Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
231/14.6TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: CAPTAÇÃO DE IMAGEM
SISTEMA DE VIDEOVIGILÂNCIA
MEIOS DE PROVA
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
Nº do Documento: RP20141217231/14.6TTVNG.P1
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Em princípio, não é admissível, no processo laboral e como meio de prova, a captação de imagens por sistema de videovigilância, envolvendo o desempenho profissional do trabalhador, incluindo os actos disciplinarmente ilícitos por ele praticados.
II - A consequência legal dessa utilização ilícita dos meios de vigilância à distância é a invalidade da prova obtida para efeitos disciplinares.
III - Cabe à entidade empregadora fazer a prova da licitude da utilização desses meios de controle à distância.
IV - Sendo a prova obtida mediante um método proibido e ilícito, ilícita é a prova adquirida mediante esse mesmo método, bem como a prova derivada ou mediata.
V - O depoimento de uma testemunha que tenha por base o visionamento das imagens recolhidas através de um método proibido, não deve ser valorado. Só através da utilização de um meio de prova ilícito, no caso o visionamento de imagens ilicitamente obtidas para os fins disciplinares, é que a aludida testemunha teve acesso ou conhecimento de factos que posteriormente foram imputados à trabalhadora. Não fosse aquele conhecimento ilícito nunca o depoimento da testemunha poderia ter ocorrido. Ora, esta segunda prova – a mediata ou derivada – é aquilo que se chama um “fruto envenenado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

PROCESSO Nº 231/14.6TTVNG.P1
RG 430

RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS
1º ADJUNTO: DES. EDUARDO PETERSEN SILVA
2º ADJUNTO: DES. PAULA MARIA ROBERTO

PARTES:
RECORRENTE: B…, LDA.
RECORRIDA: C…

VALOR DA ACÇÃO: 3 835,08 €
◊◊◊
◊◊◊
I – RELATÓRIO
1. C…, residente na Rua …, .., hab. …, Vila Nova de Gaia, intentou, ao abrigo do artigo 98º-C, do Código de Processo do Trabalho, em conjugação com o artigo 387º do Código do Trabalho, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra “ B…, LDA.”, com sede na Rua …, .., Santa Iria da Azóia, opondo-se ao seu despedimento ocorrido em 17 de Janeiro de 2014.
◊◊◊
2. Foi realizada a audiência de partes, tendo-se frustrado a tentativa de conciliação.
◊◊◊
3. A Ré[1] apresentou o articulado a que alude o artigo 98-J do CPT, alegando que o despedimento da Autora é lícito, uma vez que foi despedida com justa causa, tendo a mesma violado os seus deveres laborais, previstos nos artigos 126.º, 128.º, n.º 1, alíneas a), e) f), h) e j) e n.º 2, e artigo 351.º, n.º 2, al. a), todos do Código de Trabalho, nos termos do disposto no artigo 128º e 351º, nº1 e 2, alíneas a), d), e), h) e m) do Código do Trabalho, sendo que o comportamento da autora torna impossível com efeitos imediatos a subsistência da relação de trabalho, posto que a trabalhadora apoderou-se ilicitamente de bens a si pertencentes ( furto).
◊◊◊
4. A Autora respondeu ao articulado da Ré, nos termos do artigo 98º-L, nº 3 do CPT, alegando não ser verdade que tenha furtado quaisquer bens da sua entidade empregadora.,
Concluiu pela ilicitude do seu despedimento, tendo, ainda, deduzido reconvenção, através da qual peticiona a condenação da Ré:
a) Reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, caso esta não opte, na devida altura pela indemnização por despedimento ilícito;
b) Pagar à Autora a quantia total de 1.704,48 € (mil setecentos e quatro euros e quarenta e oito cêntimos) de créditos laborais vencidos e não pagos, descritos no artigo 22º do presente articulado, a que acresce juros legais desde a citação até efetivo e integral pagamento;
c) Pagar as prestações pecuniárias vincendas desde esta altura até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
◊◊◊
5. A Ré respondeu impugnando a reconvenção deduzida pela Autora, concluindo pela licitude do despedimento e pela improcedência do pedido reconvencional.
◊◊◊
6. Foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a fixação dos temas da prova.
◊◊◊
7. Foi realizada a audiência de julgamento, com gravação da prova pessoal.
◊◊◊
8. Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
“Face ao exposto, decido julgar a presente acção procedente e, em consequência:
- declarar a ilicitude do despedimento de que C… foi alvo por parte de “B…, Lda”;
- condenar a entidade empregadora a pagar à trabalhadora as retribuições que deixou de auferir desde 17/01/2014 até ao trânsito em julgado da decisão que declarou a ilicitude do despedimento, à razão mensal de € 426,12, deduzidas das importâncias que aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, da retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção e do subsídio de desemprego atribuído à trabalhadora no período referido, subsídio esse que, a ter sido pago, a entidade empregadora deverá entregar à segurança social, quantia a que acrescem os juros vencidos desde a data da citação até integral pagamento, à taxa legal de 4%;
- condenar a entidade empregadora a pagar ao trabalhador a quantia de € 2.982,84, a título de indemnização em substituição da reintegração, acrescida de juros, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento, e da quantia que possa acrescer em virtude da maior antiguidade aquando do trânsito em julgado da presente sentença;
- condenar a entidade empregadora a pagar à trabalhadora a quantia de € 852,24, acrescida de juros, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento.
*
Custas pela entidade empregadora (artigo 527º do CPC).
*
Fixo o valor da acção em € 3.835,08 (artigo 98º-P/2 do CPT).
*
Registe e notifique.
*
Comunique a presente decisão nos termos previstos no artigo 75º/2 do CPT.”
◊◊◊
9. Inconformada com esta decisão dela recorre a Ré, pedindo que se revogue a sentença recorrida e que a mesma seja substituída por outra que julgue lícito o despedimento da Autora, tendo deduzido as seguintes conclusões:
1. O tribunal a quo errou na aplicação do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Código do Trabalho aos factos demonstrados em sede de julgamento.
2. O tribunal a quo deveria ter aplicado a norma constante do n.º 2 do artigo 20.º do Código Trabalho e assim deveria ter valorado o depoimento da testemunha D… que confirmou os factos em causa que motivaram o despedimento com justa causa dos quais teve conhecimento através do visionamento das imagens de videovigilância.
3. Pois, não se verificou qualquer violação do disposto no n.º 1 do artigo 20.º do CT, pois a ré e ora apelante nunca utilizou os meios de vigilância à distância com a finalidade de controlar o desempenho profissional das trabalhadoras.
4. E preceitua o n.º 2 do artigo 20.º do CT que a utilização dos meios de vigilância a distância no local de trabalho é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
5. As câmaras existentes no supermercado E…, local de trabalho da trabalhadora/apelada foram colocadas pelo E…, e devidamente comunicadas à CNPD.
6. O E… possui câmaras de vídeo nas suas lojas com o fim exclusivo de prevenir ou reagir a casos de furto, vandalismo ou outros referentes à segurança de um estabelecimento, relacionados com o público, e existem avisos aos que se encontram no estabelecimento ou a ele se deslocam de que estão a ser filmados, sendo por isso a videovigilância legítima.
7. Assim, a gravação obtida pelo sistema de videovigilância existente no local de trabalho, que é um estabelecimento comercial aberto ao público, para protecção dos seus bens e da integridade física de quem aí se encontre, e visionada pela testemunha D…, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à CNPD, não corresponde a qualquer método proibitivo de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentar a prática de uma infracção criminal, e não diga respeito ao núcleo duro da vida privada da pessoa visionada.
8. As imagens da apelada não foram registadas no contexto da esfera privada e íntima desta. O que é constitucionalmente protegido é, apenas a esfera privada e íntima do indivíduo.
9. A recolha das imagens da apelada, através de videovigilância, como a sua posterior utilização e respectivo visionamento são lícitas, porque não se traduzem na prática de qualquer ilícito penal, e por isso são válidas as declarações da testemunha D….
10. A Aliás, o próprio tribunal a quo admite na sentença ora impugnada que a testemunha D… confirmou a prática dos factos ilícitos por parte da apelada que determinaram a instauração do procedimento disciplinar e o seu despedimento com justa causa.
11. A apelada não impugnou as imagens obtidas através dos meios de vigilância à distância, logo os factos que motivaram o despedimento promovido pela apelante deveriam ter sido considerados como confessados, conforme o disposto no artigo 98.º-L, n.º 2, do Código do Trabalho.
12. Todos os trabalhadores da apelante têm conhecimento da existência das câmaras de vídeo no estabelecimento comercial E…, e
13. Existem diversos avisos/sinais afixados no estabelecimento comercial declarando que o estabelecimento comercial está sob videovigilância.
14. É um facto notório, não carecendo de prova ou alegação, que existem câmaras de vídeo nos espaços públicos, designadamente, nos supermercados e hipermercados., facto que a apelada não podia ignorar.
15. E conforme dispõe o n.º 1 do artigo 167.º do Código de Processo Penal, as gravações de imagens obtidas de forma lícita valem como prova de factos.
16. Assim, reitera-se que, o depoimento da testemunha D… que visionou as imagens recolhidas pelas câmaras de vídeo e que mostram a apelada a retirar ilicitamente bens alimentares das prateleiras do supermercado, - (e dizemos ilicitamente, porque a apelada não pagou o preço desses bens) -, e a consumi-los no local de trabalho, deveria ter sido valorado pelo tribunal a quo.
17. Ao não actuar deste modo, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 413.º do Código de Processo Civil que consagra expressamente que devem ser tomadas em consideração todas as provas produzidas.
18. As imagens captadas pelas câmaras de videovigilância existentes no supermercado E… e visionadas pela testemunha D… indiciam a prática pela apelada de um ilícito penal – furto e consumo de bens alimentares – visando a subtracção de bens que pertenciam a terceiros, integrando-os na sua esfera de poder constitui, objectivamente, uma lesão culposa dos deveres de lealdade e honestidade – independentemente do respectivo valor pecuniário desses bens.
19. Por si só e objectivamente, tal actuação destrói ou elimina, como eliminou, a confiança depositada pela entidade empregadora/apelante na trabalhadora/apelada não só ao nível da obediência às regras de execução e inerente produtividade do seu trabalho, como ao nível da boa-fé contratual e também, e principalmente, ao nível da sua seriedade no seio da empresa.
20. E, porque a apelada podia e devia ter agido de outro modo, esse comportamento merece censura ético-profissional e compromete a relação de lealdade e confiança mútuas entre a trabalhadora e a empregadora – que constitui um valor absoluto, isto é, não admite meios termos nem se mede pelo valor dos bens envolvidos.
21. A infracção praticada pela apelada não só comprometeu de forma irremediável a relação de confiança inerente à sua inserção na organização produtiva da empregadora e inerente às funções exercidas no seio da mesma, como também comprometeu, de forma irremediável, a manutenção e continuidade prática do seu vínculo jus-laboral à apelante.
22. O apurado comportamento da apelada violou, grave e culposamente, o dever de lealdade previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho, que se refere à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações, relacionando-se com a ideia de boa-fé as ideias de fidelidade, lealdade, honestidade e confiança na realização e cumprimento dos negócios jurídicos.
23. A honorabilidade, a confiança, a lealdade, o zelo e dignidade, têm de existir quaisquer que sejam as funções desempenhadas. A honestidade está implícita em toda a relação contratual, sob pena de se dar cobertura a todo o tipo de comportamentos menos éticos e ilícitos.
24. O dever de lealdade é um dever absoluto. Não se é muito ou pouco desonesto. Ou se é ou não se é.
25. O comportamento da apelada, violador de dever de lealdade na sua dimensão de honestidade para com a empregadora e apelante, afrontou de forma grave, o princípio da confiança que necessariamente subjaz à relação laboral.
26. Estamos perante condutas cuja gravidade só a sanção de despedimento se mostra adequada a repor o equilíbrio contratual que foi quebrado com a sua prática.
27. Assim sendo, como na verdade o é, a apelante cumpriu cabalmente com o seu ónus de prova de toda a matéria factual que fez constar da Nota de Culpa e do seu Articulado de Empregador,
28. Pelo que, o tribunal a quo deveria ter considerado toda a matéria de facto alegada pela apelante como provada, e consequentemente declarado que o despedimento da apelada foi regular e lícito.
◊◊◊
10. A Autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1ª – A recorrente não cumpriu o disposto no artigo 640 do C.P.C. no tocante à impugnação da matéria de facto.
2ª – Pelo que o recurso deverá ser liminarmente rejeitado nessa parte.
3ª – Ainda que assim não fosse e é, ainda assim o depoimento da testemunha D…, não poderia ser valorado por assentar no visionamento das imagens de vídeo-conferência.
4ª – Cabendo à recorrente alegar e provar os pressupostos da admissibilidade de tal prova, o que não fez (nesse sentido Acórdãos do STJ de 08.02.2006 e 27.05.2010, ambos in www.dgsi.pt.
5ª – Tem assim de se manter inalterada a matéria de facto dada como assente na douta sentença recorrida.
6ª – E de acordo com a mesma não resulta provada a prática de qualquer infracção disciplinar por parte da Autora, aqui recorrida.
7ª – Pelo que o despedimento da Autora é ilícito como muito bem foi declarado pela douta sentença recorrida.
8ª – Devendo a R. ser condenada nos pedidos formulados pela Autora.
9ª – Como muito bem condenou a douta sentença recorrida.
10ª – A douta sentença recorrida não violou qualquer disposição legal, máxime, o artigo 20, Nºs 1 e 2, a alínea f) do Nº 1 do artigo 128 e o nº 2 do artigo 98-L, todos do Código do Trabalho, o nº 1 do artigo 167 do Código do Processo Penal e o artigo 413 do C.P.C..
◊◊◊
11. O Ex.º Sr.º Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer no sentido de que o recurso deve improceder.
◊◊◊
12. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
◊◊◊
◊◊◊
II - QUESTÕES A DECIDIR
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que as questões a decidir são as seguintes:
A) SABER SE O DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA D… QUE PROCEDEU AO VISIONAMENTO DAS IMAGENS DE VIDEOVIGILÂNCIA DEVE SER VALORADO E CONSEQUENTEMENTE DAR-SE COMO PROVADO QUE A TRABALHADORA FURTOU BENS DO SUPERMERCADO.
B) SABER SE, FACE A ESSA ALTERAÇÃO FACTUAL, O DESPEDIMENTO FOI LÍCITO.
◊◊◊
◊◊◊
III – FUNDAMENTOS
1. SENTENÇA RECORRIDA DEU COMO PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:
1. A trabalhadora foi admitida pela empresa “F…” em 01/01/2008 para, sob as suas ordens e direcção lhe prestar trabalho na área da limpeza, com a categoria de encarregada de limpeza;
2. A autora transitou para as empresas a quem foram sendo adjudicados os serviços de limpeza da loja E… sita na …a, Vila Nova de Gaia, sendo para a “G…, Lda” em 01/01/2009 e para a aqui entidade empregadora em 01/04/2013;
3. Por carta expedida em 16/01/2014, recebida pela trabalhadora em 17/01/2014, a entidade empregadora comunicou-lhe o seu despedimento com justa causa;
4. Nessa data, a remuneração mensal da trabalhadora era de € 426,12 mensais.
2. A SENTENÇA RECORRIDA DEU COMO NÃO PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:
Que no dia 11 de novembro de 2013, a trabalhadora, juntamente com as colegas H…, I… e J… furtaram caixas de donuts da loja “E…” e consumiram esses bens no corredor de acesso à cozinha.
3. DO OBJECTO DO RECURSO
Analisemos então as questões que nos foram trazidas pela recorrente.

3.1. SABER SE O DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA D… QUE PROCEDEU AO VISIONAMENTO DAS IMAGENS DE VIDEOVIGILÂNCIA DEVE SER VALORADO E CONSEQUENTEMENTE DAR-SE COMO PROVADO QUE A TRABALHADORA FURTOU BENS DO SUPERMERCADO

Esta questão tem um misto de impugnação da matéria de facto e de direito.
Discordando, como discorda, o apelante da matéria de facto dada como provada e não provada, terá que dar cumprimento a determinadas normas.
Assim:
Dispõe o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, o seguinte:
“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
No caso não existem quaisquer dúvidas que a recorrente pretende ver alterada a matéria de facto com base no depoimento da testemunha D… que visionou as imagens captadas pelo dispositivo de videovigilância. Também não existem dúvidas que a recorrente não indicou quais as passagens da gravação em se funda para fazer valer a alteração pretendida. Todavia, no caso em apreço estamos perante uma certa especificidade, pois a questão essencial é saber se o depoimento da testemunha deve ou não ser valorado. Por outro lado, é o próprio Tribunal a quo que afirma que a referida testemunha «confirmou os factos que motivaram o despedimento, dos quais tomou conhecimento através do visionamento das imagens de videovigilância». Porém, o mesmo Tribunal não valorou o depoimento da testemunha D… por perfilhar o entendimento de que para o mesmo poder ser valorado teriam de se verificar os pressupostos de validade do recurso aos meios de videovigilância exigidos pelos artigos 20º e 21º do Código do Trabalho, o que no caso em apreço, não se verificou.
Assim, estando verificado que a testemunha confirmou os factos que motivaram o despedimento – o que é confirmado pelo Tribunal a quo – será desnecessário a indicação das passagens da gravação em que a recorrente se funda para fazer valer a alteração pretendida. Todos sabem que a testemunha confirmou os factos e que o seu conhecimento advém do visionamento das imagens captadas pela videovigilância. A questão é saber se se deve ou não valorar tal depoimento e consequentemente se os factos que foram dados como não provados devem ser dados como provados.
Por todas estas razões, não vislumbramos motivos para rejeitar o conhecimento do recurso nesta parte.

A questão da valoração do depoimento da testemunha D… está directamente relacionada com a utilização, pelo empregador, de meios de vigilância à distância, uma vez que o conhecimento desta testemunha resulta do visionamento de imagens captadas pelas câmaras de videovigilância.
O Código do Trabalho na consagração dos direitos de personalidade do trabalhador, máxime, na reserva da intimidade da vida privada, estabelece nos artigos 20º e 21º a tutela dos meios de vigilância à distância e sua utilização.
O artigo 20º, nº 1 do Código do Trabalho consagra um princípio geral, que consiste na proibição de o empregador utilizar quaisquer meios tecnológicos com a finalidade exclusiva de vigiar, à distância, o comportamento do trabalhador no tempo e local de trabalho ou o modo de exercício da prestação laboral[2].
A vigilância a que se refere a proibição deste princípio incide sobre o comportamento profissional do trabalhador no tempo e local de trabalho. Ao empregador é vedado controlar não apenas condutas que reentrem na esfera da vida privada do trabalhador [cfr. art. 16º], como vigiar ou fiscalizar o modo de execução da prestação laboral pelo trabalhador[3].
A utilização desses meios para o controlo do desempenho profissional do trabalhador é ilícita.
Todavia, segundo o nº 2 do mesmo normativo, a utilização de tais meios de vigilância à distância será lícita sempre que tenha por finalidade (i) a protecção e segurança de pessoas e bens ou (ii) quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
Porém, nestas duas situações o empregador o empregador terá obrigatoriamente de informar o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo (nº 3 do artigo 20º do CT).
Haverá ainda que salientar que a utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho está sujeita a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados[4], a qual só pode ser concedida se a utilização dos meios for necessária, adequada e proporcional aos objectivos a atingir (artigo 21º,nºs 1 e 2 do CT). Tal pedido de autorização deverá ser acompanhado de parecer da comissão de trabalhadores ou, não estando este disponível 10 dias após a consulta, de comprovativo do pedido de parecer (nº 4).
Além do mais, nos termos do n.º 3 do aludido artigo 21º, dos meios de vigilância a distância são conservados durante o período necessário para a prossecução das finalidades da utilização a que se destinam, devendo ser destruídos no momento da transferência do trabalhador para outro local de trabalho ou da cessação do contrato de trabalho.

Daqui resulta que as excepções previstas no nº 2 do artigo 20º estão sujeitas a rigorosos critérios de necessidade, proporcionalidade e adequação.
Na primeira das excepções englobam-se as situações em que se justifique a instalação no local de meios de videovigilância para protecção e segurança de pessoas e bens relativamente a terceiros e relativamente a trabalhadores[5], como por exemplo, a instalação de sistemas de videovigilância numa repartição bancária ou num posto de abastecimento de combustível.
Na segunda excepção incluem-se as situações em que estejam em causa materiais particularmente valiosos ou particularmente perigosos[6] [7].
“A utilização de meios de vigilância à distância só será lícita se e enquanto tiver por finalidade exclusiva a protecção de pessoas e bens. Protecção ou segurança dos sujeitos da relação de trabalho, de terceiros ou do público em geral, mas igualmente de instalações, bens, matérias-primas ou processos de fabrico, nomeadamente. Significa isto que a vigilância não será permitida se tiver por finalidade última ou determinante o mero controlo do modo de execução da prestação laboral.”[8]
Portanto, a intenção do legislador foi evitar a utilização destes sistemas de controlo à distância para uma finalidade diferente ou diversa da «protecção de pessoas e bens», nomeadamente, o controlo do desempenho do trabalhador. Sendo assim, o trabalhador tem o direito a não ser controlado à distância, mesmo nas ocasiões em que esse controlo ocorra ocasionalmente em virtude das excepções previstas no nº 2 do artigo 20º do Código do Trabalho.
Como referem PAULA QUINTAS E HÉLDER QUINTAS[9], “os meios de vigilância à distância não podem ser convertidos em meios de controlo à distância, do desempenho do trabalhador”.
Por outro lado, deveremos considerar que subjacentes à permissão da utilização de meios de vigilância à distância estão os princípios da adequação e da pertinência os quais têm a sua derivação no artigo 5º, nº 1, alínea c) da Lei de Protecção de Dados Pessoais que estatui que os dados pessoais têm de ser “adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos” e 21º, nº 2 do Código do Trabalho.
Daqui se retira a conclusão que no tratamento de dados apenas se podem nele incluir os dados recolhidos relacionados com a finalidade que foi permitida e não os que lhe são estranhos.
No âmbito do princípio da adequação deve-se ter em consideração a questão da conservação dos dados pessoais e da sua manutenção temporal, que tem cobertura constitucional no artigo 35º da CRP.
Estamos perante aquilo a que é apelidado de direito ao esquecimento[10] que assiste ao titular de dados, ou seja, estes apenas poderão ser conservados de modo a permitirem a identificação durante o período necessário para a prossecução das finalidade de recolha ou tratamento posterior, nos termos da alínea e), nº 1, artigo 5º da LPDP e do nº 3 do artigo 21º do CT.
Um outro principio subjacente à utilização dos meios de vigilância à distância é o da proporcionalidade[11], segundo o qual os respectivos registos deverão ser adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e posteriormente tratados.
O nº 3 do artigo 20º consagra o direito de informação dos trabalhadores que é imposto ao empregador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados. Trata-se da concretização da obrigação geral constante nos artigos 106º a 109º do Código do Trabalho e do princípio da boa-fé nas relações laborais constante no artigo 126º do mesmo diploma legal.
Este direito de informação tem subjacente o chamado princípio da transparência, ou seja, a comunicação ao trabalhador das condições e o alcance dos compromissos que podem ser realizados relativamente ao tratamento de dados pessoais que vai ser realizado, para que este tenha conhecimento do tipo, do tempo e por quem o controlo está a ser realizado[12].
Princípio esse que tem logo a sua previsão no artigo 2º da LPDP ao estabelecer que “O tratamento de dados pessoais deve processar-se de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais”.
Conforme refere TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA[13]” este conhecimento da vigilância pode ser, ainda, essencial para determinar a legitimidade ou a ilegitimidade da intromissão, por vários motivos.
Em primeiro lugar, a exigência constitucional de conhecimento das restrições fundamentais do trabalhador é sempre necessária, pois é através deste conhecimento que se determina se esta, na sua adopção e aplicação, se adequa à finalidade pretendida, sendo proporcional aos sacrifícios que implica.
Em segundo lugar, o desconhecimento por parte dos trabalhadores das medidas de controlo adoptadas configura uma violação do principio da boa fé no exercício dos poderes do empregador.”
A garantia do direito à informação está ainda prevista no artigo 35º da CRP, o mesmo acontecendo com o artigo 10º da Lei de Protecção de Dados Pessoais.
Assim, devendo este poder de controlo electrónico[14] do empregador ser exercido de modo legítimo, proporcional e transparente, são proibidos os procedimentos de controlo clandestinos, ocultos ou sem conhecimento dos trabalhadores, os quais derivam em autênticas surpresas, já que a sua utilização nesses parâmetros constituí uma clara violação da dignidade e da privacidade destes. Neste caso, a prova obtida terá de ser considerada nula à luz do artigo 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa.
TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA[15] está de acordo com tal proibição, no entanto, admite que, «em determinadas circunstâncias, pode ser lícita a utilização de dados com fins disciplinares quando o que se descobre acidentalmente são factos particularmente gravosos, e que constituem ilícitos penais de relevo. Parece, assim, que o principio da finalidade […] não deve amparar a impunidade dos que nele se refugiam para cometer ilícitos, nem lesar o direito do empregador a proteger-se do prejuízo ou da responsabilidade que poderá derivar das acções licitas dos seus trabalhadores como seria o caso, inter alia, de agressões, roubos e furtos[16]». Acrescenta[17], porém, que a utilização desses dados, além de constituírem ilícitos penais que consubstanciam infracções disciplinares graves, a imagem não pode constituir a única prova[18].
DAVID OLIVEIRA FESTAS[19] tem posição diferente ao defender que “ estranho seria que a videovigilância, instalada e utilizada, por exemplo, para a protecção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma actuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender. Assim, cumpre proteger pessoas e bens não apenas contra actos ilícitos de terceiros mas também de trabalhadores”. Esta também é a posição de URIA MENÉNDEZ[20] o qual salienta, no seguimento do que defende AMADEU GUERRA[21],que “[s]e é verdade que os trabalhadores não perdem a sua qualidade de cidadãos no exercício da sua actividade laboral, não é menos verdade que não beneficiam de uma especial protecção e impunidade pelo simples facto de terem celebrado um contrato de trabalho”.
Esta corrente doutrinal teve acolhimento no Acórdão da Relação de Évora de 09.11.2010[22] ao referir que “[a] limitação constante do nº 1 do artigo 20º do CT/2003, não deve ser acolhida quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens para que foi concedida, pois seria estranho que a videovigilância, instalada e utilizada para a protecção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma actuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender”. Este aresto mereceu a discordância por parte de TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA[23] para quem este entendimento «significa que a finalidade da instalação, que é a da protecção de pessoas e bens, parte da premissa que todos os trabalhadores são potenciais criminosos, pois refere que “pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender”.

Assim, em princípio[24], não é admissível, no processo laboral e como meio de prova, a captação de imagens por sistema de videovigilância, envolvendo o desempenho profissional do trabalhador, incluindo os actos disciplinarmente ilícitos por ele praticados.
De qualquer forma, mesmo para quem defenda o aproveitamento excepcional dessa prova, a verdade é que a sua validade pressupõe sempre que as imagens tenham sido licitamente obtidas, de acordo com todas as regras e princípios acima aludidos e constantes nos artigos 20º e 21º do CT. Caso, essas regras e princípios não tenham sido observados, então, as imagens não podem valer como prova disciplinar.
A consequência legal dessa utilização ilícita dos meios de vigilância à distância é a invalidade da prova obtida para efeitos disciplinares. Assim, à luz do artigo 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa, a prova produzida através desses registos é nula, uma vez que a sua aquisição, o seu tratamento e posterior utilização constitui uma evidente violação da dignidade e privacidade do trabalhador, não podendo, assim, a mesma ser utilizada como meio de prova em sede de procedimento disciplinar[25] [26].

Ora no caso, não se sabe se a videovigilância utilizada tinha ou não a finalidade de controlar o desempenho profissional da trabalhadora. Também se não sabe houve ou não autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados para a utilização de tal meio de vigilância à distância. Como não se sabe se a trabalhadora foi ou não informada sobre a existência e a finalidade de tal meio eletrónico de vigilância, ou sequer, se no local foram apostos os dizeres a que se refere o nº 3 do artigo 20º do CT[27].
Daqui resulta de forma clara, que não ficou provado que as imagens foram recolhidas de forma lícita e em obediência aos imperativos legais, pelo que não podem ser utilizadas como meio de prova em sede de procedimento disciplinar.
E também não existem quaisquer dúvidas que cabia à entidade empregadora fazer a prova da licitude da utilização desses meios de controle à distância[28] - o que manifestamente nos autos não fez. E não fez, porque perfilha o entendimento de que pode substituir todas as regras e imperativos legais acima descritos através do depoimento do vigilante que procedeu ao visionamento das imagens recolhidas mediante a câmara de filmar. Ou seja, para a recorrente o depoimento do vigilante que procedeu ao visionamento das imagens – independentemente de se verificarem ou não os pressupostos de autorização e legalização da videovigilância – deve ser valorado.
Não podemos de forma alguma concordar com este entendimento. Na verdade, tendo o depoimento da testemunha em causa – D…, vigilante na Loja E… onde a trabalhadora desempenhava funções – por base factos ou o seu conhecimento, a sua razão de ciência, que derivam ou têm como suporte probatório um meio ilícito e que não pode ser valorado, facilmente concluímos que também tal depoimento não pode ser valorado.
Assim, sendo a prova obtida mediante um método proibido e ilícito, ilícita é a prova adquirida mediante esse mesmo método, bem como a prova derivada ou mediata.
Só através da utilização de um meio de prova ilícito, no caso o visionamento de imagens ilicitamente obtidas para os fins disciplinares, é que a aludida testemunha teve acesso ou conhecimento de factos que posteriormente foram imputados à aqui trabalhadora. Não fosse aquele conhecimento ilícito nunca o depoimento da testemunha poderia ter ocorrido. Ora, esta segunda prova – a mediata ou derivada – é aquilo que se chama um “fruto envenenado[29]”.
Numa aproximação ao direito penal diremos de forma breve que se trata daquilo a que se apelida de “taint doctrine” (“doutrina da nódoa” ou “Makel-Theorie”, “réplica germânica” da teoria da “fruit of the poisonous tree”). E nesta doutrina discute-se os efeitos derivados da prova ilícita, o chamado «efeito à distância”, ou seja, saber “se os seus efeitos apenas se restringem ao meio de prova obtido directamente de maneira proibida ou se são extensivos (efeito extensivo, efeito à distância) aos meios de prova indirectamente obtidos, ou seja, se os meios de prova obtidos através e na sequência de meio de prova proibido podem ser valorados pelo Tribunal”[30].
A resposta, nesta questão em apreço, não pode deixar de ser de que tais efeitos se estendem ao depoimento da testemunha, uma vez que a primeira das provas o foi contra a violação de princípios constitucionais do trabalhador, como seja, o princípio da reserva à privacidade da vida privada. E sendo esta uma prova reflexa, secundária, mediata, derivada ou indirecta, obtida através da primeira, a mesma não pode ser usada contra o trabalhador, na medida em que esta só teve lugar através de um conhecimento derivado da utilização de um meio de prova ilícito, sendo tal proibição abrangida pelo artigo 32º, são, assim, uma prova ilícita por derivação.
Aliás, defender a tese da recorrente levaria a que as entidades e empregadoras se deixassem de preocupar com a legalização e autorização da videovigilância, bastando, para isso, colocar uma câmara no local de trabalho, e fazer a prova dos factos através do operador ou de uma outra pessoa que visualizasse as imagens recolhidas.
Por isso não faz sentido trazer à colacção o artigo 413º do Código de Processo Civil que manda atender ou tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las. Essas provas atendíveis têm de ser, como não podia deixar de ser num Estado de Direito, legais, lícitas e não proibidas.
Assim sendo, por todas estas razões, a decisão do Tribunal a quo, quanto a esta questão, não poderia de ser a não valoração do depoimento da testemunha D….
Improcede, pois, o recurso, nesta parte.
E improcedendo o recurso na questão analisada anteriormente, é óbvio que também a segunda das questões suscitadas terá forçosamente de improceder, já que a mesma estava dependente do êxito daquela.
Assim, não tendo a recorrente feito a prova de qualquer comportamento da trabalhadora violador dos deveres de conduta decorrentes do contrato de trabalho, mormente, os que lhe imputou na nota de culpa, o despedimento é ilícito à luz do artigo 381º, alínea b) do Código do Trabalho.

Improcede, assim, o recurso na sua totalidade.
◊◊◊
3. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
As custas do recurso ficam a cargo da Recorrente [artigos 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil].
◊◊◊
◊◊◊
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
a) – Julgar improcedente o recurso interposto pela Ré/recorrente e em consequência manter intocável a sentença recorrida.
b) – Condenar a Recorrente/ré no pagamento das custas do recurso.
◊◊◊
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do CPC.
◊◊◊
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 17 de Dezembro de 2014
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
_________________
[1] Iremos chamar “Ré” à entidade patronal e “ Autor” ao trabalhador. Isto porque o legislador nos normativos em que regulou a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, não chama “autor” ao trabalhador, nem “ Ré” à entidade patronal. Na verdade, podemos constatar pela análise dos vários normativos que o legislador dispensou a utilização dos termos “autor” e “ ré”, utilizando as expressões “trabalhador “e “empregador” (artigos 98ºF, 98º-G, 98ºH, 98º-I, 98º-J, 98º-L, 98º-N do CPT). A única referência que constatamos em que o legislador apelida o trabalhador de “ autor” é no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro, que aprovou as alterações ao actual CPT, ao referir que “A recusa, pela secretaria, de recebimento do formulário apresentado pelo autor é sempre passível de reclamação nos termos do Código de Processo Civil (CPC).”
[2] Cfr. MARIA REGINA REDINHA, Direitos de Personalidade, acessível em www.cije.up.pt/download-file/198.
[3] Cfr. MARIA REGINA REDINHA, obra citada na nota anterior.
[4] Sob pena de a sua utilização ser ilegal.
[5] A Deliberação nº 61/2004, “Princípios sobre o tratamento de dados de videovigilância”, da Comissão nacional de Protecção de Dados, na permissão da utilização da videovigilância fala «em sistemas para controlo de postos de trabalho que apresentem especiais riscos para os trabalhadores, quer pela sua especial perigosidade em relação ao manuseamento de certas substâncias perigosas, quer pela inacessibilidade ou especial solidão em que os trabalhadores exercem a sua actividade (vg. minas, centrais nucleares, laboratórios em que sejam manuseados produtos químicos perigosos)».
[6] Neste sentido DAVID OLIVEIRA FESTAS, obr. Cit.
[7] Uma dessas situações está prevista no artigo 22º do DL 139/2002, de 17 de Maio, diploma que aprovou o Regulamento de Segurança dos Estabelecimentos de Fabrico e de Armazenagem de Produtos Explosivos, nomeadamente, no seu nº 2 e 3º, alínea b).
[8] MARIA REGINA REDINHA, Direitos de Personalidade, acessível em www.cije.up.pt/download-file/198.
[9] Código do Trabalho Anotado e Comentado, Almedina, Coimbra, 2003, p. 108.
[10] Nesse sentido CATARINA SARMENTO E CASTRO, A protecção dos dados pessoais dos trabalhadores, in “Questões Laborais”, ano IX, 2002, n.º 19, pp. 44-45 e TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, “A Privacidade dos Trabalhadores …”, cit., p. 564.
[11] Principio esse que, nas palavras de URIA MENÉNDEZ [O IMPACTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO DO TRABALHO E A TUTELA DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO TRABALHADOR, acessível em: www.uria.com/documentos/.../2242/.../068apa.pdf?],assume uma particular importância “na sua tripla vertente de idoneidade, necessidade e proibição do excesso. Nestes termos, deve-se evitar que “os benefícios que o empregador pretende obter sejam desproporcionados em relação ao grau de lesão que vai ser causado à privacidade dos trabalhadores”. Acrescenta ainda que “Mesmo nos casos em que a autorização é concedida, repita-se, a utilização, sempre que possível, deverá traduzir-se numa vigilância genérica e não deverá estar directamente dirigida aos postos de trabalho ou ao campo de acção dos trabalhadores. Na verdade, os trabalhadores não podem ser considerados como potenciais suspeitos da prática de uma qualquer infracção, sendo o objecto primacial da vigilância destes meios.
Por outro lado, a finalidade para que a autorização da CNPD é concedida não pode ser alterada pelo responsável pelo tratamento dos dados, sem que nova autorização seja emitida”.
[12] MARIA REGINA REDINHA refere que este dever de comunicar ou informar o trabalhador acerca da existência e finalidade da utilização dos meios de vigilância. Trata-se de um dever que se satisfaz com uma informação genérica, não individualizada nem dirigida pessoalmente a cada um dos trabalhadores sujeitos a vigilância, que pode ser cumprido nas estruturas representativas dos trabalhadores – in Direitos de Personalidade, acessível em www.cije.up.pt/download-file/198.
[13] “A Privacidade dos Trabalhadores…”,cit., p. 566.
[14] Como se salienta na Deliberação nº 61/2004, “Princípios sobre o tratamento de dados de videovigilância”, da Comissão nacional de Protecção de Dados, «É patente que os meios utilizados e o respectivo tratamento implicam, necessariamente, algumas restrições em relação ao direito à imagem, à liberdade de movimentos, integrando esses dados, por isso, informação relativa à vida privada».
[15] Estudos de Direito do Trabalho, 2011, Almedina, p. 288. Esta opinião é ainda defendida pela mesma Autora na obra A Privacidade dos Trabalhadores e as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação: contributo para um estudo dos limites do poder de controlo electrónico do empregador”, Almedina, 2010, p. 577.
[16] Os quais constituem infracções disciplinares graves.
[17] Obra citada em primeiro lugar na nota anterior, p. 296.
[18] A mesma Autora em nota de rodapé na obra citada (nota 51) salienta que “A imagem não pode ser a única prova pois o art. 13º da LPDP, estabelece a proibição de decisões individuais automatizadas, isto é, baseadas exclusivamente com base num tratamento automatizado de dados.” A Autor reitera esta sua posição em “ A Admissibilidade d probatória dos ilícitos disciplinares de trabalhadores detectados através de sistemas de videovigilância – Comentário ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Novembro de 2011”, Questões Laborais, Ano XIX, Nº 40, Julho/Dezembro 2012, p. 262.
[19] Obra citada, p. 43.
[20] Obra citada.
[21] A Privacidade no Local de Trabalho, As Novas Tecnologias e o Controlo dos Trabalhadores Através de Sistemas Automatizados. Uma Abordagem ao Código do Trabalho, Almedina 2004, pp. 358-359.
[22] Processo nº 292/09.0TTSTB.E1, in www.dgsi.pt.
[23] Estudos de Direito do Trabalho, 2011, Almedina, pp. 277–291, para cuja leitura mais desenvolvida remetemos.
[24] E dizemos “em princípio” porque partilhamos a posição de TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA que admite que «em determinadas circunstâncias, pode ser lícita a utilização de dados com fins disciplinares quando o que se descobre acidentalmente são factos particularmente gravosos, e que constituem ilícitos penais de relevo. Porém a utilização desses dados, além de constituírem ilícitos penais que consubstanciam infracções disciplinares graves, a imagem não pode constituir a única prova.
[25] Neste sentido GUILHERME DRAY, Justa causa e esfera privada, in Estudos do Instituto do Direito do Trabalho, II, Almedina, 2001, pp.81-86 e em Anotação ao artigo 20º do Código do Trabalho, in Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez e outros, 2013, Almedina, 9ª Edição, p. 162; ISABEL ALEXANDRE, Provas Ilícitas em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 233 e ss; MARIA REGINA REDINHA, Direitos de Personalidade, acessível em www.cije.up.pt/download-file/198; CATARINA SARMENTO E CASTRO, A protecção dos dados pessoais dos trabalhadores, in “Questões Laborais”, ano IX, 2002, n.º 20, p. 145 e LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito do Trabalho, 2ª edição, Almedina, p. 180.
[26] A nível jurisprudencial podemos acolher os Acórdãos da Relação de Lisboa de 03.05.2006, Processo nº 872/2006-4 e 83/2006-3; Acórdão da Relação do Porto de 09.05.2011, Processo nº 379/10.6TTBCL-A.P1 e Acórdão do STJ de 08.02.2006, Processo nº 05S3139; todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[27] É verdade que a recorrente alega no presente recurso que «O E… tinha e tem autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados para usar os meios de vigilância à distância, a apelada sabia da existência dos mesmos, porque tal informação lhe foi fornecida pela apelante e porque existem no estabelecimento comercial vários avisos/sinais declarando que o estabelecimento comercial está sob videovigilância». Acontece, no entanto, que nunca nos articulados veio alegar estes factos, nem os mesmos se encontram provados, nem sequer foram objecto de prova e discussão.
[28] Como se refere no Acórdão do STJ de 27/05/2010, Processo nº 467/06.3TTCBR.C1.S1, in www.dgsi.pt., «de acordo com os critérios de repartição do ónus da prova, a cada uma das partes cabe o ónus de alegar e provar os pressupostos das normas que lhe são favoráveis, não se antevê como poderá a Ré querer valer-se dos registos emergentes dos meios de vigilância existentes no local de trabalho dos Autores quando é certo que nada alegou – e consequentemente provou – que lhe permita agora sequer discutir a admissibilidade, ou não, de tal meio de prova. A singela certeza que, no local de trabalho dos Autores, existiam meios de vigilância é insuficiente para concluir pela admissibilidade dos meios de prova daí emergentes, na medida em que a Ré não alegou – nem provou – que tais meios se não destinavam a controlar a prestação laboral dos Autores – e demais trabalhadores – e se destinavam à protecção de outros bens. (...). Tanto é suficiente para que se conclua, à semelhança do que concluiu o Acórdão recorrido, pela inadmissibilidade de tal meio de prova».
[29] A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada tem origem norte-americana. Foi criada pelo Supremo Tribunal Americano, que entende que os vícios da planta são transmitidos aos seus frutos, isto é, os vícios de uma determinada prova contaminam os demais meios probatórios que dela se originaram.
[30] Cfr. JOÃO HENRIQUE GOMES DE SOUSA, “Das nulidades à “fruit of the poisonous tree doctrine - (Escutas telefónicas e efeito à distância) ”, in Revista da Ordem dos Advogados online, Ano 66, Vol. II, Set. 2006, acessível em:
http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30777&idsc=50879&ida=50905.
_____________
SUMÁRIO – a que alude o artigo 663, nº 7 do CPC.
I - Em princípio, não é admissível, no processo laboral e como meio de prova, a captação de imagens por sistema de videovigilância, envolvendo o desempenho profissional do trabalhador, incluindo os actos disciplinarmente ilícitos por ele praticados.
II - A consequência legal dessa utilização ilícita dos meios de vigilância à distância é a invalidade da prova obtida para efeitos disciplinares.
III - Cabe à entidade empregadora fazer a prova da licitude da utilização desses meios de controle à distância.
IV - Sendo a prova obtida mediante um método proibido e ilícito, ilícita é a prova adquirida mediante esse mesmo método, bem como a prova derivada ou mediata.
V - O depoimento de uma testemunha que tenha por base o visionamento das imagens recolhidas através de um método proibido, não deve ser valorado. Só através da utilização de um meio de prova ilícito, no caso o visionamento de imagens ilicitamente obtidas para os fins disciplinares, é que a aludida testemunha teve acesso ou conhecimento de factos que posteriormente foram imputados à trabalhadora. Não fosse aquele conhecimento ilícito nunca o depoimento da testemunha poderia ter ocorrido. Ora, esta segunda prova – a mediata ou derivada – é aquilo que se chama um “fruto envenenado.

António José Ramos