Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
151/09.6TTGDM.P1
Nº Convencional: JTRP00043628
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: FALTA DE CITAÇÃO
Nº do Documento: RP20100301151/09.6TTGDM.P1
Data do Acordão: 03/01/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ORDENADA A REMESSA DOS AUTOS À 1ª INSTÂNCIA.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - SOCIAL - LIVRO 98 FLS. 148.
Área Temática: .
Sumário: I- A nulidade decorrente da falta de citação (art. 194º, n.º 1, al. a) e 195º do CPC) consubstancia nulidade processual, invocável a todo o tempo desde que não se considere sanada (arts. 196º e 204º, n.º 2 do CPC), que deve ser suscitada no tribunal onde foi cometida (1ª instância) e por este apreciada, cabendo então recurso da decisão que a conheça.
II- No entanto, se ela tiver sido arguida nas alegações do recurso de apelação, tal consubstancia erro na forma processual utilizada que, face ao princípio da economia processual e do máximo aproveitamento dos actos processuais (art. 199º do CPC), deverá determinar a remessa dos autos à 1ª instância para que dela conheça.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 151/09.6TTGDM.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 287)
Adjuntos: Des. André da Silva
Des. Machado da Silva (Reg.nº 1367)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Na presente acção declarativa de condenação, com processo comum, intentada por B………….., patrocinada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, contra C……………, Ldª, veio esta interpor recurso de apelação da sentença que, por falta de contestação e nos termos do disposto no art. 57º do CPT, considerou provados os factos alegados pela A. na petição inicial e a condenou no pedido formulado.
A final das suas alegações, formulou a Recorrente as seguintes conclusões:
Foi a Ré notificada da sentença condenatório proferida nestes autos, contudo não foi regularmente citada para contestar a presente acção;
2- Verificando-se ainda por consulta aos presentes autos que, a carta para citação da Ré não foi recebida por qualquer dos seus representantes legais e o nº de polícia para onde foi remetida a carta não está correcto e encontra-se rasurado.
3 - De facto a actual sede da Ré é na rua ………. nº …. em Rio Tinto e não nº … para onde foi expedida a carta para citação.
4 - a verdade é que a Ré não recebeu a citação, pelo que, não foi pessoal e regularmente citada, conforme consta da sentença recorrida.
5 - Assim sendo, todo o processado posterior ao despacho para citação da ré é nulo e de nenhum efeito.
Termos em que, (…), deve o presente recurso merecer provimento e por via disso revogada a sentença recorrida, ordenada a citação pessoal e regular da recorrente na sua sede social, (…)

O Digno Magistrado do Ministério Público contra-alegou, referindo que a ré devia ter recorrido de agravo e pugnando pelo não provimento do recurso, tendo junto um documento.

O Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto teve vista no processo.

Foram colhidos os vistos legais.
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II. Matéria de facto assente:

Dos autos resulta assente a seguinte factualidade:

1. Intentada a acção aos 03.04.2009, foi proferido despacho a designar data para audiência de partes e a determinar quer a notificação da A. e a citação da Ré para a mesma, sob cominação prevista no art. 54º CPT., quer a citação da Ré para “contestar, querendo, no prazo de 10 dias a contar da referida audiência, com as legais cominações.”.

2. Do aviso de recepção referente à citação da Ré acima referida, que constitui o documento de fls. 29, consta o seguinte: na parte relativa ao “Destinatário”, o nome da Ré, a morada de “R. …….., .., 4435-437 Rio Tinto”, sendo que, por cima do “6” se encontra manuscrito um “7”; no itens relativos à “Identificação do Destinatário ou de quem recebeu a CNVP2” e à “Por pessoa a quem for entregue a carta e que se compromete após a devida advertência a entregá-la prontamente ao Destinatário”, que se encontra (este), assinalado com um “x”, consta: “D…………..”.

3. Da nota de citação referente ao aviso referido no nº anterior, consta: como morada, a mencionada no ponto anterior, à excepção do nº “61”, onde se refere o nº “71”; a mencionada data para a audiência de partes e, ainda, o seguinte: “Mais fica citado para contestar, querendo, no prazo de 10 dias, a contar da data da referida audiência, a presente acção, sob pena de se considerarem confessados os factos articulados pelo(a) Autor(a).sendo logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito. (…).”
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III. Questões Prévias

1. Da junção do documento

Com as contra-alegações a A. juntou certidão da nota de citação referida no nº 3 dos factos provados.
Nos termos do disposto no art. 693º-B do CPC, aditado pelo DL 303/2007, de 24.08, a junção do referido documento é admissível. De todo o modo, tal documento tem por objecto acto processual praticado nos presentes autos, pelo que sempre seria do conhecimento necessário e oficioso do Tribunal.

2. Da espécie do recurso

Diz a Recorrida que a Recorrente deveria ter interposto recurso de agravo, e não de apelação, embora não justifique tal entendimento.
Ao caso, é aplicável o CPT aprovado pelo DL 480/99, de 09.11, na versão anterior à introduzida pelo DL 295/2009, de 13.10. E, como tem sido entendido por esta Relação, encontrando-se o recurso de agravo expressamente previsto em tal diploma e não tendo este sido alterado pelo DL 303/2007, de 27.04, que reformou o regime de recursos em processo civil, o agravo manteve-se, continuando a existir.
Não obstante, tal não significa que o recurso adequado fosse o agravo.
Com efeito, o agravo cabia das decisões de que não se podia apelar, sendo que a apelação competia da sentença final e do despacho saneador que conhecessem do mérito da causa (arts. 733º e 691º do CPC, na redacção anterior ao DL 303/2007),
Ora, no caso, foi proferida sentença final, sendo que o recurso é interposto desta decisão. De referir, também, que a sentença proferida em caso de revelia do Réu, consubstancia decisão que conhece do mérito, já que o efeito cominatório se restringe á matéria de facto alegada na petição inicial, que deverá ter-se por confessada, sendo a causa, no entanto, julgada conforme for de direito. Assim, a admitir-se a interposição de recurso, é a apelação, e não o agravo, a espécie adequada.
Questão diferente é se, no caso, o meio processual adequado de suscitar a falta de citação do réu (questão que constitui objecto da apelação) será através da interposição de recurso e não através de arguição, junto do tribunal que proferiu a decisão, da correspondente nulidade processual, questão esta que adiante será apreciada.
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IV. Do Direito

1. Nos termos do disposto nos artºs artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC, na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08, aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT, as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso. E, daí, que a questão suscitada consista em saber se ocorre nulidade por falta de citação do Ré.

2. Como é sabido, as nulidades podem ser processuais ou da sentença.
As nulidades processuais derivam de actos ou omissões que foram praticados antes de ser proferida sentença, traduzindo-se em desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar acto proibido, quer por se omitir um acto prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido. Tais nulidades, constituindo anomalia do processo, devem ser suscitadas e conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, poderá ele ser impugnado através de recurso de agravo.
Por sua vez, as nulidades da sentença (a que se reporta o artº 668º do CPC e 77º, nº 1, do CPT) derivam de actos ou omissões praticados pelo juiz na sentença e são arguidas e conhecidas pelo tribunal ad quem.
A essa distinção corresponde o conhecido brocardo: das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se.
3. A observância do contraditório constitui princípio basilar do processo judicial (cfr. art. 3º, nº 2, do CPC), dispondo os arts. 194º, nº 1, al. a), e 195º, nº 1, al. e), do CPC, que é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta, quando o réu não tenha sido citado e que há falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável. E, de harmonia com o art. 204º, nº 2, do mesmo, a nulidade decorrente da falta de citação pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada, sanação que apenas ocorre se o réu intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, como decorre do art. 196º.
A falta de citação ocorre antes da sentença, consubstanciando preterição de acto processual imposto por lei e, consequentemente, nulidade processual e não de sentença.

4. No caso, a Ré, notificada da sentença, vem invocar a nulidade do processado subsequente à petição inicial com fundamento na falta de citação por não ter recebido a carta expedida para esse efeito, que terá sido remetida para endereço com nº de polícia diferente daquele que corresponde ao da sua sede e que não chegou ao seu conhecimento.
Trata-se, pois, de nulidade processual, e não de nulidade de sentença, que, assim, deveria ter sido reclamada perante o tribunal onde ocorreu – 1ª instância - que dela deveria conhecer e, só então, discordando-se do despacho que dela conhecesse, podendo impugnar-se tal despacho através de recurso de agravo.
Não obstante, no douto Acórdão do STJ de 14.12.05 (processo nº 04S4452), in www.dgsi.pt., entendeu-se que embora a nulidade [processual] arguida nas alegações do recurso de apelação não o seja na forma devida, o erro na forma processual usada não invalida, em princípio, o acto processual que se quis praticar, desde que o mesmo possa ser aproveitado, o que está de harmonia com o princípio da economia processual, de que se extrai uma regra de máximo aproveitamento dos actos processuais, que aflora, mormente, nos artigos 199.º, 201.º e 687.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil, e havendo, em consequência, considerado que devia ser determinada a remessa dos autos ao tribunal de 1.ª instância para que aí se apreciasse da nulidade.
Tais considerações, embora tecidas a propósito de uma outra nulidade processual (relativa a gravação de audiência de julgamento) são transponíveis para o caso em apreço, sendo certo que, neste, a nulidade da falta de citação, arguida nas alegações do recurso, o foi atempadamente. É que, podendo ser suscitada em qualquer estado do processo enquanto não se encontrar sanada (art. 204º, nº 2), no caso ela não se encontra sanada já que foi arguida na primeira intervenção da ré nos autos (art. 196º).
De esclarecer, também, que ao caso não tem aplicação o disposto no art. 77º, nº 1, do CPT, já que este se reporta, apenas, às nulidades de sentença e não já às nulidades de processo.
Entendemos, assim, que deverão os autos ser remetidos à 1ª instância para que, aí, e após a realização das diligências que se tenha por convenientes (designadamente, e se assim for entendido, com vista ao apuramento, junto dos CTT ou de outros meios disponíveis, do efectivo local de entrega da correspondência em questão), se aprecie da invocada nulidade.
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V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em determinar a remessa dos presentes autos à 1ª instância para que, aí, e após a realização, como acima referido, das diligências que tenha por convenientes, aprecie da nulidade processual decorrente da invocada falta de citação da Ré.

Custas pela parte vencida a final.

Porto, 01.03.2010
Paula A. P. G. Leal S. Mayor de Carvalho
Luís Dias André da Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
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SUMÁRIO
I - A nulidade decorrente de falta de citação (arts. 194º, nº 1, al. a) e 195º do CPC) consubstancia nulidade processual, invocável a todo o tempo desde que não se considere sanada (arts. 196º e 204º, nº 2, d CPC), que deve ser suscitada no tribunal onde foi cometida (1ª instância) e por este apreciada, cabendo então recurso da decisão que a conheça.
II - No entanto, se ela tiver sido arguida nas alegações do recurso de apelação, tal consubstancia erro na forma processual utilizada que, face ao princípio da economia processual e do máximo aproveitamento dos actos processuais (art. 199º do CPC), deverá determinar a remessa dos autos à 1ª instância para que dela conheça.