Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7/08.0TAMUR.P1
Nº Convencional: JTRP00043507
Relator: CASTELA RIO
Descritores: ABERTURA DE INSTRUÇÃO
PRINCÍPIO DO ACUSATÓRIO
PRINCÍPIO DA DEFESA
ELEMENTO SUBJECTIVO
Nº do Documento: RP201002037/08.0TAMUR.P1
Data do Acordão: 02/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 616 - FLS 157.
Área Temática: .
Sumário: I - Os princípios da vinculação temática de facto e de direito e da garantia da defesa impõem ao Assistente, que requer a abertura de instrução, que concretize a imputação da matéria de facto e da matéria de direito.
II - Porque só é punível o facto praticado com dolo – directo/necessário/eventual – ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência – consciente/inconsciente -, impõe-se, então, ao Assistente o dever de afirmar factualmente qual o tipo de atitude ético-pessoal do agente, se de oposição ou de indiferença ou de descuido, perante o bem jurídico-penal lesado ou posto em perigo pela conduta proibida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes do TRPRT no
Recurso Penal nº 7/08.0 TAMUR.P1 da 1ª Secção Criminal:

Inconformado com o Despacho de 22.5.2009 a fls 174-175 que, “porque legalmente inadmissível, rejeito[u] o requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente (art. 287.º/3 CPP)” B………., Advogado residente na Rua ………., Murça, interpôs RECURSO, por fax das 20:30 de dia 18 a fls 179-184 entrado o original no dia 19 jun 2009 a fls 195-210, pretendendo a revogação de tal Decisão, com a consequente realização da Instrução conforme Requerimento de 26.01.2009 a fls 152-159, para Pronúncia do Arguido C………., agricultor residente no ………., Murça, pela autoria de um crime (doloso) de alteração de marcos p.p. pelo art 216º do Código Penal ao qual pertencem as disposições legais adiante referidas sem menção quanto a sua origem, tendo integrado nas Motivações §§ relevados das matérias de facto, direito e prova daquele Requerimento e rematado-as com 39 CONCLUSÕES delimitadoras do objecto do Recurso sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso conforme consabida Jurisprudência dos Tribunais Superiores, as quais seguidamente se reproduzem por transcrição após scanner:

1. Por douto despacho foi rejeitado o requerimento de abertura de instrução porque “(...) não obedece às prescrições do art. 283/3/als, impostas pelo art.287°/2 do CPP, pelo que qualquer despacho de pronúncia que fosse proferido na sua essência seria nulo”;

2. É por discordarmos do referido despacho de rejeição que se interpõe o presente recurso.

3. Como se sabe, o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais — cfr. n° 2 do art. 287° do C.P.P.

4. Todavia, porque deduzido pelo assistente e ora recorrente na sequência de um despacho de arquivamento, trata-se de uma verdadeira acusação;

5. Pelo que deverá o referido requerimento de instrução conter a alegação de concretos e explícitos factos materiais praticados pelo arguido e do elemento subjectivo que presidiu para o cometimento do crime;

6. Vejamos, então se o requerimento de instrução formulado pelo assistente e ora recorrente, obedece ou não às prescrições constantes do n° 3 do art. 283° do C.P.P, por remissão do n° 2 do art. 287° do mesmo diploma legal;

7. Não existem dúvidas quanto à identidade do arguido C………. — cfr. alínea a) do n° 3 do art. 283° do C.P.P.;

8. Quanto à narração dos factos constantes do requerimento de abertura de instrução, verificamos que começa o ora recorrente por referir que resulta inequivocamente da prova produzida no inquérito que existia um marco delimitador dos prédios do assistente e do arguido — cfr. arts. 4° e 9° do requerimento instrutório;

9. [Inexistente nas Conclusões sem se vislumbrar omissão na alegação narrativa]

10. Ulteriormente, o assistente refere que havia prova bastante nos autos de que foi o arguido quem colocou esse mesmo marco — cfr. art. 5° e 7° do requerimento;
11. Isso resulta, designadamente do testemunho de D………. e de E………. — fls. 34 e 36 dos autos, respectivamente;

12. Portanto, não há dúvidas da existência de um marco delimitador dos prédios e de quem o colocou;

13. Se ainda pudessem existir dúvidas, mais não se teria do que perguntar às pessoas que também estavam presentes, o que, por não ter sido feito no inquérito, se requereu a sua realização em sede de instrução;

14. Ainda no que concerne à narração dos factos, resulta também da prova produzida no inquérito que o ora recorrente e assistente, há cerca de 5 anos, mandou colocar postes e arames a delimitar ambos os prédios — cfr. art. 10° do requerimento instrutório;

15. Sobre esta matéria, o arguido a fls. 78 dos autos disse o seguinte: “Confirma que, de facto, foram colocados postes e arames, a delimitar os terrenos, mas que não foram colocados no alinhamento do marco” - cfr. art. 11° do requerimento instrutório;

16. Portanto, na óptica do arguido, os referidos postes e arames foram colocados para delimitar os terrenos, só não foram colocados no alinhamento do marco;

17. Enunciou, assim, o assistente, no referido requerimento, os factos e as provas existentes no inquérito que demonstram a existência do marco;

18. Depois disso, o ora recorrente enuncia as provas (documental e testemunhal) produzida no inquérito que comprovam que os postes e arames foram colocados no alinhamento do marco até com claro prejuízo para o ofendido, ora recorrente — vide fotografias juntas sob o docs. n° 1 a 7 e, entre outros, o depoimento das testemunhas F………. e G……….;

19. O depoimento destas testemunhas quanto àqueles factos não foi contrariado por qualquer outra prova no inquérito;

20. Assim, sendo os postes e arames colocados há cerca de 5 anos para delimitar os terrenos (palavras do arguido) na presença do arguido, passaram, desde então, a também serem marcos delimitadores de ambos os prédios;

21. Além do marco delimitador colocado pelo arguido, que agora com a sua conduta colocou um poste a 70 cm daquele no terreno propriedade do assistente: “(...) com a intenção clara de delimitar e se apropriar daquela faixa de terreno” - cfr. art. 17° do requerimento instrutório;

22. Essa é uma conclusão indiscutível, atento toda a factualidade e prova constante dos autos e que motivou a discordância do assistente e ora recorrente quanto ao despacho de arquivamento;

23. E isto mais assim é se tivermos em atenção o conceito vertido por Manuel Leal - Henriques e Manuel Simas Santos, no Código Penal Anotado, 2° Vol. Ed. Reis dos Livros, Pág. 832”;

24. No requerimento de abertura de instrução o assistente ainda deu como reproduzida a acusação pública deduzida contra o arguido pelo crime de dano;

25. Ou seja, resulta, assim, humildemente julgamos, que do requerimento instrutório foi feita adequada narração dos factos;

26. Identificando o assistente também a ausência de fundamento no arquivamento dos autos relativamente ao crime de alteração de marcos, o que, de resto, motivou o requerimento instrutório;

27. Após a narração dos factos, o assistente e ora recorrente, subsumiu os referidos factos e conduta do arguido no crime de alteração de marcos, como resulta dos arts. 18° e seguintes do requerimento de abertura de instrução.

28. Terminando o assistente e ora recorrente o seu requerimento instrutório dizendo o seguinte: “(...) o arguido, com dolo directo, praticou o crime previsto e punido pelo art. 216° do C.P.”.

29. Portanto, como supra se demonstrou, o ora recorrente no requerimento de abertura de instrução narrou os factos materiais concretos e explícitos praticados pelo arguido, as provas que os fundamentam e, por fim, indicou as disposições legais violadas pela conduta do arguido.

30. Não descortinamos que outra matéria teria o assistente que alegar, nem a que a outras prescrições legais teria de obedecer.

31. Quando muito poderia suscitar-se a questão do momento da prática dos factos pelo arguido, olvidando-se, assim, a referência aos 5 anos em que foi colocado o marco, os postes e os arames, que expressamente foi referido no requerimento instrutório. E esquecendo-nos ainda que o requerimento instrutório foi feito com referência a queixa e a acusação publica

32. De qualquer modo, mesmo a haver qualquer falta, mais não se teria do que se notificar o ora recorrente para suprir essa mesma insuficiência.

33. Por último, acrescenta-se que o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução, conforme preceitua o n° 3 do art. 287° do C.P.P.

34. Este preceito legal é taxativo, não admitindo interpretações extensivas.

35. Como julgamos ter demonstrado, o ora recorrente no requerimento de abertura de instrução obedeceu às prescrições constantes do n° 3 do art. 283°, impostas pelo n° 2 do art. 287°, ambos do C.P.P;

36. Ou seja, aquele requerimento contém todos os elementos ali referidos e, mesmo que assim não fosse, não estabelece a lei qualquer sanção para a omissão destes elementos.

37. Quando muito teria o Meritíssimo Juiz “a quo” que notificar o assistente para que este completasse o requerimento com os elementos que entendia ter omitido e que não deveria ter omitido.

38. E, caso o assistente não completasse o requerimento, então o juiz não procederia à instrução.

39. Era assim, não podemos deixar de pensar, que o Juiz “a quo” deveria ter procedido nos presentes autos, caso verificasse alguma omissão, que, sinceramente, não descortinamos, mas que, efectivamente, não fez, motivando o presente recurso.
A Magistrada do MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu em 06.7.2009 a fls 212-219, nos termos e para os efeitos do art 413º do CPP, concluindo pelo não provimento do Recurso e confirmação do Despacho recorrido conforme RESPOSTA que rematou com 6 CONCLUSÕES que seguidamente se reproduzem por transcrição após scanner:

1. O que está sob recurso é o douto despacho proferido em 22 de Maio de 2009, a fls. 174 a 175, que rejeitou, por legalmente inadmissível, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente B………. ;

2. No requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente não se procede a uma descrição circunstanciada dos factos que são imputados ao arguido, não os localizando sequer no espaço e no tempo.

3. No requerimento de abertura de instrução o assistente limita-se a analisar a prova produzida em sede de inquérito para fundamentar a sua discordância relativamente ao despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, pelo que o instrumento a que o assistente devia ter lançado mão deveria ter sido a reclamação hierárquica.

4. A admissibilidade do requerimento de abertura de instrução formulado nestes termos pelo assistente e consequente abertura desta fase conduziria necessariamente à prolação de um despacho de não pronúncia, pelo que a não rejeição “ab initio” daquele requerimento implicaria a prática de um acto inútil proibido pelo artigo 137° do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4° do Código de Processo Penal.

5. Conduzindo a eventual admissão do requerimento de abertura de instrução a um despacho de pronúncia este seria nulo pelo que tal requerimento é legalmente inadmissível nos termos e para os efeitos previstos no artigo 287° n.° 3 do Código de Processo Penal.

6. Um eventual convite ao aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente violaria os princípios de garantia de defesa do arguido, do acusatório e do contraditório que constituem a base do processo penal e se encontram consagrados no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa e contrariaria a natureza peremptória do prazo fixado no artigo 287° n.° 1 do Código de Processo Penal.

Porquanto:

● O assistente vem interpor recurso do despacho que rejeitou o requerimento para a abertura de instrução com fundamento na sua inadmissibilidade legal ao abrigo do disposto no artigo 287° n.º 3 do Código de Processo Penal.

● Em tal despacho fundamenta-se a rejeição do referido requerimento nos seguintes termos:

● - o assistente não faz, no seu requerimento de abertura de instrução, uma descrição circunstanciada (descrição espacio - temporal) dos factos que justificariam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança;

● - que por tal facto, se tal requerimento viesse a ser admitido e, nessa sequência, proferido despacho de pronúncia este seria nulo;

● - que, denotando-se à partida que, pelos factos referidos em a), o despacho seria forçosamente o de não pronúncia, a admissão, nestes termos, do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente violaria o disposto no artigo 137° do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4° do Código de Processo Penal;

● - que por ser nulo o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento, hipótese apenas prevista para as irregularidades processuais.

● - que ainda que assim não se entendesse, a admissão da hipótese do convite ao aperfeiçoamento implicaria, na prática, a derrogação do disposto no artigo 287° n.° 1 do Código de Processo Penal que estabelece um prazo de natureza peremptória;

● - que a admissão da hipótese de convite ao aperfeiçoamento implica uma violação do princípio do acusatório previsto no artigo 32° n.° 5 da Constituição da República Portuguesa.

a) Da falta de descrição circunstanciada dos factos que justificariam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança e a recusa “ab initio” do requerimento de instrução apresentado em nome do proibição da prática de actos inúteis.

● o artigo 287° do Código de Processo Penal determina que “o requerimento [de abertura de instrução ] não está sujeito a formalidades especiais mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito, de discordância relativamente à acusação ou não acusação (...) sendo aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283º n.º 3 alíneas a) e b”.

● Do citado normativo legal se retira, então, que, o requerimento para abertura de instrução deve conter:

● - uma narração, ainda que de forma sintética, dos factos que levarão, no entender do assistente, à aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança;

● - que tal narração deve conter, sempre que tal seja viável, o lugar, o tempo e a motivação da prática dos factos imputados ao arguido, o seu grau de participação e, bem assim, quaisquer outros elementos que se revelem importantes para a determinação da sanção que lhe irá ser aplicada.

● A este propósito ensina o Professor Germano Marques da Silva que o requerimento de abertura de instrução “consubstancia uma verdadeira acusação que, nos mesmos termos que a acusação formal, condiciona e limita a actividade de investigação do juiz e a decisão instrutória”.

● Neste sentido, vide, a título de exemplo e entre a vastíssima jurisprudência do nossos Tribunais Superiores relativamente a esta matéria, o Acórdão da Relação do Porto de 13 de Abril de 2005 (disponível em www.dgsi.pt).

● Ora se atentarmos no requerimento de abertura de instrução apresentado, logo vemos que nele o assistente não faz efectivamente, como bem salientou a Mm.a Juiz “a quo “, uma descrição circunstanciada dos factos que imputa ao arguido, nem sequer delimita a sua prática no tempo e no espaço.

● De facto, e de uma forma desgarrada, limita-se o assistente a referir no artigo 23° do referido requerimento que, e passa-se a transcrever “o arguido não só derrubou postes, que eram marcos, como ainda alterou, unilateralmente, pelo menos um deles, que deslocou para 70 cm para lá do marco delimitador”.

● Limita-se o assistente a reproduzir e a analisar — reproduzindo-as novamente no recurso interposto - toda a prova produzida em sede de inquérito, sobretudo testemunhal, que o levam a discordar da decisão de arquivamento proferida nos autos pelo Ministério Público e que em seu entender deveriam ter conduzido, no termo do inquérito, à prolação de um despacho de acusação.

● Ora, olvida o assistente que a fase de instrução não se limita a ser uma fase de impugnação do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público. Para tal existe a figura da reclamação hierárquica que, em nosso entender, face ao teor do requerimento apresentado pelo assistente teria sido, sem dúvida, o instrumento adequado para reagir ao despacho de arquivamento proferido.

● Concordamos também com o despacho proferido na parte em que refere que a admissão do requerimento apresentado pelo assistente constituiria à prática de acto inútil, uma vez que atento o seu teor outro despacho não poderia ser proferido, no fim da instrução que o de não pronúncia.

● Efectivamente, o artigo 137° do Código de Processo Civil proíbe a todos, incluindo ao próprio juiz, a prática de actos inúteis que, como bem salienta o Professor Lebre de Freitas in Código de Processo Civil Anotado, Tomo 1, página, 240, só complicariam o processo, impedindo-o de chegar rapidamente ao seu termo.

● É certo que o Código de Processo Penal não contém norma semelhante. No entanto, e porque as razões que subjazem à proibição da prática de actos inúteis se verificam integralmente no âmbito do processo penal, tal norma não pode deixar de ser subsidiariamente aplicável por força do artigo 4° deste normativo legal.

● Aliás, como bem se salienta no recentíssimo Acórdão do STJ de 12 de Março de 2009 (disponível em www.dgsi.pt) , que seguimos de perto, “há que reconhecer a existência de afloramento do referido principio em diversas normas do Código de Processo Penal, nomeadamente no art.311°, ao permitir ao juiz rejeitar a acusação manifestamente infundada e no art. 420º que prevê a rejeição do recurso quando for manifesta a sua improcedência. Tanto num caso como no outro, é evidente que, sendo manifestas a improcedência da acusação ou do recurso, fazer prosseguir o processo, abrindo a respectiva fase, sabendo-se de antemão que seria inevitável a absolvição do arguido ou a improcedência do recurso, conduziria, necessariamente à prática de actos inúteis”.

● E nem se diga, como faz o assistente, que as razões avançadas para a sua rejeição não se integram na hipótese de inadmissibilidade legal do requerimento de instrução prevista no artigo 287° n.º 3 do Código de Processo Penal.

● Na verdade, a admitir-se, no caso sub judice, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente e, por essa via, dar-se inicio à fase da instrução equivaleria à prática de um acto inútil, proibido por lei, ou seja, estaríamos perante a prática de um acto legalmente inadmissível nos termos e para os efeitos previstos no artigo 287° n.° 3 do Código de Processo Penal.

● Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ de 07 de Dezembro de 2005 (disponível em www.dgsi.pt) ou o Acórdão da Relação do Porto de 01 de Março de 2006, igualmente disponível na mesma base de dados. Afirma-se neste último arresto, relativamente a uma situação similar à dos autos em que no requerimento de abertura de instrução a assistente havia omitido a descrição de factos imputáveis ao arguido, e se limitava a contrapor os argumentos que serviram de base ao despacho de arquivamento do Ministério Público que “no que concerne à consequência legal deste incumprimento por parte da aqui assistente, entende-se tal como tem sido jurisprudência actual e unânime por parte dos Tribunais Superiores, que este requerimento deverá ser rejeitado liminarmente por inadmissibilidade legal da instrução — cf Artigo 287° n.° 3 do Código de Processo Penal, não havendo lugar a convite para aperfeiçoamento do mesmo”.

● Atento o exposto, dúvidas não restarão que, bem decidiu a Mm.a Juiz “a quo” ao rejeitar liminarmente o requerimento de instrução apresentado pelo assistente por o mesmo ser legalmente inadmissível.

b) Da inadmissibilidade do convite ao aperfeiçoamento.

● Afirma o assistente no recurso interposto que entendendo a M.ma Juiz “a quo” que o requerimento de abertura de instrução era omisso, impunha-se que a mesma proferisse um despacho de convite ao aperfeiçoamento antes de proferir o despacho de rejeição que consta dos autos. Não podemos concordar.

● Tendo-se concluído, como se concluiu, que o requerimento para abertura de instrução apresentado nos autos era legalmente inadmissível, a prolação de um despacho de convite ao aperfeiçoamento violaria o disposto do artigo 287° n.° 3 do Código de Processo Penal.

● O Código de Processo Civil prevê no seu artigo 508° n.° 2 e n.° 3 que o juiz pode convidar as partes a suprir irregularidades e insuficiências dos seus articulados. No entanto tal norma, não é subsidiariamente aplicável ao processo penal, sob pena de se contrariar os princípios de garantia de defesa do arguido, do acusatório e do contraditório que constituem a base do processo penal e se encontram consagrados no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.

● Neste sentido vide, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.10.2001 (citado no já mencionado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01 de Março de 2006) onde se afirma que “estando em causa (...) peça processual equivalente à acusação, um convite por parte do Juiz, à sua reformulação (por forma a descrever com suficiência e clareza factos que consubstanciem acusação), para além de exorbitar a “comprovação judicial” objecto da instrução referida no artigo 286° do CPP - e bem assim os correspondentes poderes do Juiz - envolveria de alguma forma “orientação” judicial que, em certa medida, poderia reconduzir-se a procedimento próprio de um processo de tipo inquisitório, banido desde há muito da nossa legislação”.

● Além disso, e como bem refere a M.m.a Juiz “a quo” o prazo previsto no artigo 287° n.° 1 do Código de Processo Penal é um prazo peremptório, pelo que a prolação de um despacho de convite ao aperfeiçoamento equivaleria à concessão ao assistente de um prazo suplementar que o beneficiaria e contrariaria a natureza do referido prazo para a apresentação de requerimento de abertura de instrução - cfr. entre outros, o Acórdão da Relação do porto de 12 de Janeiro de 2005 (disponível em www.dgi.pt).

Notificado o (Defensor nomeado ao) Arguido nos termos e para os efeitos do art 413º do CPP por via postal registada expedida em 19.6.2009 a fls 211, RESPONDEU em 06.7.2009 a fls 220-229 concluindo pela improcedência do Recurso porquanto, conforme transcrição por scanner:

1. Em cumprimento do dever de economia processual, e como forma de reconhecimento do brilhantismo, clareza e mérito jurídico de toda a argumentação expendida pela Meritíssima Juiz a quo no despacho em apreço, damo-la aqui por integralmente reproduzida, a qual se reputa como inexcedível e bastante para fundamentar a rejeição do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo ora Recorrente.

2. Nos termos do disposto no artigo 286.°, n.° 1, do CPP, “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou no a causa a julgamento”.

3. O artigo 287.°, n.° 2, do CPP dispõe que “o requerimento de abertura da instrução não está sujeito a formalidades especiais mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância em relação à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos que o requerente pretende que o juiz teve a cabo, dos meios de prova que no tenham sido considerados em inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283.°, n.° 3, alíneas b, e c)”.

4. Destas alíneas resulta que o requerimento deve ainda conter, sob pena de nulidade, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis.”

5. O n.° 1 do artigo 309.° do CPP estabelece que a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do MP ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução.”

6. Destes preceitos resulta que o requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente é mais do que uma forma de impugnar o despacho de arquivamento, uma vez que para esta existe a reclamação hierárquica (cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 24 de Novembro de 2003, ir, Col. Jur. XVIII, 5.°, p. 61).

7. Como escreve Germano Marques da Silva, in “Do Processo Penal Preliminar”, p. 254, “O Juiz está substancial e formalmente limitado na pronúncia aos factos pelos quais tenha sido deduzida acusação formal, ou que tenham sido descritos no requerimento do assistente e que este considera que deveriam ser o objecto da acusação do MP. O requerimento para a abertura da instrução formulado pelo assistente constitui, substancialmente, uma acusação alternativa (ao arquivamento ou à acusação deduzida pelo MP), que dada a divergência assumida pelo MP vai necessariamente ser sujeita a comprovação judicial.”

8. Assim, o requerimento para abertura da instrução formulado pelo assistente na sequência do despacho de arquivamento do MP equivale a uma acusação e, tal como esta, define e limita o objecto do processo que deve manter-se o mesmo até ao trânsito em julgado da decisão.

9. Se o requerimento de abertura da instrução do assistente não descreve quaisquer factos, limitando-se a discordar da posição do MP, “esta omissão de factos inscritos pelo assistente no requerimento de abertura da instrução, num caso em que o MP não deduziu acusação, torna-o estruturalmente inábil para que se possa lavrar uma decisão de pronúncia, por violação do artigo 287,°, n.º 2, do CPP” (cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Maio de 997, recurso n.° 2663/97, da 3ª Secção).

10. A propósito do artigo 287.° do CPP, diz Souto de Moura, in “Jornadas de Direito Processual Penal”, citado por Maia Gonçalves no seu C.P.P. Anotado – 12.ª Edição: “Se o assistente requerer a abertura de instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-de versar, a instrução será inexequível, ficando o juiz sem saber que factos é que o assistente gostaria de ver provados.”

11. Ora, no seu requerimento de abertura de instrução, a fls, 12 e segs., o ora Recorrente omite qualquer descrição circunstanciada dos factos que justificariam a aplicação ao Arguido de uma pena ou medida de segurança, quer através da localização espácio-temporal da factologia em causa (totalmente inexistente nesse requerimento), quer através da identificação das eventuais condutas criminosas (limitando-se o Assistente a aludir ao arrancamento de postes e arames, sem mais), quer através da alegação de elementos atinentes ao tipo subjectivo do ilícito em causa (não obstante o tipo legal de crime p. e p. pelo artigo 216.°, n,° 1, do CP ser doloso, nada refere o Assistente quanto à consciência, vontade e atitude do Arguido perante o comportamento em causa).

12. Face ao exposto, dúvidas não existem que o requerimento de abertura de instrução apresentado peio ora Recorrente não contempla as formalidades vertidas nas alíneas b) e c) do n.° 3 do artigo 283.° do CPP, aplicáveis ex vi da remissão operada pelo artigo 287.°, n.° 2, do mesmo diploma legal.

13. Porém, a lei processual penal não estabelece, expressamente, qualquer sanção para a omissão dos elementos indicados.

14. Em consequência desta “lacuna” do CPP, até há poucos anos atrás, a jurisprudência inclinava-se, basicamente, para duas posições:

15. 1, Por um lado, existem vários arestos dos tribunais superiores que estabelecem que, se o Juiz entender que o requerimento de abertura da instrução padece de falta de delimitação do objecto da instrução, deve convidar o assistente a completar o seu requerimento, suprimindo essa deficiência, É o que estabelecem, entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 5 de Maio de 1993, in Col. Jur. XVIII, 3.°, p. 243, da Relação de Coimbra de 17 de Novembro de 1993, in Col. Jur. XVIII, 5.°, p. 59, da Relação de Évora de 14 de Abril de 1995, ¡n Col. Jur, XX, 1.°, p. 280, e da Relação de Lisboa de 20 de Junho de 2000, in Col. Jur. XXV, 3º, 153.

16. Tal como se refere no supracitado Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de Junho de 2000, no qual se faz referência a Souto de Moura (cf. Jornadas de Direito Processual Penal), “se o assistente requerer a abertura da instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-de versar, o juiz deverá proceder do seguinte modo: notificar o assistente para que complete o requerimento com os elementos que omitiu e não devia ter omitido (art 287° nº 2); se o assistente não completar o requerimento, o juiz não procederá à instrução.”

17. O referido Acórdão da Relação de Coimbra de 17 de Novembro de 1993 estabelece que esta hipótese não se enquadra no n.º 3 do artigo 287.° do CPP, nem sequer constituindo um caso de “inadmissibilidade legal da instrução”, pelo que o requerimento não pode ser rejeitado. Conjugando o artigo 287.°, n.° 2, com o disposto no artigo 118.°, n.°s l e 2, do CPP, o Tribunal da Relação de Coimbra conclui que se está perante uma simples irregularidade. Detectada tal irregularidade, e não esquecendo que o processo penal persegue a verdade material, o Juiz deve ordenar oficiosamente a sua reparação, ao abrigo do disposto no artigo 123.°, n.° 2, do CPP.

18. 2. Por outro lado, existem também arestos dos tribunais superiores - Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Junho de 2001, recurso n.° 3437/2001, da 3ª Secção, Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Abril de 2002, in Col. Jur. XXVII, 2.°, p. 147, e Acórdão da Relação de Lisboa de 4 de Março de 2004, in Col. Jur. XXIX, 2.°, p. 124 que concluem que o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de abertura da instrução não se afigura curial.

19. Na verdade, e antes de mais, não compete ao juiz de instrução exercer a acção penal, mas sim comprovar a decisão de acusar ou arquivar o processo.

20. Acresce que a lei processual não prevê qualquer convite para o assistente aperfeiçoar tal requerimento, assim como não prevê qualquer convite ao MP para aperfeiçoar as acusações manifestamente infundadas.

21. O artigo 508.°, n.°s 2 e 3, do Código de Processo Civil (CPC), ao permitir ao juiz convidar as partes a suprir irregularidades ou insuficiências dos articulados, não é subsidiariamente aplicável ao requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente em caso de abstenção de acusar por parte do MP, por contrariar os princípios de garantia de defesa do arguido, do acusatório e do contraditório, consagrados no artigo 32.°, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e enformadores do processo penal.

22. Tal convite violaria também o princípio da imparcialidade que se traduz na alienidade do juiz em relação aos interesses das partes de uma causa. Como se escreve no Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Abril de 2002, acima citado, o convite dirigido às partes, pelo ,juiz para correcção de peças processuais, implica uma cognoscibilidade prévia, ainda que perfunctória, da solução do pleito, interfere nas funções atribuídas às partes e seus mandatários e pode criar falsas convicções quanto aos caminhos a seguir por forma a obter uma decisão favorável da causa.

23. A falta de descrição no requerimento de abertura da instrução do assistente dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança constituí simultaneamente a nulidade prevista no artigo 283.°, n.º 3, alínea b), do CPP, dada a remissão do artigo 287.°, n.º 2, do mesmo diploma, e causa a rejeição desse mesmo requerimento uma vez que se integra no conceito de “inadmissibilidade legal da instrução”, que consta do n.° 3 do artigo 287.° do aludido Código.

24. Mesmo a admitir que a inobservância, no requerimento de abertura de instrução, das sobreditas exigências, constituía mera irregularidade de processo, enquadrável no artigo 123.° do CPP, estando em causa peça processual equiparável à acusação, um convite por parte do Juiz à sua reformulação (por forma a descrever com suficiência e clareza factos que consubstanciem acusação), para além de exorbitar a “comprovação judicial”, objecto da instrução, referida no artigo 286.° do CPP - e bem assim os correspondentes poderes do Juiz -, envolveria de alguma forma “orientação” judicial que, em certa medida, poderia reconduzir-se a procedimento próprio de um processo de tipo inquisitório, banido desde há muito da nossa legislação.

25. O convite dirigido às partes, pelo juiz, para correcção de peças processuais, viola o princípio da imparcialidade do Tribunal (ao qual se refere o artigo 6.º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem) e, como tal é inconstitucional.

26. Entende o Arguido que é de sufragar esta última orientação, por entender que não há base legal que permita ao juiz o convite ao aperfeiçoamento. Na verdade, e para além dos argumentos aduzidos nos Acórdãos acima referidos, o Arguido é da opinião que o juiz não pode convidar o Assistente e ora recorrido a formular novo requerimento, não só por violar a letra e o espírito da lei (expressamente os n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 287,° do CPP), mas por tal iniciativa violar a estrutura acusatória do processo criminal e conduzir a uma desnecessária e desproporcionada diminuição das garantias de defesa, sendo assim incompatível com a essência da função jurisdicional. Se a Meritíssima Juiz a quo convidasse o Assistente ou permitisse uma reformulação do requerimento, estaria a ajudá-lo em detrimento cio Arguido, o que não só é incompatível com a sua função jurisdicional, como conduz a uma desnecessária e desproporcionada diminuição das garantias de defesa deste.

27. A imparcialidade pressupõe a configuração do processo como uma relação triádica na qual o juiz se encontra super partes, não a elas sujeito. A separação do juiz da parte acusadora, agora tida como primeira garantia orgânica, supõe a configuração do processo como uma relação triangular entre três sujeitos, dois dos quais estão como partes na causa e o terceiro super partes: o acusador, o defensor e o juiz. Esta estrutura constitui o primeiro sinal de identidade do processo acusatório. O convite dirigido às partes, pelo juiz, para correcção de peças processuais, viola o princípio da imparcialidade do tribunal e, como tal, é inconstitucional.

28. Refira-se, aliás, que, através de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (Acórdão n.º 7/2005, publicado in Diário da República n.º 22, Série I, de 4 de Novembro), o Supremo Tribunal de Justiça enveredou pela segunda das referidas orientações, podendo ter-se no sumário desse Acórdão que “não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.°, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.”

29. Face aos argumentos supra expostos, não tem qualquer razão de ser aquilo que é propugnado pelo ora Recorrente na sua motivação, designadamente quando afirma que “quando muito teria o Meritíssimo Juiz “a quo” que notificar o assistente para que este completasse o requerimento com os elementos que entendia ter omitido e que não deveria ter omitido.”

30. A argumentação que acima deixámos exposta, em conjugação com a vertida no despacho da Meritíssima Juiz a quo, revela que a omissão, pelo ora recorrente, das formalidades previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.° do CPP, exigíveis ex vi do disposto no artigo 287.°, n.° 2, do mesmo diploma legal, só poderia conduzir, como conduziu, a uma consequência a rejeição do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Assistente ora Recorrente, por inadmissibilidade legal da mesma (artigo 287.º, n.º 3, do CPP).

Por Despacho de 9.7.2009 a fls 230 o Recurso foi ADMITIDO a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo para este TRPRT conforme arts 399º, 401º nº 1 al b), 411º nºs 1 e 4, 406º nº 1, 407º nº 1 al h) e 408º nº 1 al a) a contrario todos do CPP.

Em Vista conforme art 416º nº 1 do CPP a Exma Procuradora Geral Adjunta neste TRPRT emitiu PARECER em 15.9.2009 a fls 239, concluindo “deve[r] o recurso ser rejeitado, por ser manifesta a sua improcedência” pois ”Subscrevemos inteiramente a douta, exaustiva e muito bem fundamentada Resposta ao Recurso, apresentada pelo Mº Pº a fls 213-219, bem como toda a argumentação constante do douto Despacho recorrido”.

Notificados o (Mandatário do) Assistente e o (Defensor do) Arguido nos termos e para os efeitos do art 417º nº 2 do CPP por via postal simples expedida em 01.10.2009 a fls 241-242, nada disseram.
Efectuado EXAME PRELIMINAR e colhidos os VISTOS LEGAIS os autos foram submetidos à CONFERÊNCIA.

Com interesse para a Decisão deste Recurso colhe-se da tramitação processual observada no decurso de Inquérito e Instrução que:

1. O presente procedimento criminal teve origem em RDA da Participação Criminal de 21.2.2008 de B………. versus C………. pela prática dos factos seguintes conforme transcrição após scanner:

1.1. O denunciante é dono e legítimo proprietário do prédio rústico denominado H………., situado no limite da vila e concelho de Murça.

1.2. Veio este prédio à sua titularidade após o óbito de seu pai, em Julho de 2003, e do falecimento de sua mãe, em Setembro de 2006, de quem sozinho herdou, por ser o único e universal herdeiro.

1.3. Os referidos pais do participante foram donos do aludido prédio durante mais de 50 e 55 anos.

1.4. O participado que confronta a Poente com o ribeiro e a Sul com o aludido prédio do participante, terá adquirido o seu prédio há cerca de 1 5, 20 anos ao sr. I………., que dele foi titular durante mais de 30 anos.

1.5. Entre os pais do participante e este I………. nunca houve qualquer problema, designadamente de limites dos prédios de um e outro.

1.6. Há cerca de 12 ou 13 anos o participado invadiu o limite Norte do prédio que agora é do participante, numa extensão de cerca de 1,5 / 2 metros de largura por cerca de 90 metros.

1.7. Nesta altura e mediante a indignação e oposição do pai do denunciante, este, na companhia do pai e de um senhor conhecido por sr. J………., que durante vários anos foi empregado do referido I………., deslocaram-se ao prédio.

1.8. Aqui, já na presença do denunciado, o J………., após verificar o marco que ali se encontrava, logo referiu que efectivamente o participado havia avançado cerca de 2 metros para o prédio que ora é do participante.

1.9. O participado, porém, não aceitou o referido pelo sr. J………., embora, no começo, antes de este indicar o que quer que fosse, tivesse reconhecido que ele era a pessoa indicada para indicar os limites do prédio.

1.10. O participante, contudo, pretendendo evitar futuros conflitos, designadamente entre o participado e o seu pai, que era, então, uma pessoa já de mais de 75 anos de idade e que ainda era quem explorava agricolamente os seus prédios rústicos, acalmou o seu pai e entrou cerca de um metros, por cerca de 90 metros, no prédio rústico do H………. .

1.11. Ficou com este comportamento o prédio com, pelo menos, menos 900 metros quadrados, mas, pensava, a questão do limite Norte do prédio ficava de vez solucionada e tudo pacificado.

1.12. Alguns dias depois o pai do participante, pelo local que havia sido marcado, colocou postes e arames.

1.13. Poucos anos após isto, o pai do denunciante começou a ter problemas do foro mental, levando a que facilmente e de tudo se esquecesse.

1.14. Cerca de meia dúzia de anos após a nova marcação e colocação dos postes, constatou-se que os postes e o arame colocado haviam sido arrancados e que o participado ocupava terreno para lá daquilo que havia sido marcado.

1.15. Entretanto, porque o participante, ainda que em nome do seu pai, tivesse feito um projecto para plantação de vinha, com transferência de licenças de outra vinha, contactou pessoalmente o participado e deu-lhe conta de situação, retorquiu este que não era verdade, que não tinha avançado, mas que ainda assim que levasse o sr. J………. ao local que tudo se esclarecia.

1.16. Há cerca de 5 anos, quando a máquina de surriba andava a trabalhar para a realização do projecto, o participante pediu ao referido J………. que o acompanhasse ao prédio, o que ocorreu, acompanhando-os o K………., que foi o autor do projecto.

1.17. Aqui chegados e na presença do denunciado, do dono da máquina da surriba, L………., do pai deste, M………., de D………., empregado agrícola do participante, dos jornaleiros E………., N………. e O………., e ainda de P………., depois de J………. ter referido ao denunciado que de novo tinha avançado, logo este lhe respondeu que já estava maluco, que já tinha muita idade, que já não sabia o que dizia.

1.18. Todavia, após muita discussão e múltiplas desinteligências, o participante acedeu chegar a acordo e logo L………. entrou com a máquina para fazer o limite dos prédios e o próprio participado colocou na extremidade Nascente uma pedra, que ainda lá se encontra, para delimitar os prédios de um e de outro.

1.19. Logo no dia seguinte, por ordem do participante, D………., colocou, no local indicado no dia anterior, postes e arames.

1.20. Após a marcação, a máquina de surriba continuou com o seu trabalho e patamares foram edificados, videiras foram plantadas e caminhos interiores para circulação do tractor foram efectuados.

1.21. Anualmente vários trabalhadores fizeram a poda, a adubagem, sulfatagem e recolha das uvas.

1.22. Mais abaixo, na olga, o ribeiro situado no limite Nascente da outra parte do prédio que após percorrer cerca de 100 m, junto do prédio do participante, se dividia em dois, foi alterado, pouco depois do marco dos limites, em beneficio do prédio, passando a constar só um ribeiro ainda que mais largo e situado numa parte, em local do prédio por onde antes não passava.

1.23. A todos estes factos assistiu o denunciado, pois vive ali, e nunca, mas nunca, pôs qualquer objecção do que quer que fosse, o que se entende, pois foi até ele que delimitou a propriedade, colocando, inclusivamente, como se disse o marco situado na extremidade Nascente/Norte do prédio do participante.

1.24. Inacreditavelmente, porém, em meados de Outubro do passado ano de 2007, o participante, na companhia de K………., a solicitação de D………., deslocaram-se ao prédio e constataram que os postes que suportavam os arames do valado de mais de 1 00 metros que vem de Sul para Norte do prédio do participante e que também suporta os arames que vem de Poente para Nascente e que haviam sido colocados por D………. há cerca de 5 anos, haviam sido derrubados - cfr. fotografias que se juntam sob os docs. n°s 1, 2 e 3.

1.25. Mais constataram, mais abaixo, o derrube pura e simples de, pelo menos, 7 postes e arames que arremessados foram para cima das videiras, afectando-as necessariamente e, imagine-se, noutros sítios postes que haviam sido colocados por D………., foram arrancados e, no seu lugar, foram colocados novos postes e os que lá estavam foram colocados juntos, logo a seguir - cfr. fotografias que se juntam sob os docs. n°s 4, 5 e 6.

1.26. A cerca de 50 centímetros para Sul do local onde o próprio participado havia colocado o marco estão colocados dois postes para, segundo diz, delimitar a sua propriedade — cfr. doc. n° 1 acima junto e fotografia que se junta sob o doc. n° 7.

1.27. O participante, os jornaleiros deste que se encontravam a trabalhar e o K………., não queriam acreditar no que viam, pois alguns assistiram à delimitação há cerca de 5 anos e nada justificava aquilo e nem sequer havia qualquer vantagem naquilo, a não ser destruir, importunar, provocar.

1.28. Nesta altura apareceu o sr. Q………., acompanhado da senhora que, parece, vive com o participado e perante o estado de irritação do participante, tentaram acalmá-lo, dizendo que iam falar com o participado e que tudo ia ser reposto como estava.

1.29. Durante algum tempo ainda o participante teve várias conversas com o referido sr. Q………. tendo este sempre dito que tudo se iria resolver.

1.30. Contudo, em Janeiro deste ano de 2008 o sr, Q………. comunicou ao participante que nada poderia fazer e que a solução era, se entendesse, avançar para o Tribunal.

1.31. Até hoje a situação mantém-se como ficou desde meados de Outubro do ano passado.

1.32. Além dos prejuízos patrimoniais provocados pelo participado ao participante, que, com o tempo, se irão necessariamente agravar e que, por si só, já justificam a presente participação, não pode o denunciante ficar quieto perante toda esta situação, pois, esquecendo-nos do que já aconteceu no tempo do pai do participante, foi o próprio participado que colocou o marco Nascente, há cerca de 5 anos, concordou com a delimitação feita pela máquina de surriba e com os postes e arames colocados por D………., também há cerca de 5 anos, assistiu a todos os trabalhos agrícolas posteriores e alteração do curso de parte do ribeiro e vem agora danificar postes, afectar arames, videiras e bacelos colocados no limite do prédio e, principalmente, perturbar, sem qualquer justificação o sossego dos outros.

1.33. Só adequada sanção criminal poderá fazer parar de vez o participado e é isso que se pretende com a presente participação,

1.34. Que foi instruída com 14 fotografias a fls 09 a 15 e Rol com 10 Testemunhas.

2. Por Despacho de 18.12.2008 a fls 136-138 o MINISTÉRIO PÚBLICO acusou, para Julgamento em Processo Comum por Tribunal Singular, C………., casado, agricultor, filho de S………. e T………., nascido a 05.07.1945, natural de Murça, com o BI nº ……, residente no ………., ….-… Murça, conforme Constituição de Arguido com TIR prestado em 7.5.2008 a fls 80 e 83, porquanto:

2.1. Em dia não concretamente apurado do mês de Outubro de 2007, o arguido destruiu arames numa extensão de cerca de 100 m que se encontravam num terreno sito nesta comarca e que pertenciam a B………. .

2.2. Acto seguido, o arguido arremessou os mencionados arames para cima das videiras que se encontram na mencionada extensão de cerca de 100 m.

2.3. O arguido quis, directa e necessariamente, provocar os referidos danos causando um prejuízo de cerca de € 250,00 no que concerne aos arames e de difícil quantificação no que respeita às videiras uma vez que as mesmas ficaram afectadas na sua capacidade de produção de forma irremediável.

2.4. Ao proceder pelo modo descrito, o arguido agiu, por referência a cada um dos aludidos modos, a coberto da mesma resolução criminosa.

2.5. Sabia o arguido que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.

2.6. Pelo exposto, cometeu o arguido C………., como autor material, um crime de dano, p. e p. nos termos dos arts. 212º e 14º, n° 1 do Código Penal.

2.7. Prova testemunhal: B………., id. a fls. 29. F………., id. a fls. 30. P………., id. a fls. 31; U………., id. a fls. 32. D………., id. a fls. 34. E………., id. a fls. 36. V………., id. a fls. 88. W………., id. a fls. 89. Q………., id. a fls. 90

2.8. Prova documental: Fls. 48-57; 96; 111-114. Certificado de Registo Criminal - fls 129

2.9. Medida de coacção: Nada a requerer quanto a medidas de coacção (arts. 191°, 204° e 196° do CPP), devendo manter-se a já aplicada a fls. 78 — Termo de Identidade e Residência.

3. Em Despacho prévio à Acusação o MINISTÉRIO PÚBLICO proferiu Despacho “nos termos do art.º 277.º, n.º 2 do CPP, [de] o Arquivamento dos autos” porquanto:

3.1. Iniciaram-se os presentes autos com participação apresentada por B………. contra C………. .

3.2. De harmonia com a queixa apresentada, há cerca de 12/13 anos o participado invadiu o limite norte do prédio do queixoso, acordando-se na sequência de tal facto, uma delimitação dos prédios confinantes, colocando o participado postes e arame a delimitar.

3.3. Alguns anos após, o participado arrancou os postes e arames e ocupou o terreno para além do que havia sido anteriormente delimitado, pelo que há cerca de cinco anos se procedeu a nova delimitação, colocando o queixoso postes e arames a delimitar os terrenos.

3.4. Em meados de Outubro de 2007, o participado arrancou sete postes e arames que foram arremessados para cima das videiras.

3.5. Tais factos, em abstracto, seriam susceptíveis de integrar a prática de um crime de alteração de marcos e de dano, p. e p. pelo art. 216° e 212° do Código Penal.

3.6. Deu-se início a inquérito, no decurso do qual foram levadas a cabo várias diligências, com vista à investigação do crime participado.

3.7. Procedeu-se à reinquirição do queixoso (cfr. fls. 29), à inquirição de F………. (fls. 30), P………. (fls. 31), U………. (fls. 32 e 76), D………. (fls. 34 e 75), E………. (fls. 36 e 77), M………. (fls. 38), L………. (fls. 39), K………. (fls. 41).

3.8. Constituído arguido e interrogado nessa qualidade (fls. 78) C………., declarou que há cerca de cinco anos, o queixoso e o arguido tentaram chegar a um acordo relativamente às extremas dos seus prédios e que postes e os arames estavam a delimitar os terrenos mas sem que estivessem no alinhamento do marco que já havia sido ali colocado. Esclareceu que arrancou os setes postes, após ter pedido autorização para o efeito, por entender que haviam sido colocados no seu terreno.

3.9. Procedeu-se ainda à inquirição de V………. (fls. 88), W………. (fls. 89) e Q………. (fls. 90).

3.10. Realizou-se a acareação entre o queixoso e a testemunha Q………. que confirmaram na totalidade os depoimentos prestados (fls. 100).

3.11. Foram juntas as fotografias de fls. 1 2-1 5.

3.12. Atendeu-se ainda aos documentos de fls. 60-69 e 111-114.

3.13. Dispõe o art. 216° do Código Penal que “Quem, com a intenção de apropriação, total ou parcial, de coisa imóvel alheia, para si ou para outra pessoa, arrancar ou alterar marco é punido com pena de prisão até 6 meses ou pena de multa até 60 dias.”

3.14. Ora, o presente crime constitui uma forma de tutela da propriedade imobiliária, assumindo, assim, a categoria de um crime contra o património.

3.15. Na verdade, o bem jurídico que se visa proteger com a referida incriminação é a inviolabilidade da propriedade imobiliária.

3.16. No que concerne ao tipo objectivo do ilícito em análise, impõe-se referir que o objecto da acção consiste em arrancar ou alterar marco (sobre o conceito de marcos, cfr. art. 202°, al g) do Cód. Penal).

3.17. O arrancamento consiste em tirar o marco do local em que se encontra, anulando ou tornando inútil a demarcação que com ele era feita. A alteração é o deslocamento de um sinal deste tipo, conduzindo assim à modificação da demarcação.” (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. II, pp. 271 e ss).

3.18. Deste modo, qualquer actuação sobre os marcos que não constitua uma alteração da demarcação não preenche este crime.

3.19. No que respeita ao tipo subjectivo de ilícito, o tipo legal supõe o dolo quanto aos marcos, isto é, o dolo quanto ao carácter demarcatório dos mesmos. Exige-se, porém, que haja, por via dessa actuação, a intenção de apropriação, para si ou para outrem. Quanto a este elemento é exigido o dolo específico (neste sentido, Carlos Alegre, Crimes Contra o património, Cadernos, RMP-3).

3.20. Destarte, para que se verifique o tipo de ilícito em análise, não basta que existam elementos nos autos que nos permitam concluir que foram alterados ou retirados marcos. Exige-se, igualmente, que esteja suficientemente indiciado que tais sinais tenham sido retirados com uma específica intenção, isto é, com o propósito de apropriação, total ou parcial, de um determinado imóvel (cfr. neste sentido, Jurisprudência de Julgados de Paz de 13.07.05, proc. n° 6212005-JP; Ac. da Relação do Porto de 22.09.04, proc. n° 041 1888, acessível em www.dgsi.pt).

3.21. E, como se já referiu, a verificação desse elemento é decisiva e fundamental para g preenchimento do tipo legal de crime de alteração de marcos.

3.22. Ora, das diligências probatórias efectuadas decorre que o queixoso e arguido são titulares de prédios que confinam entre si (fls. 60-69 e 1 1 1-114).

3.23. Da posição assumida pelo queixoso e pelo arguido decorre que ambos discordam quanto às delimitações dos prédios confinantes.

3.24. Ressalta da prova testemunhal deduzida nos autos que os depoentes, atribuem a propriedade dos prédios no local das confrontações, respectivamente ao queixoso ou ao arguido, conforme sejam testemunhas apresentadas por aquele ou por este.

3.25. Deste modo, sempre se dirá que a questão subjacente e em discussão é uma questão que deverá ser dirimida no foro cível, por ser o adequado para tal.

3.26. Considerando que existe dúvida quanto às delimitações dos mencionados prédios, não existem elementos indiciários bastantes para concluir que o arguido tenha agido com o propósito de se apropriar do imóvel, uma vez que considera aquela concreta parte do terreno como fazendo parte integrante da sua propriedade.

3.27. Daí que, não havendo intenção de apropriação, não se verifica o crime em causa.

3.28. Desta forma, conclui-se que a factualidade indiciariamente apurada não integra o tipo de ilícito previsto no art. 216° do Código Penal, pois que falta, no mínimo, ao seu preenchimento um dos requisitos do tipo.

3.29. Assim, assistindo dúvidas sobre as confrontações dos ¡móveis, consequentemente, sobre real titularidade daquela parte do imóvel, tal questão deverá ser dirimida no foro cível, por ser o próprio para tal.

3.30. Por outro lado, não admitindo a lei processual penal a suspensão do processo na fase do inquérito para resolução da questão prejudicial não penal — art. 7° do C.P.P — a actuação processualmente correcta sempre seria o arquivamento.

3.31. Contudo, ainda que assistisse razão ao queixoso, afigura-se-nos que a conduta do arguido não seria punível, uma vez que teria actuado em erro sobre um dos elementos do tipo de crime, isto é, o carácter alheio daquela parte do imóvel, o que afasta o dolo.

3.32. Tal facto decorre essencialmente das fotografias juntas aos autos e do teor das declarações prestadas pelas testemunhas, onde apenas se constata que os mesmos foram arrancados.

3.33. Estabelece o art. 283° do Código de Processo Penal que “Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de dez dias deduz acusação contra aquele.”

3.34. Ora, indício é a circunstância que tem conexão verosímil com o facto incerto de que se pretende a prova. O indício ou é próximo ou remoto é muitas vezes falível e só toca os elementos acidentais do crime e não o mesmo crime.

3.35. Por sua vez, dispõe o n° 2 do citado preceito legal que “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança”.

3.36. Deste modo, os indícios só serão suficientes quando, em face dos elementos probatórios recolhidos, for altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta for mais provável do que a absolvição (cfr. Direito Processual Penal, 1° Vol., Coimbra Editora, 1974, pág. 133).

3.37. À avaliação da maior probabilidade de condenação, em fase de julgamento, não pode ser alheio o princípio da presunção de inocência do arguido, e de um dos seus corolários, o princípio do in dubio pro reo. Num caso de dúvida razoável sobre os factos sucedidos a decisão terá de ser favorável ao arguido, ou seja, da sua absolvição.

3.38. Assim, caso perante a prova recolhida em fase de inquérito o Ministério Público anteveja este cenário provável de absolvição, a sua decisão deverá ser, por imposição legal, o respectivo arquivamento.

3.39. No que concerne aos danos nos postes, arames e videiras, impõe-se referir que em sede de diligências de inquérito suscitam-se dúvidas quanto à destruição total ou parcial dos mencionados postes.

3.40. É que no nº 2 do art.° 283.° do CPP, não se contenta com meros palpites, hipóteses ou probabilidades, exigindo circunstâncias certas através das quais se possa chegar, por indução lógica, a uma conclusão acerca dos agentes da infracção e dos condicionalismos da mesma; ao utilizar a expressão “indícios suficientes” tal preceito quis significar o conjunto de elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado pelo crime que lhe é imputado (cfr. a título exemplificativo, o Ac. da Relação de Lisboa, de 14/03/90, in BMJ n° 359, pág. 656).

3.41. Elementos esses que, no nosso entender e salvo melhor opinião inexistem no caso ora em apreço, porquanto os elementos de prova colhidos são claudicantes e de difícil sustentação em sede de julgamento, restando a dúvida, que mesmo em sede de inquérito não conseguiu ser ultrapassada no que concerne aos danos causados nos postes (dúvida essa que em nome do princípio do in dubio pro reo, funciona a favor do arguido).

3.42. Determinando-se, nesta parte, nos termos do art.° 277.°, n° 2 do CPP, o arquivamento dos autos.

4. Além de ter deduzido Pedido Civil em 14.01.2009 a fls 145-151 contra o Arguido pedindo sua condenação no pagamento de 490 € para indemnização de danos patrimoniais, 2000 € para indemnização de danos não patrimoniais e juros de mora desde a citação até integral pagamento,

5. O Ofendido requereu em 26-01.2009 sua constituição como Assistente a fls 160-161 e ainda Abertura de Instrução contra o Arguido, a fls 152-159 nos termos do art 287º nº 1 al b) do CPP, com a seguinte fundamentação de facto e de direito conforme transcrição por scanner:
5.1. Nos presentes autos foi proferido despacho de arquivamento quanto ao crime de alteração de marcos e formulada acusação quanto ao crime de dano.

5.2. É por discordarmos quer das razões de facto, quer das de direito, que levaram ao arquivamento do crime de alteração de marcos que requeremos a presente instrução.

5.3. Na verdade, se atentarmos na prova produzida no inquérito dúvidas não há que o arguido cometeu o crime de alteração de marcos; Senão vejamos:

5.4. Quer da prova arrolada pelo ofendido e ora assistente, quer da prova produzida pelo denunciado e ora arguido resulta, inquestionavelmente, que existia, e agora ainda existe, um marco delimitador dos prédios de um e de outro,

5.5. E que ele foi até colocado pelo arguido, conforme refere expressamente não só o ofendido, mas também as testemunhas D………. e E………. .

5.6. A única pessoa que diz que foi o ofendido que colocou o marco foi o arguido, o que se entende, é o seu legítimo direito de defesa.

5.7. Mas se após os depoimentos das supra referidas testemunhas, dúvidas ainda pudessem existir, que não podemos vislumbrar, sobre quem colocou o marco, mais não se teria do que se perguntar às pessoas que então estavam presentes e assistiram a essa colocação, quem foi que colocou o marco.

5.8. E essas pessoas são, como resulta dos autos, além das anteriores, pelo menos, também L………. e M………. .

5.9. De qualquer modo, não há dúvidas que existia um marco delimitador no limite Nascente/Norte do prédio do ofendido e que identificado está na fotografia junta à participação-crime sob o doc. n° 1.

5.10. Resulta também inequivocamente dos autos, que o ofendido e ora assistente colocou ou mandou colocar, há cerca de 5 anos, postes e arames a delimitar ambos os prédios;

5.11. Aliás o arguido a fls. 78 dos autos disse o seguinte: “Confirma que, de facto, foram colocados postes e arames, a delimitar os terrenos, mas que não foram colocados no alinhamento do marco” (negrito e sublinhado nosso);

5.12. Ora, na óptica do arguido os referidos postes e arames foram colocados para delimitar os terrenos, só não foram colocados no alinhamento do marco;

5.13. Contudo, se atentarmos na prova documental (fotografias) e na prova testemunhal produzida nos autos, resulta que os postes e arames não foram colocados no alinhamento do marco, mas, antes, para lá do local onde situado está o marco, com claro e manifesto prejuízo para o ofendido — vide fotografias juntas sob os docs. nºs 1 a 7;

5.14. Mas nem assim o arguido se conformou, e os postes e o arame colocados há cerca de 5 anos para delimitar os terrenos (palavras do arguido), na presença deste, que também delimitavam ambos os prédios, com benefício do arguido, foram por este injustificadamente arrancados.
5.15. Marco: é toda a coisa corpórea (pedras, postes, árvores, padrões, etc.) que, naturalmente existente ou artificialmente colocada sobre a linha divisória de imóveis, serve também para a atestar permanentemente (vide Código Penal Anotado, Manuel Leal - Henriques, Manuel Simas Santos, 2° Vol. Ed. Reis dos Livros, Pág. 832”;

5.16. O arguido com a sua conduta derrubou sete postes e arames que arremessados foram para cima das videiras propriedade do assistente;

5.17. Além disso, não há dúvidas que o arguido colocou um poste a cerca de 70 cm para além do marco delimitador, supra referido, no terreno propriedade do assistente, com a intenção clara de delimitar e se apropriar daquela faixa de terreno;

5.18. Isso é referido pelas seguintes testemunhas:

● D………. que no seu depoimento de fls. 34 disse: “(...) pretende ainda esclarecer que o marco referenciado a fls. 9, assinalado a vermelho, foi ali colocado, há cerca de 5 anos, pelo denunciado, com o consentimento do denunciante, por acordo entre os dois. Para surpresa, o denunciado veio agora a colocar o poste, por sua iniciativa, a cerca de 70 cm daquele. como bem ilustra a fotografia de fls. 9”;

● A testemunha E………. no seu depoimento constante de fls. 36 disse: “(...) pretende ainda esclarecer que o marco referenciado a fls. 9, assinalado a vermelho, foi ali colocado, há cerca de 5 anos, pelo denunciado, com o consentimento do denunciante, por acordo entre os dois. Para surpresa, o denunciado veio agora a colocar o poste, por sua iniciativa. a cerca de 70 cm daquele, como bem ilustra a fotografia de fls. 9”;

● Também a testemunha F………. no seu depoimento constante de fls.3 1 disse: “(...) Que, efectivamente, a delimitar as propriedades do denunciante, com a do denunciado, existia uma fiada de postes em cimento, ali colocados pelo ofendido” e mais à frente refere que: “(...) é do seu conhecimento que o denunciado, depois de ter arrancado os postes do denunciante, colocou outros seus, uns no mesmo buraco e outros mais para o terreno do ofendido”;

● G………. no seu depoimento constante de fls. 32 além de outras coisas diz: “(...)o denunciado, abusivamente, veio a arrancar 6/7 postes em cimento, sendo que, 5 deles, os empurrou para junto do regato que divide as duas propriedades. Um deles, veio a colocá-lo, por iniciativa dele e sem a presença do ofendido, no local referido na fotografia de fls. 9”.

5.19. O depoimento destas testemunhas quanto àqueles factos não foi contrariado por qualquer outra prova;

5.20. Dos factos e das provas constantes do inquérito e da douta acusação (que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais) resulta que o arguido derrubou 7 postes e arames e colocou pelo menos um poste a 70 cm do marco no terreno do ofendido, conforme ilustra a fotografia de fls. 9.

5.21. Ora, são elementos integrantes do crime de alteração de marcos: a) a existência de marcos; b) o seu arrancamento, supressão ou alteração; e, c) intenção de apropriação de coisa imóvel alheia;

5.22. Deste modo, face à prova já produzida nos autos e à que se requererá na presente instrução, dúvidas não há que existem marcos delimitadores pelo menos há cerca de 5 anos;

5.23. O arguido não só derrubou postes, que eram marcos, como ainda alterou, unilateralmente, pelo menos, um deles, que deslocou para 70 cm para lá do marco delimitador;

5.24. Ao destruir os marcos e ao fazer deslocar um poste 70 cm para o terreno do assistente, que ainda lá se mantém, pretendia, só assim se pode entender, o arguido fazer supor uma outra linha divisória e, consequentemente, apropriar-se de uma parte do imóvel do assistente;

5.25. Além disso, embora referido na participação-crime, não foi perguntado a ninguém quem desbravou mato com a máquina na altura da colocação do marco delimitador, para fazer o limite dos prédios, na presença de arguido e ofendido.

5.26. Que também servia, e serve, para delimitar os prédios.

5.27. Assim, requere-se:

● A reinquirição das testemunhas, K………; D……….; E……….; L………. e M………., todos já devidamente identificados nos autos.

● Todos eles sobre a existência, ou não, do poste delimitador, colocado pelo arguido, a cerca de 70 cm, para dentro do prédio do ofendido, do marco posto há cerca de 5 anos. E os quatro últimos para, concretamente, esclarecerem, quem colocou, na extremidade Nascente/Norte, do prédio do ofendido, há cerca de 5 anos, o marco delimitador do referido prédio e, para que também esclareçam, quem com a máquina de surriba, desbravou mato para fazer o limite dos prédios na altura da colocação do marco.

5.28. Com estes esclarecimentos prestados por estas testemunhas, do que já consta dos autos e também da prova documental, também já constante dos autos, demonstrado ficará, ainda mais, inequivocamente, que o arguido, com dolo directo, praticou o crime previsto e punido pelo art. 216° do C.P.. Devendo, em consequência, ser pronunciado, como é da inteira e da mais elementar justiça.

5. Tendo o Despacho de 23.4.2009 a fls 171 admitido o Ofendido a intervir neste procedimento criminal como Assistente, o Despacho recorrido de 22.5.2009 a fls 174-175, “porque legalmente inadmissível, rejeito[u] o requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente (art. 287.º/3 CPP)” porquanto, conforme transcrição por scanner:

5.1. Por despacho datado de 18.12.2008, a fls. 131 ss, foi ordenado o arquivamento dos autos relativamente à denúncia apresentada por B………. contra C………. por factos que entendeu consubstanciadores de um crime p. e p. pelo art. 216. CP.

5.2. Não conformando com tal despacho, veio o denunciante requerer a sua constituição como assistente e a abertura de instrução por requerimentos a fls. 152 ss e 160.

5.3. Cumpre apreciar da conformidade dos RAI apresentado com as normas legais.

5.4. Como é sabido, a instrução, nos termos do disposto no art. 286.º/1 CPP, visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.

5.5 Esta fase tem um carácter facultativo (art. 286.º/2 CPP), sendo desencadeada se tal for requerido pelo arguido ou pelo assistente, nos termos prescritos pelo art. 287.º /1 CPP.

5.6. Esse requerimento, não obstante não estar sujeito a formalidades especiais, deverá conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, se for caso disso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz, leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar (art. 287.º/3 CPP). Sendo apresentado pelo assistente, o requerimento deverá conter adicionalmente a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente teve neles e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e ainda a indicação das disposições legais aplicáveis (art. 283.º/3/als b) e c), ex vi art. 287.º/2, todos do CPP)

5.7. Este formalismo adicional do requerimento de abertura de instrução quando formulado pelo assistente (tendo, portanto, o MP arquivado o processo relativamente àqueles factos) justifica-se pela circunstância de ser esse requerimento que fixa o objecto do processo, traçando os limites dentro dos quais se há-de desenvolver a actividade investigatória e cognitória do juiz de instrução” (Ac. Rel. Porto de 23.05.2001 in CJ 2001, 111, 238 ss). Com efeito, tal requerimento, no caso de arquivamento dos autos de inquérito por parte do MP, equivale à acusação, uma vez que a decisão instrutória só pode recair sobre os factos que foram objecto da instrução, ficando o objecto do processo delimitado pelo conteúdo desse requerimento” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Pena/, 111, pág. 139). Tanto assim é que a decisão instrutória que pronunciar o arguido por factos que impliquem uma alteração substancial daqueles descritos no requerimento de abertura de instrução é nula, como resulta claramente do disposto nos arts. 309.2/1 e 303.2/3, ambos do CPP, assim se respeitando a estrutura acusatória do nosso processo penal, plasmada no art. 32.º/5 CRP.

5.8. Ora, no seu requerimento de abertura de instrução o assistente não faz qualquer descrição circunstanciada dos factos que justificariam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, nomeadamente localizando espacio - temporalmente a factologia em causa, identificando as condutas em questão (refere apenas, desgarradamente, em arrancamento de postes e arame) e alegando elementos reportados ao tipo subjectivo do ilícito em causa (é que para a conformação de um tipo legal de crime concorrem não só elementos objectivos, reportados à conduta adoptada pelo agente, como também elementos subjectivos, reportados à consciência, vontade e atitude do agente perante o comportamento em causa - e o tipo legal p. e p. pelo art. 216.º CP é doloso).

5.9. É, portanto, evidente que o requerimento apresentado não obedece às prescrições do art. 283.2/3/als. b) e c) impostas pelo art. 287.º/2 CPP, pelo que qualquer despacho de pronúncia que fosse proferido na sua sequência seria nulo.

5.10. Agora, questão controvertida é a de saber quais as consequências da não conformação de um tal requerimento com os requisitos legais exigidos.

5.11. Prescreve o art. 287.º/3 CPP, que o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporaneidade, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.

5.12. Entendo que as situações como a que se encontra em apreço têm pleno cabimento no conceito de inadmissibilidade legal previsto pelo art. 287.º/3 CPP como fundamento de rejeição de um requerimento de abertura de instrução.

5.13. Com efeito, tendo um despacho de pronúncia de se conformar com os factos descritos no requerimento de abertura de instrução, sob pena de nulidade (arts. 303.º/1 e 3 e 309.º/1 CPP), se de tal requerimento não constarem os referidos elementos esse despacho terá forçosamente de ser de não pronúncia, por não poder o juiz de instrução socorrer-se de outros factos que não os constantes no referido petitório, sob pena de nulidade. Assim sendo, um juiz que aceitasse um requerimento de abertura de instrução nestas condições teria consciência que iria praticar uma série de actos inúteis, por saber logo, ab initio, qual seria o único desfecho possível.

5.14. Ora, o art. 137.º/2 CPC, aplicável ex vi art. 4º CPP, prescreve que não é lícito praticar no processo actos inúteis. Assim, é legalmente inadmissível nestes casos, por força dos citados normativos e ainda do art. 287.2/3 CPP, a abertura da instrução (cfr., neste sentido, entre outros, os ASTJ de 02.12.2003, Proc. n.º 2299/2003, in www.verbojuridico.net, ARPorto de 23.05.2001, in CJ2001, 111, 238ss e de 24.04. 2002, in www.dgsi.pt, relator Heitor Gonçalves, ARLisboa de 30.01.2002, in www. dgsi.pt, relatora Teresa Féria, e de 01.10.2002, in www. dgsi.pt, relatora Margarida Blasco, ARCoimbra de 05.11.2003, in www.dgsi.pt, relator Serafim Alexandre).

5.15. É que, diga-se mais uma vez, não entendo que um requerimento formulado deficitariamente, sem observância dos legais requisitos, possa dar origem a uma fase processual que se saberá de antemão ser estéril, uma vez que imediatamente se antevê o resultado final a que se chegará. E prescrevendo o art. 137.º CPC, cuja aplicabilidade ao processo penal por força da disposição do art. 4º CPP não poderá ser de modo algum contestada, que não é lícita a prática, no processo, de actos inúteis, evidente se toma que se imporia ao juiz a rejeição de tal requerimento deficitário, sob pena de se cometer uma ilicitude. Em tais situações a fase instrutória não será, portanto, legalmente admissível, por ilícita, podendo, por isso, o juiz de instrução recusar o requerimento nos termos do disposto no art. 287.2/3 CPP (para além - e permitam-nos o desabafo - de que é injustificável que se dispendam meios do tribunal em diligências infrutíferas, uma vez que os intuitos assistente estão, desde o início, condenados ao fracasso).

5.16. Para além disso, entendo que a própria lei prescreve a devida sanção para a inobservância dos requisitos legais previstos no art. 283.º/3/als. b) e c) quando o requerimento seja apresentado pelo assistente. Com efeito, a necessidade de tal conformação é expressamente cominada pelo art. 287.º/2 CPP, e os aludidos normativos legais prescrevem que “A acusação contém, sob pena de nulidade:...”, devendo, portanto, para estes efeitos, ler-se “requerimento de abertura de instrução” onde se lê “acusação”, atendendo à função que aquele desempenha nesta fase e que já foi supra referida.

5.17. Por outro lado, por entender ser nulo o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente que não respeite os requisitos prescritos no art. 283.º /3/als. b) e c) cPP (exigidos pelo art. 287.º/2 CPP), subscrevo, igualmente, a tese de não haver lugar ao convite de aperfeiçoamento do requerimento, uma vez que se torna formalmente inaplicável em tais situações o preceituado no art. 123.º/2 CPP, previsto para meras irregularidades processuais.

5.18. Acresce ainda que dúvidas não existem sobre a peremptoriedade do prazo estabelecido pelo art. 287.º/1 CPP, pelo que o aperfeiçoamento de um requerimento de abertura de instrução decorrido que estivesse esse prazo implicaria, na prática, uma derrogação do referido preceito. E nem se alegue, a favor desta tese, a possibilidade conferida pelo art. 508. CPC (que aqui seria aplicável por força do já referido art. 4º CPP) uma vez que tal normativo é uma das mais cristalinas manifestações da lógica processual civil (o processo civil é um processo de partes, e um excessivo formalismo poderá redundar numa desprotecção daquela a quem, efectivamente, assiste o direito material), totalmente alheio ao processo penal e, como tal, não aplicável a este.

5.19. É que, e como se pode ler no ATC n.º 27/2001, publicado no DR 11 Série de 23.03.2001 (doutrina reafirmada pelo ATC n.º 389/2005, publicado no DR ll Série de 19.10.2005), “o estabelecimento de um prazo peremptório para requerer a abertura da instrução - prazo esse que, uma vez decorrido, impossibilita a prática do acto - insere-se ainda no âmbito da efectivação plena do direito de defesa do arguido. E a possibilidade de, após a apresentação de um requerimento de abertura de instrução, que veio a ser julgado nulo, se poder repetir, de novo, um tal requerimento para além do prazo legalmente fixado, é, sem dúvida, violador das garantias de defesa do eventual arguido ou acusado. Com efeito, a admissibilidade de renovação do requerimento não permitiria que transitasse o despacho de não pronúncia, assim desaparecendo a garantia do arguido de que, por aqueles factos, não seria de novo acusado.”[(1) Não resisto aqui a transcrever um comentário feito pelo Conselheiro Pereira Madeira do ASTJ de 20.06.2002, in www.dgsi.pt: “O convite que o Desembargador instrutor resolveu fazer-lhes (com inegável cedência do contraditório e das garantias de defesa, portanto, com duvidosa cobertura constitucional) [sublinhado nosso] é bem explícito…”]

5.20. Aliás, o STJ veio a proferir Acórdão Uniformizador de Jurisprudência no sentido propugnado neste despacho (cfr. Ac. 7/2005 in DR I Série de 04.11.2005).

5.21. Para além de que entendo que tal posição viola o princípio do acusatório estruturante do nosso processo penal e plasmado no art. 32.º/5 CRP (neste sentido, ARLisboa de 12.06.2001).
APRECIANDO:

Objecto do Recurso do Assistente é o Despacho de 23.4.2009 a fls 171 que “porque legalmente inadmissível, rejeito[u] o requerimento para abertura de instrução apresentado pelo Assistente” que naquele “não faz qualquer descrição circunstanciada dos factos que justificariam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, nomeadamente localizando espacio-temporalmente a factologia em causa, identificando as condutas em questão (refere apenas, desgarradamente, em arrancamento de postes e arame) e alegando elementos reportados ao tipo subjectivo do ilícito em causa (é que para a conformação de um tipo legal de crime concorrem não só elementos objectivos, reportados à conduta adoptada pelo agente, como também elementos subjectivos, reportados à consciência, vontade e atitude do agente perante o comportamento em causa - e o tipo legal p. e p. pelo art. 216.º CP é doloso)” e, sendo “evidente que o requerimento apresentado não obedece às prescrições do art. 283.2/3/als. b) e c) impostas pelo art. 287.º /2 CPP, pelo que qualquer despacho de pronúncia que fosse proferido na sua sequência seria nulo”, “as situações como a que se encontra em apreço têm pleno cabimento no conceito de inadmissibilidade legal previsto pelo art. 287.º/3 CPP como fundamento de rejeição de um requerimento de abertura de instrução”.

Consabido que “A instrução visa a comprovação judicial da decisão…de arquivar o inquérito em ordem a submeter a submeter ou não a causa a julgamento” (286-1 cpp) por que “O juiz pratica todos os actos necessários à realização d[aquel]as finalidades” (290/1 cpp) da Instrução que “tem carácter facultativo” (286-2 cpp) e “Não tem lugar… nas formas de processo especiais” (286-3 cpp), estatui-se:
Quanto a admissibilidade objectiva e subjectiva, que “A abertura de instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação … do arquivamento … pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação” (287-1b cpp);

Quanto a forma e modo de a requerer, que “O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283º” (287-2 cpp) por que o Requerimento de Abertura de Instrução “…contém, sob pena de nulidade: b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; c) A indicação das disposições legais aplicáveis” (283-3bc cpp);

Quanto a forma e modo de a realizar, que “A direcção da instrução compete a um juiz de instrução, assistido pelos órgãos de polícia criminal” (288-1), que “investiga autonomamente o caso submetido a instrução, tendo em conta a indicação, constante do requerimento de abertura de instrução, a que se refere o número anterior” (288-4 cpp), e, sendo “formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda dever levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, oral e contraditório, no qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado, mas não as partes civis” (289-1 cpp), “O Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado podem assistir aos actos de instrução por qualquer deles requeridos e suscitar pedidos de esclarecimento ou requerer que sejam formuladas as perguntas que entenderem relevantes para a descoberta da verdade” (289-2 cpp), “Os actos de instrução efectuam-se pela ordem que o juiz reputar mais conveniente para o apuramento da verdade [sendo que] O juiz indefere os actos requeridos que entenda não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considerar úteis” (291-1 cpp), “Do despacho…cabe[ndo] apenas reclamação, sendo irrecorrível o despacho que a decidir” (291-2 cpp) e acrescendo que “Os actos e diligências de prova praticados no inquérito só são repetidos no caso de não terem sido observadas as formalidades legais ou quando a repetição se revelar indispensável à realização das finalidades da instrução” (291-3).

Quanto às diversas consequências de eventual divergência entre os factos imputados ao Arguido pelo Assistente no Requerimento de Abertura de Instrução e os factos efectivamente reputados indiciados pelo Juiz na Instrução realizada, cumpre distinguir que “Se dos actos de instrução ou do debate instrutório resultar alteração não substancial das factos descritos … no requerimento para abertura da instrução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao defensor, interroga o arguido sobre ela sempre que possível e concede-lhe, a requerimento, um prazo para preparação da defesa não superior a oito dias, com o consequente adiamento do debate, se necessário” (303-1 cpp) que é “…aplicável quando o juiz alterar a qualificação jurídica dos factos descritos…no requerimento para a abertura de instrução” (), diversamente, “Uma alteração substancial dos factos descritos…no requerimento para abertura da instrução não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de pronúncia no processo em curso, nem implica a extinção da instância” (303-2) pois “A decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos…no requerimento para abertura de instrução” (309-1 cpp) mas “A comunicação de alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo” (303-4 cpp).

A síntese efectuada evidencia a essencialidade da vinculação temática de facto e de direito do Juiz de Instrução pelo Requerimento do Assistente que, reagindo processualmente a Arquivamento do Ministério Público, imprescindivelmente tem então de concretizar a imputação de matéria de facto e da matéria de direito como uma Acusação Pública tem de fazer, sob pena do Juiz de Instrução não conhecer qual a conduta criminosa a investigar, nem os actos de instrução indispensavelmente a realizar, a final o objecto da Decisão Instrutória que pode / deve proferir, pelo que:

O Requerimento do Assistente de Abertura de Instrução almejando a Pronúncia do Arguido tem de conter a descrição stricto sensu da acção ou omissão dolosa ou negligente do seu agente identificando, que consubstancie a descrição do facto típico ilícito e culpável que emerge da condensação de normas incriminadoras e correlativas normas cominadoras de uma pena ou medida de segurança a agente que terá feito o quê e como e se possível, onde, quando, porquê, para quê e ou com quem.

Ao executar as prescrições dos arts 287-2 e 283-3bc do CPP in casu o (Mandatário d)o Assistente acabou por não apresentar, por causa / motivo /razão ou circunstância não processualmente sindicáveis, no remate final do Requerimento de Abertura de Instrução, uma proposta de Pronúncia formatada como uma Acusação Pública,

Pois a singela leitura do teor de tal Requerimento patenteia a execução apenas da explicitação argumentativa demonstrativa do poder /dever o Arguido, com TIR prestado em 07.5.2008 quando foi constituído qua tale, ser pronunciado pela autoria material de um crime (doloso) de alteração de marcos da p.p. do art 216-1 do CP além do acusado crime (doloso) de dano simples dos arames p.p. pelo art 212-1 do CP,

Opção técnico-profissional compreensível por tal Requerimento de Abertura de Instrução se seguir a Despacho de Arquivamento em que culminou o Inquérito realizado após RDA da Denúncia impropriamente dita Participação Criminal pelos 2 crimes, conforme peças processuais com os teores oportunamente reproduzidos.

Dito doutro modo, desde a abertura deste procedimento criminal em 21.02.2008 com a Denúncia do Ofendido, entretanto constituído Assistente com legitimidade para requerer Abertura de Instrução, que o objecto do processo invariavelmente tem sido permanente e persistentemente a dialéctica demonstração, ou não, conforme arts 124-1, 262-1 e 290-1 do CPP e 341 do Código Civil, da prática pelo agente, oportunamente constituído Arguido, de conduta constitutiva da autoria dos crimes (dolosos) de dano pelo menos simples p.p. pelos arts 212-1, 41-1 e 47-1 do CP com prisão entre 1 mês e 3 anos ou multa entre 10 e 360 dias e ou de alteração de marcos p.p. pelos arts 216-1, 41-1 e 47-1 do CP com prisão entre 1 e 6 meses ou multa entre 10 e 60 dias.
O Ofendido depois Assistente e ora Recorrente, Advogado de profissão, sempre clamou que o Denunciado depois Arguido e ora Recorrido tinha praticado uma conduta, processualmente demonstranda é certo, de dolosa autoria material de dano (ao menos) simples e de alteração de marcos conforme peças processuais infra reproduzidas, que mereceu acolhimento parcial na versão acusada em 171 palavras:

Em dia não concretamente apurado do mês de Outubro de 2007, o arguido destruiu arames numa extensão de cerca de 100 m que se encontravam num terreno sito nesta comarca e que pertenciam a B………. . Acto seguido, o arguido arremessou os mencionados arames para cima das videiras que se encontram na mencionada extensão de cerca de 100 m. O arguido quis, directa e necessariamente, provocar os referidos danos causando um prejuízo de cerca de € 250,00 no que concerne aos arames e de difícil quantificação no que respeita às videiras uma vez que as mesmas ficaram afectadas na sua capacidade de produção de forma irremediável. Ao proceder pelo modo descrito, o arguido agiu, por referência a cada um dos aludidos modos, a coberto da mesma resolução criminosa. Sabia o arguido que tais condutas eram proibidas e punidas por lei. Pelo exposto, cometeu o arguido C………., como autor material, um crime de dano, p. e p. nos termos dos arts. 212º e 14º, n° 1 do Código Penal [sic].

Sucede que a descrição típica do crime (doloso) de dano simples e a descrição típica do crime (doloso) de alteração de marcos são sobreponíveis não integralmente porque ao cometimento de “alteração de marcos” importa demonstrar “intenção de a-propriação, total ou parcial, de coisa imóvel alheia” mediante “arrancar ou alterar marco” sendo aquele um dolo específico não essencial à verificação do “dano” pelo que a mesma conduta do agente até pode consubstanciar os dois crimes (dolosos) então em concurso ideal heterogéneo nos termos e para os efeitos dos arts 30-1 e 77 do CP.

Numa formulação, dir-se-á, jus didáctica para melhor percepção daquela especial relação em que o critério da pena única de eventual concurso ideal heterogéneo de tais crimes não deve exceder o critério aplicável a pena única de concurso real heterogéneo, sintetiza-se a diferente estruturação objectiva e subjectiva do crime (doloso):

De dano simples: quem, com dolo, destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar, tornar não utilizável coisa alheia;

De alteração de marcos: quem, com dolo e intenção de apropriação, total ou parcial, de coisa imóvel alheia, para si ou para outra pessoa, arrancar ou alterar marco, isto é, qualquer construção, plantação, valado, tapume ou outro sinal destinado a estabelecer os limites entre diferentes propriedades, postos por decisão judicial ou por acordo de quem esteja legitimamente autorizado para o dar (202-g do CP 2007).

Ora, perscrutando o Requerimento de Abertura de Instrução colhe-se que o (Mandatário do) Assistente foi expondo as razões de facto e de direito pelas quais entendia existirem “indícios suficientes”, tal o critério in art 308-1 do CPP para o dever do Juiz de Instrução de pronunciar, da prática pelo Arguido de factos constitutivos do crime (doloso) de alteração de marcos p.p. pelo art 216-1 do CP 2007 com a prática da conduta já parcialmente acusada de dano simples de cerca de 100 metros de arame que estava enleado nos sobreditos postes funcionando como marcos dos terrenos.

Ademais, da singela leitura daquele Requerimento colhe-se do seu teor a alegação, de facto e de direito, pelo Ofendido / Assistente / Recorrente, de que:

1. “…existia, e agora ainda existe, um marco delimitador dos prédios de um de outro” (§ 4),
2. “…ele foi até colocado pelo arguido” (§ 5),
3. “…no limite Nascente/Norte do prédio do ofendido e que está identificado na fotografia junta à participação-crime sob o doc n.º 1” (§ 9),
4. “…o ofendido e ora assistente colocou ou mandou colocar, há cerca de 5 anos, postes e arames a delimitar ambos os prédios” (§ 10),
5. “…os postes e os arames não foram colocados no alinhamento do marco, mas, antes, para lá do local onde situado está o marco, com claro e manifesto prejuízo para o ofendido – vide fotografias juntas sob os docs. nºs 1 a 7”(§ 13);
6. “…nem assim o arguido se conformou, e os postes e o arame colocados há cerca de 5 anos para delimitar os terrenos, na presença deste, que também delimitavam ambos os prédios, com benefício do arguido, foram por este injustificadamente arrancados” (§ 14),
7. “O arguido com a sua conduta derrubou sete postes e arames que arremessados foram para cima das videiras propriedade do assistente” (§ 16),
8. “Além disso, …o arguido colocou um poste a cerca de 70 cm para além do marco delimitador, supra referido, no terreno propriedade do assistente, com a intenção de delimitar e se apropriar daquela faixa de terreno” (§ 17),
9. “…o marco referenciado a fls. 9, assinalado a vermelho, foi ali colocado, há cerca de 5 anos, pelo denunciado, com o consentimento do denunciante, por acordo entre os dois. Para surpresa, o denunciado veio agora a colocar o poste, por sua iniciativa, a cerca de 70 cm daquele, como bem ilustra a fotografia de fls.9” (§ 18-I)
10. “…efectivamente, a delimitar as propriedades do denunciante, com a denunciado, existia uma fiada de postes em cimento, ali colocados pelo ofendido…” (§ 18-II),
11. “…o denunciado, depois de ter arrancado os postes do denunciante, colocou outros seus, uns no mesmo buraco e outros mais para o terreno do ofendido” (§ 18-III),
12. “…o arguido derrubou 7 postes e arames e colocou pelo menos um poste a 70 cm no terreno do ofendido, conforme ilustra a fotografia de fls. 9” (§ 20),
13. “…existem marcos delimitadores pelo menos há 5 anos” (§ 22),
14. “O arguido não só derrubou postes, que eram marcos, como ainda alterou, unilateralmente, pelo menos, um deles, que deslocou para 70 cm para lá do marco delimitador” (§ 23),
15. “Ao destruir os marcos e ao fazer deslocar um poste 70 cm para o terreno do assistente, que ainda lá se mantém, pretendia… o arguido fazer supor uma outra linha divisória e, consequentemente, apropriar-se de uma parte do imóvel do assistente” (§ 24),
16. “…o arguido, com dolo directo, praticou o crime previsto e punido pelo art. 216.º do C.P.” (§ 28).

A efectuada sinopse da matéria de facto exibe relevante delimitação objectiva e subjectiva dos poderes de cognição, de averiguação e de decisão de um Juiz de Instrução porquanto, não obstante o (Mandatário do) Ofendido /Assistente ora Recorrente não ter efectuado a condensação lógico-cronológica dos factos objectivos que foi alegando ao longo do Requerimento de Abertura de Instrução em que utilizou a técnica expositiva de cariz, por um lado, argumentativo, por outro justificativo, assim veio a alegar factos que imputou ao Arguido para concluir de direito pelo alegado “…dolo directo…” do Arguido de “…alteração de marcos…” da p.p. do art 216º do CP.

Enquanto expendeu “as razões de facto e de direito de discordância relativamente à … não acusação”, o (Mandatário do) Ofendido / Assistente ora Recorrente coevamente foi narrando os “…factos que [no entender dele] fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, incluindo o lugar, o tempo e a motivação da sua prática e … circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”.

Não obstante a final o (Mandatário do) Ofendido / Assistente ora Recorrente não ter apresentado uma proposta de teor de Pronúncia formatada como uma Acusação Pública, não é de rejeitar o Requerimento de Abertura de Instrução por ”inadmissibilidade legal da instrução”quando é possível condensar lógico-cronologicamente uma imputação ao Arguido de factos jurígenas de responsabilidade criminal.

As proposições sobrecitadas podem-se condensar nos seguintes termos:

1. Existia, e agora ainda existe, um marco delimitador dos prédios rústicos terrenos agrícolas confinantes propriedade de Assistente e Arguido, o qual até foi colocado por este e no limite nascente/norte do prédio do Assistente e que está identificado na instrumental fotografia junta à Denúncia como doc n.º 1;

2. Há cerca de 5 anos o Assistente colocou ou mandou colocar postes e arames a delimitar ambos os prédios, não no alinhamento do marco mas para lá do local onde ele está situado, com claro e manifesto prejuízo para si Assistente, documentado nas instrumentais fotografias com a Denúncia como docs nºs 1 a 7;

3. Efectivamente, a delimitar as sobreditas propriedades do Assistente com a do Arguido existia uma fiada de postes em cimento, ali colocados pelo Assistente, quais marcos delimitadores daquelas, pelo menos há 5 anos;

4. Nem assim o Arguido ora se conformou pois sete postes com arame dos colocados há cerca de 5 anos para delimitar os sobreditos terrenos, na presença dele, que também delimitavam ambos os prédios rústicos, com benefício do Arguido, foram por este injustificadamente arrancados;

5. Com efeito, o Arguido derrubou tais 7 postes e arames que arremessados foram para cima das videiras propriedade do Assistente e, além disso, colocou um poste a cerca de 70 cm para além do marco delimitador supra referido, no terreno propriedade do Assistente, com a intenção de delimitar e se apropriar daquela faixa de terreno;

6. Não obstante o marco referenciado a fls 9, assinalado a vermelho, ter sido ali colocado, há cerca de 5 anos, pelo Arguido, com o consentimento do Assistente, por acordo entre os dois, para surpresa o Arguido veio agora a colocar o sobredito poste, por sua iniciativa, a cerca de 70 cm daquele, como doc na instrumental fotografia de fls. 9;

7. O Arguido não só derrubou postes, que eram marcos, como colocou outros seus, uns no mesmo buraco e outros mais para o terreno do Assistente e ainda alterou, unilateralmente, pelo menos, um deles, que deslocou para 70 cm para lá do marco delimitador;

8. Ao destruir os marcos e ao fazer deslocar um poste 70 cm para o terreno do assistente, que ainda lá se mantém, pretende(u) o Arguido fazer supor uma outra linha divisória e, consequentemente, apropriar-se de uma parte do imóvel propriedade do Assistente;

Não sendo objecto do processo penal a realização da excelência científica nem da perfeição técnica, é evidente que a não explicitação a se no Requerimento de Abertura de Instrução, de uma narração de modo formatado como uma Acusação Pública, dos factos que o Assistente pretende ver imputados ao Arguido em almejada Pronúncia, sujeita o Assistente que não cumpriu tal ónus, à apreciação crítica do Juiz sobre a matéria de facto e de direito alegada no Requerimento de Abertura de Instrução, designadamente na perfectibilização da condensação lógico cronológica dos factos alegadamente imputados ao Arguido, tal como a não perfeição científica / técnica na formulação das Conclusões das Motivações de Recurso sujeita o Recorrente que não cumpriu aquele ónus a que o Tribunal Superior aprecie o Recurso nos termos em que o vê conforme STJ, 06.12.2007 in Processo 07P3316 relatado por Simas Santos.

É certo que o cumprimento daquele ónus que impende sobre o Assistente alegante em sede de Requerimento de Abertura de Instrução até se afigura de exigência mais incisiva que o ónus que impende sobre o Recorrente alegante quanto a perfeição científica / técnica na formulação das Conclusões de Recurso porquanto:

Enquanto “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido” conforme Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 7/2005 de 12.5.2005 in DR I Série 212 de 04.11.2005, tirado por Armindo dos Santos Monteiro por 16 votos contra um vencido do Conselheiro José Vaz dos Santos Carvalho,

“Se a motivação de recurso não contiver as conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada” (417-3 cpp na versão desde 15.9.2007) sendo que “O aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação” (417-4 cpp).

Ora, sucede in casu que, não obstante o efectuado esforço de condensação lógico-cronológica de toda a factologia que o (Mandatário do) Assistente / Recorrente foi alegando ao longo do Requerimento de Abertura de Instrução, constata-se que:

1. Apesar do art 202º al g) exigir, para preenchimento do facto tipicamente ilícito, que a “…construção, plantação, valado, tapume ou outro sinal destinado a estabelecer os limites entre diferentes propriedades…” tenham sido “…postos por decisão judicial ou com o acordo de quem esteja legitimamente autorizado para o dar”, não se colhe do teor do Requerimento de Abertura de Instrução a alegação de tal circunstancialismo essencial ao tipo objectivo de “alteração de marcos” p.p. não só pelo art 216º expressamente alegado, mas também por aquele art 202º al g), todos do CP; não se vê ter sido factualmente alegado que o Arguido dalguma forma consentiu à colocação dos postes como marcos. Ademais,

2. Apesar dos arts 13º e 14º exigirem, para preenchimento do facto tipicamente culpável, o elemento cognitivo e o elemento volitivo do dolo além da liberdade e da consciência da ilicitude criminal do agente, não se colhe do teor do Requerimento de Abertura de Instrução a alegação de tal circunstancialismo essencial ao tipo subjectivo de qualquer crime ao menos mediante a fórmula, dir-se-á, sacramental vg que “O Arguido agiu de modo livre, consciente e deliberado bem sabendo toda a sua conduta prevista e punida por Lei Criminal / Penal” quando corolário lógico -cronológico da concreta matéria de facto anteriormente alegada.

Quanto à essencialidade do acordo do agente na colocação dos marcos ulteriormente objecto de uma alteração unilateral por parte daqueles, lembra-se que tal circunstância essencial do facto tipicamente ilícito “alteração de marcos” tem longa tradição jus penal nacional conforme se vê da história legislativa criminal portuguesa:

1 - Quem, com intenção de se apropriar, total ou parcialmente, de coisa móvel alheia, arrancar, suprimir ou alterar marco, será punido com prisão até 6 meses e multa até 25 dias. 2 - Consideram-se marcos quaisquer construções, plantações, valados, tapumes ou outros sinais destinados a estabelecer os limites entre diferentes proprietários, postos por decisão judicial ou com o acordo de quem está legitimamente autorizado para o dar (art 312-1 e 2 do Código Penal de 1982).

Qualquer pessoa que, sem autoridade da justiça, ou sem consentimento das partes, a que pertencer, arrancar marco, posto em alguma propriedade por demarcação, ou de qualquer modo o suprimir ou alterar, será condenado a prisão de um mês a um ano e multa correspondente. § único – Consideram-se marcos quaisquer construções ou sinais destinados a estabelecer os limites entre diferentes propriedades, e bem assim as árvores plantadas para o mesmo fim, ou como tais reconhecidas (art 446º do Código Penal de 1886).

Quanto à essencialidade da alegação do dolo do agente, lembra-se que “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência” (art 13º), que, como o dolo pode ser directo (art 14º nº 1), necessário (art 14º nº 2) ou eventual (art 14º nº 3) e a negligência pode ser consciente (art 15º al a) ou inconsciente (art 15º al b), importa afirmar factualmente qual o tipo de atitude ético-pessoal do agente, se de oposição ou de indiferença ou de descuido, perante o bem jurídico-penal lesado ou posto em perigo pela conduta proibida como ínsito à norma incriminadora que se pretende afirmar violada,

Sob pena de não ser possível efectuar ao Arguido um juízo ético-jurídico criminal /penal de censura mediante a aplicação de uma pena, tal como só há lugar a aplicação de uma medida de segurança ao agente de facto ilícito típico que “for considerado inimputável, nos termos do artigo 20.º, … por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie” conforme art 91º nº 1, todos do CP.

É certo que a regra da experiência comum, da coincidência do “fim ou objecto da vontade do agente com fim ou objecto de acção externa (finis operantis – fim do agente – e finis operis – fim da obra ou da acção exterior)” no compêndio de MANUEL DE CAVALEIRO DE FERREIRA, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, A Lei Penal e a Teoria Geral do Crime no Código Penal de 1982, Editorial Verbo, 3ª edição correcta e aumentada, 1988, pg 66 [ainda com pertinência doutrinal até pela persistência dos princípios] bem como a apontada tradição penal da incriminação de “alteração de marcos”, potencia a demonstração do “dolo directo” do agente.

Mas a questão da alegação factual do tipo de vontade criminosa do agente é distinta da problemática da sua demonstração porquanto tal alegação é questão anterior à problemática da sua prova porque a “O processo criminal [cumpre] assegura[r] todas as garantias de defesa…” conforme imperativo constitucional do art 32º nº 1 da CRP mercê do qual o Arguido previamente tem de conhecer todos os factos e direito para deles se poder defender, vigorando no processo penal português o princípio do acusatório relativamente ao Ministério Público quando acusa bem como ao Assistente que requeira Abertura de Instrução após arquivamento daquele.

É certo que na Conclusão 24 da Motivação o (Mandatário do) Assistente / Recorrente alegou expressamente que “No requerimento de abertura de instrução o assistente ainda deu como reproduzida a acusação pública deduzida contra o arguido pelo crime de dano”; porém, no item 1 do Requerimento de Abertura de Instrução consta apenas que “Nos presentes autos foi proferido despacho de arquivamento quanto ao crime de alteração de marcos e formulada acusação quanto ao crime de dano”.

E ainda que excepcionalmente se equacione a integração de omissão da expressa alegação factual do elemento cognitivo e do elemento volitivo do dolo bem assim da liberdade e da consciência da ilicitude do Arguido mediante a consideração de proposições constantes na Acusação mercê do apontado concurso ideal heterogéneo dos 2 crimes com a prática de uma mesma conduta pelo agente, certo é que a omissão do acordo do Arguido na colocação dos postes como marcos sempre precludiria a qualificação jurídica dos factos concretamente alegados como facto tipicamente ilícito.
TERMOS EM QUE:

1. Negam provimento ao Recurso interposto pelo Assistente.

2.Condenam o Assistente em 4 UC de taxa de justiça.

3. Notifique-se Ministério Público, Recorrente e Recorrido cfr art 425º nº 6 do CPP.

4. Transitado, remeta-se ao TJMUR para execução do transitadamente decidido.

TRPRT, 03 de Fevereiro de 2010.
O Relator,
José Manuel da Silva Castela Rio
O Adjunto,
Joaquim Maria Melo de Sousa Lima