a sua defesa no facto de não ter recebido qualquer valor da transferência do jogador e, nessa medida e apesar de ter celebrado o aludido contrato com a Autora, nenhum valor poder com esta repartir.
A Autora exerceu o contraditório quanto aos fundamentos de defesa dos réus.
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Foi proferido saneador-sentença que julgou a acção procedente e condenou a sociedade “C…, Lda.” a pagar à Autora a quantia de 36.000,00€, acrescida de juros calculados à taxa de 4% ao ano desde 10 de Março de 2018 até efectivo e integral pagamento, bem como o valor IVA calculado à taxa legal em vigor à data da liquidação do imposto.
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Inconformada com a sentença, a 1.ª Ré interpôs recurso formulando as seguintes
Conclusões:
A – Com o devido respeito, crê-se que ao condenar a 1ª R. no pedido, o Tribunal a quo não fez a mais criteriosa apreciação das circunstâncias em análise nos autos e não fez adequada interpretação da questão sub judice, nem o melhor enquadramento legal.
B – Quantos aos factos dado como provados, a Recorrente entende que haverão de modificar-se os itens 1), 5) e 8).
C – O vertido no item 1) e no início do item 8) quando refere “em Maio de 2016” trata-se de matéria alegada pela A. na PI, mas que foi expressamente impugnada em sede de contestação e nenhuma prova foi produzida a tal respeito, pelo que o item 1) e aquele segmento do item 8) devem ser eliminados dos factos provados.
D – Quanto ao vertido no item 5) a Recorrente propugna por uma mera alteração, de modo a que onde se lê “acordo” deve passar a ler-se “contrato de trabalho desportivo”, por ser a terminologia mais correcta.
E – E ainda quanto aos factos, da análise e conjugação entre a PI da A. e a contestação da 1ª R. resulta que as partes estão de acordo quanto à matéria de facto alegada pela A. na PI sob o item 20º a 23º, matéria de facto que é relevante para a decisão da causa, e como tal entende a Recorrente que deveria ser aditado aos factos provados o seguinte:
4-A) Por força da constituição da 1ª R., em 03 de Julho de 2015, foi obrigatória e automaticamente transferido do 2º R. para a 1ª R. os direitos de participação no quadro competitivo em que estava inserido aquele 2º R., como clube fundador, bem como os contratos de trabalho desportivos dos praticantes profissionais de futebol, entre os quais o do Jogador D….
F – Quanto ao direito, entende a Recorrente que a condenação da 1ª R. assenta em causa de pedir não invocada pela A., e como tal violadora do princípio do dispositivo, verificando-se que o Tribunal esteve bem na formulação das questões a decidir - respeitando a delimitação do objecto da acção tal como proposta pela A. - mas depois e inexplicavelmente não acolheu qualquer das causas de pedir invocadas mas ainda assim condenou a 1ª R.
G – De facto, o Tribunal a quo desconsiderou a causa de pedir subjacente ao pedido principal, quando concluiu que não se operou qualquer cessão da posição contratual do contrato celebrado entre a A. e o 2º R.. E ao ter concluído pela validade do contrato não pode deixar-se de considerar que também desconsiderou a causa de pedir subjacente ao pedido subsidiário.
H – É que resulta da PI inegável que a procedência do pedido ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa tinha como pressuposto e causa de pedir a invalidade do contrato.
I - Tendo improcedido integralmente os dois fundamentos jurídicos que constituíam as duas causas de pedir invocadas pela autora para sustentar os seus pedidos, inexiste uma outra causa de pedir que o Tribunal pudesse apreciar e utilizar para determinar a condenação no pedido.
J - Pelo que ao condenar a 1ª R. nos termos em que o fez - com o fundamento que só uma medida dos direitos económicos foram transferidos para a 1ª R – o Tribunal condenou com base em causa de pedir não invocada e como tal violou o disposto nos arts. 5º, 608º nº 2 in fine e 609º nº 1, todos do CPC.
Sem conceder,
K – O Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação do contrato celebrado entre a A. e o 2º R. pois não atentou que aquele apenas teria efeito enquanto perdurasse o contrato de trabalho desportivo entre o Jogador D… e o 2º R.
L – É isso que resulta textualmente do contrato e de outra maneira não podia ser, pois os direitos económicos emergem da circunstância de existir um contrato de trabalho desportivo que por estar necessariamente sujeito a um termo estabilizador permite que o mesmo represente para um clube um activo patrimonial, decorrente da expectativa jurídica da eventual transferência do Jogador. - “os direitos económicos emergentes do contrato (de trabalho desportivo leia-se) representam uma expectativa jurídica ou um direito sujeito a condição suspensiva” (João Leal Amado).
M – O que foi acordado entre a A. e o 2º R. foi que em caso de transferência onerosa do Jogador D… (definitiva ou temporária) ou perante uma cessação do contrato que atribuísse ao 2º R. direito a qualquer quantia, então a A. teria direito a 20 % desse valor. Ou seja, uma “sell-on fee” ou percentagem na futura transferência!
N - In casu, com a constituição da 1ª R. e por imposição legal, o contrato de trabalho do Jogador D… deixou de perdurar e vigorar entre o Jogador e o 2º R e passou a vigorar entre a 1ª R. e o Jogador. E o 2º R. não recebeu qualquer quantia pela transferência ope legis daquele contrato de trabalho desportivo.
O - Sendo os direitos económicos decorrentes da relação obrigacional emergente do contrato de trabalho, os direitos económicos geraram-se ex novo na esfera jurídica da 1ª R. a partir do momento que recebeu o Jogador nos seus quadros.
«Sendo ainda certo que esta nada contratou com a A.!
P - A A. sabia que a sua expectativa jurídica apenas existia enquanto perdurasse o contrato entre ela e o 2º R., e não além deste momento, por ser o que resulta do contrato e o que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, retiraria da declaração.
Q - Verifica-se portanto uma errónea interpretação e alcance por parte do tribunal do teor do contrato celebrado entre a A. e o 2º R., principalmente das cláusulas 1ª e 2ª.
R - Não faz qualquer sentido a tese que de facto transmitiu-se o contrato de trabalho desportivo por força da lei mas que só se transmitiram 70 % dos direitos económicos porque “ninguém pode transmitir aquilo que não tem”.
S - A sentença não fez uma adequada interpretação e correcto enquadramento, pois não se pode conceber como por lado configura a questão como um direito sujeito a condição enquanto perdurasse o contrato de trabalho desportivo (não pode ser de outra maneira), mas depois considere que ele permanece para além da duração deste.
T – Ao abrigo da boa interpretação do contrato a 1ª R. não pode ser condenada a pagar qualquer quantia à A., nem ao abrigo daquele contrato, nem ao abrigo do enriquecimento sem causa.
Sem prescindir ainda,
U – O Tribunal a quo não dispunha de factos para julgar procedente o pedido subsidiário ao abrigo do enriquecimento sem causa. Aliás, a A. sustentou-o numa alegada intervenção activa que teria sido decisiva para a transferência do jogador da 1ª R. para a E… SAD.
V – Tal factualidade foi impugnada e não podia o Tribunal ter concluído nos termos em que o fez, pelo que violou por erro de interpretação o disposto nos arts. 473º e 474º do CPC.
W - Entende-se portanto e numa primeira linha que pura e simplesmente não se verificam os pressupostos do enriquecimento sem causa e que o Tribunal a quo violou por erro de interpretação o disposto nos arts. 473º e 474º do CPC.
X - Caso assim não se entenda, sempre terá de se concluir que sem realizar a prova o Tribunal a quo não dispunha de elementos de facto que lhe permitissem condenar a 1ª R. ao abrigo de tal instituto, porque a matéria de facto subjacente alegada pela A. foi impugnada por falsa em sede de contestação e não foi produzida qualquer prova a tal respeito.
Y - Neste caso, impõe-se concluir que o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 595º nº 1 al. b) do CPC, por ter decidido de mérito quando ainda não dispunha de condições para o efeito.
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A Autora apresentou contra-alegações, concluindo, em síntese, da seguinte forma:
L - A sentença recorrida foi disponibilizada às partes por certificação Citius em 4 de Julho de 2018, pelo que, de acordo com a presunção legal do artigo 248.º do C.P.C., se considera a R. notificada a 9 de Julho de 2018, sendo que dispunha até 25 de Setembro de 2018 para interpor o competente recurso de apelação-artigos 138.º, n.º 1 e 638.º, n.º 1 do C.P.C
2 - Sucede que a Ré deduziu o recurso a que se responde já depois de 25 de Setembro de 2018, pelo que deve o mesmo declarar-se inadmissível ou, caso assim não se entenda, extemporâneo, com as devidas e legais consequências.
3 - No caso dos autos não estão reunidos os requisitos estipulados no artigo 647.º, n.º 4 do C.P.C. para a fixação do efeito suspensivo ao recurso.
4 - Porém, no caso do Tribunal ter outro entendimento, sempre deve a recorrente prestar caução da quantia em mérito por forma idónea e competente-artigo 647.º, n.º 4 do CPC.
5 - O tribunal recorrido considerou provados os factos constantes em 1), 5) e 8).
6 - O facto da alínea 1) resultou assente pelo teor das cópias das certidões de registo juntas aos autos, em conjugação com a cópia do contrato de sociedade, documentos cuja falsidade não foi arguida (sublinhado nosso)
7 - O facto da alínea 5) corresponde à alegação da autora da celebração do contrato de trabalho desportivo com o aludido jogador, facto que os réus aceitaram, (sublinhado nosso), em conjugação com o teor do documento correspondente à celebração de tal contrato junto aos autos pelos réus.
8 - O facto da alínea 8) resultou assente por acordo das partes, (sublinhado nosso) na medida em que, tendo sido alegados pela autora foram aceites e/ou não impugnados pelos réus-cfr. também acta da audiência prévia (sublinhado nosso).
9 - Por outro lado, o facto 4-A) que a recorrente pretende aditar à matéria de facto provada não tem qualquer cabimento legal.
10 - Na medida em que o seu teor comporta matéria conclusiva, de direito e decorre diretamente da aplicação da lei, tanto assim que foi corretamente analisada e considerada pelo Tribunal na apreciação do Direito aplicável à causa, por conseguinte, carece de fundamento a impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente.
11 - Nos factos julgados provados nas alíneas 5., 6 e 7 ficou demonstrado que : a autora e o réu “C1…” celebraram em 10 de Dezembro de 2014 um contrato assente que foi no pressuposto da celebração do contrato desportivo entre o clube e D…, mediante o qual a entidade empregadora e detentora dos direitos federativos e parte dos direitos económicos do jogador, cedeu à autora 20% do valor total dos direitos económicos.
12-Pelo acordo celebrado entre a Autora e o Réu “C1…”, o clube que detinha 90% cedeu 20% dos direitos económicos do jogador decorrentes de qualquer futura transferência definitiva ou temporária do atleta, sendo que estava em causa um mecanismo de financiamento do clube.
13 - No caso, operou-se por acordo das partes uma cessão da expetativa jurídica ou do direito sujeito a condição suspensiva, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 577.º, n.º 1 do CC.
14 - Desta maneira, os direitos económicos pela transferência do jogador ficaram distribuídos na proporção de 70% para o clube, 10% para o atleta e 20% para a Autora.
15 -O Tribunal analisou e bem a pretensão da autora designadamente quando esta sustenta que com a constituição da 1.ª Ré em 3 de julho de 2015 operou-se ope legis a cessão da posição contratual, concretamente por força do disposto nos artigos 24.º e 22.º, n.º 4 do DL n.º 10/2013, de 25 de Janeiro, que estabelece o regime jurídico das sociedades desportivas a que ficam sujeitos os clubes desportivos que pretendem participar em competições desportivas profissionais.
16 - Entendeu e bem o Tribunal que assiste à A. o direito de haver da “C…, Lda.” a parte/percentagem a que tem direito, tendo como pano de fundo a realidade factual apurada, ou seja, a 1.ª Ré recebeu e fez sua a quantia de 36.000,00 € quando a ela não tinha direito por apenas ser detentora de 70% dos direitos económicos decorrentes do contrato de trabalho do atleta.
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Nesta Relação do Porto, foi proferido acórdão que confirmou a sentença que condenou a 1.ª Ré, com diferente fundamentação de direito.
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Interposto recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu absolver a 1.ª Ré (C…., Lda.) dos pedidos contra ela formulados e determinou a baixa do processo para a Relação apreciar os pedidos subsidiários relativamente ao 2.º Réu, C1….
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II - Delimitação do Objecto do Recurso
A questão decidenda (que implica o conhecimento dos pedidos subsidiários formulados contra o Réu C1…) consiste em saber se o Réu, C1…, pode ser responsabilizado pelo pagamento à Autora da quantia correspondente a 20% dos direitos económicos decorrentes da transferência do atleta para outro clube, operada pela 1.ª Ré, C…, Lda.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
1) A “B…, Unipessoal, Lda.” dedica-se ao agenciamento, à assessoria e à representação de atletas nas negociações e celebrações de contratos.
2) O “C1…” é uma colectividade desportiva fundada na … em .. de Dezembro de 1915, a qual foi reconhecida como entidade de utilidade pública.
3) A “C…, Lda.” foi constituída em 3 de Julho de 2015, tendo como sócio único o “C1…”, com a quota de valor nominal 50.000,00€, e por objecto a participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva.
4) No contrato de sociedade ficou estipulado que a entrada do sócio único era realizada em espécie, através da transferência de direitos e obrigações do clube fundador para a sociedade desportiva, tendo tal realização consistido na entrega dos direitos dos jogadores F… e G…, no valor total de 50.000,00€.
5) Em 10 de Dezembro de 2014, o “C1…” celebrou com D… um acordo mediante o qual este “obrigou-se a prestar a actividade de futebolista ao clube, em representação e sob a autoridade e direcção deste, mediante retribuição”, com início em 1 de Julho de 2015 e termo em 30 de Junho de 2017.
6) Mais ficou estipulado que “durante a vigência do presente contrato, caso exista uma transferência onerosa do Jogador, os outorgantes aceitam e reconhecem que do valor líquido da eventual transferência 10% (dez por cento) pertencem ao jogador”.
7) A autora e o segundo réu celebraram um acordo em 10 de Dezembro de 2014, que reduziram a escrito e denominaram de “instrumento particular de parceria sobre os direitos econômicos do vincula desportivo de atleta de futebol”, mediante o qual:
- As partes declararam que o “C1…” era detentor dos direitos federativos do atleta de futebol D… no âmbito do contrato vigente para as épocas 2014/2015, 2015/2016 e 2016/2017 e titular de 90% dos direitos económicos, sendo que os restantes 10% pertenciam ao atleta;
- E acordaram que, enquanto perdurasse o contrato de trabalho entre o atleta e o “C1…” e/ou qualquer das suas renovações, o “C1…” cedida à autora “20% do valor total dos direitos económicos e financeiros decorrentes de qualquer futura transferência definitiva ou temporária (empréstimo) do atleta para outra entidade de prática desportiva, empresa ou grupo de investidores de Portugal ou do estrangeiro, durante a vigência do actual contrato de trabalho e/ou de qualquer das suas renovações, bem como do que venha a ser auferido a título de cláusula penal pelo rompimento antecipado do actual contrato de trabalho e/ou de qualquer das suas renovações pelo atleta”.
- Ressalvaram ainda que qualquer futura transferência seria decidida única e exclusivamente pelo “C1…” com a concordância do atleta.
8) No dia 01 de Julho de 2016, a primeira ré, com a concordância do atleta, celebrou um acordo com o “E… SAD” mediante o qual acordaram em que, a título definitivo, o jogador passasse a prestar a sua actividade desportiva para este mediante o pagamento da quantia de 180.000,00€.
9) O “E1…” pagou à 1.ª ré a quantia de 180.000,00€.
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IV - DIREITO
A questão essencial que nos cumpre resolver consiste em saber se o “C1…”, clube fundador, aqui 2.º Réu, está obrigado a pagar à Autora a quantia monetária correspondente à percentagem de 20% sobre o valor recebido pela sociedade 1.ª Ré, em consequência da transferência do jogador em causa para outro clube desportivo.
Em termos simples e resumidos, está em causa determinar se o clube fundador pode ser responsabilizado com base no contrato celebrado com a Autora, pese embora seja alheio à transferência do jogador (decidida e concretizada por outra sociedade desportiva) uma vez que já não era a sua entidade patronal nessa altura.
Para tanto, e a fim de se compreender melhor o caso sub judice, renovamos as considerações anteriormente expostas no nosso acórdão, anteriormente proferido nestes autos, sobre o quadro legal aplicável.
Atendendo ao regime especial do direito do desporto, iremos seguir uma metodologia que, essencialmente, procede a uma articulação dos factos ocorridos, por ordem cronológica, com a lei aplicável.
Em 10 de Dezembro de 2014, o C1…, colectividade desportiva, celebrou com D… um acordo mediante o qual este último “obrigou-se a prestar a actividade de futebolista ao clube, em representação e sob a autoridade e direcção deste, mediante retribuição”, com início em 1 de Julho de 2015 e termo em 30 de Junho de 2017.
Portanto, o C1…, celebrou com o referido jogador de futebol um contrato de trabalho desportivo, por duas temporadas, definido por lei como aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar actividade desportiva a uma pessoa singular ou colectiva que promova ou participe em actividades desportivas, e sob a autoridade e direcção desta (cfr. art. 2.º, a. a) da Lei n.º 28/98 de 26.06 2017 e da actual Lei n.º 54/2017, de 14 de 07).
Nas palavras de João Leal Amado[1], de reconhecido mérito nesta matéria, o contrato de trabalho desportivo é um contrato especial de trabalho, acima de tudo, pela necessidade de, na sua disciplina jurídica, se coordenar o aspecto laboral com o aspecto desportivo, pela necessidade de compatibilizar essas duas facetas.[2]
No contrato de trabalho desportivo celebrado entre o jogador e o 2.º Réu, ficou estipulado que “durante a vigência do presente contrato, caso exista uma transferência onerosa do Jogador, os outorgantes aceitam e reconhecem que do valor líquido da eventual transferência 10% (dez por cento) pertencem ao jogador”.(negrito nosso)
Na mesma data, o 2.º Réu, C1…, para além daquele contrato de trabalho, em que figura como entidade patronal do jogador D…, celebrou com a Autora (sociedade que se dedica ao agenciamento, à assessoria e à representação de atletas nas negociações e celebrações de contratos) um acordo mediante o qual enquanto perdurasse o contrato de trabalho entre o atleta e o “C1…” e/ou qualquer das suas renovações, o “C1…” cedia à Autora “20% do valor total dos direitos económicos e financeiros decorrentes de qualquer futura transferência definitiva ou temporária (empréstimo) do atleta para outra entidade de prática desportiva, empresa ou grupo de investidores de Portugal ou do estrangeiro, durante a vigência do actual contrato de trabalho e/ou de qualquer das suas renovações, bem como do que venha a ser auferido a título de cláusula penal pelo rompimento antecipado do actual contrato de trabalho e/ou de qualquer das suas renovações pelo atleta”. (negrito nosso)
Ressalvaram ainda que qualquer futura transferência seria decidida, única e exclusivamente, pelo “C1…”, com a concordância do atleta.
Por conseguinte, o 2.º Réu, C1…, na qualidade de entidade patronal do jogador, e por ser detentor de 90% dos seus direitos económicos, no âmbito do contrato de trabalho vigente para as referidas épocas desportivas, acordou com a Autora ceder-lhe a percentagem de 20% desses direitos na hipótese de qualquer futura transferência definitiva ou temporária (empréstimo) do atleta para outra entidade de prática desportiva, durante a vigência do actual contrato de trabalho e/ou de qualquer das suas renovações.
A entidade empregadora, como explica João Leal Amado[3], titular dos chamados “direitos federativos ou desportivos” (que se traduzem, basicamente, no direito de utilizar em exclusivo o atleta na competição desportiva, colhendo os respectivos proveitos), é também titular de 100% dos chamados “direitos económicos” (isto é da “expectativa de ganho” com a eventual transferência efectuada durante o período de vigência do contrato de trabalho desportivo) que são direitos sujeitos a uma condição suspensiva.
Acrescenta, com interesse para o presente caso, que se tem verificado a dissociação entre os direitos federativos e económicos, podendo a titularidade destes últimos ser cedida[4], numa determinada percentagem, a um terceiro investidor ou ser repartida entre o clube de origem e o clube para onde o atleta foi transferido.[5]
De qualquer modo, não há qualquer dúvida, como bem sublinha a sentença, que ambos, direitos federativos e económicos, emergem do contrato de trabalho desportivo.
Foi justamente o que sucedeu no caso em apreciação: o 2.º Réu, C1…, cedeu à Autora, empresária desportiva, 20% do valor que iria receber pela eventual transferência do jogador para outro clube desportivo, durante a vigência do actual contrato de trabalho celebrado com aquele clube fundador.
O crédito da Autora dependia, assim, da eventualidade do jogador ser transferido para outro clube, não tendo ainda cessado a sua relação laboral com o C1….
A C…, Lda. foi constituída em 3 de Julho de 2015, tendo como sócio único o C1…, clube fundador, com a quota de valor nominal 50.000,00€, e por objecto a participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva.
A razão de ser da constituição desta sociedade desportiva unipessoal, por quotas (como de muitas outras no panorama desportivo), tendo como sócio único fundador o C1…, prende-se necessariamente com a entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 10/2013 de 25.01 que procedeu à reformulação do regime jurídico das sociedades desportivas a que ficam sujeitos os clubes desportivos que pretendam participar em competições desportivas profissionais.
Com efeito, a partir da vigência deste diploma legal, na ordem jurídica interna, o clube que pretenda participar em competições desportivas profissionais só o poderá fazer, como se sublinha no preâmbulo, sob a forma jurídica societária, podendo optar por uma sociedade anónima desportiva (SAD) ou por uma sociedade desportiva unipessoal por quotas (SDUQ, Lda.)-cfr. arts. 1.º, n.º 1 e 2.º, n.º 1.
O capital da sociedade unipessoal por quotas deve ser representado por uma quota indivisível que pertence integralmente ao clube fundador e que é intransmissível-cfr. arts. 11.º, n.º1 e 14.º, n.º 1.
E, segundo o artigo 24.º, são obrigatória e automaticamente transferidos para a sociedade desportiva os direitos de participação no quadro competitivo em que estava inserido o clube fundador, bem como os contratos de trabalho desportivos.
Nesta conformidade, a constituição da 1.ª Ré, C…, Lda., em 3 de Julho de 2015, determinou a transferência ope legis dos contratos de trabalho desportivos, nos quais o 2.º Réu figurava como entidade patronal, para aquela nomeadamente o contrato de trabalho a que o atleta D… se encontrava vinculado.
Por esse motivo, a Autora, considerando que, por força da lei, o 2.º Réu C1… cedeu a sua posição contratual à 1.ª Ré, C…, Lda, dirigiu, em primeira linha, a sua pretensão em relação a esta última, exigindo o pagamento da quantia correspondente à percentagem de 20% (€36.000,00) do valor que recebeu do “E… SAD” pela transferência definitiva do jogador.
Na verdade, ficou provado que, em Julho de 2016, a 1.ª Ré, C…, Lda , com a concordância do atleta, celebrou um acordo com o “E… SAD” mediante o qual acordaram em que, a título definitivo, o jogador passasse a prestar a sua actividade desportiva para este mediante o pagamento da quantia de 180.000,00€, que foi paga àquela sociedade.
Aqui chegados, importa decidir se o clube fundador, aqui 2.º Réu, se encontra vinculado ao cumprimento do acordo celebrado com a Autora, após a transferência ope legis do contrato de trabalho desportivo do atleta em causa para a 1.ª Ré, a qual, como nova entidade patronal do mesmo, e com a sua concordância, transferiu o atleta para outro clube desportivo, e recebeu, como contrapartida dessa operação, a quantia de 180.000,00€.
Perante os termos do acordo (que não suscitam a mínima dúvida) celebrado entre o 2.º Réu, clube fundador, e a Autora, a resposta é negativa.
Efectivamente, o que ficou contratualmente estabelecido no acordo denominado “instrumento particular de parceria sobre os direitos econômicos do vincula desportivo de atleta de futebol”, foi o seguinte:
- As partes declararam que o “C1…” era detentor dos direitos federativos do atleta de futebol D… no âmbito do contrato vigente para as épocas 2014/2015, 2015/2016 e 2016/2017 e titular de 90% dos direitos económicos, sendo que os restantes 10% pertenciam ao atleta;
- E acordaram que, enquanto perdurasse o contrato de trabalho entre o atleta e o “C1…” e/ou qualquer das suas renovações, o “C1…” cedida à autora “20% do valor total dos direitos económicos e financeiros decorrentes de qualquer futura transferência definitiva ou temporária (empréstimo) do atleta para outra entidade de prática desportiva, empresa ou grupo de investidores de Portugal ou do estrangeiro, durante a vigência do actual contrato de trabalho e/ou de qualquer das suas renovações, bem como do que venha a ser auferido a título de cláusula penal pelo rompimento antecipado do actual contrato de trabalho e/ou de qualquer das suas renovações pelo atleta”.
- Ressalvaram ainda que qualquer futura transferência seria decidida única e exclusivamente pelo “C1…” com a concordância do atleta.
Em suma, com a transferência op legis do contrato de trabalho desportivo para a 1.ª Ré, o 2.º Réu C1… deixou de ser a entidade patronal do atleta e, consequentemente, perdeu os direitos que lhe advinham dessa qualidade nomeadamente os direitos federativos e económicos bem como a legitimidade para decidir sobre uma eventual transferência do atleta para outro clube de futebol.
Considerando que o cumprimento do acordo celebrado com a Autora (pagamento de 20% do valor total dos direitos económicos e financeiros decorrentes de qualquer futura transferência definitiva ou temporária do atleta para outra entidade de prática desportiva) dependia da vigência do contrato de trabalho celebrado entre o atleta e o C1…, circunstância que se extinguiu com a transferência do contrato de trabalho, de forma automática e obrigatória, por força da lei para a 2.ª Ré, não pode ser condenado a pagar tal quantia, que não recebeu.
A interpretação do segmento do acordo-enquanto perdurasse o contrato de trabalho entre o atleta e o “C1…” e/ou qualquer das suas renovações - afigura-se-nos evidente: os contraentes estabeleceram que o pagamento à Autora do valor correspondente a 20% dos direitos económicos do atleta, dependia daquela ser a sua entidade patronal na altura em fosse concretizada a transferência, definitiva ou temporária, para outro clube desportivo.
Aliás, nem podia de ser de forma diferente pois como já tivemos oportunidade de salientar, só a entidade patronal do atleta detém os direitos federativos e/ou económicos relativos aos mesmo.
Em bom rigor, ocorreu uma alteração das circunstâncias, que constituía um risco coberto pela alea do contrato na medida em que existia a possibilidade do 2.º Réu ser substituído na sua posição de empregador, por terceiro, por força da lei, como sucedeu.
Neste caso, como elucida Paulo Mota Pinto[6], citando T. Finkenauer, o equilíbrio contratual na situação de alteração das circunstâncias está regulado pelas próprias partes, não se justificando de todo o recurso a uma intervenção judicial no contrato. Tal intervenção sob forma de resolução ou modificação do contrato, levaria, pelo contrário, num tal caso, a desonerar do risco aquela parte que normalmente recebeu, como contrapartida da sua assunção, um prémio de risco-isto é, conduziria aqui a uma vantagem injustificada (um “windfall profit”).
Portanto, o 2.º Réu deixou de ter condições para realizar a prestação a que se encontrava adstrito (v. art. 762.º do CC).
O contrato celebrado com a Autora estava, como resulta da sua leitura, dependente da verificação de uma condição suspensiva-transferência do jogador para outro clube, a ser decidida exclusivamente pelo 2.º Réu, entidade empregadora, com a concordância daquele-que não se concretizou.
Ao abrigo da liberdade contratual, as partes podem convencionar uma condição suspensiva, ou seja, subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico (art. 270.º CC).
Sobre esta temática, Carlos Mota Pinto[7] esclarecia que a posição subjectiva do credor sub conditione consiste numa mera expectativa de aquisição eventual de um direito, com a correspondente obrigação da outra parte.
Na hipótese de não se verificar a condição inserta pelas partes no acordo celebrado, não se produzem os efeitos definitivos do negócio.[8]
No caso sub judice a expetativa jurídica da Autora de obter o pagamento dos 20% dos direitos económicos do jogador não se consolidou por falta de verificação do evento condicionante previsto pelas partes, isto é, por falta de concretização do acontecimento futuro, a que as partes subordinaram a prestação do referido pagamento.
Em suma, a eficácia dos efeitos do negócio não se produziu por não ter ocorrido o evento condicionante[9] nos termos acordados.
Por outro lado, considerando que foi a 1.ª Ré, como entidade patronal, quem decidiu transferir o jogador para outro clube e recebeu a contrapartida acordada, também se nos afigura indubitável que não houve qualquer enriquecimento sem causa por parte do 2.º Réu, o qual não recebeu a quantia devida pela transferência, por, nessa data, ser alheio ao negócio da transferência e ao contrato de trabalho do jogador.
Para que não restem dúvidas quanto à solução encontrada, para quem eventualmente pudesse defender que a condição se efectivou mas na esfera da 1.ª Ré, entendemos que, por banda do 2.º Réu, a sua prestação se extinguiu, por impossibilidade absoluta da prestação.
A obrigação extingue-se, segundo o artigo 790.º, n.º 1 do C.Civil, quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.
Ou seja, quando a impossibilidade da prestação resulta de qualquer circunstância (legal, natural ou humana), o comportamento exigível do devedor, segundo o conteúdo da obrigação, se torna inviável.[10]
Ora, no caso concreto, a impossibilidade de cumprir a prestação a que o clube fundador se vinculou perante a Autora resultou de uma alteração legal que impôs a transferência do contrato de trabalho desportivo para a sociedade societária, por força da qual a 1.ª Ré substituiu o 2.º Réu na posição de entidade empregadora.
A impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa igualmente a extinção da obrigação, se o devedor, no cumprimento desta, não puder fazer-se substituir por terceiro-cfr. art. 791.º do C.Civil.
Tratando-se de prestação não fungível, como é o caso em apreciação, em que, por estipulação das partes, a prestação devia ser efectuada pelo 2.º Réu, na qualidade de entidade patronal do jogador, não podendo ser substituído por outrem, basta a impossibilidade subjectiva para que a obrigação se extinga.[11]
O 2.º Réu, devedor, provou que a impossibilidade de realização da prestação acordada não procedeu de culpa sua, nos termos do art. 799.º, n.º 1 do C.Civil.
Conclui-se, pelos motivos aduzidos, que o 2.º Réu ficou exonerado da sua prestação de pagamento dos direitos económicos do atleta à Autora.
*
V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedentes os pedidos subsidiários formulados contra o 2.º Réu, C1…, e em consequência, absolvem-no dos pedidos.
Custas, nesta parte, pela Autora.
Notifique.

Porto, 20 de Fevereiro de 2020
Anabela Tenreiro
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
______________
[1] Coordenador da Comissão para a revisão da Lei n.º 28/98 de 26 de Junho.
[2] V. Contrato de Trabalho Desportivo, Almedina, 2018, pág. 31.
[3] Ob. cit., pág. 145 e segs.
[4] Cedência permitida pelo art. 577.º, n.º 1 do CC.
[5] Ob. cit., pág. 147.
[6] Direito Civil, Estudos, Gestlegal, pág. 492.
[7] Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 4.ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pág. 573.
[8] Neste sentido, Carlos Mota Pinto, ob. cit., pág. 575.
[9] Termo utilizado por Mota Pinto, ob. cit., pág. 572.
[10] Varela, João Antunes de Matos, Das Obrigações em Geral, vol. II, 4.ª edição, Almedina, pág. 65.
[11] Neste sentido, v. ob. cit., pág. 70.