Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
550/22.8T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP20240220550/22.8T8STS.P1
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A prova constituída por depoimentos de averiguadores contratados por uma seguradora, relatando inspecções e exames que fizeram, a locais e veículos, sem sujeição a qualquer contraditório, e reproduzindo depoimentos que colheram dos intervenientes em acidente de viação, sem qualquer contraditório, enunciando depois as conclusões a que chegaram, não tem valor como prova pericial e não se substitui à percepção directa do tribunal sobre tais meios de prova.
II - Tais intervenções, quando reproduzidas em relatórios, integrando juízos sobre meios de prova e conclusões sobre questões controvertidas, também não valem como prova documental. E, quando produzidas oralmente, em audiência, mediante contraditório, também não valem como prova testemunhal, salvo quanto à descrição de elementos que possam ter sido percepcionados directamente, mas já não quanto à descrição de meios de prova ou à enunciação de conclusões edificadas sobre a percepção de meios de prova.
III - A utilização de estradas e veículos por uma multiplicidade de indivíduos é de ordem a permitir que ocorram acidentes de viação. Destes resultam prejuízos patrimoniais a indemnizar segundo as regras de responsabilidade civil. Mas também resultam, quase necessariamente, a afectação do estado psicológico dos intervenientes, bem como a necessidade de desenvolver acções tendentes à superação da situação, com os incómodos e ansiedades inerentes. Só quando estes efeitos assumirem uma densidade tal que ultrapassem a normalidade, é que deve actuar a tutela jurídica prevista no art. 496º, nº 1 do C. Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. Nº 550/22.8T8STS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Santo Tirso - Juiz 1


REL. N.º 830
Relator: Rui Moreira
Anabela Dias da Silva
Alberto Eduardo Monteiro de Paiva Taveira



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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


1 – RELATÓRIO
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AA e mulher BB vieram intentar acção em processo comum contra A..., S.A., detentora da marca ..., e B... Lda, detentora da marca C..., S.A., pedindo a condenação solidária destas a pagarem-lhes as quantias de 4.500,00€ (quatro mil e quinhentos euros), com juros a contar da citação e de 5.560,00€ (cinco mil quinhentos e sessenta euros), com juros a contar da citação, a título de indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais, respectivamente, danos estes que lhes advieram de um acidente de viação em que intervieram um veículo do casal, conduzido pela autora, e dois outros veículos, seguros em cada uma das rés.
Descreveram o acidente e os danos dele resultantes, que motivaram a perda total do seu veículo, por ser muito superior o preço da sua reparação em relação ao seu valor, e alegaram danos decorrentes da respectiva privação.
A ré A... rejeitou a sua responsabilidade, impugnando que tivesse ocorrido um tal acidente, designadamente por os danos apresentados por cada um dos três veículos intervenientes não serem compatíveis com a descrição dele feita
A ré B... afirmou que o único responsável pelo acidente é o condutor do veículo seguro na A..., além de impugnar os danos alegados. Concluiu pela sua absolvição.
O processo foi saneado e a instância tida por válida e regular.
Realizou-se a audiência de julgamento. No seu termo, foi proferida sentença que concluiu pela exclusiva responsabilidade do condutor do veículo seguro na A..., em razão do que decretou a condenação desta a pagar aos autores o valor de €3.110,00, a titulo de indemnização por danos patrimoniais, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento e no valor de €500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora calculados desde a data de notificação desta decisão até efetivo e integral pagamento.
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É desta sentença que vem interposto recurso, pela ré A..., que o terminou formulando as seguintes conclusões:
“1. Os AA., aqui recorridos, alegam que no dia 4 de março de 2021 ocorreu um acidente de viação, que envolveu os veículos com as matrículas ..-..-XR (doravante XR ou KIA), ..-VF-.. (doravante VF ou BMW) e ..-..-UU (doravante UU ou Renault). No essencial, argumentam que o Renault circulava por uma estrada secundária e que, ao chegar ao entroncamento formado por essa estrada com a EM 558-1, não terá parado no sinal de STOP existente à sua frente, tendo embatido com a sua frente esquerda contra a lateral direita do BMW, que circulava pela referida EM, apresentando-se pela esquerda do Renault, projetando-o para um embate frontal contra o KIA, propriedade dos apelados, que também circulava pela EM, mas em sentido contrário ao do BMW.
2. A R., aqui recorrente, por seu lado, face à evidência das fotografias juntas com a sua contestação (referentes ao suposto local do embate, aos danos que os veículos apresentavam e ao modo e condições como estas viaturas ficaram após o alegado sinistro), às incoerências e “esquecimentos” existentes nas diversas versões apresentadas pelos alegados condutores, às averiguações técnicas levadas a cabo pelas três empresas que contratou para esse efeito, e aos demais depoimentos ouvidos em julgamento, não aceita, de modo algum, que o acidente descrito pelos recorridos alguma vez tenha ocorrido, muito menos da forma como se encontra descrito, não podendo, por isso, ser responsabilizada pela reparação de quaisquer prejuízos, nomeadamente pelos referidos no articulado inicial.
3. Produzida a prova, o Tribunal a quo, por sua vez, aderiu, em parte, à posição dos AA., julgando a ação parcialmente procedente e decidindo que o suposto acidente tinha, de facto, ocorrido, fundamentando a sua decisão, essencialmente, numa suposta – mas inexistente, como demonstraremos infra – coerência e credibilidade dos depoimentos prestados pelos três alegados condutores.
4. Ora, confrontada essa decisão (e respetiva fundamentação) com a evidência das imensas, esclarecedoras e abundantes provas constantes dos autos, nomeadamente relativas às incompatibilidade, entre si, dos danos que apresentavam os três veículos, às respetivas posições em que estes supostamente ficaram, à impossibilidade física, geográfica e dinâmica de o dito acidente ter ocorrido, às versões apresentadas e aos danos reclamados, a aqui recorrente não se conforma com o teor da sentença proferida, nem tão pouco com a matéria dada como assente e a dada como não provada, nem tão-pouco ainda com a Motivação e fundamentação constante da mesma, daí a razão do presente recurso.
5. Assim, entende que os factos dados como provados e como não provados, debitados nos números 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 39, 48 e 52 e nas alíneas E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q (cujo teor (de todas), se dá aqui por reproduzido, por economia processual e para não alargar, ainda mais, as presentes conclusões), relativa à “suposta” ocorrência do alegado sinistro, debitada na sentença recorrida, constitui matéria que foi incorretamente apreciada e julgada, motivo pelo qual vem requerer a V. Exas., através do presente recurso, a reapreciação da mesma, à luz nos abundantes elementos de prova constantes dos autos que a contrariam.
6. Além de entender que estas matérias foram incorretamente apreciadas, entende ainda que alguns desses números e alíneas são contraditórios entre si, nomeadamente os vertidos no ponto anterior e os debitados nos pontos 38, 41, 43, 44, 45, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 56 a 58, 61 e das alíneas f, g, h, i, j, k, l, m, n, o, p, q, etc., que para além de estarem em oposição uns com os outros – uns justificando a ocorrência do sinistro e impossibilidade de o mesmo ter ocorrido e outros o contrário) ainda são, quase todos eles, mormente os factos dados como não provados, facilmente contrariados pela simples análise das fotografias juntas com a contestação da aqui recorrente.
7. Destes pontos e alíneas resulta também que a descrição do local, que, por si só, demonstra que as trajetórias dos veículos e a dinâmica dos mesmos nunca poderia corresponder à constante da sentença recorrida; que os veículos, mormente o Renault, não podia circular da forma descrita na sentença proferida, nem poderia ter embatido conforme alegado pelos AA.; que o dito “acidente” ocorre dentro de uma localidade, onde a velocidade máxima de circulação era, por isso e no máximo, de 50km/h, quando o BMW seguia a velocidade superior a 70km/h – ponto 42; que não existiam rastos de travagem, no pretenso local de embate, conforme, aliás, também resulta das fotografias 57 e seguintes, juntas com a contestação – ponto 43; que o acidente não foi participado às entidades policiais – GNR e PSP – ponto 44; que os supostos veículos envolvidos tinham um longo histórico de sinistralidade – ponto 45; o ponto 48 a 52, descreve alguns dos danos que apresentava o BMW, referindo, entre outras coisas, que as estruturas de ambas as óticas estavam partidas, sendo que estas não sofreram quaisquer danos, conforme se afere das fotografias 57 e seguintes, a lateral direita do para-choques estava muito riscada, sendo que esta parte, alegadamente, não foi embatida por nenhum dos outros veículos, que não apresentavam danos compatíveis com aqueles, a barra de reforço e a barra de reforço inferior estavam vincadas, não se encontrando justificação para tal em função dos danos existentes nos outros veículos, ambos os airbags frontais do BMW estavam disparados quando apenas circulava, no seu interior, o suposto condutor…; o ponto 53 contraria a realização de uma manobra de desvio do BMW anunciada na sentença recorrida, que apresentava as suas rodas alinhadas; o ponto 54 refere expressamente que o XR apresentava danos “…sem que a frente do VF possuísse qualquer marca ou vestígio de embate que o pudesse ter provocado…”; o ponto 56 a 58 confirma que o condutor do Renault tudo fez para evitar qualquer embate; o ponto 61 vem confirmar que o suposto condutor do BMW faltou à verdade, desde logo no que diz respeito à velocidade que diz que impugna ao dito veículo…
Por seu lado, o teor das alíneas e, f, g, h, i, j, l, m, n (em parte), o, p, q da matéria dada não provada, pode ser facilmente confirmado, e julgado provado, pela simples análise das fotografias a cores juntas com a contestação, as quais valem por “mil palavras”, principalmente se forem proferidas pelos supostos condutores intervenientes no alegado sinistro.
8. Os meios de prova que, no nosso modesto entender, demonstram que a matéria em causa foi incorretamente julgada são todos os depoimentos – de parte e testemunhais (analisados e identificados infra) – prestados durante o julgamento realizado, transcritos, em parte, supra, nestas alegações, e os registos fotográficos juntos aos autos e constantes da contestação apresentada pela recorrente, nestes autos.
Analisemos, então, estes meios de prova:
9. Por questões de economia processual e de modo a não tornar demasiado extensas as presentes conclusões, a recorrente dá aqui por reproduzidas, para os devidos efeitos legais, as transcrições dos depoimentos debitadas no corpo destas alegações.
10. Apesar disso, não queremos deixar de transmitir, de forma sumária, aqui e a V. xas., o que resultou desses depoimentos.
11. Assim, começando pela análise dos depoimentos dos supostos condutores, que estiveram na origem da fixação da matéria dada como provada e não provada e da decisão proferida - A., BB, suposta condutora do KIA, registado sob o ficheiro áudio com a designação 20230530142038_16134832_2871589.wma, com uma duração de 01:09:15, datado de 30/05/2023, CC, suposto condutor do BMW, que ficou registado sob o nome do ficheiro áudio: 20230530155855_16134832_2871589.wma, com a duração de 00:39:20, datado de 30/05/2023 e DD, condutor do Renault, seguro na aqui recorrente, testemunha esta que estranha e convenientemente não foi arrolada pelos AA., registado no ficheiro áudio: 20230530163820_16134832_2871589.wma, com a duração de 00:19:55, datada de 30/05/2023, resulta que as versões que apresentaram sobre a eventual ocorrência do sinistro descrito pelos recorridos não são coincidentes, nem compatíveis, nem congruentes entre si, não podendo, também por isso, ser consideráveis de credíveis.
12. Com efeito,
a. A condutora do KIA disse que só se lembrava da ocorrência de um único embate – o suposto 2º acidente, entre o BMW e o KIA –, não violento, pela ocorrência do qual teria sido, na sua opinião, responsável o condutor do BMW, aliás, conforme o próprio lhe tinha confessado e conforme também resulta do depoimento do seu marido da A., aqui recorrido, analisado infra – vide depoimento por esta prestado, transcrito supra;
b. O condutor do BMW recorda-se de dois embates que, segundo refere, ocorreram por culpa do condutor do Renault, mas, analisado o seu depoimento, facilmente concluímos que a culpa pertenceu ao próprio depoente, que circulava, segundo diz, a uma velocidade superior a 70 km/h, manifestamente exagerada e ilegal, e de forma totalmente distraída, evidenciando, como também refere, uma falta de destreza e de controlo do veículo que tripulava, tudo isto dentro da localidade de Vilar e junto a um entroncamento de visibilidade reduzida – vide depoimento por este prestado, transcrito supra; c. O condutor do Renault, por último, apenas se recorda de um único embate – o suposto 1º, entre o Renault e o BMW -, relativamente ao qual foi perentório em afirmar que nada poderia ter feito para o evitar, tendo cumprido com todas as regras estradais a que estava obrigado – vide depoimento por este prestado, transcrito supra.
13. Acresce ainda a toda esta “confusão” que NENHUM dos alegados condutores logrou identificar ou especificar os danos que ficaram nos veículos após o alegado sinistro,
14. Nem tão pouco conseguiram explicar o motivo pelo qual os airbags dos passageiros do Kia e do BMW tinham disparado, quando os supostos condutores seguiam sozinhos...
15. Ou seja, perante tantas e diferentes versões, totalmente opostas, e tantas incongruências, para além das inúmeras falhas de memória, supra ressaltadas, parece-nos, sempre com o devido respeito, que os depoimentos apresentados não poderão merecer qualquer credibilidade – muito menos a que lhes foi atribuída na sentença recorrida – e, consequentemente, não poderão ser tidos em conta, nem valorizados, na apreciação destes autos, muito menos poderão ser decisivos para a decisão dos mesmos, para a definição da matéria provada e não provada e para a demonstração do alegado sinistro.
16. Mais, estes depoimentos, conforme demonstraremos infra, no essencial dos mesmos, contradizem a lógica da física e o teor das fotografias juntas aos autos, juntas com a contestação da aqui recorrente.
17. Isto posto, defendemos, sempre com o merecido respeito, que os depoimentos dos supostos condutores, tal como foram prestados e atento o teor dos mesmos, reproduzidos nesta peça, não poderão ser levados a sério, nem em conta, por total falta de credibilidade, não podendo, por isso, ser classificados de “suficientes” para apreciar, justificar e fundamentar, da forma que foi feita, a matéria dada como provada e não provada, que, por isso, foi mal apreciada, nos termos já referidos.
18. E, consequentemente, com base nestes depoimentos contraditórios, incongruentes, irreais, ilógicos e nada credíveis, por isso mesmo, nunca poderá ser dada como provada a matéria relativa à ocorrência do sinistro, decidindo-se, assim, que o suposto acidente relatado pelos recorridos nunca ocorreu e, consequentemente, julgando-se a presente ação totalmente improcedente, por não provada.
Se tal ainda não se entender, atentemos ao que disseram as demais testemunhas dos AA:
19. O AA, aqui recorrido, cujo depoimento ficou registado no ficheiro com a designação 20230530152959_16134832_2871589.wma, com a duração de 00:27:28, datado de 30/05/2023, cujas principais partes se encontram reproduzidas supra e que aqui se dão, por economia processual, por reproduzido para os devidos efeitos legais, referiu, sumariamente, que tinha ouvido o condutor do BMW dizer que se achava culpado e que podia ter evitado o acidente; que não tinha verificado quais eram os danos existentes nas diferentes viaturas (incluindo a sua); não logrou explicar a razão de ser do disparo do airbags frontal do passageiro do KIA; referiu ainda, contrariando o depoimento da sua esposa, aqui (também) recorrida, o do seu cunhado e o do seu mediador de seguros, que esteve privado do KIA entre 4 e 18 de março e não durante 2/3/4 meses, conforme os demais referiram; e concluiu que, durante esse período, teve à sua disposição o carro do seu sogro, para substituir a falta do KIA.
20. Acrescentando mais incongruências e contradições evidentes e manifestas, relativamente aos depoimentos já prestados e ainda ao que viria a ser prestado pelo seu mediador, descredibilizando, ainda mais, aqueles depoimentos.
21. Passemos agora à análise do depoimento do EE, mediador de seguros dos AA., aqui recorridos, registado no ficheiro áudio: 20230703095806_16134832_2871589.wma, com a duração de 00:27:44, datado de 03/07/2023.
22. Esta testemunha não teve qualquer problema em afirmar que os recorridos eram seus clientes e que, neste caso, estava a trabalhar para a D... – e nunca para a aqui recorrente A.... O que dizer desta sua total falta de imparcialidade e interesse na decisão da causa????
23. E que, apesar de nem sequer ter visto o acidente; de não ter falado com o condutor do Renault; de não conhecer as velocidades a que seguiam os supostos veículos; de não ter visto os veículos danificados; de não ter vistos as fotos do local e dos veículos; de não saber se o condutor do Renault tinha parado no STOP; de não saber a data do acidente; de não saber a data da resposta da Companhia; etc., sabia, isso sim – pasme-se – que a culpa do acidente pertencia ao condutor do Renault (?!?!?)…
24. Mais, também não sabia se o KIA tinha danos anteriores ao sinistro em apreço; não sabia se este veículo tinha tido outros acidentes; não sabia se os recorridos tinham, entretanto, comprado um veículo para substituir o KIA...
25. Afirmou ainda que os recorridos tinham estado privados do KIA durante 2/3 meses (quando, na realidade, esse período não tinha ultrapassado os 14 dias!); que o valor comercial do KIA ascendia a €3.500,00, mas que, apesar disso, estava a reclamar da A... o pagamento do valor de €5.000,00…
26. Mas já não sabia que o valor do salvado tinha de ser deduzido ao valor comercial do KIA, sob pena de enriquecimento sem causa dos proprietários deste veículo.
27. Sobre o acidente, propriamente dito, conforme referiu a I. Mandatária da 2ª R., “…o senhor, relativamente ao acidente, sabe zero!...Não sabe rigorosamente nada!” 28. Pelo que, consequentemente e sempre com o devido respeito, não poderá ser dada qualquer credibilidade a este depoimento, que apenas veio sustentar a falta de credibilidade dos demais, analisados até agora.
29. Por fim, no que diz respeito às testemunhas apresentadas pelos recorridos, vejamos o que sabia o FF, irmão da recorrida e cunhado do recorrido, com o depoimento sob o ficheiro áudio: 20230703102555_16134832_2871589.wma, com uma duração de 00:32:37, datado de 03/07/2023, reproduzido no corpo destas alegações e que aqui se dá por reproduzido, pelos motivos já invocados para os demais depoimentos.
30. Sumariamente relatou que a irmã esteve privada do KIA durante 2/3/4 meses, o que, como vimos, não corresponde à verdade; afirmou que o KIA tinha a ótica frontal esquerda partida, o que é desmentido pela fotografia 57 e seguintes, juntas com a contestação.
31. Disse ainda que não tinha visto o acidente, mas que o condutor do Renault, junto do STOP existente à sua frente, tinha obrigatoriamente de “entrar” para conseguir ver se vinha trânsito do seu lado esquerdo, pois a visibilidade, naquele entroncamento era reduzida pela existência de um muro e de uma casa, naquele local, pelo que o condutor do Renault tinha sempre de ir andando e entrando para ultrapassar essa falta de visibilidade, retirando, assim, qualquer responsabilidade ao condutor deste veículo pela ocorrência de um sinistro tal como se encontra descrito pelos recorridos.
32. Depois entrando na prova testemunhal apresentada pela aqui recorrente, à qual a Mma Julgadora a quo não atribuiu qualquer credibilidade, pelo simples facto de terem prestado os respetivos depoimentos em simultâneo – situação a qual foi (ou deveria ter sido) por ela deviamente analisada, apreciada e deferida (estranhe-se!!) –, de modo a acelerar e agilizar a prova que ainda faltava ouvir e que iria incidir, toda ela, sobre a averiguação levada a cabo pelos serviços contratados pela recorrente, e não por funcionários seus, estranhando-se, por isso, que só agora a Mma Julgadora a quo venha levantar esta questão, a qual lhe terá merecido, seguramente e na altura própria, a necessária ponderação.
33. De notar, desde logo, que a testemunha GG, registado sob o ficheiro áudio: 20230703110235_16134832_2871589.wma, com a duração de 00:38:19, datado de 03/07/2023, foi ouvido separadamente das demais testemunhas arroladas pela recorrente, “destruindo”, assim e desde logo, a motivação apresentada pela Mma Julgadora a quo quanto à alegada falta de credibilidade das testemunhas da recorrente por terem prestado os respetivos depoimentos conjuntamente.
34. E que as outras testemunhas, apesar de terem sido inquiridas simultaneamente, por decisão da Mma Julgadora a quo, decisão que não mereceu qualquer reparo, oposição ou recurso de qualquer das partes, depuseram uma de cada vez, começando por falar primeiramente o HH, depois o II e finalmente o JJ.
35. Acresce ainda o facto de as mesmas não serem funcionários da recorrente, não estando, por isso, interessados no desfecho do caso, mas antes donos de empresas que prestam serviços a várias seguradoras, incluindo a aqui apelante!
36. E se disseram, todos eles, basicamente o mesmo, tal facto ficou a dever-se unicamente a terem lidado com os mesmos factos e dados, com os mesmos elementos, com o mesmo local, com as mesmas fotografias, com os mesmos intervenientes, com os mesmos veículos, etc.
37. Comecemos pelo depoimento prestado pelo dito GG, que foi ouvido separadamente das demais, que, desde logo, salientou que os danos existentes nas três viaturas “não casavam” porquanto a caixa de velocidades do Kia não funcionava, por desgaste da embraiagem, logo o carro não podia estar a circular, naquele momento; o Kia tinha danos horizontais por baixo da matrícula e esta, por seu lado, não apresentava quaisquer danos – fotos 1 a 60; os airbags dispararam, mas os pré-tensores dos cintos estranhamente não tinham disparado – fotos 1 a 60; com o disparo dos airbags os para-brisas teriam de ter partido, o que não sucedeu, conforme resulta das fotografias 1 a 60; a barra de reforço do BMW estava desfeita e a do KIA não tinha nada de grave – fotos 1 a 60; o BMW estava batido “em vinco” e o Kia “a direito”- fotos 1 a 60; as óticas estavam intactas (fotografias 57 e seguintes da contestação) e deveriam ter ficado totalmente desfeitas, face às velocidades dos veículos (o BMW seguia a 70km/h e o KIA a 50km/h), à violência do embate, à forma como este alegadamente teria ocorrido e à destruição evidenciada pelo BMW.
38. Acrescentando ainda que face à alegada violência do embate ambos os condutores teriam de ter tido necessidade de receber assistência hospitalar – e nenhum teve, sequer, um arranhão…;
39. E, finalmente, que o BMW tinha diversos danos no lado direito do guarda-lamas, sendo que o Kia nem sequer lhe tocou, nessa parte daquele veículo – fotos 1 a 60.
40. Perante estas evidências, esta testemunha conclui, e bem, no nosso modesto entendimento, socorrendo-se de suporte documental para justificar as respostas que ia dando (máxime das fotografias 1 a 60 juntas com a contestação), que o acidente descrito pelos recorridos nunca poderia ter ocorrido, por incompatibilidade, entre si, dos danos existentes nas viaturas e por ser fisicamente impossível de ter ocorrido.
41. Por seu lado, da INQUIRIÇÃO CONJUNTA DOS PERITOS HH, II E JJ, registada sob o ficheiro áudio: 20230703114248_16134832_2871589.wma, com a duração 01:21:03, datada de 03/07/2023, cujas transcrições, em parte, se encontram vertidas no corpo destas alegações, que aqui, por economia processual e de modo a evitar que as presentes conclusões sejam ainda mais extensas, resultou, sumariamente, que estas testemunhas levaram a cabo a averiguação do alegado sinistro, o primeiro como perito, o segundo como supervisor do primeiro, e o terceiro como coordenador da averiguação, todos na qualidade de titulares de empresas que prestam serviços de averiguação a várias seguradoras.
42. Desta averiguação foram detetadas várias incongruências, tendo sido, por isso, necessária a supervisão e depois a coordenação, supramencionadas e, nesta sequência, a atuação destas três empresas, propriedade destas três testemunhas.
43. Dos depoimentos prestados resultou que “não há enquadramento dinâmico, não há enquadramento nem compatibilidade de danos”, nomeadamente devido a:
a. Não existirem rastos de travagem no local, provenientes deste acidente, apenas outros rastos de travagem deslocados deste pretenso embate – conforme resulta das fotografias juntas aos autos – fotografia 57 a 60;
b. Era impossível que o Renault não conseguisse avistar o BMW, que vinha da sua esquerda, de noite e com as luzes ligadas;
c. O condutor do Renault não conseguiu explicar a razão de ser de estar naquele local, àquela hora;
d. O entroncamento em causa é amplo e em forma de leque – conforme resulta das fotografias 1 a 13 juntas aos autos;
e. O BMW, apesar de circular numa curva, não está suficientemente obliquado para quem alega que estava a realizar uma manobra abrupta de desvio – conforme resulta das fotografias 57 a 60 juntas aos autos;
f. As rodas de ambos os veículos, BMW e KIA, estão totalmente alinhadas, em linha reta – conforme resulta das fotografias 57 a 60juntas aos autos;
g. O condutor do BMW confirma que seguia a velocidade superior a 70mk/h;
h. A esta velocidade, o risco que sofreu o BMW – foto 33 – teria de ser reto e prolongado, o que não acontece (é curvo e curto – conforme resulta das fotografias juntas aos autos);
i. A barra de deformação do BMW está literalmente desfeita e a do KIA está intacta – conforme confirma supra a Mma Julgadora e conforme resulta das fotografias 26 a 31 e 46 a 51 (após a desmontagem) juntas aos autos;
j. Os danos na frente do KIA estão debaixo da matrícula, que não tem nada, e são horizontais e não verticais – conforme resulta das fotografias 46 a 51 juntas aos autos;
k. A caixa de velocidades do KIA não funcionava;
l. Os airbags do BMW dispararam e os pré-tensores dos cintos não, sendo que o seu para-brisas não partiu, como deveria ter acontecido – conforme resulta das fotografias 32 juntas aos autos;
m. A tampa do seu airbag tem uma coloração diferente do resto do volante – conforme resulta das fotografias 36 juntas aos autos;
n. Os danos que o BMW apresenta na sua frente são danos de fricção – conforme resulta das fotografias 38 a 45 juntas aos autos;
o. Apesar das velocidades dos veículos e da violência do embate, face aos danos apresentados e constantes das fotografias dos autos, nenhuma das quatro óticas deles (BMW e KIA) partiu – conforme resulta das fotografias 26 a 60 juntas aos autos;
p. Os airbags do KIA estavam dobrados, arrumados e pousados, sendo que o airbag do passageiro estava disparado, quando ninguém seguia nesse lugar – conforme resulta das fotografias 52 juntas aos autos;
q. Os veículos, nas fotografias, estão colocados no enfiamento do entroncamento (confirmado pela Mma Julgadora, que nos remete para a DAAA, e pelas linhas no pavimento, visíveis nas fotografias 57 a 60 juntas com a contestação), não explicando, assim, o primeiro embate, do veículo Renault que pretendia virar para a sua direita;
r. Este veículo, caso tivesse embatido no BMW, teria embatido com a sua lateral esquerda e nunca com a sua frente – foto 21;
s. A 70 km/h e 50km/h, cada um, os carros teriam ficado literalmente desfeitos, ambos, e os respetivos motores e
t. Ambos os condutores teriam tido necessidade de receber assistência hospitalar;
u. Os radiadores do KIA e do BMW ficaram intactos – conforme resulta das fotografias 26 a 60 juntas aos autos.
v. Os AA., durante o processo, nunca quiseram ouvir o suposto condutor do Renault – vide requerimento de prova junto com o articulado inicial –
w. Nem tão-pouco quiseram ouvir os proprietários das casas existentes no local, que nunca quiseram identificar – veja-se requerimento de prova do seu articulado.
44. Ora, da análise destes depoimentos e afirmações, suportadas e confirmadas, quase todas eles e elas, pelos registos fotográficos juntos aos autos, podemos concluir que o acidente descrito pelos AA. nunca poderia ter ocorrido, muito menos conforme vem por estes descritos e consta da sentença recorrida, concluindo-se, logicamente, que a referida matéria de facto dada como provada e não provada foi incorretamente apreciada.
45. E, pela análise de todos os depoimentos prestados em julgamento (dos AA. e da R.), transcritos supra – de parte e testemunhais – podemos concluir, com facilidade e com toda a certeza, cremos, que o acidente em apreço nunca ocorreu e que prova produzida foi mal apreciada e julgada, nomeadamente no que à matéria de facto provada e não provada, identificada supra, diz respeito.
46. Desde logo face às inconsistências, contradições e incongruências apuradas, e descritas supra, nos depoimentos dos três supostos condutores, que, estranhamento, serviram de fundamento para justificar a decisão tomada.
47. A que acresce os depoimentos das testemunhas da recorrente que, também estranhamente, não mereceram a atenção da Mma Julgadora, apesar de estarem em conformidade e total sintonia com o teor das fotografias juntas aos autos.
48. Neste contexto, entendemos, sempre com o merecido respeito, que a matéria de facto provada e não provada, identificada supra, foi incorretamente julgada, impondo-se a sua reapreciação à luz da prova efetivamente prestada e aqui alegada, dando-se por não provada a matéria alegada supra relativa à alegada ocorrência de um sinistro e como provada a matéria dada como não provada vertida supra, o que conduzirá à total improcedência da presente ação, por não provada, com custas a cargo dos AA., o que se requer a V. Exas, seja agora determinado.
Mas ainda que assim ainda não se entendesse,
49. Olhemos também para FOTOGRAFIAS A CORES, que, por si só e de forma clara, incontestável e incontroversa, demonstram a posição aqui e ab initio defendida pela apelante.
50. Note-se, desde logo, que as fotografias juntas aos autos foram tidas em conta pela Mma Julgadora a quo, na tomada da sua decisão.
51. Que, conforme resulta dos depoimentos supra, por confissão, os supostos condutores alegaram que circulavam a 70km/h (BMW), 50km/h (KIA) e a para/arranca (Renault)
52. E que ambos os airbags frontais do BMW e do KIA tinham disparado.
53. Finalmente, que a análise exaustiva e detalhada dessas fotografias foi feita no corpo destas alegações, para onde se remete e que aqui se dá por reproduzida, por economia processual e para não tornar ainda mais extensas as presentes conclusões, pelo que aqui apenas se irá apresentar um breve resumo dessa análise.
54. Assim, da simples leitura das fotografias constata-se o seguinte:
a. Da análise das fotografias 57, 58, 59 e 60 que as rodas do BMW e do KIA estão totalmente alinhadas, em frente, apesar das supostas manobras de recurso e de desvio e do facto de ambos estarem supostamente a descrever uma curva; que, apesar das velocidades e da violência do suposto embate, as óticas do BMW e do KIA estão intactas, e que não existem vestígios de plásticos, peças, rastos de travagens ou líquidos, no pretenso local do embate.
b. Da análise das fotografias 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25, todas elas respeitantes ao Renault, resulta de forma clara e cabal que esta apresentava apenas um ligeiro dano superficial na frente do lado esquerdo do para-choques frontal, sob a ótica frontal desse lado, consistente em riscos e na perda parcial de tinta nessa zona do para-choques, observáveis entre os 50 e os 60 centímetros de altura medidos ao solo. Tais riscos não são compatíveis com os danos evidenciados pelo BMW, supostamente embatido pelo Renault, ditos emergentes deste “sinistro”, não sendo suscetíveis de provocar a projeção do BMW para a faixa de rodagem contrária.
c. Da análise das fotografias 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44 e 45, respeitantes ao veículo BMW, resulta exatamente o mesmo:
que os danos evidenciados por este veículo não ostentam qualquer compatibilidade com os danos apresentados pelos demais (KIA e Renault), alegadamente intervenientes neste suposto sinistro.
i. Das fotos 26 a 29 podemos ver que a barra de proteção está totalmente danificada, em forma de V, situação que acontece, como é fácil de concluir, através de um embate num poste ou numa esquina e não de um embate frontal.
ii. Da fotografia 32 verificamos, novamente, que a ótica frontal esquerda não evidencia, miraculosamente, qualquer dano, o mesmo resultando da fotografia 26.
iii. Pela leitura da fotografia 36 podemos confirmar a violência do embate sofrido pelo BMW, demonstrada pelo disparo de ambos os airbags frontais.
iv. As fotos 38 a 45 mostram-nos os elevados danos que ostentava o para- choques desse BMW, incluindo os já famosos “riscos horizontais” ou de “raspagem horizontal” (foto 39, 44 e 45), impossíveis de acontecer num embate frontal…
v. Das fotos 32, 33, 34 e 35 podemos verificar que a lateral direita do BMW, onde supostamente teria sido embatido pelo Renault, misteriosamente, não apresentava qualquer dano ou vestígio desse ou de qualquer outro embate que o pudesse ter projetado contra o KIA.
Nestas fotografias vê-se apenas um único risco, profundo, de reduzida extensão (cerca de 10 cm), não se vislumbrando qualquer dano na roda ou no pneu, nem qualquer amassadela…
vi. Das fotos 38 a 45 resulta que toda a lateral direita do para-choques frontal do BMW apresentava inúmeros riscos, de alto a baixo e numa extensão de cerca de 30 centímetros de altura, quando, como vimos das fotografias atinentes ao Renault, este apenas apresentava danos a cerca de 60 centímetros do chão, incompatíveis, por isso, com estes, apresentados pelo BMW. A zona central do para-choques do BMW não apresenta quaisquer marcas de um embate capaz de provocar os danos que o KIA apresentava, analisados infra, apresentando apenas alguns riscos espaçados entre si e denotando claramente tratar-se de danos emergentes de outro embate que nada tem a ver com o sinistro dos autos.
vii. As fotografias 26, 27, 28 e 29 mostram a barra de reforço do BMW, fabricada em alumínio, totalmente danificada, com um vinco profundo, situado na zona central do veículo, o mesmo se passando com a sua barra de reforço inferior. Mostra ainda que o seu capot estava preservado, com somente uma ligeira marca na extremidade do mesmo.
viii. Mais, as suas óticas não sofreram danos, mantendo as suas estruturas preservadas e – pasme-se – os faróis a funcionar, como resulta das fotografias 57 a 60.
d) Da análise das fotografias 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52 e 60, atinentes ao KIA, resulta que:
i) apresentava riscos no respetivo para-choques frontal, praticamente em toda a sua extensão, mesmo nas zonas onde não foi embatido pelo BMW – fotos 46 a 51;
ii) evidenciava duas fraturas do para-choques situadas na zona central desta peça, uma sobre a respetiva placa de matrícula, e outra ao lado desta – fotos 46 a 51;
iii) e uma mossa, com perda de tinta, no canto frontal esquerdo do aludido para-choques – foto 48 e 50;
iv) não apresentava quaisquer danos na sua grelha frontal de ventilação, apesar da violência do embate, a qual permanecia intacta, apesar de ser em plástico (fotos 46 a 51);
v) Apresentava pequenas mossas no lado esquerdo do seu capot – fotos 48 e 50 -, as quais estavam situadas numa posição e altura sem qualquer correspondência com os danos evidenciados pela frente do BMW, analisados supra;
vi) Da foto 48 retira-se que o KIA apresentava um vinco, ligeiro, a cerca de 80 cm de altura, próximo do canto superior da grelha frontal de ventilação do motor do XR, do lado esquerdo, quando o BMW não ostentava quaisquer vestígios de ter provocado tais danos – fotos 28 a 60;
vii) Das fotografias 46 a 51 podemos constatar que a barra de reforço do para- choques frontal do KIA não apresentava danos e mantinha a sua configuração original em toda a sua extensão;
viii) Ou seja, da análise, ainda que seja feita de forma superficial, das fotografias atinentes ao KIA constata-se que não existiam na sua frente quaisquer danos ou vestígios de um embate conforme vem descrito no articulado inicial e conforme resulta da matéria dada como provada e não provada, constante da sentença recorrida, nomeadamente, mas não só, na barra de reforço do para-choques desta viatura, na sua barra de reforço inferior, no seu radiador de arrefecimento do motor e no seu capot.
55. Em conclusão, pela análise das fotografias a cores, juntas com a contestação, verificamos que os danos que apresentavam as três viaturas não poderiam ter resultado de um acidente como o descrito nestes autos e dado como provado na sentença recorrida, porquanto não só não existe compatibilidade dos danos que apresentavam os supostos veículos intervenientes, como também não existe compatibilidade quanto à dinâmica do suposto acidente.
56. O mesmo se passa com os registos fotográficos do local que, também por si só, demonstram que a trajetória do Renault, seguro na aqui recorrente, teria sempre de ser feita pelo seu lado direito da via e que, face à amplitude e configuração em leque do entroncamento, o acidente nunca poderia ter acontecido conforme relatado pelos recorridos e pela sentença proferida nestes autos.
De todas as provas produzidas,
57. Tudo isto somado (todos os depoimentos prestados e registos fotográficos a cores existentes nos autos) leva-nos, sempre com o devido respeito, a concluir que o acidente descrito nos autos nunca poderia ter ocorrido, nem muito menos ter sido dado como provada, a sua ocorrência, uma vez que tal era fisicamente impossível de acontecer, razão pela qual a presente ação deveria ter sido julgada totalmente improcedente, por não provada, como aqui e agora se requer a V. Exas.
58. Nesta conformidade, entendemos que a matéria dada como provada debitada nos números 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 39, 48 e 52 deveria ter sido dada como não provada e a matéria dada como não provada debitada nas alíneas E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q deveria ter sido dada como provada, conforme, aliás, se retira da simples análise das fotografias a cores sob os n.º 1 a 60, juntas com a contestação da aqui recorrente,
59. Conduzindo, nesta sequência, à improcedência da ação e consequente absolvição da
recorrente, assim se fazendo JUSTIÇA.
E ainda que se entendesse que o suposto sinistro tinha ocorrido, situação que apenas se coloca como mera hipótese académica, perante esta hipótese académica sempre se diria o seguinte:
60. Conforme já explanado supra, que aqui damos por reproduzido por questões de economia processual, o condutor do BMW, cujo depoimento se encontra identificado e transcrito nesta peça, para onde se remete, ao circular por um entroncamento de visibilidade reduzida (devido ao muro e à casa aí existentes) existente na EM 558-1, na localidade de Vilar, a uma velocidade superior a 70/h (excedendo em 20k/h a velocidade máxima para aquele local), de forma desatenta e descuidada, que levou a que se tivesse atrapalhado com a situação, nem tendo travado (pelo menos não o fez de forma assertiva), não tendo logrado parar ou imobilizar o veículo que conduzia no espaço livre e visível à sua frente e tendo, em consequência disso, embatido sozinho contra o KIA, que circulava em sentido contrário ao seu;
61. Nunca esquecendo que o condutor do Renault, alegadamente proveniente da estrada que liga à referida EM, ao chegar ao sinal de STOP existente neste entroncamento, parou no STOP existente antes do entroncamento, olhou para ambos os lados e viu que não circulavam quaisquer veículos em qualquer dos sentidos de marcha da EM, tendo, inclusive, rematado que [00:12:40] Mandatário da 1.ª Ré: Havia mais alguma coisa que o senhor pudesse fazer para entrar na faixa de rodagem, na estrada municipal em segurança? O senhor já disse que parou no STOP, tentou avistar, portanto, a minha pergunta é: havia mais alguma coisa que o senhor pudesse fazer para evitar este embate?
[00:12:56] DD: Não. Não. Porque eu fui entrando, para ver se vinha alguém…
62. Facilmente concluímos que um acidente com tais comportamentos por parte dos respetivos condutores se teria ficado a dever, neste caso hipotético, unicamente ao comportamento irresponsável do condutor do dito BMW;
63. Recorde-se que foi esta a conclusão a que chegou a própria A., conforme resulta do seu depoimento identificado e transcrito supra, onde afirmou que o condutor do BMW tinha assumido a culpa pela ocorrência do sinistro, concluindo que “…Para mim, ele é o culpado de me bater a mim...”
64. Impondo-se, também por este raciocínio, a absolvição da aqui recorrente do pedido formulado pelos recorridos.
65. E mesmo que a esta conclusão não se chegasse, sempre seriamos forçados a concluir. NO MÍNIMO, que a culpa do acidente teria de ser, repete-se, NO MÍNIMO, atribuída a ambos os condutores – do BMW e do Renault – caso, que apenas equacionamos como mera hipótese académica, equacionássemos que a conduta do condutor do Renault também tinha contribuído para a eclosão do sinistro, o que não aceitamos.
Sem prescindir,
No tocante à compensação de eventuais danos, fixada na sentença recorrida,
66. O Tribunal recorrido atribuiu uma compensação a título de danos patrimoniais aos recorridos, no montante de €500,00, pelos supostos incómodos por estes sofridos com a celebração de um empréstimo junto do Banco, para a aquisição de uma viatura para substituir o KIA,
67. Que estava a ser substituído pelo segundo veículo do pai da A., sogro do A., conforme transcrito supra do depoimento do irmão daquela;
68. Diz a sentença recorrida que “Os autores, em consequência do acidente, foram obrigados a endividar se e a contrair um crédito para comprar um automóvel, pagando uma taxa de 10,11%, endividando-se em 18.000 (dezoito mil euros) sendo 12.500 euros o preço do veículo e 6.000 (seis mil euros) de juros, contraindo uma prestação mensal, no valor 216,36, (duzentos e dezasseis euros e trinta e seis cêntimos), durante 84 prestações dificultando e agravando a situação financeira já apertada, do agregado familiar.”;
69. Desde logo os danos aqui em causa revestem, na nossa modesta opinião, a qualidade de danos patrimoniais, decorrentes dos eventuais prejuízos patrimoniais (leia-se financeiros) sofridos pelos AA. em consequência do empréstimo que dizem ter contraído (com as novas taxas, com os novos montantes, com novas prestações, com os novos prazos de pagamento, etc.), danos esses que não foram reclamados atempadamente, pelo que, consequentemente, não serão devidos, nem poderão ser indemnizáveis, o que se requer a V. Exas. seja decidido, absolvendo a recorrente do pagamento de qualquer quantia respeitante ao dano discutido neste ponto.
70. Se assim não se entender, importa destacar que estas simples chatices e incómodos pela necessidade de recorrer a um empréstimo e de ter de usar o segundo veículo do pai da A. durante apenas 14 dias, não merecem a tutela do nosso Direito, devendo, por isso, ser revogada, também por este argumento a condenação proferida.
71. E ainda que tal não se entendesse, sempre se teria de ter em conta que o valor atribuído, que ascendeu a €500,00 (ou seja, €36,00/dia), face aos meros incómodos sofridos pelo recurso ao dito empréstimo e pelos 14 dias de uso do veículo do pai da A., é manifestamente exagerado e indevido, pelo que teria de ser reduzido (ou eliminado, como defendemos) para um montante nunca superior a €100,00.
72. Além de que os danos atinentes aos incómodos sofridos com a utilização do veículo do pai da A. durante 14 dias, já se encontram indemnizados no montante de €560,00, conforme se retira da sentença recorrida, não podendo os mesmos ser novamente indemnizados ou compensados a outro ou outros títulos, sob pena de enriquecimento sem causa dos recorridos, face à duplicação de montantes para ressarcir o mesmo prejuízo.
73. Sempre sem esquecer que esse suposto alegado dano de privação de uso nem sequer se verificou, já que, conforme resulta das transcrições dos depoimentos de ambos os AA., identificados e transcritos supra, durante esse período de 14 dias, eles tiveram o veículo do pai da A., sogro do A., para usar, juntamente com o outro veículo de dois lugares de que dispunham.
74. Razão pela qual, inexiste qualquer prejuízo de privação do uso do KIA, devendo, por isso, ser revogadas todas as verbas que, a esse título, foram atribuídos na sentença recorrida.
75. A sentença recorrida violou, entre outros, o preceituado nos artigos 483, 496, 562, 564 e 566 do Código Civil.”
*
Foram oferecidas respostas ao recurso, quer pelos autores, quer pela 2ª ré B..., que concluíram pela confirmação da sentença recorrida, designadamente na concordância para com a conclusão de que o sinistro que envolveu três veículos procedeu de culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na A....
O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.
Cumpre apreciá-lo.
*

2- FUNDAMENTAÇÃO

Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, atentas as conclusões acima reproduzidas, importa decidir da pretensão de alteração do segmento da sentença em que foi fixada a matéria de facto, quanto a diversos factos dados por provados e outros julgados negativamente, em ordem a deixar de se dar por provado ter acontecido o embate entre veículos tal como descrito na sentença.
Sucessivamente, e quer se altere ou não esse segmento da sentença, haverá que decidir do eventual corresponsabilidade do condutor do veículo seguro na 2ª ré, para a produção do acidente.
Por fim, haverá que sindicar a decisão quanto á identificação dos danos patrimoniais indemnizáveis.
*
Importa, antes de mais, ter presente o decidido pelo tribunal, quanto á matéria d efacto controvertida:
Factos Provados
1. Os autores são casados em regime de comunhão de adquiridos e na constância desse matrimónio, adquiriram o veículo automóvel, ligeiro de passageiros e marca “Hyundai”, com a matrícula ..-..-XR.
2. No dia 04 de março de 2021, pelas 19.40h a Autora BB, circulava com o veiculo com a matricula ..-..-XR na EM 558-1 no sentido Oeste/Este (Santo Tirso/...) quando de repente, avistou os faróis de um veículo na sua direção, que era o veículo conduzido pelo CC, de marca BMW com a matricula ..-VF-.., tendo o mesmo embatido na parte frontal do veiculo da autora.
3. O local do acidente, é em concreto, um entroncamento da Rua ..., com a EM 558-1 da ..., Concelho de Santo Tirso, no Distrito do Porto.
4. A EM 558-1 onde a autora circulava, comporta dois sentidos de tráfego, sendo composta por uma faixa de rodagem para cada um dos sentidos, o piso é de alcatrão e encontrava-se em bom estado de conservação.
5. No dia 04 de março de 2021, pelas 19h e 40m, no local acima descrito, ocorreu o acidente de viação que consistiu numa colisão de três veículos:
i. O veículo conduzido pela autora, correspondente ao veículo ligeiro de passageiros de marca “KIA”, com a matrícula ..-..-XR;
ii. O veículo conduzido por DD, correspondente ao veículo ligeiro de passageiros de marca “Renault ...” com a matrícula ..-..-UU, segurado pela ré ... detida pela A..., S.A, com a apólice n.º ...73, sendo a tomara do seguro a KK.
iii. O veículo ligeiro conduzido por LL, correspondente ao veículo ligeiro de passageiros de marca “BMW” com a matrícula ..-VF-.., segurado pela ré C...-companhia de seguros, S.A., doravante Dda. B com a apólice n.º ...39.
6. No local e na hora mencionadas, o veículo ligeiro de matrícula ..-..-UU, propriedade de KK, conduzido por DD, deslocava-se na Rua ....
7. No local em que esta rua entronca com a EM 558-1, atendo o sentido de marcha do veiculo UU existe o sinal de paragem obrigatória STOP (B2).
8. Apesar desse sinal, o condutor do UU, entrou na Rua EM 558-1 e foi embater no veiculo ligeiro com a matricula ..-VF-.., que era conduzido por CC, que circulava naquela rua, no sentido de Este/Oeste (...).
9. Nas circunstâncias de tempo e de lugar supramencionadas, na sequência do embate do veículo ..-..-UU com o veículo com a matricula ..-VF-.., este último foi projetado para a faixa de rodagem de sentido contrária.
10. Indo consequentemente embater no veículo da autora, que circulava na EM 558-1 no sentido Oeste/Este (Santo Tirso/...), colidindo assim, com a frente do veículo conduzido pela aqui autora.
11. Tendo mesmo a força do embate acionado o mecanismo de segurança airbags frontais.
12. O veículo dos autores Hyundai com a matrícula ..-..-XR, sofreu danos na zona frontal do veículo, tais como, para-brisas, chassi, triangulo da suspensão esquerda, capot, entre outros, nomeadamente, PARA BRISAS, KIT COLAGEM, PARA CHOQUE DA FRENTE, AMORTECEDOR PARA CHOQUE FRENTE, TRAVESSA PARA CHOQUE FRENTE, GRELHA FRENTE, CAPOT FRENTE, AIRBAG de DIRECÇÃO, ANILHA CONTACT AIRBAG, CAIXA CMD, AIRBAG, TABLIER INSTRUMENTOS, AIRBAG PASSAGEIRO, FAROL FRENTE, JUNTA PARA BRISAS, KIT COLAGEM, PARA CHOQUE FRENTE, AMORTECEDOR PARA CHOQUE RENTE, TRAVESSA PARA CHOQUE FRENTE, GRELHA FRENTE, CAPOT FRENTE, AIRBAG IRECÇÃO, ANILHA CONTACT AIRBAG, CAIXA CMD AIRBAG, TABLIER INSTRUMENTOS, AIRBAG ASSAGEIRO, FAROL FRENTE.
13. Tais danos imobilizaram a viatura dos autores Kia, com a matrícula ..-..-XR, que ficou impossibilitada para a circulação.
14. E, devido a esta situação, a viatura esteve paralisada desde a data do acidente 04 de março de 2021 até 18 de março de 2021.
15. Face aos elevados danos que resultaram no veiculo dos autores por força do acidente, a segunda ré reconheceu a perda total da viatura, pois o seu valor comercial era mais baixo do que o valor da reparação
16. Na verdade, a viatura ..-..-XR era um Ligeiro de Passageiros da marca KIA, Modelo ... (GQ) 2.9 CRDi, Matrícula em 2004-07-12, com cerca de 17 anos, de sete
lugares, adequado ao agregado familiar dos autores, constituído pelo casal e mais quatro filhos.
17. Na consequência do acidente o veículo dos autores ficou impossibilitado de circular e os autores impossibilitados de realizar as deslocações imprescindíveis a um agregado familiar, a partir do dia do acidente.
18. Os autores remeteram as correspondentes Declarações Amigáveis de Acidente Automóvel para a sua seguradora, tendo nessa sequencia diligenciado também junto da 1ª ré, para obter a reparação ou substituição do veículo sinistrado.
19. Facultou à 1ª ré a cópia das participações, em vista a instrução do processo interno respetivo e a 1ª ré mandou vistoriar a viatura a 09/03/2021.
20. A 1ª ré estimou o orçamento da reparação, no montante rondava os €8 113,13 € e atribuiu o valor comercial/mercado do veículo o valor de €3.250,00 (três mil duzentos e cinquenta) euros.
21. Face ao valor do orçamento para reparação e do valor de mercado da viatura dos autores, a 1ª ré, por carta datada de 16 de março de 2021, comunicou à autora que em face da extensão e gravidade dos danos, o valor da reparação estimava se em €8.113,13 (oito mil cento e treze euros e treze cêntimos), propondo provisoriamente um valor a ser pago a titulo de indemnização no montante de €2. 550,00.
22. A autora reconheceu a perda total da viatura, pois o seu valor comercial era mais baixo do que o valor da reparação.
23. Tendo a autora feito uma contra proposta à 1ª ré de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros), em vez dos €2 .550,00 propostos provisoriamente, com vista a por fim de imediato ao litígio, tentando apenas evitar o recurso a ações judiciais.
24. Por carta datada de 11 de maio de 2021 a 1ª ré vem dizer o seguinte: “Serve a presente para informar V.Exa.(s) que, após análise aos elementos que integram o nosso processo, nomeadamente averiguação efetuada e respetiva peritagem, se constatou a existência de um conjunto de irregularidades que nos levam a concluir que o sinistro não terá ocorrido de uma forma aleatória, súbita e/ou imprevista, pelo que declinamos qualquer responsabilidade pela liquidação dos danos decorrentes do mesmo.”
25. A autora não conhecia à data do acidente qualquer um dos outros condutores intervenientes no acidente.
26. A autora estava no local do acidente, porque ia visitar o seu irmão, que mora a poucos metros do local do acidente e quando ocorreu o acidente, a autora chamou ao local o seu irmão, e este ocorreu ao local, e presenciou os factos.
27. A autora, que conduzia o veículo, tão pouco, viu o embate entre o veículo conduzido UU e VF e apenas avistou os faróis do veículo conduzido pelo CC na sua direção dando se o referido embate.
28. O veículo dos autores foi considerada como perda total, tendo sido o salvado adjudicado à empresa E....
29. Os autores, em consequência do acidente, foram obrigados a endividar se e a contrair um crédito para comprar um automóvel, pagando uma taxa de 10,11%, endividando-se em 18.000 (dezoito mil euros) sendo 12.500 euros o preço do veículo e 6.000 (seis mil euros) de juros, contraindo uma prestação mensal, no valor 216,36, (duzentos e dezasseis euros e trinta e seis cêntimos), durante 84 prestações dificultando e agravando a situação financeira já apertada, do agregado familiar.
30. Os autores estiveram totalmente privados do uso do automóvel de 7 lugares durante 14 dias, sendo que, além do veiculo sinistrado só tinham mais 1 carro de apenas dois lugares, para um agregado constituído por 6 pessoas.
31. Uma viatura idêntica de aluguer com 7 lugares, não custaria menos de 40,00€ (quarenta euros) por dia, preço praticado pelas seguradoras.
32. Os autores têm 4 filhos menores, todos dependentes dos autores para se deslocarem para estabelecimentos de ensino, atividades extracurriculares, consultas médicas, compras de alimentação e vestuário etc.
33. Ficando os autores impossibilitados nesse exercício, em gerir as necessidades do agregado familiar, sendo que tal situação importou custos, perda de qualidade do agregado familiar dos autores, faltas dos filhos a algumas atividades/compromissos, discussões e alterações de alterações de humor, ansiedade e muita angustia para o casal e os seus 4 filhos.
34. A privação do uso do veículo necessariamente teve consequências nefastas no seio familiar dos autores, mas, principalmente na vida social, familiar e profissional dos autores
35. A responsabilidade civil emergente de acidente de viação do veículo Renault ... com a matricula ..-..-UU, encontrava-se transferida para a seguradora, ... devido a contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice n.º ...73.
36. A responsabilidade civil emergente de acidente de viação do veículo ligeiro de passageiros de marca “BMW” com a matrícula ..-VF-.., encontrava-se transferida para a Dda.B C...-companhia de seguros, S.A., com a apólice n.º ...39.
37. No dia 10.03.2021, a 1ª ré recebeu uma participação de sinistro subscrita por DD, por via da qual lhe foi transmitido o seguinte: “Eu, condutor do veículo “A” ao entrar para a Rua ... não me apercebi do veículo “B”, onde lhe embato, consequentemente levando-o a embater contra outro veículo que vinha em sentido contrário.”
38. A Rua ... entronca na EM 558-1 pelo lado direito desta última, atento sentido de marcha ..., formando com ela um ângulo grave aberto, ligeiramente superior a 90°, tendo aí 6,90 metros de largura e com dois sentidos de marcha permitidos, a saber, ... e vice-versa.
39. No local identificado como aquele onde ocorreu o embate, a EM 558-1 possui uma berma do seu lado direito, atento sentido de marcha ..., com 02,10 metros de largura, e uma berma do seu lado esquerdo, atento o mesmo sentido, com cerca de 0,60 metros de largura.
40. Por seu turno, a Rua ..., para quem circula em direcção à EM 558-1, descreve uma pequena recta com cerca de 5 metros de largura e um declive descendente, com uma inclinação de cerca de 4,5%.
41. No entroncamento formado pelas duas sobreditas artérias, para quem circulava na Rua ... em direcção à EM 558-1, a faixa de rodagem da Rua ... abre “em leque” e, no local onde entronca com a EM 558-1, passa a dispor de cerca de 15 metros de largura.
42. O entroncamento em questão se acha situado na localidade de Vilar.
43. Após o “acidente” participado aqui contestante, aquando da averiguação não existiam, no local, vestígios no pavimento provocados por travagens ou derrapagens eventualmente efectuadas pelos veículos nele “intervenientes”, nomeadamente, marcas de borracha depositadas no asfalto.
44. Depois de analisado o local do pretenso sinistro, o averiguador da ré deslocou-se ao Posto Territorial da GNR e à Esquadra da PSP de Santo Tirso, para apurar se este “acidente” havia sido participado pelas autoridades e aí constatou que o “sinistro” não foi participado por qualquer uma destas entidades.
45. O averiguador da ré procedeu a uma consulta ao histórico de sinistralidade dos veículos ditos intervenientes no “acidente” dos autos, tendo apurado:
i. O veículo UU possuía seguro válido desde 29/04/2020 e para além do presente “sinistro”, apresentava mais 7 registos, a saber, em 11/02/2021 (avaria - bateria), em 18/06/2020 (avaria – fuga de água), em 06/01/2020, em 26/12/2019 e em 12/06/2019, todos por assistência em viagem, em 24/04/2011 e em 12/07/2008, motivados por “quebra isolada de vidros”.
ii. O ..-VF-.., da marca BMW, possuía seguro válido na co-ré “B...” desde 21/05/2020 e além do presente “sinistro”, apresentava mais 2 registos, a saber, em 08/05/2019 (por quebra isolada de vidros) e em 25/10/2018 (por responsabilidade civil);
iii. O ..-..-XR, dito dos autores, possuía seguro válido na congénere das rés denominada “D... – Companhia de Seguros, S.A.”, desde 06/07/2020, e para além do presente sinistro,” apresentava mais 4 registos, dois dos quais com 100% de responsabilidade do respectivo condutor, a saber, em 29/01/2020 e em 12/12/2019.
46. O averiguador da 1ª ré deslocou-se às oficinas onde se encontravam parqueados os veículos envolvidos neste “sinistro”, no intuito de os analisar e de proceder ao enquadramento dos danos sofridos pelas ditas viaturas nos factos que foram participados à ora contestante.
47. O averiguador da 1ª ré deslocou-se ao local onde se encontrava o veículo de matrícula ..-VF-.., uma viatura da marca BMW, modelo ..., de cor preta, que analisou.
48. Após acidente dos autos, o VF possuía danos na respectiva frente, essencialmente na zona central do pára-choques frontal: não possuía a grelha de ventilação direita e a grelha de ventilação esquerda estava partida em vários pontos; o símbolo da marca BMW havia desaparecido; a parte inferior da zona central do pára-choques mostrava-se amassada; as zonas do pára-choques que envolviam as ópticas frontais do veículo, de ambos os lados, estavam partidas.
49. Toda a lateral direita do pára-choques frontal do VF apresentava-se muito riscada, de alto a baixo e numa extensão de cerca de 30 centímetros de altura,
50. A barra de reforço inferior da frente do veículo VF, também em aço, apresentava-se vincada do mesmo modo e na mesma zona da frente da viatura.
51. A barra de reforço e de suporte do pára-choques frontal do VF, apresentava-se danificada e com um vinco profundo localizado na sua zona central.
52. Os cintos do VF, bem como, ambos os airbags da frente do VF mostravam-se accionados.
53. Após o embate dos autos, os rodados dianteiros do VF e os rodados dianteiros do XR, apresentavam-se dirigidos e alinhados para a frente.
54. O capot do XR apresentava um ligeiro vinco a uma altura superior a 80 cm de altura, junto ao canto superior da grelha frontal de ventilação do motor do XR, do lado esquerdo, sem que a frente do VF possuísse qualquer marca ou vestígio de embate que o pudesse ter provocado.
55. O averiguador da 1ªré agendou um encontro com os alegados condutores dos veículos UU, VF e XR, com que entabulou uma conversa a respeito do “sinistro” dos autos.
56. Na conversa tida com o condutor do UU, este referiu que ao sair da Rua ..., virando à direita, olhou para o espelho que existe no local, do seu lado esquerdo, e não viu que circulassem veículos na via onde pretendia entrar, nomeadamente, luzes de faróis a aproximarem-se de si pela hemifaixa de rodagem direita da EM 558-1, no sentido de marcha ....
57. Mas descreveu que ao olhar para a sua direita verificou apenas que desse lado vinha um veículo com os faróis ligados e circular para a sua esquerda, ou seja, no sentido de marcha oposto àquele em que pretendia circular.
58. Disse ainda que, não se apercebendo do VF a circular na hemifaixa de rodagem direita da EM 558-1, no sentido ..., ingressou nesta hemifaixa de rodagem e embateu de imediato com o canto da frente esquerdo do UU na lateral direita do VF.
59. O condutor do UU referiu também que o condutor do VF, ao tentar evitar este embate guinou para a esquerda, indo embater com a frente no canto da frente esquerdo do XR que circulava no sentido de marcha oposto.
60. O averiguador da 1ªré deslocou-se ao encontro do alegado “condutor” do veículo VF para, também deste obter esclarecimentos quanto ao modo como teria ocorrido o “acidente” dos autos.
61. Nessa conversa, o condutor do VF referiu ao averiguador da ré que no dia e hora do “acidente” dos autos circulava a cerca de 50 Km/hora na EM 558-1 no sentido de marcha ... – Santo Tirso, quando ao chegar ao entroncamento com a Rua ..., foi surpreendido pelo UU a sair desta artéria sem respeitar o sinal STOP.
62. Mais referiu que não travou, que guinou para a sua esquerda tentando evitar o embate, contudo, não conseguiu, embatendo com a lateral direita na frente esquerda do VS e de imediato com a frente na frente esquerda do XR que circulava no sentido de marcha oposto.
63. O condutor do VF referiu ao averiguador da ré ter recolhido algumas fotos com os veículos no local em que se imobilizaram após o “acidente”, que facultou a este último, a seu pedido.
64. Por fim, o averiguador da 1ªré deslocou-se ao encontro da alegada “condutora” do veículo XR para, também desta, obter esclarecimentos quanto ao modo como teria ocorrido o “acidente” dos autos.
65. Na aludida conversa, a condutora do XR referiu que circulava na EM 558-1, no sentido de marcha Santo Tirso/..., quando, depois de ter passado pela empresa denominada “F...”, foi surpreendida pelo condutor do VF que circulava no sentido oposto de faróis médios ligados.
66. Questionada relativamente aos danos constatados no XR, já que este apresentava danos tanto na parte da frente, como na parte de trás, esta afirmou que os danos na traseira do veículo tinham sido provocados num sinistro que tinha protagonizado em Santo Tirso, no dia 29/01/2020.
67. À data dos factos aqui em apreço, era possível encontrar no mercado nacional de viaturas usadas outros veículos com as mesmas especificações técnicas do XR, dos anos de 2004 e 2005, mas em bom estado de conservação e por um valor situado entre os 1.999,00€ e os 3.400,00€.
68. O XR não valia mais do que 3.250,00€, tal como a 1ª ré deu a conhecer à autora BB, por via da carta datada de 16.03.2021.
69. Os salvados do XR valiam, pelo menos, a quantia de 700,00€, conforme a melhor proposta de compra obtida, apresentada pela entidade E....
70. Por forma a munir-se de elementos que lhe permitissem tomar uma posição sobre a responsabilidade pela ocorrência do sinistro a 2º ré, solicitou à empresa GEP uma averiguação sobre a sua dinâmica, e as circunstâncias de tempo e lugar em que se deu.
71. Dessa averiguação designadamente das declarações dos intervenientes e acesso a fotografias tiradas logo após o evento, o único e exclusivo culpado pelo acidente discutido nos presentes autos, foi o condutor do veículo seguro na 1ªR e de matrícula ..-..-UU.
72. Da declaração amigável, assinada pelo condutor do veículo seguro na 1ª R, consta, como circunstância causadora do sinistro a opção nº 17 “Não respeitou um sinal de dar prioridade ou um semáforo vermelho”
73. E em depoimento enviado por e-mail para o averiguador contratado pela 2ªR o condutor do UU prestou o seguinte depoimento :”Assim sendo, ao sair de uma rua com sinal de STOP olhei para o lado esquerdo e para um espelho que tinha +- em frente e não vi nenhum carro, olhei para a direita e arranquei, sendo que neste momento apercebo-me do carro preto a passar na minha frente batendo eu contra este e o mesmo carro preto ao tentar desviar-se de mim vai bater numa monovolume que vinha da minha direita a subir em sentido contrário ao carro preto.”
 Factos Não Provados
A. Que o veículo dos autores na data do acidente estava em ótimo estado de conservação a nível de mecânica e de chapa.
B. Que logo após o embate o CC, condutor do veiculo de marca BMW com a matricula ..-VF-.., assumiu a responsabilidade pelo embate no veículo conduzido pela Autora (consequência da colisão anterior do Renault ... com o BMW).
C. Que o valor de mercado da viatura dos autores era cerca de 5.000,00 euros.
D. Que face ao sinistro, a autora ficou tão nervosa e perturbada psicologicamente, que nem conseguia sair sozinha de dentro do veículo, no dia do acidente, afetação essa que gerou receio de conduzir durante várias semanas e limitou a sua concentração e desempenho no seu local trabalho.
E. Que os danos que os veículos ostentavam após o alegado acidente dos autos não emergiram deste acidente.
F. Que qualquer condutor que circule pela Rua ... e pretenda mudar de direcção à direita no aludido entroncamento, para passar a circular na EM 558-1 no sentido ..., descreve uma trajectória para o lado direito próxima ao limite direito da via e, no momento em que ingressa na EM 558-1, já está a circular quase de modo paralelo ao eixo da via desta artéria.
G. À hora em que ocorreram os alegados factos aqui em apreço (as 19h40m do dia 04.03.2021) já era noite escura, sendo que o sobredito local, àquela hora, se caracteriza por habitualmente ter uma intensidade de tráfego automóvel reduzido.
H. Que na oficina onde se encontrava o veículo seguro o averiguador constatou que esta viatura apresentava um dano no canto esquerdo do pára-choques frontal, sob a óptica frontal desse lado, consistente em riscos e na perda parcial de tinta nessa zona do pára-choques, observável entre os 50 e os 60 centímetros de altura medidos ao solo.
I. Que o pára-choques frontal do UU estava desencaixado da sua posição original e ligeiramente descaído do seu lado direito, não apresentando, porém, quaisquer marcas de embate desse lado do veículo.
J. Que a zona central do pára-choques da frente do VF, que supostamente embateu no veículo XR, não possuía marcas desta natureza, apresentando alguns riscos espaçados entre si e denotando claramente tratar-se de danos emergentes de outro embate que nada tem a ver com o sinistro dos autos.
K. Que a barra de reforço e de suporte do pára-choques frontal do VF é constituída em aço muito resistente, e que o vinco profundo localizado na sua zona central era proveniente de um embate da frente do veículo num obstáculo do género de um poste ou uma árvore, mas não na frente do XR.
L. Que também a grelha do radiador do sistema de arrefecimento do motor apresentava marcas de um embate, claramente alinhadas com os danos constatados na barra de reforço do pára-choques frontal do VF e na barra de reforço inferior do dito veículo.
M. Que após o alegado embate dos autos, o capot do VF mostrava-se totalmente preservado, com excepção de uma ligeira marca correspondente a um pequeno vinco e perda de tinta, marca essa que se situava na extremidade do capot, mais concretamente na zona da frente do VF alinhada com o vinco encontrado no reforço do pára-choques frontal.
N. Que ambas as ópticas frontais do VF, após o embate frontal não sofreram quaisquer danos, apresentando-se as respectivas estruturas preservadas e os faróis a funcionarem normalmente, o mesmo sucedendo, de resto, com as ópticas frontais do XR.
O. Que a zona central do pára-choques da frente do VF, que supostamente embateu no veículo XR, não possuía marcas desta natureza, apresentando alguns riscos espaçados entre si e denotando claramente tratar-se de danos emergentes de outro embate que nada tem a ver com o sinistro dos autos.
P. Todos os danos constatados na frente do VF são incompatíveis com o alegado embate protagonizado com o UU e, bem assim, com o alegado embate protagonizado com o XR, dito dos autores.
Q. A barra de reforço do pára-choques frontal do XR, situada sob o dito pára-choques, apresentava-se sem qualquer dano e mantinha a sua forma original em toda a sua extensão.
*
Pretende a apelante, antes de mais, a reversão do juízo proferido sobre os factos descritos sob os números 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 39, 48 e 52, que deveria ter sido dados como não provados, e sobre a matéria dada como não provada sob as alíneas E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, que deveria ter sido dada como provada.
Os factos indicados até ao 28º, inclusive, o 39º, o 48º e 52º referem-se às circunstâncias do acidente e danos do veículo dos AA e nos outros veículos; os factos indicados, entre o 29º e o 34 aos prejuízos inerentes à privação do veículo;
Os factos não provados nas als. E), F) e G) reportam-se às circunstâncias do acidente e os descritos nas als. H) a Q) referem-se aos danos evidenciados nos veículos e à alegada inadequação destes a um acidente como o descrito nos autos.
Nestas circunstâncias, dispensável se torna ponderar a generalidade desses factos individualmente, pois que assumem importância inseridos no respectivo conjunto.
No que respeita aos factos relativos à dinâmica do acidente, a apelante refere que os factos descritos sob os itens 38, 41, 43, 44, 45, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 56 a 58, 61 e das alíneas f, g, h, i, j, k, l, m, n, o, p, q, etc., estão em oposição uns com os outros e que são facilmente contrariados pela simples análise das fotografias juntas com a contestação oportunamente oferecida.
Explicitando tais contradições, afirma:
1 - A descrição do local, que, por si só, demonstra que as trajetórias dos veículos e a dinâmica dos mesmos nunca poderia corresponder à constante da sentença recorrida;
2 - o Renault, não podia circular da forma descrita na sentença proferida, nem poderia ter embatido conforme alegado pelos AA.;
3 – Não existiram rastos de travagem;
4 - acidente não foi participado às entidades policiais – GNR e PSP
5 – os veículos envolvidos tinham um longo histórico de sinistralidade
6 - o ponto 48 a 52, descreve alguns dos danos que apresentava o BMW
7 - O ponto 53 contraria a realização de uma manobra de desvio do BMW, que apresentava as suas rodas alinhadas;
8 - O ponto 54 refere expressamente que o XR apresentava danos “…sem que a frente do VF possuísse qualquer marca ou vestígio de embate que o pudesse ter provocado…”
9 - O ponto 56 a 58 confirma que o condutor do Renault tudo fez para evitar qualquer embate;
10 - O ponto 61 vem confirmar que o suposto condutor do BMW faltou à verdade, desde logo no que diz respeito à velocidade que diz que impugna ao dito veículo;
11 - O teor das alíneas e, f, g, h, i, j, l, m, n (em parte), o, p, q da matéria dada não provada, também foi incorretamente julgada, já que pode ser facilmente confirmada, e julgada provada, pela simples análise das fotografias a cores juntas com a contestação, as quais valem por “mil palavras”, principalmente se forem proferidas pelos supostos condutores intervenientes no alegado sinistro.
No que respeita aos primeiros três pontos, o que se constata é que as intervenções de todos os condutores nas diversas circunstâncias em que descreveram o acidente foram sempre coerentes e congruentes. Isso resulta quer das participações/declarações amigáveis preenchidas, quer dos seus depoimentos em audiência. E todas essas declarações foram coerentes e congruentes com as fotografias tiradas aos veículos, no momento do sinistro.
Todo este acervo probatório revela claramente que o Renault (UU), avançando desde a Rua ... para, virando à direita, de forma a entrar na EM 558-1 bateu com o canto frontal esquerdo na parte lateral direito do BMW levando a que este desviasse a sua trajectória e fosse embater de frente no KIA, dos atores. A esse respeito são elucidativas as fotografias juntas com a contestação da 2ª ré, juntas com um relatório da GEP.
As fotografias do Renault e do BMW revelam danos em ambos os veículos compatíveis com essa versão constantemente trazida pelos três condutores. Por sua vez, o BMW foi embater de frente no KIA e apresentam danos compatíveis com tal embate frontal.
É óbvio, pelo volume dos danos, que esse embate frontal se processou a uma velocidade não muito elevada, pois que as frentes de ambos os veículos não ficaram desfeitas. Mas, das fotografias, resulta bem a compatibilidade dos danos apresentados por cada um com a ocorrência de um tal embate.
Assim, de forma alguma se conclui, como alega a apelante, que as trajectórias dos veículos descritas na sentença recorrida não podiam ter ocorrido, nem que o embate não se deu como ali descrito.
Pelas fotografias não é possível verificar a existência de rastos de travagem. Porém, tais fotografias, atenta a sua qualidade, não traduz em absoluta que não tenham existido tais rastos. Veja-se a fotografia junta com a contestação da 2ª ré, com a legenda “Observações: 1” , onde rastos existem, um deles dirigido à parte frontal do KIA.. E no item 43 dos factos provados só se constata que, em momento ulterior, ao tempo da averiguação, não existiam já rastos. Em qualquer caso, cumpre afirmar que a não identificação de tais rastos jamais seria suficiente para habilitar a conclusão de que um tal acidente não correu, em face da prova constituída pelas declarações dos condutores dos veículos e das fotografias que, no local, revelam os veículos já sinistrados.
De resto, também a circunstância de não ter sido convocada para o local qualquer autoridade policial é irrelevante como indício de que aquele acidente não tenha acontecido. Nenhuma circunstância do caso implicava essa necessidade, sendo que, caso tivesse aparecido no local qualquer entidade, nenhuma autenticidade traria, por exemplo, às declarações inscritas pelos condutores nas respectivas participações às seguradoras. E o condutor do BMW, na participação dirigida à sua seguradora – a 2ª ré – bem o explicou: “ Não accionamos a polícia , uma vez que o condutor que saiu do STOP [do Renault] assumiu a responsabilidade e preenchemos a declaração amigável.
Ainda para justificar o seu convenciomento de que o acidente descrito não ocorreu, vem a apelante invocar o longo histórico de sinistralidade dos veículos, como que pretendendo induzir que os mesmos podem estar a ser usados pelos seus proprietários em situações inverdadeiras, como seria a dos autos. Porém, em relação ao seu próprio segurado – o dono do Renault – tal como consta do item 45º dos factos provados, os sinistros ocorridos foram situações de avaria, que motivaram a chamada da assistência em viagem, além de um sinistro de quebra de vidros. O próprio BMW, dos sinistros registados pela sua seguradora, só um fora motivado por responsabilidade civil. Em suma, é completamente desajustada a alegação destes factos pela apelante, como forma de tornar duvidosa a ocorrência do acidente descrito.
Por outro lado, alega a apelante que os veículos, designadamente o BMW, apresentavam danos que não poderiam ter resultado deste acidente. Os danos descritos no item 48, e 50 e 51 são obviamente compatíveis com o embate no KIA. Mas, admitindo-se que o BMW tinha outros danos pré-existentes, como os riscos no lado direito do pára-choques, de forma alguma se pode daí inferir que os danos provocados ao KIA não resultaram deste embate. É, portanto, uma alegação irrelevante essa. Isso mesmo, de resto, é aplicável a alguns danos apresentados pelo KIA (cfr. item 54) como o vinco junto ao canto superior da grelha frontal de ventilação do motor, do lado esquerdo, ou como outros existentes já na respectiva traseira.
Ainda quanto à referência da apelante ao teor dos itens 56 a 58, onde o tribunal, de forma totalmente irrelevante para a decisão da causa, passou relatar o teor de um encontro entre um averiguador contratado pela apelante e o condutor do Renault, mais uma vez o que se retira é um relato indirecto nos termos do qual aquele condutor, de forma coerente, repetiu a descrição do acidente tal como a dada por provada pelo tribunal a quo. E isso mesmo aconteceu com os outros condutores, quer o do BMW, quer a do KIA, ora apelada, como se revela nos itens 61 a 66. Mal se percebe, assim, o esforço interpretativo da apelante, para, de tais excertos, concluir pela não produção do acidente como descrito.
É, aliás, oportuno apreciar o valor da prova constituída pelos averiguadores de sinistro contratados pela ré e que, pretendendo fazer valer como se de uma prova pericial se tratasse, parecem justificar a sua convicção negativa sobre as circunstâncias do acidente tal como descritas pelo tribunal.
Por um lado, contrariamente ao alegado pela apelante, não pode deixar de ter-se por parcial a sua intervenção. Não sendo funcionários da 1ª ré, seguradora, prestam-lhe serviços e emitem relatórios com conclusões cujo teor pode ser favorável ou contrário aos interesses operacionais da seguradora. É óbvio que o seu trabalho será tão mais apreciado quanto as conclusões sejam contrárias à responsabilização a seguradora, disso podendo depender a contratação para novas actuações.
Mas, independentemente dessa ponderação da sua natural parcialidade, outra dificuldade conceptual prejudica a relevância de uma tal ferramenta probatória. Com efeito, poderá haver matérias que os srs. Averiguadores, contratados pela seguradora, poderão relatar: aqueles que sejam da sua percepção directa, tais como os danos percepcionados num veículo sinistrado ou as condições de determinado espaço onde se alega ter ocorrido um acidente. A sua intervenção, nessas circunstâncias, terá a natureza de prova testemunhal.
Porém, já nenhuma relevância se poderá atribuir aos depoimentos ou conclusões enunciadas num relatório produzido por averiguadores contratados por uma seguradora quando o seu conteúdo consista no relato de meios de prova recolhidos sem contraditório ou conclusões produzidas sem contraditório e com base em dados que têm por adquiridos como se um órgão apto à recolha de meios de prova se tratassem.
Veja-se, a este propósito, o relatório produzido pela G..., S.A., por incumbência da 2ª ré, junto como doc. nº 2 com a sua contestação, onde o respectivo subscritor, além de relatar os depoimentos que considera terem-lhe sido prestados, até enuncia os factos provados e os factos não provados.
O mesmo se diga, por semelhança do resultado, ao relatório e às, declarações dos averiguadores apontados pela 1ª ré, que, igualmente com base em depoimentos por si recolhidos e em exames ou inspecções por si realizadas sem qualquer contraditório e, no caso, à revelia do que os intervenientes lhes disseram, chegam a conclusões que depois a apelante vem apresentar ao tribunal como se de factos provados se tratassem.
Apesar de apelarem a particulares conhecimentos técnicos, as intervenções de tais averiguadores, por conta das rés seguradoras, de modo nenhum podem ascender à categoria de prova pericial. Na prova pericial, as garantias de isenção e contraditório, que logo começam com a própria designação dos peritos, são marcadamente diferentes do que se verifica com o apelo aos depoimentos ou aos relatórios de averiguadores de sinistros contratados por uma das partes.
Tais intervenções, quando reproduzidas em relatórios, que integram juízos sobre meios de prova e conclusões sobre questões controvertidas, também não valem como prova documental. E, mesmo quando produzidas oralmente, em audiência, mediante contraditório, também não valem como prova testemunhal, salvo, como se disse, quanto a matérias que possam ter sido percepcionadas directamente, mas já não quanto à descrição de meios de prova ou a conclusões edificadas sobre a percepção de meios de prova.
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É neste contexto que cumpre afirmar que, face aos depoimentos coerentes e congruentes entre si, dos três intervenientes no sinistro, incluindo as declarações de parte da autora, limitadas aos elementos que, na sua particular posição, percepcionou, bem como em face das fotografias dos veículos intervenientes no acidente, no local, e dos danos neles verificados, se desacredita do teor dos depoimentos dos averiguadores GG, HH II e JJ.
Um juízo positivo quanto a elementos por estas testemunhas declarados, como, por exemplo, a conclusão referida por GG segundo a qual o KIA não andava, por ter a caixa de velocidades avariada, ou as conclusões referidas por JJ, quanto à compatibilidade entre os elementos de contacto entre os veículos, no embate, para demonstrar que os mesmos não podiam ter embatido, havia de ser alicerçado não em averiguações operadas por entidades nomeadas apenas por uma das partes, mas sim nos resultados de uma perícia produzida nos termos legalmente previstos, sob um regime que asseguraria o contraditório quanto aos elementos considerados e às conclusões que eles proporcionassem.
Assim, não deixamos de ficar perante as conclusões de um averiguador que diz que o KIA nem andava, dado o estado da sua caixa de velocidades, em confronto com outras afirmações com a mesma génese segundo as quais o KIA circulava mas, dado o posicionamento das suas rodas e das do BMW, jamais poderiam ter batido como apurado na sentença.
Na ausência de tal prova pericial, expressamente se afirma que não se acredita naquelas declarações dos averiguadroes, perante os relatos dos intervenientes no acidente segundo as quais o KIA foi embatido quando circulava na EM 558-1, tal como demonstrado nas fotografias que o demonstram posicionado no local do acidente em pleno choque com o BMW, tal como nenhuma credibilidade se atribui às conclusões que todos enunciaram, sobre a incompatibilidade da danos entre os veículos ou sobre a relevância do posicionamento das rodas que, por entenderem estarem posicionadas a direito, não deveriam ter levado ao choque entre os veículos.
Note-se, neste contexto, que apesar de os averiguadores apontarem vestígios de acidentes precedentes, no BMW e no KIA, não pareceram ter concluído por outra hipótese que, essa sim, teria relevância: a de os danos na lateral direito do BMW ser incompatível com os danos no canto esquerdo do para-choques frontal do Renault. A este propósito, com efeito, o que as fotografias juntas revelam é a compatibilidade entre esse choque, a partir do qual é perfeitamente compreensível a inflexão de direcção, para a esquerda, da marcha do BMW, de forma a que foi embater contra o KIA, na faixa por onde circulava. Para esta realidade é indiferente que o BMW ou o KIA apresentassem danos procedentes de episódios anteriores. O que aqueles relatos dos três condutores dos veículos intervenientes no acidente e as fotografias do local e dos veículos revelam é que aquele acidente aconteceu tal como se mostra descrito na sentença.
Por fim, e ainda em abono da credibilidade dos relatos dos intervenientes e em desfavor da tese da apelante, segundo a qual o acidente teria sido simulado, pois que o KIA nem andava e os danos no BMW não eram compatíveis com os identificados no KIA, cumpre afirmar que aqueles relatos surgem ainda sustentados nas circunstâncias de tempo e local em que o acidente ocorreu. Contrariamente ao referido pela apelante, sem qualquer sustentação a esse respeito, o acidente não se verificou num local ermo, escuro e onde não haveria vivalma para denunciar a simulação. O embate ocorreu numa via marginada por habitações e totalmente iluminada (cfr. fotografia 7.7 junta com a p.i.,) às 19,40h., em circunstâncias perfeitamente percepcionáveis pelo público, o que, como é do conhecimento comum, não acontece em situação diagnosticadas como acidente simulado a que, reconhece-se, as seguradoras são expostas. E se é certo que os AA. não convocaram qualquer testemunha da vizinhança do local do acidente, para testemunhar a sua ocorrência, certo é que a própria apelante nem sequer naquela sede de averiguações, através das pessoas por si contratadas para o efeito, logrou convocar qualquer residente apto a declarar que o acidente não acontecera nos termos agora descritos.
Por todo o exposto, quanto à dinâmica do acidente, sua localização espácio-temporal e danos resultantes nos veículos, com atenção aos meios de prova descritos pelo apelante, maxime os depoimentos dos intervenientes no acidente e as fotografias juntas com a petição e com as contestações, rejeita-se a interpretação que deles faz a apelante, mantendo a decisão da matéria de facto quanto aos correspondentes itens dos factos provados e às correspondentes alíneas dos factos não provados.
Por fim, resta dizer que não se detecta qualquer contradição intrínseca entre os factos provados, ou entre estes e os ajuizados negativamente.
Manter-se-á, por isso, nesta parte, a decisão recorrida nos seus precisos termos.
*
Já no tocante aos prejuízos sofridos pelos autores, a apelante vem impugnar os factos descritos nos itens 29º até ao 34º, factos estes respeitantes à privação do uso do veículo, que tinha 7 lugares e era adequado à serventia do respectivo agregado familiar (casal e quatro filhos), ao transtorno que essa privação provocou da dinâmica da vida familiar, ao valor representado pela disponibilidade de um veículo idêntico (40,00€ por dia), bem como aos custos suportados com a substituição do veículo perdido por outro, que incluiu a necessidade de contrair um empréstimo bancário, com os sacrifícios inerentes.
Todavia, apesar de se pronunciar contra os termos em que foram qualificados e indemnizados estes danos, ora como patrimoniais, ora como não patrimoniais, a apelante não chegou a elencar fundamentos ou meios de prova em função dos quais devesse ser avaliada diferentemente a matéria de facto em questão. Apenas referiu, nas suas conclusões, que os AA. puderam dispor de um carro emprestado pelo pai, mas isso de forma alguma é apto a excluir o que se encontra provado quanto á insuficiência de meios de transporte disponíveis para o seu agregado familiar, nos itens 30º, 32º e 33º, sendo irrelevante a matéria conclusiva enunciada no item 34º.
Por isso, nesta sede de apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nada cumpre alterar.
Manter-se-á, por isso, também nesta parte, a decisão recorrida nos seus precisos termos.
*
Em suma, quanto às questões opostas à decisão sobre a matéria de facto, reexaminada a prova apontada, designadamente em atenção aos elementos enunciados nos fundamentos expostos supra, conclui-se pela total improcedência da apelação, por falta de provimento das respectivas razões.
Temos, pois, por insusceptível de crítica, nesta parte, a decisão recorrida, mostrando-se fixado definitivamente o substrato factual em que deve assentar a solução.
*
Alega a apelante que, mesmo mantendo-se a base factual da decisão, esta deveria ser outra, por dever ponderar que a responsabilidade do acidente não é imputável exclusivamente ao condutor do Renault, mas também ao condutor do BMW, que circulava a 70 km/h. num local onde o limite de velocidade era de 50km/h.
Constata-se, porém, que não resultou demonstrado que o BMW circulasse a 70km/h, tanto mais que nem a autora, nem a ora apelante jamais alegaram que isso tivesse acontecido. De resto, apesar da sua impertinência, o que foi declarado provado sob o item 61 dos factos provados, foi que o condutor do BMW declarou a um averiguador enviado pela ré, que circulava a cerca de 50 Km/hora.
Assim, apesar de, nas suas alegações de recurso, a apelante insistir que o condutor do BMW circulava a 70 km/h, o que constituiria matéria nova, por não alegada oportunamente na contestação, certo é que nada a esse propósito se provou.
Por outro lado, tal como avaliado pelo tribunal recorrido, o que se verifica é que a única actuação censurável, por infracção das normas estradais descritas na sentença, maxime a constante do art. 29º, nº 1 do Código da Estrada, pertenceu ao condutor do Renault, isto e´, ao segurado da ora apelante.
A ele era exigível e possível actuar de forma diferente daquela que adoptou, designadamente que não entrasse com o carro na faixa por onde circulava o BMW, em termos que levaram a que colidisse com este quando ele passava, forçando-o a desviar-se para a esquerda, onde acabou por embater, já na hemi-faixa de rodagem reservada ao trânsito em sentido contrário, na frente do KIA dos AA.
Pelo contrário, nas circunstâncias do caso, não se pode concluir pela identificação de uma conduta do condutor do BMW passível de um juízo de censura, isto é, culposa.
Conclui-se, assim, em plena concordância com o tribunal recorrido que apenas em relação ao condutor do Renault é possível dirigir um juízo de ilicitude e culpa pato ao preenchimento dos pressupostos do art. 483º do C. Civil, o que se não verifica em relação ao condutor do BMW, veículo este seguro pela 2ª ré.
Também quanto a esta matéria resta confirmar a decisão do tribunal recorrido, não cabendo reconhecer razão à apelante.
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Por fim, a apelante impugna a solução indemnizatória fixada na sentença.
Fá-lo, todavia, apenas em relação à identificação dos danos não patrimoniais, afirmando que os incómodos identificados não assumem gravidade tal que justifiquem a tutela do direito, ou que, se o justificarem, a correspondente indemnização não deve ser superior a 100,00€.
Mais alega que os danos inerentes à privação do veículo não podem ser duplamente indemnizados, ou seja, sê-lo também a título de danos não patrimoniais, bem como que a alegação de custos financeiros com a obtenção de capital que lhes tenha proporcionado a compra de outro veículo consubstanciaria um prejuízo patrimonial que acabou por não ser alegado.
Vista a sentença, constata-se que, além dos danos inerentes à perda do KIA, o tribunal fixou uma indemnização pela indisponibilidade do veículo, à razão de 40,00€ diários, num total de 560,00€. Este valor destina-se a compensar os AA. pela despesas que suportariam com o aluguer de um veículo idêntico, apto a suprir as suas necessidades de deslocação.
Depois, a sentença considerou que os autores se endividaram, para adquirirem um outro veículo, suportando custos que dificultam a gestão financeira da situação do agregado familiar; e que enquanto não dispuseram de outro veículo tiveram perda de qualidade de vida, faltas dos filhos a algumas atividades/compromissos, discussões e alterações de humor, ansiedade e muita angustia para o casal e os seus 4 filhos. Qualificou tais efeitos como danos não patrimoniais e determinou a sua compensação pela atribuição de um valor de 500,00€.
A factualidade relativa ao empréstimo contraído e à perturbação financeira que isso trouxe ao agregado familiar dos autores não está referida a qualquer consequência económica, mas sim às consequências psicológicas da situação, para os autores.
Compreende-se que a necessidade de resolução de um problema que antes não tinham, com a necessidade de angariar meios financeiros para essa resolução, seja questão que traga ansiedade e alterações de humor.
Por outro lado, apesar de já compensada economicamente a indisponibilidade do veículo, para compensação do prejuízo representado pelo custo de implementação de uma solução de mobilidade alternativa, também se admite que a alteração de rotinas, o recurso a expedientes diferentes para assegurar a condução de todos os membros de uma família alargada, como a dos autores, bem como a eventual dificuldade em acorrer a todas as solicitações como antes do acidente se fazia seja um factor de ansiedade, de conflitos pontuais a propósito dessas questões e até causa de alguma infelicidade por frustração de algumas vontades.
Todavia, importa ter presente que, no caso, essa situação durou apenas 14 dias, como o tribunal deu por provado. Além disso, além de uma descrição muito genérica de faltas dos filhos a algumas atividades/compromissos, a algumas discussões e alterações de humor, a uma referência superficial a situações de ansiedade e angústia, certo é que nada veio alegado, nem foi demonstrado que, em concreto, revele que tais situações tenham adquirido um grau de seriedade suficientemente elevado para que se possam considerar danos morais passíveis de tutela jurídica.
Como se sabe, o art. 496º nº 1 do C.Civil prevê a ressarcibilidade de danos não patrimoniais, isto é, não mensuráveis numa diferença patrimonial entre a situação anterior a situação ulterior ao sinistro. Mas condiciona essa ressarcibilidade a um grau de seriedade que justifique a intervenção da ordem jurídica.
Perante este regime, não são indemnizáveis meras arrelias, incómodos, alterações de estados de alma ou afectivos que sejam aceitáveis em função das restrições naturalmente provenientes da inserção de cada sujeito numa comunidade, onde a actuação de cada um pode redundar objectivamente na afectação das condições de vida de outrem.
A utilização de estradas e veículos por uma multiplicidade de indivíduos é de ordem a permitir que ocorram acidentes de viação. Destes resultam prejuízos patrimoniais a indemnizar segundo as regras de responsabilidade civil. Mas também resultam, quase necessariamente, a afectação do estado psicológico dos intervenientes, bem como a necessidade de desenvolver acções tendentes à superação da situação, com os incómodos e ansiedades inerentes.
Assim, só quando estes efeitos assumirem uma densidade tal que ultrapassem a normalidade, é que deve actuar a tutela jurídica prevista no art. 496º, nº 1 do C. Civil.
No caso, a matéria provada não nos permite concluir que as perturbações sofridas pelos autores tenham transcendido o que sejam os normais incómodos resultantes de um acidente de viação.
As referências genéricas à impossibilidade de comparência a alguns compromissos, ou a dissabores e discussões, por um período de tempo felizmente pequeno, constituindo danos de cariz não patrimonial, não assumem suficiente gravidade para justificarem tutela jurídica.
Por consequência, conclui-se assistir razão à apelante, nesta parte, cumprindo alterar a decisão recorrida, dela excluindo tal indemnização de 500,00€ atribuída para compensação de danos morais, e inerentes juros.
Procederá, nessa medida a apelação, mantendo-se a decisão recorrida em tudo o mais.
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Sumário:
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder parcial provimento ao presente recurso, com o que alteram a decisão recorrida, dela excluindo a condenação da 1ª ré a pagar aos AA. a quantia de 500,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais, e de juros de mora calculados sobre tal montante, desde a data de notificação da sentença. Em tudo o mais confirmam a decisão recorrida.

Custas por apelante e apelados na proporção do decaimento.

Registe e notifique.
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Porto, 20 de Fevereiro de 2024
Rui Moreira
Anabela Dias da Silva
Alberto Taveira