Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
195/13.3TTBRG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
MOTIVO JUSTIFICATIVO
PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: RP20141103195/13.3TTBRG.P1
Data do Acordão: 11/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Considera-se sem termo o contrato a termo celebrado, quando do seu texto não é possível determinar se a situação nele referenciada é nova, excepcional e temporária, não contendo o mesmo factos concretizadores de um acréscimo temporário e excepcional de trabalho eventualmente verificado.
II – A suficiente explicitação no documento que titula o vínculo do motivo justificativo da contratação laboral a termo integra uma formalidade “ad substantiam”.
III – O facto de a lei admitir a produção de prova testemunhal para interpretar o contexto do documento, esclarecer algum ponto que dele conste ou, até, para esclarecer a vontade das partes que o celebraram quando tal assuma relevância face aos contornos da acção, não afasta a necessidade de o escrito do contrato de trabalho a termo ser auto-suficiente nos aspectos enunciados no artigo 131.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003.
IV – Não se justifica ordenar a ampliação da matéria de facto para averiguar da existência de abuso do direito com base em factos que não se mostram alegados nos articulados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 195/13.3TTBRG.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B…, intentou em 14 de Fevereiro de 2013 a presente acção declarativa comum contra “C…, SA”, peticionando se reconheça que o contrato de trabalho celebrado entre as partes se converteu num contrato de trabalho sem termo, se declare ilícito o despedimento do autor e consequentemente se condene a ré a reintegrar o autor ou a indemniza-lo, em substituição da reintegração, bem como a pagar-lhe a importância correspondente às retribuições que se venceram desde a data da cessação do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida e ainda, ser a R. condenada a pagar ao A. e ao Estado a quantia de € 500,00 por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe foram impostas pela sentença que vier a ser proferida.
Para tanto alegou, em síntese: que em 2006.01.05 foi admitido ao serviço “D…, Lda.”, por contrato de trabalho a termo incerto para trabalhar nas instalações da ré, exercendo as funções correspondentes à categoria de operador especializado, mediante retribuição base mensal de 449,00 €, cumprindo horário de trabalho em laboração contínua por turnos rotativos, o que fez até 2006.04.10; que em 2006.05.05 celebrou novo contrato de trabalho com a “D…”, o qual vigorou até 2006.11.19, para exercer as mesmas funções nas instalações da ré, mediante a mesma retribuição base mensal e em cumprimento do mesmo horário de trabalho; que celebrou com a R. um contrato de trabalho a termo incerto com efeitos a partir de 2006.11.10, para desempenhar sob as suas ordens, direcção e fiscalização as funções correspondentes à categoria de operador especializado, com horário de trabalho em turnos rotativos, mediante retribuição base mensal de 627,00 €, acrescida de 156,75 € a título de subsídio de turno e 36,87 € a título de comparticipação da Cl.ª 3º do CCT2006; que através de carta datada de 2012.09.06 a ré comunicou ao autor a cessação de tal contrato de trabalho, com efeitos a partir de 2012.09.08; que o termo aposto no contrato de trabalho celebrado com a ré é nulo, porque vago e genérico, e também porque não corresponde à verdade e deve o contrato considerar-se celebrado sem termo; que a celebração dos contratos de trabalho referidos foi para o exercício das mesmas funções do autor e para a satisfação das mesmas necessidades da ré, o que implica a conversão automática da relação jurídica entre ambos num contrato sem termo, com início em 2006.01.05; que a comunicação de caducidade corresponde a um despedimento ilícito, porque não precedido do legal procedimento e carecido de justa causa.
Realizada a audiência de partes, a R. apresentou contestação na qual invocou, em suma: que a situação de facto objecto dos autos se subsume ao regime jurídico previsto no CT de 2003, e não se lhe aplica o regime da sucessão de contratos previsto no artigo 143º do actual CT; que o contrato de trabalho a termo incerto celebrado entre o autor e a ré é válido, pois que cumpre todos os requisitos legais e exigidos pelo instrumento de regulamentação colectiva aplicável e dele constam expressamente os factos que fundamentaram o termo, a identificação da actividade a realizar em concreto e necessidade visivelmente limitada no tempo, que revela bem a necessidade de se apor um termo incerto ao contrato; que pagou ao autor a compensação correspondente à caducidade do referido contrato a termo incerto, a retribuição correspondente ao período de aviso prévio em falta e os créditos salariais vencidos, pelo que deve ser absolvida.
O A. respondeu nos termos de fls. 100-101, refutando que se aplique a Convenção Colectiva de Trabalho invocada pela R. na sua contestação.
Realizada audiência prévia, a Mma. Julgadora a quo proferiu decisão que conheceu do mérito da causa, por entender que os autos dispunham já de todos os elementos necessários para se conhecer de facto e de direito e, depois de o autor declarar que opta pela reintegração no seu posto de trabalho (a fls. 139), concluiu com o seguinte dispositivo:
«[…]

Desta feita, e considerando o já decidido a fls. 123 e ss., porque ilícito foi o despedimento do aqui autor, decide-se:
i) condenar a ré “C…, SA” a reintegrar o trabalhador aqui autor, sem prejuízo da sua categoria profissional (que à data de 06.09.2012 era de operador especializado de 3ª, sem prejuízo de qualquer progressão na carreira por decorrência automática do tempo que se haja verificado entre tal data e da do trânsito em julgado da presente sentença) e da sua antiguidade (contada esta desde a data de 20.11.2006);
ii) Condenar a ré a pagar ao autor as retribuições intercalares devidas desde 14.01.2013, que à data de 24.01.2014 se computavam em 10.120,98 €, acrescido de férias (vencidas a 01.01.2013) e respetivo subsídio e subsídio de natal vencido a 15.12.2012.
iii) À quantia referida em ii) será descontado o montante já pago pela ré a título de férias e proporcionais de férias e de subsídios de férias e de natal, melhor discriminado no ponto 10 da fundamentação de facto da sentença.
iv) Condenar a ré a pagar ao autor e ao Estado, em partes iguais, a título de sanção pecuniária compulsória, o montante diário de 200,00 €, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações discriminadas em i) e ii), sanção esta devida a partir do dia seguinte ao do trânsito em julgado da presente sentença.
O cumprimento do decidido em i) deverá ocorrer no prazo de 5 dias a contar do termo do prazo para interposição de recurso pela entidade empregadora da presente sentença, ou ainda no mesmo prazo caso o recurso interposto tenha efeito meramente devolutivo, sob pena de, não o fazendo, incorrer em responsabilidade criminal, nomeadamente na prática de um crime de desobediência, p.p. pelo artigo 348º do CP, sem prejuízo do cumprimento de outras sanções legais, nomeadamente a decidida no ponto iv) que antecede, devendo para o efeito a entidade empregadora comunicar por escrito ao aqui autor a hora (e local) onde este se apresentar, a fim de se prosseguir na execução do contrato de trabalho objeto dos autos.
[…]»
1.2. A R., inconformada, interpôs recurso desta decisão e terminou as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que condenou a ré/recorrente a: (i) reintegrar o autor/recorrido, sem prejuízo da sua categoria profissional e da sua antiguidade; (ii) pagar ao autor/recorrido as retribuições intercalares devidas desde 14/01/2013 até à data de 24/01/2014 (no valor de EUR 10.120,98), acrescido de férias (vencidas em 01/01/2013), e respectivo subsidio, e ainda do subsídio de Natal de 2012; (iii) descontar à quantia referida o montante já pago ao autor a título de férias e proporcionais de férias e de subsídio de férias e de natal, melhor discriminado no ponto 10 da fundamentação de facto da sentença (iv) pagar ao autor/recorrido e ao Estado, em partes iguais, a título de sanção pecuniária compulsória, o montante de EUR 200,00, por dia de atraso no cumprimento das obrigações discriminadas em i) e ii)
2. Antes do mais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 614.º do Código do Processo Civil, aplicável ex vi do artigo do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código do Processo do Trabalho, a douta sentença recorrida deverá ser corrigida, o que desde já se requer, com vista a eliminar os seguintes lapsos de escrita:
- Na 1ª linha da página 2, onde se lê “junto aos autos a fls. 5, a termo certo”, deverá fazer-se constar “a termo incerto”, conforme resulta do ponto 7. da respectiva “Fundamentação de Facto” e do próprio contrato de trabalho junto aos autos;
- No ponto 8. da Fundamentação de Facto, onde se se lê “1ª O presente contrato entra em vigor no dia 20.11.2009 (…) deverá fazer-se constar “entra em vigor no dia 20.11.2006” considerando o ponto 7 da fundamentação de facto e a cópia do próprio contrato de trabalho junta aos autos.
3. Em síntese, a condenação da ré/recorrente resultou da circunstância de o Tribunal a quo ter concluído/decidido que o motivo justificativo constante do contrato a termo incerto sub judice não estava devidamente fundamentado e concretizado, daí decorrendo a sua invalidade/nulidade e, consequentemente, a “sanção” de considerar o referido contrato como celebrado sem termo.
4. Nessa medida, concluiu ainda o Tribunal a quo que a comunicação efectuada pela ré/recorrente, para efeitos de caducidade do contrato em apreço, consubstanciou uma cessação do vínculo contratual por via de um despedimento ilícito, face ao incumprimento dos requisitos e do procedimento legalmente exigidos.
5. Salvo o devido respeito, que é muito e sincero, a ré/recorrente não pode sufragar a interpretação do Tribunal a quo (quanto à alegada insuficiência de “fundamentação bastante para satisfazer as exigências legais em termos formais”) considerando que o motivo justificativo do contrato de trabalho a termo sub judice foi cabalmente definido pela ré/recorrente, na respectiva cláusula contratual, da qual resulta expressamente que o autor/recorrido foi contratado para fazer face a uma necessidade temporária da entidade empregadora, motivada pelo acréscimo excepcional da actividade da empresa, decorrente da transferência do fabrico de produtos, devidamente identificados na referida cláusula (placas MP3/DAB/Placas de Navegação) das unidades de Hildesheim (Alemanha) para a fábrica da ré/recorrente (em Braga) (cfr. ponto 8 da fundamentação da douta sentença recorrida).
6. Ao contrário do alegado na douta sentença recorrida, a ré/recorrente não se limitou a invocar o acréscimo temporário de actividade, uma vez que fez constar expressamente do contrato que esse acréscimo resultava da transferência, temporária e de duração incerta, da produção das placas MP3/DAB/Placas de Navegação, da unidade de produção da Alemanha, para a unidade de produção de Braga.
7. Sendo que à data da contratação do autor/recorrido (Novembro de 2006) a ré/recorrente não podia antever durante quanto tempo a produção das referidas placas se manteria na unidade de Braga, e muito menos a data em que a mesma regressaria à unidade de produção da Alemanha, considerando desde logo que essa decisão não cabe à ré/recorrente (mas sim à congénere alemã).
8. No entanto, quanto contratou o autor/recorrido a ré/recorrente sabia (e este também) que a necessidade que levou à contratação (acréscimo excepcional de actividade resultante da transferência da produção de placas MP3/DAB/Placas de Navegação da Alemanha para Portugal) era, não só temporária, como de duração incerta, razão pela optou pela celebração de um contrato de trabalho a termo incerto, que veio a fazer cessar, em Setembro de 2012, nos termos da lei.
9. Isto para dizer que a ré/recorrente, quer no momento da contratação, quer no momento da cessação, do contrato de trabalho em apreço, cumpriu todos os requisitos e formalidades legalmente exigidos.
10. Mal andou por isso o Tribunal a quo quando concluiu, e desde logo em sede de saneador/sentença, pela nulidade do termo aposto no contrato de trabalho sub judice por alegada falta de concretização e fundamento, pelo que deve a sentença recorrida ser integralmente revogada e substituída por outra que declare válido o termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre a ré/recorrente e o autor/recorrido, concluindo, em conformidade, que o procedimento adoptado pela ré/recorrente, aquando da cessação/caducidade do mesmo, não enferma de qualquer nulidade, irregularidade ou ilicitude.
11. Sem prescindir, e ainda que pudesse entender-se que a descrição do motivo justificativo feita no contrato de trabalho sub judice não foi suficientemente detalhada de modo a permitir, através da sua simples leitura, “a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do artigo 140º do CT; e a realidade e adequação da própria justificação invocada face à duração estipulada para o contrato” (cfr. pag. 6 do despacho saneador/sentença), a verdade é que essa “verificação” teria sido assegurada em sede de instrução e discussão.
12. O Tribunal a quo ao ter entendido, como entendeu, que os autos já dispunham “de todos os elementos necessários para conhecer de facto e de direito” impediu a produção de prova que teria permitido revelar, quer a existência, quer a conformidade do motivo justificativo da contratação a termo incerto invocado pela ré/recorrente no contrato de trabalho sub judice com a realidade que presidiu à celebração o mesmo.
13. Ao inviabilizar a fase de instrução e discussão dos factos articulados pelas partes, designadamente pela ré/recorrente, o Tribunal a quo impediu a ré/recorrente de carrear/mostrar todos os elementos probatórios necessários e fundamentais à apreciação da matéria de facto, desde logo para efeitos de recurso.
14. Nesse sentido veja-se o acórdão da RL de 05/06/2013 (Proc. n.º 130/11.3TTLRS.L1-4), consultável no portal www.dgsi.pt, no qual se explica que: “Embora a indicação do motivo justificativo da aposição de termo no contrato de trabalho constitua uma formalidade ad substantiam e, assim, a insuficiência da mesma no documento escrito não possa ser suprida pela prova doutros factos que a completem ou concretizem, através doutros meios, nomeadamente a prestação de depoimentos testemunhais, esta é possível para efeitos da simples interpretação do contexto do documento, nos termos do n.º 3 do art. 393.º do Código Civil e em conformidade com o art. 238.º, n.º 1 do mesmo diploma, segundo o qual os negócios formais também admitem interpretação nos termos dos preceitos antecedentes (…)”
15. Não podia pois o Tribunal a quo considerar a indicação do motivo justificativo da aposição do termo vaga e genérica, sem permitir à ré/recorrente demonstrar (em sede de instrução e discussão) que a mesma tinha para o trabalhador um significado apreensível e inteligível, ou seja, que a redacção utilizada no contrato de trabalho era susceptível de conferir ao trabalhador (autor/recorrido) a representação da realidade visada.
16. Também na interpretação dos contratos de trabalho (vulgo, definição dos respectivos termos, direitos e obrigações das partes) não pode subtrair-se os cânones da interpretação dos negócios jurídicos formais, designadamente através da demonstração da vontade real das partes e das razões determinantes da forma e conteúdo do negócio/contrato (cfr. art. 238.º, n.º 1 e art. 393.º, n.º 3 do Código Civil).
17. No caso dos autos, a instrução e discussão dos factos articulados pela ré/recorrente demonstraria cabalmente que aquando da celebração do contrato de trabalho, o autor/recorrido conhecia – e não podia desconhecer – a natureza concreta e a duração (temporalmente delimitada) das funções que iria desempenhar, visto que aquele tinha conhecimento do fim a que a sua prestação de trabalho se destinava e da temporalidade da mesma (tendo consciência plena que a relação contratual estabelecida apenas subsistiria enquanto a produção de placas MP3/DAB/Navegação, temporariamente transferida da unidade de Hildesheim (Alemanha), se mantivesse na unidade de Braga.
18. O Tribunal a quo, ao inviabilizar a instrução e discussão do processo, impediu assim que a ré/recorrente de evidenciar a real vontade das partes, a situação que, no contrato, se alega constituir acréscimo temporário ou excepcional de actividade da empresa, bem como apreciar do seu caracter não duradouro, violando dessa forma o disposto nos artigos 238.º, n.º 1 e art. 393.º, n.º 3 do Código Civil.
19. Nessa medida, não constando do processo todos os elementos de prova necessários para a decisão e julgamento da matéria de facto sob apreciação, o Tribunal ad quem devrá anular a decisão proferida na 1ª instância, conforme disposto no art. 662º, nº 2, al c) do CPC, o que desde já se requer.
20. Concluir-se pela invalidade do termo do contrato de trabalho, como concluiu o Tribunal a quo, sem ter verificado (através da instrução e discussão dos factos concretos que contextualizaram a respectiva contratação) a conformidade da situação alegada com a realidade existente à data da contratação, e a sua adequação ao carácter temporário do contrato, para além de constituir uma violação ao Princípio do Inquisitório previsto no art. 411º do CPC/2013 (que impõe ao Tribunal a obrigação de realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer), constitui uma violação do princípios gerais da interpretação e integração dos negócios jurídicos, previstos nos artigos 236º e ss do CC.
21. A factualidade dos autos e a prova a produzir em sede de instrução relativamente à mesma seriam suficientes para revelar a existência e validade do termo do contrato de trabalho celebrado entre as partes, pelo que, e face ao exposto, a decisão do Tribunal a quo, tomada na fase de saneamento do processo, relativamente à invalidade do termo e consequente forma (ilícita) da cessação do referido contrato de trabalho deve ser integralmente revogada.
22. Mais, da prova dos factos alegados pela ré/recorrente, em sede de instrução, resultaria também comprovado o verdadeiro abuso de direito que constitui a alegação, por parte do autor/recorrido, de que desconhecia o contexto da contratação a termo, com o único intuito de ver reconhecido um vínculo/contrato laboral que nada tem que ver com o originariamente acordado pelas partes (pretendendo impor à ré/recorrente um conjunto de obrigações que nada têm que ver com aquelas que as partes assumiram no momento da contratação).
23. Rejeita-se pois, por infundada, a decisão do Tribunal a quo, tomada prematuramente na fase de saneamento do processo, relativamente à invalidade do termo e consequente forma (ilícita) da cessação do referido contrato de trabalho, a qual deve ser integralmente revogada.
24. Sem prescindir do acima exposto, a douta sentença recorrida sempre teria de ser revogada quanto ao decidido no seu ponto iii) considerando que no referido ponto apenas se ordena que sejam deduzidos à quantia a pagar pela ré/recorrente ao autor/recorrido (conforme ponto ii)) os valores pagos pela mesma a título de férias e subsídios (férias e natal), omitindo-se as quantias recebidas pelo autor/recorrido a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho a termo e pela falta de aviso prévio, as quais só eram devidas, e por isso foram pagas, ao autor/recorrido, no contexto de cessação do contrato de trabalho a termo incerto.
25. se o contrato de trabalho a termo incerto passou a ser considerado sem termo (face à alegada invalidade do termo), e se o autor/recorrido vai ser reintegrado (face à declaração de ilicitude do seu despedimento), não restam quaisquer dúvidas que as quantias pagas na data da cessação do contrato de trabalho a termo a títulod e compensação pela caducidade e pela falta de aviso prévio (no valor de EUR 5987,23), terão também de ser deduzidas ao montante a pagar pela ré/recorrente, caso a sentença recorrida não venha a ser integralmente revogada, sob pena de enriquecimento sem causa, conforme aliás sublinhado na fundamentação da douta sentença ora recorrida.
Nessa medida, e tendo em conta o ponto 10 da fundamentação de facto, a sentença recorrida sempre terá de ser revogada no sentido de ser ordenada a dedução da totalidade das quantias pagas pela ré/recorrente ao autor/recorrido (no valor de EUR 9.161,43), às quantias que a aquela venha a pagar ao autor/recorrido nos termos do ponto ii) do despacho que integra a decisão de saneador/sentença, sob pena de violação do disposto no artigo 390.º, n.º 2, alínea a) do Código do Trabalho.”
1.3. Respondeu o A. recorrido pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 179, vindo a ser-lhe fixado efeito suspensivo atenta a caução prestada.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, em parecer que mereceu da R. a resposta constante de fls. 203-205.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013[1], de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – da correcção da sentença;
2.ª – da validade da estipulação do termo no contrato de trabalho celebrado entre as partes (o que pressupõe a análise da sub-questão de saber se a concretização do termo constitui uma formalidade ad substantiam ou ad probationem, com reflexos na aferição da necessidade de realização de audiência de discussão e julgamento no que diz respeito à factualidade alegada pela R. na contestação com vista a integrar os conceitos usados no contrato escrito para justificar a estipulação do termo e a sua correspondência com a realidade);
3.ª – da qualificação da cessação contratual operada pela R. como caducidade do contrato de trabalho ou despedimento;
4.ª – da necessidade de realização de audiência de discussão e julgamento no que diz respeito a haver, ou não, abuso do direito por parte do A., tal como invocado na apelação;
5.ª – da dedução nos valores arbitrados das quantias percebidas pelo A. ora recorrido a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo e pela inobservância do prazo de aviso prévio.
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3. Da correcção da sentença
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Começa a recorrente por requerer a correcção da sentença, com vista a eliminar os lapsos de escrita que assinala.
Lida a sentença e compulsados os documentos em que a mesma se fundou, vg. o “contrato de trabalho a termo incerto” junto aos autos a fls. 19, tais lapsos revelam-se patentes, pelo que urge determinar a sua correcção ao abrigo do disposto no artigo 614.º do Código do Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código do Processo do Trabalho, sem necessidade de outras considerações.
Assim:
a) na 1ª linha da página 2 (fls. 124), onde se lê “junto aos autos a fls. 5, a termo certo”, deverá fazer-se constar “junto aos autos a fls. 19, a termo incerto”, pois que o contrato ali referido se encontra efectivamente a fls. 19, como resulta claramente da sua leitura (e a fls. 5 transcorre ainda a petição inicial), e trata-se de um contrato de trabalho a termo incerto, como se encontra inscrito no início do documento contratual e a própria sentença consignou no ponto 7. dos factos que julgou provados;
b) no ponto 8. da “Fundamentação de Facto”, onde se se lê “1ª O presente contrato entra em vigor no dia 20.11.2009” deverá fazer-se constar “1ª O presente contrato entra em vigor no dia 20.11.2006”, pois que é esta a data que as partes consignaram no documento contratual junto aos autos a fls. 19 e a que se reporta tal ponto da decisão de facto, não fazendo qualquer sentido, face ao ali estipulado, e à própria data em que o documento foi subscrito, a data de “20.11.2009” que erroneamente se fez constar deste ponto da “Fundamentação de Facto” para o início da vigência do contrato.
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4. Fundamentação de facto
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A decisão recorrida considerou provados (por acordo das partes manifestado nos articulados e prova documental) os seguintes factos:
«1. A ré tem por objeto a fabricação e comercialização de auto-rádios e material elétrico e eletrónico, explorando um estabelecimento fabril no local da sua sede.
2. O autor é associado do E….
3. Em 05.01.2006 o autor foi admitido ao serviço da “D…, L.da”, por contrato de trabalho a termo incerto para trabalhar, como trabalhou nas instalações da ré, exercendo as funções correspondentes à categoria de operador especializado, mediante retribuição base mensal de 449,00 €, cumprindo horário de trabalho em laboração contínua, por turnos rotativos, sendo o primeiro turno das 00:00 h às 06:00 h e o segundo das 06:00 h às 16:00 h e o terceiro das 16:00 h às 00:00 h, se 2ª a 6ª feira.
4. Por virtude do contrato referido em 3., o autor esteve ininterruptamente a prestar serviço nas instalações fabris da ré, até ao dia 10.04.2006, data em que a “D…” comunicou ao autor a cessação do contrato de trabalho referido em 3.
5. Em 05.05.2006 o autor celebrou novo contrato de trabalho a termo incerto com a “D…”, para exercer as mesmas funções nas instalações da ré, mediante a mesma retribuição base mensal e em cumprimento do mesmo horário de trabalho.
6. O contrato referido em 5. vigorou até 19.11.2006, data em que a “D…” comunicou a cessação do contrato de trabalho.
7. A 17.11.2006, e com efeitos a partir de 20.11.2006, a ré celebrou com o autor o contrato de trabalho a termo incerto, junto aos autos a fls. 5 cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido, para desempenhar sob as suas ordens, direção e fiscalização as funções correspondentes à categoria de operador especializado 3ª, com horário de trabalho em turnos rotativos, mediante retribuição base mensal de 627,00 €, acrescida de 156,75 € a título de subsídio de turno e 36,87 € a título de comparticipação da Cl.ª 3º do CCT2006.
8. Consta do contrato referido em 7. a seguinte Cláusula:
“1ª O presente contrato entra em vigor no dia 20.11.2006 e é celebrado ao abrigo do artigo 143º, al. f) da lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, tendo por objectivo fazer face ao processo de transferência de produtos (placas MP3/DAB/Placas Navegação de Hildesheim para Braga.”[2]
9. Através da carta datada de 06.09.2012, junta aos autos a fls. 21, cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido, a ré comunicou ao autor a caducidade de tal contrato de trabalho, com efeitos a partir de 08.09.2012.
10. Aquando da cessação do contrato, a ré pagou ao autor, entre outros, os seguintes montantes:
- 4.025,99 € a título de compensação pela caducidade do contrato.
- 1.961,24 € a título de compensação pela falta de aviso prévio.
- 714,46 € a título de proporcionais de férias.
- 714,46 € a título de proporcionais de subsídio de férias;
- 673,48 € a título de proporcionais de subsídio de férias;
- 1071,80 € a título de férias não gozadas.»
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5. Fundamentação de direito
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5.1. Da lei aplicável
As questões a analisar nos presentes autos deverão sê-lo, no que diz respeito à validade da contratação a termo, à luz do regime jurídico constante do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, uma vez que o contrato que integra a causa de pedir da presente acção foi celebrado em 17 de Novembro de 2006, ou seja, antes da entrada em vigor da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro [cfr. o artigo 12.º, n.º 2 do Código Civil, o artigo 8.º, n.º 1, parte final da Lei n.º 99/2003 e os artigos 7.º, n.ºs 1 e 5, alínea d) e 12.º, nº 1, alínea a), da Lei n.º 7/2009].
Já no que diz respeito à sua cessação – operada por carta remetida em 6 de Setembro de 2012 e com efeitos a 8 de Setembro seguinte – e às questões com a mesma relacionadas, deverá ser atendido o regime deste último diploma legal, que entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009.
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5.2. Da validade da estipulação do termo no contrato de trabalho celebrado entre as partes
5.2.1. No recurso interposto, a R. recorrente suscita a questão da validade da estipulação do termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre as partes, invocando que o contrato estava devidamente fundamentado e o seu motivo justificativo foi cabalmente definido, devendo o mesmo ser declarado válido.
Alega ainda a recorrente que o tribunal impediu a produção de prova que poderia revelar a existência e conformidade do motivo justificativo invocado no contrato com a realidade que presidiu à sua celebração, bem como impediu a ré/recorrente de evidenciar a real vontade das partes, a situação que no contrato se alega constituir acréscimo temporário ou excepcional de actividade da empresa e o seu carácter não duradouro, violando o disposto nos artigos 238.º, n.º 1 e art. 393.º, n.º 3 do Código Civil.
Finalmente, defende ainda que, não constando do processo todos os elementos de prova necessários para a decisão e julgamento da matéria de facto sob apreciação, o Tribunal ad quem deverá anular a decisão proferida na 1ª instância, conforme disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC.
Deve notar-se que na apelação a recorrente não defende já que o contrato de trabalho a termo celebrado cumpre os requisitos substanciais e formais exigidos pelo instrumento de regulamentação colectiva que alegara na contestação ser aplicável ao caso – Convenção Colectiva de Trabalho entre a Associação Portuguesa das Empresas do Sector Eléctrico e a TETESE e outros, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 17, de 8 de Maio de 2006 – e que estabelece uma presunção de que os contratos celebrados até ao limite de 25% do respectivo emprego se mostram justificados por necessidades não permanentes de mão de obra, cláusula que seria válida à luz do artigo 128.º do Código do Trabalho de 2003.
Sobre a questão da validade da estipulação do termo, a sentença recorrida pronunciou-se nos seguintes termos:
«[…]
O contrato a termo é um negócio formal, pois que exige a observância de forma escrita (cfr. artigo 103º, n.º 1, al. c) do CT), devendo ainda o documento respectivo conter um conjunto preciso de indicações (artigo 131º, n.º 1), entre as quais a do “motivo justificativo” do termo estipulado (artigo 131º, n.º 1, al. e) do mesmo diploma legal).
Preceitua o artigo 129º do CT: “1. O contrato de trabalho a termo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”, elencando o legislador, no n.º 2, a título exemplificativo, várias situações ilustrativas do que podem ser “necessidades temporárias”. Optou o legislador por definir, no n.º 1, um critério geral para a licitude da contratação a termo resolutivo ou final – satisfação das necessidades temporárias da empresa – e desde que o prazo convencionado não exceda o estritamente necessário à satisfação daquele objectivo. Por seu turno, do n.º 2, consta uma enumeração (meramente exemplificativa, como já referimos) das situações mais correntes indiciadoras da verificação daquela necessidade temporária.
E assim é face à excepcionalidade desta forma de contratação laboral, pois que a faculdade de aprazamento de vínculos laborais pode acarretar uma extrema instabilidade do trabalhador, sem qualquer justificação social ou económica. Com o propósito de conservar o máximo de liberdade de decisão quanto ao volume de trabalho disponível, o empregador não deixaria, em muitos casos, de optar por sucessivos vínculos de curta vigência.
A lei exige não só que exista motivação ou justificação da celebração do contrato a termo, mas também que ela se integre numa tipologia descrita no já citado artigo 129º. Se a situação concreta não preencher nenhuma das hipóteses enumeradas no artigo 129º, n.º 2 ou não se incluir na cláusula geral prevista no n.º 1, ou ainda se a aposição de termo tiver fim fraudulento ou se não constar do contrato a indicação do motivo justificativo, a consequência é a mesma: tem-se por inválida a estipulação do termo, o vínculo é considerado de duração indeterminada (cfr. artigo 131º, n.º 4 do CT). A exigência legal de justificação de aposição de termo poderia ser facilmente iludida se bastasse incluir no contrato de trabalho a menção de algumas das fórmulas genéricas que o artigo 129º do CT estabelece. Assim, não basta, por exemplo, invocar a “substituição temporária de um trabalhador”, é necessário identificar esses trabalhador e indicar a natureza do impedimento; não basta referir-se um “acréscimo temporário de actividade”, é exigido que se concretize o tipo de actividade em que se verifica intensificação e a causa desta. É necessário, em suma, que a indicação requerida permita duas coisas: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do artigo 129º; e a realidade e a adequação da própria justificação invocada face à duração estipulada para o contrato. ().
Neste sentido, veja-se o AC STJ 9.09.2009., n.º convencional 09S0225, Relator Juiz Conselheiro Sousa Peixoto, em que se escreve: para que a “a estipulação do termo fosse devidamente justificada, devendo essa justificação constar expressamente do contrato escrito, com a concreta indicação dos factos e circunstâncias que a integram, concretização essa que é absolutamente necessária para que o trabalhador tenha conhecimento das circunstâncias em que contratou e, sendo caso disso, o tribunal possa sindicar a veracidade do motivo justificativo invocado, sendo que o uso de fórmulas genéricas que abarquem uma diversidade de situações de facto não permitiriam uma tal apreciação jurisdicional da veracidade do motivo justificativo aduzido e possibilitariam que a entidade empregadora apresentasse, mais tarde, uma qualquer situação concreta que se enquadrasse na fórmula genérica, mesmo que essa não tivesse a motivação da contratação do trabalhador (…), a Relação admitiu que podia haver, todavia, situações em que a utilização de uma fórmula genérica seja suficiente para justificar o motivo, desde que tal fórmula seja suficientemente elucidativa acerca do circunstancialismo factual que esteve na base da contratação. Ao apreciar se a motivação circunstancial para a aposição de um termo resolutivo se subsume a alguma das hipóteses em que a lei admite a contratação precária, o tribunal deverá proceder, antes de mais, à interpretação do convénio estabelecido. Para o efeito, deve ter presentes os critérios enunciados nos artigos 236.º e segs. do Cod. Civil. Importa não esquecer, designadamente, que o contrato de trabalho a termo é um negócio formal – artigo 42.º n.º 1 da L.C.C.T. – de onde decorre que a declaração não pode valer com um sentido que não encontre um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso art. º 238º do Cód. Civil.”
Ora, procedendo a uma leitura atenta das cláusulas insertas no contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré, mormente a ínsita na claúsula 1ª, parece-nos, que dela não resulta fundamentação bastante para satisfazer as exigências legais em termos formais. Na verdade, estipular que “1ª O presente contrato entra em vigor no dia 20.11.2009 e é celebrado ao abrigo do artigo 143º, al. f) da lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, tendo por objectivo fazer face ao processo de transferência de produtos (placas MP3/DAB/Placas Navegação de Hildesheim para Braga”, sem nada mais concretizar, prescindindo de qualquer elenco factual quanto á baliza temporal, desde logo quanto á data de inicio da verificação de tal processo e à data previsível de terminus do mesmo, em que tal “transferência de produtos” se traduz, não fica devidamente concretizado o fundamento para a contratação a termo, ao contrário do que vem defendido pela ré na contestação apresentada. Temos então que o termo aposto no contrato não é válido.
[…]»
Subscrevemos este juízo, sendo certo que a argumentação expressa pela R. recorrente nas suas alegações não é susceptível de o infirmar.
Com efeito, o texto do convénio celebrado não esclarece, minimamente, quais eram os factos ou circunstâncias que acarretaram um acréscimo “excepcional” da actividade da R., por que razão a transferência de produtos de uma unidade para outra ali invocada era meramente “temporária” ou por que razão implicava um aumento excepcional e temporalmente delimitado – ainda que de duração incerta – da actividade de operador especializado que o A. foi desempenhar ao serviço da recorrente, determinante da criação de um novo posto de trabalho no momento em que o contrato foi celebrado.
Relembremos o teor da cláusula contratual em que é exposta a motivação do contrato: “1ª O presente contrato entra em vigor no dia 20.11.2006 e é celebrado ao abrigo do artigo 143º, al. f) da lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, tendo por objectivo fazer face ao processo de transferência de produtos (placas MP3/DAB/Placas Navegação) de Hildesheim para Braga.”
Para além da referência ao preceito legal em que funda a motivação - 143º, al. f) da lei n.º 99/2003 – o objectivo ali assinalado - fazer face ao processo de transferência de produtos (placas MP3/DAB/Placas Navegação) de Hildesheim para Braga - é manifestamente vago e, até, equívoco.
É vago porque, com a singela referência que ficou a constar do contrato, não se percebe se há uma intensificação extraordinária da actividade da R. que, pela sua singularidade e transitoriedade, não justifica a admissão de um trabalhador por tempo indeterminado, nem se percebe se essa intensificação é transitória, nem se percebe se, a ser transitória, não é possível uma previsão temporal para a mesma que permita entender por que razão o termo aposto ao contrato tem natureza incerta, nem se compreende que relação há entre o exercício das funções de operador especializado e a “transferência de produtos” de Hildesheim para Braga, pelo que não pode considerar-se preenchida a hipótese do artigo 143.º, alínea f) do Código do Trabalho de 2003.
Mas, além de ser vaga e insusceptível, por isso, de cumprir o desiderato assinalado na lei, a expressão utilizada pela recorrente no texto do contrato é equívoca, não permitindo, sequer, a apreensão clara do circunstancialismo concreto da actividade a que se reporta. Tanto assim é que a própria R. quando contestou a acção alegou realidade diversa da que agora vem sustentar no recurso corresponder à realidade dos factos.
Com efeito, na contestação a R. diz que o contrato de trabalho indica as “tarefas concretas a realizar” (artigo 10.º da contestação) e que precisou de mais trabalhadores num “tempo de previsibilidade incerta” (artigo 11.º da contestação), explicitando que o volume da actividade está “intrinsecamente dependente dos pedidos realizados pelos diferentes clientes” (artigos 13.º da contestação) e alega que descreveu no contrato a “actividade a realizar em concreto” e que a necessidade é “visivelmente limitada no tempo” (artigo 17.º da contestação). Embora não se veja no texto do contrato onde estão descritas as tarefas concretas a realizar, nem qualquer expressão que denote serem as mesmas limitadas no tempo, o certo é que a R. sustenta no articulado ser o contrato justificado por um aumento de actividade produtiva por força de pedidos de clientes
Todavia, no recurso a R. vem alegar que o acréscimo excepcional da actividade da empresa decorreu da “transferência do fabrico de produtos” de unidades da Alemanha para a sua fábrica em Braga, transferência de produção esta que seria temporária, não podendo a R. antever durante quanto tempo a produção das referidas placas se manteria na unidade de Braga e que o A. tinha consciência plena que a relação contratual estabelecida apenas subsistiria enquanto a produção das referidas placas, temporariamente transferida da unidade de Hildesheim (Alemanha), se mantivesse na unidade de Braga (vide as conclusões 5.ª a 7.ª e 17.ª). Embora também aqui não se vislumbre a mínima referência no texto do contrato à transferência para a unidade de Braga do “fabrico” de produtos ou da “produção” das placas, nem tão pouco qualquer expressão que denote ser temporária e de duração incerta esta transferência de fabrico, o certo é que tal alegação consubstancia realidade bem diferente, não relacionada com um aumento de actividade produtiva por força de pedidos de clientes, mas com uma decisão de gestão que, necessariamente, está na base da transferência do fabrico de determinados produtos, da Alemanha para Portugal.
Seja como for, o que se nos afigura indiscutível é que o relato feito no contrato, para além de nada permitir concluir quanto a haver um “acréscimo” de actividade, à “excepcionalidade” do mesmo, à sua natureza “temporária” e à “imprevisibilidade da sua duração”, não permite sequer apreender que a actividade justificativa da celebração do contrato é qualquer uma das que a R. alegou ao longo deste processo. A expressão “fazer face ao processo de transferência dos produtos” identificados, de Hildesheim para Braga, não permite abarcar qualquer destas realidades: nem que a actividade aumentou por haver mais pedidos de clientes; nem que o fabrico daqueles produtos passou para a unidade de Braga onde o A. foi prestar trabalho.
Se a R. tinha necessidade de contratar trabalhadores para realizarem as tarefas necessárias ao “processo de transferência dos produtos” identificados da Alemanha para Portugal e se, por isso, a sua empresa teve uma “acréscimo” de actividade de natureza “excepcional” e “temporária”, deveria expressá-lo no texto que titula a contratação a termo para que através da leitura dos factos ali relatados se pudesse concluir pelo preenchimento da hipótese legal que o possibilita – a alínea f) do artigo 143.º, que prevê o “[a]créscimo excepcional de actividade da empresa” – para o que não basta a referência a que o contrato tem por objectivo “fazer face ao processo de transferência de produtos (placas MP3/DAB/Placas Navegação) de Hildesheim para Braga ”.
É patente a vacuidade do que é dito no texto do contrato e nada indicia que as circunstâncias ali referenciadas de modo genérico constituam acréscimo de actividade e se revistam de natureza excepcional e temporária ou se, pelo contrário são situações regulares e permanentes, não contendo o documento que o titula factos concretizadores de acréscimos temporários de trabalho eventualmente verificados na empresa. Com a singela referência que ficou a constar do contrato, nem se percebe se há uma intensificação extraordinária da actividade da R. que, pela sua singularidade e transitoriedade, não justifica a admissão de um trabalhador por tempo indeterminado, nem se percebe se há uma previsão temporal para essa intensificação que permita entender por que razão foi ajustado o termo incerto, nem se compreende que relação há entre a justificação invocada e tal termo incerto, pelo que não pode considerar-se preenchida a hipótese legal invocada do artigo 143.º, alínea f) do Código do Trabalho de 2003.
Temos, portanto, de concluir que o empregador não deu cabal cumprimento no documento de contratação do ora recorrido ao disposto na alínea e) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 131.º do Código do Trabalho, não indicando no contrato, de modo suficiente, os factos e circunstâncias que justificavam a contratação a termo do trabalhador em causa, o que desde logo determina se considere sem termo o contrato de trabalho celebrado de acordo com o n.º 4 do mesmo preceito, sem que se chegue a colocar a questão de aferir da veracidade dos motivos que o empregador neles invocou.
5.2.2. A recorrente vem mais alegar que, ainda que pudesse entender-se que a descrição do motivo justificativo feita no contrato não foi suficientemente detalhada de modo a permitir, através da sua simples leitura, a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia da lei e a realidade e adequação da própria justificação invocada face à duração estipulada para o contrato, sempre essa “verificação” teria sido assegurada em sede de instrução e discussão e que o tribunal a quo impediu a produção de prova que teria permitido revelar, quer a existência, quer a conformidade com a realidade do motivo justificativo da contratação a termo incerto invocado no contrato.
Ora, como nos parece que resulta já do exposto, não pode proceder esta sua tese.
Como há muito tempo é reconhecido na doutrina e na jurisprudência, só serão considerados os motivos invocados pelo empregador para justificar a contratação a termo que constem do texto contratual, pelo que a sua inclusão na redacção do documento se torna imprescindível para aferir da validade da aposição do termo.
Na palavra de Luís Miguel Monteiro e Pedro Madeira de Brito, “as razões determinantes da forma do negócio opõem-se a que a vontade real dos contraentes possa ter relevância na validade da estipulação do termo, se essa vontade não estiver expressa no texto do contrato (art. 238.º do CC)”[3].
Se por acaso o empregador tiver razões válidas para proceder à contratação a termo, mas não fizer constar tais razões do documento que titula o contrato (ainda que venha a alegá-las e demonstrá-las em tribunal), a consequência será a conversão do contrato em contrato sem termo[4].
Por isso tem entendido a jurisprudência, sem discrepâncias, que a suficiente explicitação do motivo justificativo da contratação laboral a termo no documento que titula o vínculo integra uma formalidade “ad substantiam”, não podendo o motivo ser indicado em termos genéricos e abstractos ou limitar-se a transcrever a letra da lei[5].
Como se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 2009, “[a] indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade ad substantiam, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova, donde resulta que o contrato se considera celebrado sem termo, ainda que depois se viesse a provar que na sua génese estava uma daquelas situações em que a lei admite a celebração de contratos de trabalho a termo”. E, continua, “[i]sto significa que só podem ser considerados como motivo justificativo da estipulação do termo os factos constantes na pertinente cláusula contratual” e “não é possível ter em conta os factos dados como provados, com o objectivo de completar ou confirmar o motivo justificativo da contratação a termo”[6].
Esta doutrina é congruente com o preceituado no artigo 393.º do Código Civil, nos termos do qual se a declaração negocial, por disposição da lei, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal (n.º 1), o que igualmente sucede no caso de o facto estar plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena (n.º 2).
É certo que, de acordo com o n.º 3 do artigo 393.º, estas regras não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento.
Como é dito no Acórdão da Relação de Lisboa de 2013.06.05, citado pela recorrente, esta ressalva “é consentânea com o que dispõe o art. 238.º, n.º 1 do mesmo diploma, de que resulta que os negócios formais também admitem interpretação nos termos dos arts. 236.º e 237.º, embora com a (forte) limitação de que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. Isto é, exclusivamente para tal efeito e dentro de tais limites, “[n]a interpretação de negócios formais é admissível o recurso a elementos exteriores ao contexto do documento, conforme está hoje claramente expresso no n.º 3 do art. 393.º” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1987, p. 226).”
Aceita-se que assim seja. Simplesmente, tal não afasta a necessidade de o texto do documento que titula o contrato de trabalho a termo ser apto a permitir a verificação da conformidade da situação ali descrita com a tipologia da lei e a adequação dessa justificação à duração estipulada para o contrato. O facto de se admitir a produção de prova testemunhal para interpretar o contexto do documento ou, até, para esclarecer a vontade das partes quando tal assuma relevância face aos contornos da acção, não afasta a necessidade de o texto ser auto-suficiente nos aspectos enunciados no artigo 131.º, n.º 1 do Código do Trabalho. Se tais aspectos não têm um mínimo de correspondência no texto, ainda que imperfeitamente expresso, é absolutamente espúria a produção de prova testemunhal. Ou seja, não se pode, a pretexto de esclarecimentos ao texto ou da interpretação do que nele é dito, usar a prova testemunhal para apurar requisitos essenciais da motivação que, nos termos da lei, devem fazer parte do documento subscrito pelas partes e que neste não encontram, efectivamente, qualquer respaldo.
Aliás, é de notar que o citado aresto da Relação de Lisboa que determinou a ampliação da decisão de facto versava sobre uma situação em que o contrato de trabalho visava a satisfação de necessidades permanentes da empresa [artigo 140.º, n.º 4, alínea a) do Código do Trabalho de 2009] e que, no caso, a Relação considerou suficientemente determinada e individualizada a motivação do contrato. E apenas admitiu a ampliação da decisão de facto para averiguar se a motivação dele constante tinha para a trabalhadora um significado apreensível e se, no pressuposto da validade formal da indicação do termo, o motivo justificativo correspondia à realidade.
Ora no caso sub judice, e como resulta do que foi dito, a cláusula 1.ª do contrato celebrado não contém, efectivamente, a concretização dos factos ou circunstâncias que levaram o empregador a contratar o trabalhador a termo, nem se compreende qualquer relação entre a justificação invocada e o termo incerto estipulado, o que constitui motivo bastante para que se considere sem termo o contrato mantido entre as partes, de acordo com o preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 131.º, n.º 1, alínea e) e n.º 4 e 143.º do Código do Trabalho de 2003.
Assim, tornava-se efectivamente desnecessária qualquer actividade de instrução relacionada com a prova da veracidade dos factos motivadores invocados no contrato ou de novos factos alegados na acção em concretização de tais motivos – bem como de factos alegados ex novo no recurso, quer relacionados com a motivação do contrato, quer relacionados com a vontade real das partes –, pelo que é também de confirmar o juízo do tribunal a quo no sentido de que se tornou inútil a produção de prova sobre a factualidade alegada pela Ré na respectiva contestação para preencher a afirmação genérica constante do clausulado do contrato documentado nos autos com vista à justificação da estipulação do termo, sem que tal implique qualquer violação do princípio do inquisitório enunciado no art. 411.º do Código de Processo Civil, pois que a actividade instrutória do tribunal nele referida pressupõe que lhe seja lícito conhecer os factos a apurar.
E não se justifica, pelos mesmos motivos, a anulação da decisão proferida na 1ª instância para ampliação da matéria de facto nos termos prescritos no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil.
Improcede, nesta parte, o recurso.
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5.3. Da qualificação da cessação contratual operada pela R. como caducidade do contrato de trabalho ou despedimento.
Tendo-se concluído que o contrato mantido entre as partes tem de ser considerado um contrato de trabalho sem termo desde o seu início, por força do disposto no n.º 4 do artigo 131.º do Código do Trabalho, é manifesto que quando a ora recorrente lhe pôs fim através do escrito documentado a fls. 21, comunicando a sua caducidade para o dia 8 de Setembro de 2012, nada mais fez do que proceder ao despedimento do recorrido sem procedimento que o antecedesse.
O contrato em apreço não terminou, pois, por caducidade nesse dia 08 de Setembro de 2012 – uma vez que um contrato de trabalho sem termo é insusceptível de cessar por caducidade determinada pelo decurso do tempo –, mas por via de rescisão unilateral perpetrada por iniciativa da entidade empregadora, a qual é ilícita nos termos prescritos no artigo 381.º, alínea c) do Código do Trabalho de 2009.
Improcede, também aqui, o recurso da R..
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5.4. Da necessidade de realização de audiência de discussão e julgamento no que diz respeito ao alegado abuso do direito
Nas alegações de recurso a recorrente invocou ainda que a decisão do tribunal a quo foi tomada prematuramente na fase de saneamento do processo pois “da prova dos factos alegados pela recorrente, em sede de instrução, resultaria também comprovado o verdadeiro abuso de direito que constitui a alegação, por parte do autor/recorrido, de que desconhecia o contexto da contratação a termo, com o único intuito de ver reconhecido um vínculo/contrato laboral que nada tem que ver com o originariamente acordado pelas partes (pretendendo impor à ré/recorrente um conjunto de obrigações que nada têm que ver com aquelas que as partes assumiram no momento da contratação)” (conclusões 22.ª e 23.ª).
Ora, analisando a petição inicial apresentada nestes autos pelo A., não se vê que o mesmo nela alegue que “desconhecia o contexto da contratação a termo”, invocando, isso sim, que o motivo do contrato é genérico, não indica factos, não especifica em concreto a necessidade de a R. admitir um operador de logística e não corresponde à verdade, destinando-se o contrato a enfrentar necessidades permanentes da empresa.
Por seu turno na contestação apresentada pela R., esta impugna os factos alegados pelo A., diz que o contrato de trabalho indica as tarefas a realizar e resultou de acréscimo excepcional, não previsível, nem planeável, que o volume da actividade está intrinsecamente dependente dos pedidos dos clientes, que o contrato indica a actividade a realizar em concreto, a necessidade é visivelmente limitada no tempo e revela bem a razão do termo incerto (artigos 10.º 11.º, 13.º e 17.º da contestação).
Verifica-se pois que, nem da petição inicial resulta ter o A. alegado que desconhecia o contexto da contratação a termo, nem da contestação resulta ter a R. alegado que o A., na data da sua contratação, conhecia quer a natureza, quer o limite temporal do vínculo de trabalho e das funções para as quais estava a ser contratado, como agora vem a mesma sustentar nas alegações de recurso.
Assim, ainda que pudesse admitir-se o relevo de tais factos para uma situação de eventual abuso do direito por parte do A. nos termos prescritos no artigo 344.º do Código Civil, uma vez que tais factos não se encontravam alegados – nem tão pouco fôra invocado pela R. o abuso do direito –, nada justificava que a Mma. Julgadora a quo equacionasse, sequer, a possibilidade de se verificar in casu a figura do abuso do direito.
Nem encontra sustentação a afirmação que esta vem a fazer na apelação de que “se os factos articulados pela ré/recorrente tivessem sido objecto de instrução, discussão e julgamento, teria ficado demonstrado nos autos que o autor/recorrido, na data da sua contratação, conhecia quer a natureza, quer o limite temporal do vínculo de trabalho e das funções para as quais estava a ser contratado”, uma vez que tais factos não foram efectivamente alegados pela recorrente na contestação.
Ora, o abuso do direito é questão do conhecimento oficioso do tribunal, o que significa que pode e deve ser conhecido em qualquer momento do processo, mesmo que não invocado, e desde que os autos forneçam os necessários elementos de índole factual[7].
Mister é que tais o juiz se depare com tais elementos, o que não sucedia perante os articulados das partes, pois não se vislumbra que houvesse factos alegados e controvertidos susceptíveis de alicerçar a afirmação de que o A. actuou em abuso do direito ao instaurar a presente acção.
E, assim sendo, não havia razões para que a Mma. Julgadora a quo equacionasse a questão do abuso do direito e deixasse de dar uma resposta definitiva às questões suscitadas nos articulados no momento da prolação do despacho saneador, sendo de considerar que havia então nos autos elementos de facto seguros e bastantes para a prolação de uma decisão conscienciosa.
Não se justifica, pois, que se ordene a ampliação da matéria de facto nos termos do artigo 662.º, alínea c), in fine, do Código de Processo Civil para averiguar da existência de abuso do direito com base em factos que não se mostram alegados nos articulados.
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5.5. Da dedução das quantias percebidas a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo e pela inobservância do prazo de aviso prévio
Alega finalmente a recorrente que a sentença recorrida sempre terá de ser revogada quanto ao decidido no seu ponto iii), considerando que no referido ponto apenas se ordena que sejam deduzidos à quantia a pagar pela ré/recorrente ao autor/recorrido (conforme ponto ii)) os valores pagos pela mesma a título de férias e subsídios (férias e natal), omitindo-se as quantias recebidas pelo autor/recorrido a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho a termo e pela falta de aviso prévio, as quais só eram devidas, e por isso foram pagas, ao autor/recorrido, no contexto de cessação do contrato de trabalho a termo incerto.
Neste aspecto é manifesto que lhe assiste razão.
Com efeito, se o contrato de trabalho a termo incerto passou a ser considerado sem termo e se é determinada a reintegração do recorrido por força da declaração de ilicitude do seu despedimento, é manifesto que as quantias pagas na data da cessação do contrato de trabalho a termo a título de compensação pela caducidade (€ 4.025,99) e pela falta de aviso prévio (€ 1.961,24) – ponto 10. da matéria de facto –, terão também de ser deduzidas ao montante a pagar pela recorrente, nos exactos termos prescritos no artigo 390.º, n.º 2, alínea a) do Código do Trabalho de 2009, por se tratar de importâncias que o trabalhador auferiu com a cessação do contrato e que não auferiria se não fosse o despedimento.
Assim, determinar-se-á que se acrescente às deduções determinadas na alínea iii) da sentença sob censura, o valor pago pela recorrente ao recorrido a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho (€ 4.025,99) e pela falta de aviso prévio (€ 1.961,24).
Procede, nesta parte, o recurso.
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5.6. As custas serão suportadas por recorrente e recorrido na proporção do vencimento (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013).
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6. Decisão
Em face do exposto:
6.1. procede-se à correcção da sentença nos termos sobreditos (ponto 3. deste acórdão);
6.2. decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, determina-se que se acrescente às deduções determinadas na alínea iii) da parte decisória da sentença da 1.ª instância o valor pago pela recorrente ao recorrido a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho (€ 4.025,99) e pela falta de aviso prévio (€ 1.961,24), no mais se confirmando a decisão final constante daquela sentença.
Custas pela R. e pelo A. na proporção do vencido.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Porto, 3 de Novembro de 2014
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
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[1] Preceito a ter em vista pelo Tribunal da Relação no presente momento processual, por força dos arts. 5.º a 8.º da Lei Preambular do Código de Processo Civil de 2013.
[2] Corrigido nos termos supra determinados.
[3] In Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, Coimbra, 2003, p. 281.
[4] Vide o Ac. do STJ de 2005.03.03, Recurso n.º 3952/04, da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[5] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 2003 (Revista nº 1388/03, 4ª Secção), de 2 de Julho de 2003 (Revista nº 842/03, 4ª Secção), de 14 de Janeiro de 2004 (Revista nº 2558/03, 4ª Secção), de 3 de Março de 2005 (Revista nº 3952/04, 4ª Secção), de 18 de Junho de 2008, Recurso n.º 936/08, de 2 de Julho de 2008, Recurso n.º 603/08 e de 09 de Junho de 2010, Recurso n.º 1389/07.6TTPRT.S1 - 4.ª Secção, todos sumariados in www.stj.pt. Vide também o Acórdão da Relação do Porto de 2013.11.04, processo n.º 235/11.0TTBCL.P1, em que a ora relatora intervém como primeira adjunta.
[6] In www.dgsi.pt.
[7] Vide neste sentido o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.07.14, Recurso n.º 3846/08.4 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – Considera-se sem termo o contrato a termo celebrado, quando do seu texto não é possível determinar se a situação nele referenciada é nova, excepcional e temporária, não contendo o mesmo factos concretizadores de um acréscimo temporário e excepcional de trabalho eventualmente verificado.
II – A suficiente explicitação no documento que titula o vínculo do motivo justificativo da contratação laboral a termo integra uma formalidade “ad substantiam”.
III – O facto de a lei admitir a produção de prova testemunhal para interpretar o contexto do documento, esclarecer algum ponto que dele conste ou, até, para esclarecer a vontade das partes que o celebraram quando tal assuma relevância face aos contornos da acção, não afasta a necessidade de o escrito do contrato de trabalho a termo ser auto-suficiente nos aspectos enunciados no artigo 131.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003.
IV – Não se justifica ordenar a ampliação da matéria de facto para averiguar da existência de abuso do direito com base em factos que não se mostram alegados nos articulados.

Maria José Costa Pinto