Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2116/19.0T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
FORMA
NEXO CAUSAL
Nº do Documento: RP202010272116/19.0T8PNF.P1
Data do Acordão: 10/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A inobservância da forma escrita do contrato de mediação imobiliária consubstancia uma nulidade atípicana medida em que só pode ser invocada pelo cliente da empresa mediadora, não sendo admissível o seu conhecimento ex officiopelo tribunal.
II - Tendo a empresa mediadora, através da sua actividade, promovido a venda do imóvel junto de interessados, levando a que estes, embora meses mais tarde, tomassem a decisão de o comprar, tem direito a receber a contrapartida acordada no contrato de mediação.
III - O nexo causal adequado entre a actividade da empresa mediadora e a conclusão do contrato de compra e venda não se considera interrompido pelo facto daquela não ter estado presente até esse momento e de ter ocorrido a participação, nessa fase, de uma outra empresa mediadora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2116/19.0T8PNF.P1

Relatora : Anabela Tenreiro
Adjunta : Lina Castro Baptista
Adjunta : Alexandra Pelayo
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
“B…, Lda.”, com sede na Rua…, nº.., …. - … Penafiel, intentou a presente acção de processo comum contra “C…, SA.” com sede na Rua…, nº… - …, Amarante, pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de €8.000,00, acrescida de juros de mora contados desde 23.05.2016, ascendendo os vencidos ao montante de €2.009,84 até integral pagamento.
Para o efeito, alegou, em síntese, que se dedica à atividade de mediação imobiliária tendo celebrado com a ré contratos de mediação com vista à venda de imóveis. A retribuição pela mediação seria devida se a autora conseguisse interessado para concretizar o negócio e consistia em 5 % do preço pelo qual o negócio fosse concretizado acrescido de IVA, a pagar com a assinatura do contrato-promessa ou com a realização da venda, caso não houvesse contrato-promessa prévio. Neste contexto, a ré solicitou verbalmente à autora que promovesse, entre outras, a venda da fração autónoma designada pela letra Q do empreendimento D…, sito na Rua…. Por e-mail de 24 de novembro de 2015 a autora remeteu à ré a proposta de compra (ficha de reserva) dessa fração pelo preço de €150.000,00 apresentada pela cliente E…, proposta que posteriormente foi elevada para €160.000,00. A ré comunicou à autora que não aceitava e não apresentou contraproposta. Posteriormente, o referido imóvel foi vendido aos clientes pelo preço de €160.000,00 declarando-se que a venda foi intermediada pela empresa F…, Lda., empresa da qual é gerente a administradora da ré G…. A ré foi notificada para pagar à autora a comissão imobiliária devida e nada pagou.
A ré contestou alegando que as partes celebraram um contrato de mediação imobiliária, sem exclusividade, com vista à venda de um imóvel V4, com área total de 418 m2, sito na Rua…. Não corresponde à verdade que a compradora E… tenha sido angariada pela autora até porque foi a referida compradora que contactou diretamente o departamento comercial da ré. De resto, a ré nunca celebrou com a autora qualquer acordo de mediação com vista à promoção daquele imóvel.
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Proferiu-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente e em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de €8.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.
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Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso, terminando com as seguintes
Conclusões
I. Autora e a Ré, ora recorrida e recorrente, no dia 17 de junho de 2015, celebraram dois acordos denominados “Contrato de Mediação Imobiliária” com o nº …. e …. nos termos dos quais a autora se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado pelo preço de €240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros) na compra de um prédio urbana tipologia V4 com a área total de 418m2 sito na Rua…, freguesia de …, concelho de Penafiel, inscrito na matriz predial sob o artigo 9569.
II. A considerar a existência do contrato de mediação imobiliária referente à fracção Q do D…, realizado verbalmente, o mesmo padece de uma nulidade substantiva, que é de conhecimento oficioso, a qual deve ser declarada.
III. Mesmo existindo um hipotético acordo de mediação imobiliária:
a) A Autora, (ora recorrida), só poderia iniciar as diligências necessárias para conseguir um eventual interessado para a compra do imóvel a partir do momento em que esse mesmo acordo fosse redigido, reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, obedecendo, assim, na íntegra ao estatuído pelo artigo 16, n.º 1 e n.º 2, da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, sob pena de nulidade do contrato bem como de todos os actos subsequentes praticados pela Autora;
b) Foi o mesmo celebrado em regime de não exclusividade, (facto provado), a ré, por sua iniciativa, poderia vender o imóvel a um eventual interessado pela sua compra.
c) Apenas era devida remuneração se a Recorrida conseguisse interessado que concretizasse o negócio visado pelo contrato;
d) Sobre a fracção Q do D…, nunca foi apresentada, ou com o conhecimento, uma proposta de compra do imóvel, pela E…;
IV. Apesar de a Autora, em sede de Petição Inicial, alegar que terá remetido a proposta de compra à ré via correio electrónico, a verdade é que dos autos não consta:
A. O seu conteúdo;
B. A recusa da ré quanto a essa proposta; nem
C. Cópia do cheque de sinalização.
V. Mais, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, a testemunha E… negou ter assinado o referido documento, facto que demonstra a ilegalidade com que o mesmo foi realizado e assinado.
VI. Afirmando, que tanto ela como o seu marido não quiseram realizar o negócio com a autora, alegando o desconhecimento sobre uma eventual proposta apresentada em seu nome.
VII. Analisando o conteúdo da conversa transcrita em sede de Sentença Judicial não nos conseguimos aperceber pela sua leitura se as propostas de €150.000,00 e, posteriormente, de €160.000,00 apresentadas pelo cliente H… foram sobre o imóvel em causa e propriedade da recorrente ou sobre um qualquer outro imóvel, uma vez que a referida conversa:
A) Não identifica o imóvel em causa;
B) Não identifica a aqui autora nem os seus representantes; e
C) Por outro lado e do que resulta da conversa escrita, até nos apercebemos que o H… e E…, há data, procuravam para comprar outros imóveis disponíveis no mercado, (“Ok; Vou falar com a E… daqui a pouco; Mas provavelmente vamos deixar cair e avançamos par o negócio de uma casa ke fomos ver. A diferente po apartamento n é mt e sempre é uma casa”).
VIII.A concretização da venda da fracção Q do D… não resultou da intervenção da autora.
IX. Mesmo considerando a sua intervenção, a autora não logrou concretizar o negócio, condição para que a remuneração de intermediação fosse devida.
X. Nos presentes autos, não houve lugar a angariação de clientes por parte da ré.
XI. Da prova testemunhal e documental junta ao processo, que a alínea g) da matéria dada como provada, constitui matéria não provada.
XII. Efectivamente, não foi apresentada proposta pelo Senhor H…, com o conhecimento da sua companheira E….
XIII. Não é justo condenar ré a pagar à autora a quantia de €8.000,00 (oito mil euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento devido às circunstâncias em que os factos, sub iudice, ocorreram.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - Delimitação do Objecto do Recurso
As questões decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem em saber se deve ser alterada a decisão sobre os factos apontados pela Recorrente, se o contrato de mediação imobiliária é nulo e, no caso de resposta negativa, se a Autora tem direito à remuneração (comissão) acordada com a Ré.
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Da Modificabilidade da Decisão sobre a matéria de facto
Nos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova revisitados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo.
Se a decisão do julgador está devidamente fundamentada, segundo as regras da experiência e da lógica, não pode ser modificada, sob pena de inobservância do princípio da livre convicção.[1]
A Recorrente manifestou o seu inconformismo por terem sido considerados provados os factos constantes do ponto 7, concretamente que a Autora remeteu uma proposta de compra da fração em causa, apresentada por H…, com conhecimento da sua companheira E….
Para tanto, referiu que a testemunha E… negou ter conhecimento da apresentação de uma proposta à Ré, sendo que esse facto constituiu para si uma “novidade”.
Acrescentou que não foi apresentado documento comprovativo do envio da proposta, respectivo conteúdo e recusa da Ré.
Na sua opinião, o tribunal deveria ter analisado a genuinidade da assinatura aposta na “ficha de reserva” (doc. 4) e desvalorizado a conversação escrita ocorrida entre as testemunhas I… e H…, por não ser possível identificar o imóvel a que se referiam.
Para além do depoimento prestado pela testemunha E…, compradora do imóvel, procedeu-se à audição das declarações das testemunhas H…, comprador, e dos vendedores da Autora, J… e I….
Na parte que interessa, a testemunha J… confirmou o e-mail junto a fls. 10 através do qual a testemunha G…, Vice-Presidente do Conselho de Administração da Ré, lhe deu conhecimento da planta da fracção Q, respectivas características e preço.
Esse e-mail foi enviado em 24 de Novembro de 2015, ou seja, um dia após a data aposta na “ficha de reserva”, o que reflecte o interesse do casal (testemunhas E… e H…) em saber informações mais detalhadas sobre o imóvel.
A testemunha J… explicou, a este propósito, que a Autora tinha o empreendimento “D…” para vender e que o interessado H… visitou o apartamento antes de lhe ter sido fornecida a respectiva planta. Declarou ter tido conhecimento pela testemunha I…, seu colega, que a proposta dos clientes foi declinada pela testemunha G… (pessoa responsável da parte da Ré) e que após 2 ou 3 dias, fizeram nova proposta, com preço superior, de €160.000,00, igualmente recusada.
A testemunha, I… e a testemunha H… estabeleceram entre si contactos e conversações sobre as características do imóvel e os preços que o casal tinha condições para pagar. Concretizando, a referida testemunha I… revelou que foram feitas duas propostas, de 150 e 160 mil euros, ambas recusadas pela Ré. Confirmou ter enviado a “ficha de visita” por e-mail.
A testemunha H… confirmou, no essencial, o relato daquelas duas testemunhas (vendedores da L…) no que se refere às visitas que efectuou ao imóvel e valores em causa.
Na opinião desta testemunha e da sua companheira E… não apresentaram uma proposta porque para eles uma proposta é algo formal.
No entanto, ambos confirmaram que ocorreram conversações entre a testemunha H… e o vendedor da L…, sobre valores.
A testemunha E… declarou expressamente que conversou com o seu companheiro, H…, sobre o imóvel e valores (mínimo e máximo) que estariam dispostos a pagar e que este ficou de perguntar ao vendedor, por via telefónica, se o imóvel podia ser vendido por 150 mil euros.
Portanto, não há dúvida de que E… estava a par das propostas de compra apresentadas ao vendedor pelo seu companheiro.
Mas, se ainda existisse alguma dúvida a este respeito, a conversação escrita entre I… e H… transcrita na fundamentação de facto, é elucidativa, uma vez que os preços e as características da fracção discutidos entre ambos foram confirmados na audiência. Desta conversação sobressaem claramente os contactos que o vendedor encetou com a Ré e as recusas desta às propostas apresentadas pelo interessado H….
A questão da genuinidade da assinatura na “ficha de reserva” não tem interesse já que a própria testemunha E… a negou, sendo que ficou esclarecida a forma como foi preenchida e enviada.
Finalmente, no que respeita aos documentos de fls. 6 a 9 (contratos de mediação) não revestem qualquer interesse por não incidirem sobre a fracção Q mas sim sobre a V4,que não está em discussão.
A decisão sobre a matéria de facto foi proferida com respeito integral pelas regras que se impunham no caso concreto, razão pela qual se mantém a mesma na íntegra.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de mediação imobiliária, com o intuito lucrativo, sendo a representante ou franchisada para o concelho de Penafiel da rede com a marca L….
2. No dia 17 de junho de 2015 autora e ré celebraram dois acordos denominados “Contrato de Mediação Imobiliária” com o nº …. e …. nos termos do qual a autora se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado pelo preço de €240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros) na compra de um prédio urbano tipologia V4 com a área total de 418m2 sito na Rua…, freguesia de …, concelho de Penafiel, inscrito na matriz predial sob o artigo 9569.
3. Ficou acordado que o acordo seria celebrado em regime de não exclusividade.
4. Ficou acordado que a remuneração só será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato.
5. Ficou acordado que a ré se obriga a pagar à autora a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, remuneração nunca inferior a €5.000,00 (cinco mil euros) acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
6. Neste contexto, embora sem chegar a ser reduzido a escrito, a ré solicitou verbalmente à autora que promovesse nas mesmas condições, entre outras, a fração autónoma designada pela letra Q do empreendimento D…, sito na Rua….
7. No desenvolvimento da sua atividade, no decurso do mês de novembro e dezembro de 2015 a autora remeteu à ré a proposta de compra da fração referida em 6 apresentada por H…, com conhecimento da sua companheira E….
8. Posteriormente, essa proposta foi elevada para o montante de €160.000,00.
9. A ré comunicou à autora que não aceitava essa proposta.
10. Em 23.05.2016 por escritura pública denominada “Compra e venda e mútuo com hipoteca” a ré, na qualidade de parte vendedora e H… e E…, na qualidade de parte compradora declarou vender a estes, que declararam comprar, pelo preço de €160.000,00 (cento e sessenta mil euros) a fração autónoma designada pela letra Q sita na Rua…, nº.., Penafiel.
11. Nessa escritura os intervenientes declararam que a venda foi intermediada pela empresa F…, Lda.
12. Esta empresa é uma empresa de mediação imobiliária que, à data tinha como sócia e única gerente G…, e como sócia também M…, mulher do Administrador Presidente da ré N…, pai da referida G….
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Com relevância, não se provaram os seguintes factos:
a. A cliente E… assinou a ficha de reservada da fração denominada pela letra Q onde apresentou proposta de aquisição pelo valor de €150.000,00.
b. Foi a ré quem contactou E… com vista à concretização do negócio referido em 10.
c. Por conta dos serviços prestados, a autora solicitou à ré o pagamento do valor da sua remuneração.
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IV - DIREITO
A questão jurídica nuclear, suscitada pela Recorrente, consiste em saber se foi celebrado validamente entre as partes um contrato de mediação imobiliária.
Segundo o art. 2.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2013 de 8 de Fevereiro, a actividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis.
Essa actividade poderá traduzir-se na prospecção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes ou na promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões (n.º 2 do citado preceito legal).
A mediação imobiliária, na delimitação sugerida por Higina Castelo[2], é um contrato pelo qual uma pessoa se obriga a pagar a outra uma remuneração se estoutra lhe conseguir interessado para certo contrato e se a primeira vier a celebrar o desejado contrato com o contributo da actividade da segunda.
Assim, como se esclarece no Acórdão da Relação de Lisboa, de 30.10.2010[3], a obrigação do mediador é a de encontrar um terceiro com quem o contrato visado venha a ser celebrado, pelo que o fim da mediação só é alcançado com a concretização desse negócio com a entidade angariada.
Não foi questionado entre as partes a celebração de dois contratos de mediação, escritos, em regime de não exclusividade, ficando a Ré obrigada a pagar à Autora a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio viesse a ser efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, remuneração nunca inferior a €5.000,00 (cinco mil euros) acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
Para além destes dois contratos escritos, celebraram verbalmente ainda um outro, nos mesmos termos, em relação à fracção Q do mesmo empreendimento D…, sito na Rua….
É justamente sobre este contrato, relativo à fracção Q, que surgiu o conflito que cumpre resolver.
A Autora considera que, apesar de não ter sido reduzido a escrito, tem direito a receber a remuneração acordada uma vez que foi celebrado o contrato de compra e venda com os interessados, por ela angariados.
Por seu turno, a Ré contestou ter celebrado esse contrato (verbal) com a Autora e negou a intermediação da mesma no negócio pelo facto dos compradores do imóvel terem contactado directamente o seu departamento comercial.
Por conseguinte, a questão a dirimir prende-se com a (in)validade do contrato de mediação dado que a Ré, cliente da empresa mediadora, não invocou, na contestação, a nulidade por inobservância da forma escrita.
O contrato de mediação imobiliária deve obedecer à forma escrita, e conter os elementos descritos no art. 16.º, n.º 4 do citado diploma legal, sob pena de nulidade, não podendo, contudo, ser invocada pela empresa de mediação (cfr. n.º 7).
Por não se ajustar totalmente ao regime previsto para o negócio jurídico nulo (art. 286.ºdo CC) na medida em que só pode ser invocada pelo cliente da empresa mediadora, é qualificada como uma nulidade atípica.
No caso concreto, a Recorrente não invocou, como lhe facultava a lei, a nulidade do contrato resultante da falta de forma, sustentando, por isso, que o tribunal pode e deve conhecê-la ex officio.
Apesar de não resultar expressamente do elemento literal da norma em causa, a doutrina e jurisprudência têm-na interpretado no sentido de que a proibição (de invocar a nulidade) se estende a terceiros e ao tribunal para evitar que, por outra via, seja frustrado o objectivo do legislador de evitar que a empresa se aproveite do vício por si criado.[4]
Quer isto significar que se não foi suscitada por quem tem legitimidade para esse efeito, ou seja, pela cliente da mediadora, o contrato, apesar de ter sido celebrado verbalmente, deve ser considerado plenamente válido.[5]
Não procede, por esses motivos, a argumentação da Ré através da qual pretende obter a invalidade do contrato de mediação.
Nesta sequência, concluindo-se, tal como na sentença, pela validade do acordo celebrado entre as partes, importa decidir se a Autora tem direito ao recebimento da comissão exigida nesta acção.
O inconformismo da Recorrente estriba-se na sua perspectiva dos factos: não reconhece qualquer intervenção da Autora na angariação destes clientes em particular e sustenta que não lhe foi apresentada proposta por parte desta.
Não havendo exclusividade, o direito à remuneração vai depender do estabelecimento de um nexo causal entre a actividade de cada um dos mediadores e o resultado de que depende a remuneração.[6]
No que concerne à temática do nexo causal que deve ser estabelecido entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio, Fernando Baptista de Oliveira[7] enumera várias directrizes para que se considere preenchido esse requisito, com base na análise da vasta jurisprudência por si indicada, designadamente:
1.Basta que o trabalho do mediador tenha contribuído/influído decisivamente para a conclusão do negócio (causa determinante);
2.Não é necessário que a actividade do mediador seja a única causa determinante da realização ao negócio pretendido pelo comitente;
3.Muito menos é necessário que a intervenção do mediador constitua causa exclusiva (da celebração do negócio), pois pode haver outras concausas concorrentes-afirmação que se justifica na hipótese de intervenção de vários mediadores;
4.entendem outros que o direito à remuneração não impõe que o mediador esteja presente até à conclusão do negócio, bastando ao mediador a prova do nexo causal entre a sua actividade e a conclusão do negócio, ainda que os termos do contrato tenham resultado, eventualmente, de negociações directas entre os interessados que o mediador pôs em contacto (5).
Ora, ficou demonstrado que, no decurso do mês de novembro e dezembro de 2015, a Autora remeteu à Ré uma proposta de compra da fracção, apresentada por H…, com conhecimento da sua companheira E…, que foi recusada. Posteriormente, aqueles interessados elevaram o preço oferecido para o montante de €160.000,00, que também não foi aceite pela Ré.
Não obstante não ter sido aceite essa proposta, a Recorrente, decorridos cinco meses, concluiu o negócio com esses interessados, por aquele preço de €160.000,00, declarando, na escritura que tinha sido intermediada pela empresa “F…, Lda.”, empresa de mediação imobiliária que, à data, tinha como sócia e única gerente G…, e como sócia também M…, mulher do Administrador Presidente da Ré N…, pai da referida G….
Perante estas circunstâncias, o raciocínio exposto na sentença merece a nossa total concordância por inexistir dúvida de que a Autora, através da sua actividade, promoveu a venda do imóvel e conseguiu interessar o casal com quem teve contactos e conversações, em Novembro e Dezembro de 2015, levando a que estes, embora mais tarde, tomassem a decisão de o comprar, precisamente pelo valor que estavam dispostos a pagar naquela altura.
O nexo causal adequado entre a actividade da Autora e a conclusão do contrato de compra e venda não se mostra interrompido pelo facto daquela não ter estado presente até esse momento e de ter ocorrido a participação, nessa fase, de uma outra empresa mediadora, relativamente à qual não foi alegada qualquer actividade promocional junto dos compradores.[8]
Perante o mencionado quadro factual, nem se coloca a difícil questão de saber qual das duas empresas de mediação desenvolveu uma acção promocional determinante para a perfeição e conclusão do contrato, ou, na hipótese de serem concausais, qual a solução a adoptar em termos remuneratórios.
Por outras palavras, das circunstâncias apuradas resulta que foi exclusivamente a Autora quem conseguiu interessados para a compra do imóvel, os quais, embora mais tarde, concretizaram efectivamente o negócio com a Ré, razão pela qual a remuneração acordada é devida.
Finalmente, para que não restem dúvidas quanto ao acerto da sentença, cumpre esclarecer que mesmo na hipótese de invalidade do contrato, por inobservância da forma escrita, a jurisprudência maioritária tem entendido que a remuneração será sempre devida à sociedade de mediação, com fundamento no enriquecimento sem causa, e deverá corresponder aos serviços efectivamente prestados ou, para outros, ao valor de remuneração acordado, critério que se revela mais objectivo.[9]
Concluímos, pelas razões expostas, que assiste à Autora o direito ao recebimento da contrapartida acordada com a Ré, não merecendo reparo a sentença, que deve ser confirmada.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a sentença.
Custas pela Apelante.
Notifique.
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Porto, 27 de outubro de 2020
Anabela Tenreiro
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
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[1] cfr. neste sentido Ac. Rel. Porto de 24/03/2014 in www.dgsi.pt.
[2] O Contrato de Mediação, Dissertação de Doutoramento, 2014, Almedina, pág. 12.
[3] Disponível em dgsi.pt.
[4] v. Acórdãos do STJ de 03.04.2008 e de 10.04.2008, disponíveis em dgsi.pt.
[5] v., entre outros, Acórdãos do STJ de 31.03.2004 e de 03.04.2008, Ac.Rel.Porto de 08.10.2020 e Ac. do TRCoimbra de 18.03.2014, disponíveis em www.dgsi.pt.
[6] Castelo, Higina, ob. cit. pág. 301, citando Lacerda Barata (nota 800).
[7] Manual da Mediação Imobiliária, 2019, Almedina, pág. 136 e segs.
[8] v. neste sentido, Ac.Rel.Lisboa de 10.05.2016, disponível em www.dgsi.pt
[9] v. jurisprudência e doutrina citadas por Fernando Baptista de Oliveira, ob. cit., pág. 84 e segs.