Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5144/24.0T8VNG. P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SÍLVIA GIL SARAIVA
Descritores: APLICABILIDADE DA CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO AHRESP-FESAHT
Nº do Documento: RP202509245144/24.0T8VNG. P1
Data do Acordão: 09/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE.CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do artigo 285.º, nºs 10 e 14, e do artigo 498.º, nºs 1, 2 e 3, do Código do Trabalho, a Convenção Coletiva de Trabalho AHRESP-FESAHT (e suas alterações posteriores) é aplicável ao caso em questão, até ao fim dos 12 meses seguintes à data da transmissão, ou seja, até junho de 2023.
II - A revisão parcial da convenção coletiva implica que apenas determinadas cláusulas foram alteradas, mantendo-se o restante clausulado da convenção anterior em vigor, não se configurando, assim, uma nova convenção coletiva substitutiva.
III - Apesar de a regra dos doze meses de vigência ser supletiva - não prevalecendo nem quando a convenção estabeleça um outro prazo de vigência (mais curto ou mais longo), nem quando o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho seja substituído por outra convenção no âmbito do transmissário -, é inelutável que a lei a circunscreve, neste caso, aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho convencionais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 5144/24.0T8VNG. P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia – Juiz 3
(secção social)


Relatora: Juíza Desembargadora Sílvia Gil Saraiva
Adjuntos: Juiz Desembargador Rui Manuel Barata Penha
Juiz Desembargador António Joaquim da Costa Gomes



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Recorrente: A... Unipessoal, Lda.
Recorrido: Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Centro




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Sumário:

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(Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)


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Acordam os Juízes subscritores deste acórdão da quarta secção, social, do Tribunal da Relação do Porto:






I- RELATÓRIO:



O Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Centro ("Autor") intentou uma ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra a sociedade "A... Unipessoal, Lda." ("Ré").
Nesta ação, o Sindicato solicita a condenação da Ré a aplicar aos seus trabalhadores associados o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT), celebrado entre a AHRESP e a FESAHT, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE) n.º 35, de 22 de setembro de 2018, e respetivas alterações, incluindo a extensão pela Portaria de Extensão (PE) n.º 288/2018, de 25 de outubro.
Em particular, o Autor pede que se apliquem as tabelas salariais, horários de trabalho e categorias profissionais previstas no CCT, com efeitos a partir de julho de 2022 e para o futuro.
Para sustentar o seu pedido, o Sindicato alega que a Ré assumiu a posição de empregadora dos referidos trabalhadores em julho de 2022, na sequência de uma transmissão de estabelecimento/concessão. Estes trabalhadores, por seu turno, já estavam abrangidos pelo Contrato Coletivo de Trabalho de âmbito nacional (restauração e bebidas) celebrado entre a AHRESP e a FESAHT.
O Sindicato (Autor) alegou que, pelo menos até julho de 2022, a Ré era associada da AHRESP e o Autor da FESAHT. Mesmo após a sua desfiliação, a Ré continuaria vinculada ao instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT) por via das portarias de extensão. Apesar disso, a Ré recusa-se a aplicar o IRCT aos trabalhadores associados do Autor.
Na sua contestação, a Ré invocou a ineptidão da petição inicial como exceção. Argumenta que existe uma contradição entre a causa de pedir e o pedido, revelando uma falta de nexo lógico.
Mais especificamente, a Ré alega não conseguir perceber em que momento o Autor pede a aplicação retroativa das "tabelas salariais, horários de trabalho e categorias profissionais", nem quais as diferenças salariais para cada trabalhador individualmente considerado.
A Ré pediu a improcedência da ação, defendendo que a 31 de agosto de 2022 deixou de ser filiada na AHRESP. Consequentemente, passou a aplicar o Contrato Coletivo de Trabalho em vigor na altura, publicado no BTE n.º 23, de 22 de junho de 2019, conforme previsto na lei.
No entanto, a Ré sublinha que, com a publicação da nova versão do Contrato Coletivo de Trabalho no BTE n.º 33, de 8 de setembro de 2022, a versão anterior foi revogada, deixando de a vincular. Ainda assim, a Ré afirma ter continuado a aplicar as matérias do IRCT que considerou mais favoráveis aos trabalhadores.
O Autor respondeu à exceção dilatória suscitada pela Ré, pugnando pela sua improcedência.
O Tribunal a quo notificou as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de uma decisão imediata, não tendo havido oposição de nenhuma das partes.
Foi, então, proferido saneador-sentença, no qual foi fixado o valor da causa em €30.000,01, a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial foi julgada improcedente, e conclui-se com o seguinte dispositivo:
«Nestes termos julgo a ação parcialmente procedente e em consequência condeno a ré A... UNIPESSOAL LDA. a aplicar aos trabalhadores associados do autor que laboravam nos bares do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra em Junho de 2022, o contrato coletivo de trabalho celebrado entre AHRESP e a FESAHT publicado no BTE 35 de 22 de setembro de 2018 e posteriores alterações, concretamente no que se refere às tabelas salarias, horários de trabalho e categorias profissionais, tudo com efeitos à data de Julho de 2022 e até Junho de 2023.
Absolvo a mesma ré da condenação na aplicação do referido contrato coletivo para o futuro.
Condeno autor e ré nas custas do processo na proporção de 20% - 80%.
Registe e Notifique.» (Fim da transcrição)
Desta sentença interpôs a Ré/Recorrente recurso de apelação visando a sua revogação.
Termina as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
O Recorrido contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do decidido.

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A Meritíssima Juíza a quo admitiu o recurso interposto como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

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O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, onde defende que, apesar da desfiliação da Recorrente do Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) AHRESP-FESAHT a partir de 31 de agosto de 2022, esta convenção continuou a vincular a empresa.
O vínculo mantém-se, pelo menos, durante 12 meses após a transmissão ocorrida em julho de 2022, ou seja, até julho de 2023.
O Contrato Coletivo de Trabalho só deixaria de ser aplicável antes do término deste período se tivesse sido substituído por outro instrumento negocial, o que não ocorreu até junho de 2023.
Conclusão
Em suma, a sentença proferida está em conformidade com o Código do Trabalho: a obrigação de aplicar o Contrato Coletivo de Trabalho subsistiu durante esse período, independentemente da desfiliação, cessando apenas com a entrada em vigor de um novo instrumento negocial ou após 12 meses.

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Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II - Questões a decidir:
O objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente [artigos 635.º, n.º3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, ex vi, artigo 1.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo do Trabalho], por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso e da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
A questão a decidir no presente recurso é a seguinte:
A. Se a Ré está obrigada a aplicar o Contrato Coletivo de Trabalho, celebrado entre a AHRESP e a FESAHT, às relações laborais que mantém com os filiados no Autor de julho de 2022 até junho de 2023.

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III- FUNDAMENTOS DE FACTO:

Matéria de facto dada como provada em primeira instância[1]

1. O Autor tem filiados diversos trabalhadores identificados no documento 2 junto com a petição inicial, cujo conteúdo se dá por reproduzido.
2. Até junho de 2022 era empregadora dos trabalhadores associados do A. que laboravam nos bares dos Hospitais da Universidade ..., a sociedade B... Unipessoal Lda.
3. A R. dedica-se à atividade de exploração de cafés, cafetarias, bares, comércio de produtos de pastelaria, confeitaria e snack-bar, restauração e atividades de preparação de refeições para consumo no local (com ou sem serviço de mesa) e/ou prontas a levar para casa, prestação de serviços correlacionados, nomeadamente serviços de catering, consultoria e formação na área da restauração e tem os CAE 56301, 56302, 56290 e 56303.
4. Em 17 de junho de 2022, por adjudicação do SUCH – Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, a Ré começou a explorar os bares do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, adquirindo a qualidade de empregadora dos trabalhadores pertencentes à B... Unipessoal Lda.
5. Em julho de 2022 a ré era associada da AHRESP e o autor é associado da FESAHT.
6. Em julho de 2022, à relação laboral estabelecida entre os trabalhadores filiados no autor e a ré, era aplicável o CCT celebrado entre a AHRESP e a FESAHT, (restauração e bebidas) publicado no BTE n.º 35 de 22.9.2018.
7. O CCT em questão foi objeto de portaria de extensão, concretamente a portaria n.º 288/2018 de 25 de outubro, como bem assim o foram as posteriores alterações que determinaram que as condições de trabalho constantes das alterações do contrato coletivo entre a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) e a FESAHT - Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal (restauração e bebidas), são estendidas:
a) Nos distritos de Beja, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Guarda, Lisboa, Leiria, Portalegre, Santarém e Setúbal às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que se dediquem à atividade de restauração ou de bebidas (incluindo nos casinos), parques de campismo e campos de golfe que não sejam complemento de unidades hoteleiras, e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção;
b) No território do Continente, às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que prossigam a atividade referida na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção, não representados pela associação sindical outorgante.
8. A 31 de agosto de 2022 a ré deixou de ser associada da AHRESP.
9. O Contrato Coletivo de Trabalho foi revisto pela versão publicada no BTE n.º 33, de 08 de setembro de 2022.
10. O FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal celebrou com a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo, um CCT, publicado no BTE n.º 23, de 22 de junho de 2018.
11. Na Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 29, de 08 de agosto de 2018, resulta que as condições de trabalho constantes do contrato coletivo entre a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e a FESAHT - Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 23, de 22 de junho de 2018, são estendidas no território do Continente:
a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que se dediquem à atividade de alojamento, restauração e de bebidas abrangidas pela convenção e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais nele previstas;
b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que prossigam a atividade mencionada na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais nele previstas, não representados pela associação sindical outorgante.

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III - FUNDAMENTOS DE DIREITO:

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Análise da Sentença Recorrida

A decisão judicial em apreço analisou se a Ré tem ou não a obrigação de aplicar o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT), celebrado entre a AHRESP e a FESAHT, às relações laborais que mantém com os trabalhadores filiados no Sindicato (Autor).
Para tal, o tribunal baseou a sua decisão no artigo 498.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código do Trabalho de 2009[2], e não no artigo 496.º. A justificação para esta escolha reside no facto de a questão central ser a transmissão da unidade económica dos bares e refeitórios do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, e não a desfiliação posterior da Ré.
O tribunal concluiu, assim, que a Ré, enquanto adquirente, ficou vinculada à aplicação do Contrato Coletivo de Trabalho, republicado no BTE n.º 35 de 22 de setembro de 2018 e respetivas alterações (22.06.2019 no BTE 23, 08.09.2022 no BTE 33 e 29.04.2023 no BTE 16).
A Ré manteve-se obrigada a aplicar o Contrato Coletivo de Trabalho e as suas alterações subsequentes até ao final dos 12 meses posteriores à transmissão da exploração, ou seja, até junho de 2023.
A sentença recorrida faz referência às seguintes Portarias de Extensão:
· n.º 288/2018, de 25 de junho (BTE n.º 35/2028);
· n.º 152/2023, publicada no BTE n.º 14, de 15 de abril;
· n.º 224/2023, de 14 de julho (publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 140, de 20.07.2023).
O tribunal a quo não aceitou o argumento da Ré de que seria aplicável o CCT entre a APHORT e a FESAHT (publicado no BTE n.º 23, de 22 de junho de 2019). A Ré alegava que este contrato permitiria uma uniformização das condições de trabalho nos vários estabelecimentos que explora, abrangendo distritos não "cobertos" pela portaria de extensão do CCT entre a AHRESP e a FESAHT.
Contudo, a sentença rejeitou esta tese, sublinhando que a escolha entre os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho aplicáveis cabe aos trabalhadores (nos termos do artigo 482.º do Código do Trabalho) e não à entidade empregadora.
Análise da Solução Adotada
Como é sabido, as Convenções Coletivas de Trabalho são uma fonte de direito do trabalho, conforme previsto no artigo 1.º.
As fontes coletivas — que são instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e fontes típicas do direito laboral — podem regular diversos aspetos, como salários, carreiras profissionais, férias e, de forma geral, as condições de trabalho. Destinam-se a vigorar para uma determinada categoria profissional ou setor empresarial. Para além de terem previsão constitucional (artigo 56.º, n.ºs 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa) e estarem incluídas entre as fontes de direito do trabalho (artigo 1.º), estas fontes são reguladas nos artigos 476.º e seguintes do Código do Trabalho.
Conforme o n.º 1 do artigo 2.º, é importante distinguir os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho em dois tipos:
· Instrumentos negociais (ou de autorregulamentação de interesses), que resultam da negociação entre as partes, como o Contrato Coletivo de Trabalho, o Acordo de Adesão e a Decisão Arbitral.
· Instrumentos normativos (ou não negociais), que são impostos pelo Estado, como a Portaria de Extensão e a Portaria de Condições de Trabalho.
A Convenção Coletiva de Trabalho é um fenómeno de autorregulamentação de interesses, sendo negociada diretamente pelos representantes dos trabalhadores e empregadores. Os intervenientes na celebração destas convenções são, portanto, os interessados na conciliação dos seus interesses.
Contudo, de acordo com o princípio da dupla filiação consignado no n.º 1 do artigo 496.º, a convenção coletiva de trabalho vincula os empregadores que a subscrevem e os que estão inscritos nas associações de empregadores signatárias, assim como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes.
No caso em apreço, é inegável que, em julho de 2022, era aplicável o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AHRESP e a FESAHT (setor de restauração e bebidas), publicado no BTE n.º 35, de 22 de setembro de 2018.
Tanto em julho de 2022, a Recorrente (adquirente) estava associada à AHRESP e o Autor à FESAHT (dupla filiação), como o Contrato Coletivo de Trabalho já se aplicava à transmissária e ao Autor através das Portarias de Extensão.
A Portaria de Extensão e a sua Aplicação
Com efeito, o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AHRESP e a FESAHT era aplicável no período anterior a julho de 2022 devido às Portarias de Extensão, conforme se comprova no ponto 7 dos factos provados. Assim, através de uma via não negocial, a Portaria de Extensão tornou a convenção coletiva aplicável ao caso, mesmo a quem não fosse filiado nas associações signatárias.
A Portaria de Extensão serve precisamente para alargar o âmbito de aplicação de uma convenção coletiva, estendendo-a a trabalhadores e empregadores que não estejam associados às entidades que a subscreveram.
Embora o artigo 496.º consagre o princípio da filiação, este sofre exceções no caso das Portarias de Extensão, previstas nos artigos 514.º e seguintes. A Portaria de Extensão, de origem governamental, determina a ampliação do âmbito dos destinatários de uma dada convenção coletiva, aplicando-se a empregadores do mesmo setor de atividade e a trabalhadores da mesma profissão (ou de profissão análoga) que não estejam filiados nas associações signatárias.
Concorrência de Instrumentos de Regulamentação Coletiva
Na perspetiva da Recorrente, a sua desfiliação da AHRESP, a 31 de agosto de 2022, implicaria a aplicação, ao caso em apreço, do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a APHORT e a FESAHT (BTE n.º 23, de 22 de junho de 2019).
Tal facto sugeriria a existência de concorrência de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho. Para que esta concorrência se verifique, é necessário que dois ou mais instrumentos regulem a mesma situação jurídico-laboral, o que acontece quando há uma sobreposição cumulativa nos âmbitos pessoal, temporal, espacial e material.
Neste ponto, é crucial sublinhar que não existe uma sobreposição cumulativa entre os diversos instrumentos de regulamentação coletiva.
Isto acontece porque um dos casos de extensão do princípio da filiação, é o previsto no artigo 498.º, o qual diz respeito à transmissão de empresa ou de estabelecimento (artigo 285.º, n.º 1). No contexto laboral, esta vicissitude implica que o adquirente ou cessionário da unidade de negócio transmitida assume, em regra, automaticamente e por força da lei, a posição jurídica do empregador.
Com a alteração ao Código do Trabalho de 2009, introduzida pela Lei n.º 18/2021, de 8 de abril, foram adicionados os n.ºs 10 e 14 ao artigo 285.º, que dispõem o seguinte:
“10. O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzem efeitos no momento da adjudicação.”
“14. Aos trabalhadores das empresas ou estabelecimentos transmitidos ao abrigo do presente artigo aplica-se o disposto na alínea m) do n.º 1 do artigo 3.º e no artigo 498.º”.
Conforme decorre dos factos provados nos pontos 2) e 4), a 17 de junho de 2022, a Recorrente iniciou a exploração dos bares do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, na sequência de uma adjudicação do SUCH – Serviço de Utilização Comum dos Hospitais. Logo, a Recorrente assumiu a posição de empregadora dos trabalhadores que pertenciam à B... Unipessoal, Lda.
Adicionalmente, os pontos 6) e 7) dos factos provados demonstram que, à data da transmissão do estabelecimento, o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a AHRESP e a FESAHT (aplicável ao setor de restauração e bebidas), publicado no BTE n.º 35 de 22 de setembro de 2018 e objeto da Portaria de Extensão n.º 288/2018 de 25 de outubro, era o aplicável à transmitente.
Reitera-se que, por uma via não negocial (devido à existência de uma Portaria de Extensão), a convenção coletiva celebrada entre a AHRESP e a FESAHT era o instrumento de regulamentação coletiva aplicável ao presente caso.
Assim, e nos termos do n.º 1 do artigo 498.º do Código do Trabalho, esta situação implica que:
“1. Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que vincula o transmitente é aplicável ao adquirente até ao termo do respetivo prazo de vigência ou no mínimo durante 12 meses a contar da transmissão, salvo se entretanto outro instrumento de regulamentação coletiva de trabalho negocial passar a aplicar-se ao adquirente.”
Por outro lado, nos termos do n.º 2 do artigo 498.º:
“Após o decurso do prazo referido no número anterior, caso não seja aplicável ao adquirente qualquer instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, mantém-se os efeitos já produzidos no contrato de trabalho pelo instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que vincula o transmitente, relativamente às matérias referidas no n.º 8 do artigo 501.º.”
Esta solução harmoniza-se com o disposto no artigo 3.º, n.º 3, da Diretiva 2001/23/CE, que se insere na linha da anterior Diretiva comunitária n.º 77/18/CEE, e que estabelece que:
“Após a transferência, o cessionário manterá as condições de trabalho acordadas por uma convenção coletiva, nos mesmos termos em que esta as previa para o cedente, até à data da rescisão ou do termo da convenção coletiva ou até à data de entrada em vigor ou de aplicação de outra convenção coletiva», acrescentando que «Os Estados-Membros podem limitar o período de manutenção das condições das condições de trabalho desde que este não seja inferior a um ano”.
Conforme sublinha Maria do Rosário Palma Ramalho[3], esta regra é aplicável tanto a instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho convencionais como a instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho administrativos (destaque nosso). A autora conclui, assim, que a convenção é aplicável em claro desvio ao princípio da filiação e, no caso de o empregador ser membro de outra associação patronal, contra o princípio da filiação.
A recorrente sustenta, outrossim, que, com a entrada em vigor do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AHRESP e a FESAHT, publicado no BTE n.º 33, de 8 de setembro de 2022, deixou de estar vinculada e obrigada a aplicar a versão do Contrato Coletivo de Trabalho publicada no BTE n.º 23, de 22 de junho.
Conclui, em síntese, que se trata de um novo instrumento de regulamentação coletiva.
Com o devido respeito por posição contrária, discorda-se desse entendimento.
Isto porque:
Com base na análise do Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) entre a AHRESP e a FESAHT, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE) n.º 33, de 8 de setembro de 2022, e, em especial, da Cláusula de Revisão (artigo 1.º), verifica-se o seguinte:
A presente revisão altera a convenção coletiva de trabalho publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 35, de 22 de setembro de 2018, e a última alteração salarial publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 23, de 22 de junho de 2019, apenas nas matérias agora acordadas.” (negrito nosso)
O que não configura uma sucessão de convenção coletiva, nos termos do artigo 503.º.
Isto porque, a cláusula de revisão indica expressamente que se trata de uma revisão parcial da convenção coletiva anterior e não de uma nova convenção coletiva substitutiva.
Vejamos:
· A sucessão de convenção coletiva ocorre quando uma nova convenção substitui integralmente a anterior, revogando-a na sua totalidade.
· A revisão parcial, como é o caso presente, implica que apenas determinadas cláusulas foram alteradas, mantendo-se em vigor o restante clausulado da convenção anterior.
Neste caso, a própria cláusula de revisão delimita o seu alcance, deixando claro que não há revogação total, mas sim alterações pontuais.
Posto isto, é possível perspetivar quatro limites temporais impostos à vinculação do empregador transmissário à convenção coletiva de trabalho do transmitente, a saber:
· Prazo de vigência convencional: Se a convenção coletiva tiver estabelecido um prazo de vigência, o novo empregador permanece vinculado até ao final desse prazo (artigo 498.º, n.º 1).
· Ausência de prazo de vigência: Na falta de um prazo de vigência convencional, o novo empregador permanece vinculado pelo prazo mínimo de doze meses, a contar da operação de transmissão (artigo 498.º, n.º 1).
· Prevalência de novo instrumento de regulamentação coletiva: Se, durante qualquer dos prazos anteriores, um outro instrumento de regulamentação coletiva de trabalho convencional passar a ser aplicável ao transmissário, esta convenção prevalece sobre o anterior instrumento do transmitente, afastando as regras precedentes (artigo 498.º, n.º 1, parte final).
· Cessação da aplicabilidade: Se, após o decurso do prazo de 12 meses sobre o ato de transmissão, a questão não tiver sido resolvida por uma das formas previstas, a convenção coletiva deixa de ser aplicável ao novo empregador. Salvaguardam-se, contudo, os respetivos efeitos já produzidos nos contratos de trabalho dos trabalhadores da unidade transmitida que se sujeitavam à convenção nas matérias previstas no artigo 501.º, n.º 8 (ou seja, regras relativas à retribuição, categoria, tempo de trabalho e regimes de segurança social substitutivos) – esta é a nova regra do artigo 498.º, n.º 2, introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março.
O Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a APHORT e a FESAHT, publicado no BTE n.º 23, de 22 de junho de 2018, que a Recorrente visava aplicar aos trabalhadores representados pelo Autor, após a sua desfiliação da AHRESP, seria aplicável por via da extensão administrativa [Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 29, de 8 de agosto de 2018, e outras – cfr. facto provado em 11)].
Com efeito, a Recorrente não é filiada na APHORT.
Apesar de a regra dos doze meses de vigência ser supletiva - não prevalecendo nem quando a convenção estabeleça um outro prazo de vigência (mais curto ou mais longo), nem quando o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho seja substituído por outra convenção no âmbito do transmissário -, é inelutável que a lei a circunscreve, neste caso, aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho convencionais.
Este não é o caso, uma vez que a Portaria de Extensão não é um instrumento de regulamentação coletiva negociado (artigo 2.º, n.º 4).
Conclusão
Desta forma, o facto de a Recorrente ter deixado de ser associada da AHRESP em agosto de 2022 (conforme o ponto 8 dos factos provados) não afasta, por si só, a aplicação do Contrato Coletivo de Trabalho (CCT), celebrado entre a AHRESP e a FESAHT, publicado no BTE n.º 35 de 22 de setembro de 2018 e objeto da Portaria de Extensão n.º 288/2018 de 25 de outubro.
Isto acontece porque o artigo 498.º, n.ºs 1 e 2, prevalece sobre o artigo 496.º, n.º 1 (o princípio da filiação), tornando irrelevante a desfiliação da Ré a 31 de agosto de 2022.
Assim, na qualidade de transmissária/adquirente, a Ré ficou vinculada à aplicação do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AHRESP e a FESAHT, republicado no BTE n.º 35, de 22 de setembro de 2018, e das respetivas alterações (22.06.2019 no BTE 23, 08.09.2022 no BTE 33 e 29.04.2023 no BTE 16).
Por conseguinte, a Ré mantém-se obrigada a aplicar este Contrato Coletivo de Trabalho e as suas alterações subsequentes até ao final dos 12 meses posteriores à transmissão da empresa, ou seja, até junho de 2023.
Como resultado, as conclusões do recurso improcedem na sua totalidade.

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IV. DECISÃO:


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Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao Regulamento das Custas Processuais (cfr. artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais)].

Valor do recurso: o da ação fixada a final (artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais).

Notifique-se e registe-se.





Porto, 24 de setembro de 2025

Sílvia Gil Saraiva (Relatora)

Rui Manuel Barata Penha (1.º Adjunto)

António Joaquim da Costa Gomes (2.º Adjunto)







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[1] Objeto de transcrição - os factos postos em causa pela Recorrente estão destacados a negrito.
[2] Diploma legal a que iremos fazendo referência, sem menção diversa – vide, o artigo 7.º, n.º 1, do diploma preambular da Lei n.º 07/2009, de 12 de fevereiro.
[3] RAMALHO, Maria do Rosário Palma, in Tratado de Direito do Trabalho Parte III – Situações Laborais Coletivas, 2023 - 4.ª Edição (atualizada), Edições Almedina, S.A., p. 334-335.º