Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00033712 | ||
Relator: | FERREIRA DA COSTA | ||
Descritores: | DESPEDIMENTO INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP200404190440621 | ||
Data do Acordão: | 04/19/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | ALTERADA A DECISÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | O trabalhador ilicitamente despedido durante o período em que se encontra com incapacidade temporária para o trabalho, em consequência de acidente de trabalho, tem direito à indemnização de antiguidade em dobro. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: A.......... intentou acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum e forma ordinária contra B.........., pedindo que se condene a R. a pagar-lhe indemnização de antiguidade, em dobro, fundada em despedimento ilícito decretado durante o período de incapacidade temporária para o trabalho, que lhe foi atribuída em consequência de acidente de trabalho sofrido ao serviço da mesma demandada. Contestou a R., alegando que o A. abandonou o trabalho e quanto ao mais, contesta por impugnação, tendo a final deduzido compensação com o crédito da R. sobre o A. O A. respondeu à contestação. Procedeu-se a audiência preliminar, na qual foi proferido despacho saneador, fixada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, as quais não sofreram qualquer reclamação. Realizado o julgamento, foi a R. condenada a pagar ao A., no que agora interessa, indemnização de antiguidade, em singelo, por despedimento ilícito, no montante de € 1.469,46. Inconformado com o assim decidido, veio a A. interpor recurso de apelação, pedindo que se altere a sentença nesta parte e que se condene a R. a pagar-lhe a indemnização em dobro, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1. O presente recurso resulta da não condenação da R. a uma indemnização igual ao dobro da indemnização por antiguidade que compete ao A. por despedimento sem justa causa no período de incapacidade temporária resultante de acidente de trabalho. 2. Ficou demonstrado nos autos o carácter ilícito do despedimento do A. por parte da R. 3. O despedimento ilícito deu-se no período em que o A. estava com incapacidade temporária para exercer a sua profissão. 4. Não restava ao Tribunal a quo outra solução senão condenar a R. no pagamento de uma indemnização de € 1.469,46, para além da condenação já constante da douta sentença. 5. Ao não fazê-lo, o Tribunal a quo violou o preceituado nos Art.ºs 30.º e 32.º, ambos da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro. A R. não apresentou alegação. Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. São os seguintes os factos dados como provados na 1.ª instância: a) O A. foi contratado para, sob as ordens, direcção e fiscalização da R., desempenhar as funções de motorista de pesados, transportando cargas, conduzindo camiões da R. para diversos países da Europa. b) Foi participado a este Tribunal um acidente de trabalho cujo processo está a correr os seus termos sob o n.º .../98. c) A Ré enviou motoristas à cidade de Orleans em França para trazerem o camião de volta, o que acabaram de fazer logo que o camião ficou reparado. d) O camião foi conduzido sob as ordens da R., desde as oficinas da Mercedes, em Orleans, França, até à sede da mesma. e) A R. celebrou um contrato de seguro com a seguradora X.......... cor-respondente ao salário de esc.98.200$00. f) Na viagem de regresso, o camião, marca Mercedes, matrícula espanhola PO-...-AM e pertencente à R., avariou na região de Orleans, em França, ficando impossibilitado de circular. g) O autor recebeu ordens da R. no sentido de colocar o veículo na garagem da marca mais próxima, a fim de ser reparado. h) O autor cumpriu a ordem referida na alínea anterior e levou o camião para a oficina da Mercedes, na cidade de Orleans, em França. i) A R. participou acidente de trabalho à Companhia de Seguros X.......... nos termas constantes de fls. 51. j) O autor solicitou à R. o pagamento do salário referente ao mês de Novembro de 1997.- k) O autor trabalhou para a R. até ao dia 26 de Novembro de 1997. l) A Ré não pagou ao A. o subsídio de Natal referente ao ano de 1997. m) Datada de 2 de Fevereiro de 1998 a R. enviou ao autor, que recebeu, a carta que se encontra junta a fls. 52. n) Datada de 8 de Maio de 1998, o autor enviou à ré, que recebeu, carta cuja cópia se encontra junta a fls. 55 e ss. o) O autor foi admitido ao serviço da Ré no dia 1 de Outubro de 1997, mediante o salário base mensal ilíquido de esc.98.200$00. p) Para além da importância referida na alínea anterior o A. auferia a quantia diária de esc.4.200$00, caso efectuasse serviço em Portugal e Espanha e de esc.7.200$00 caso o fizesse para fora desses países, ambas essas quantias a titulo de subsídio de alimentação e ainda a quantia mensal de esc.20.000$00, a titulo de prémio TIR. q) No dia 26 de Novembro de 1997 quando se encontrava ao serviço da R. o A. foi alvo de agressões por parte de agentes de autoridade belgas. r) Em consequência das alegadas agressões o autor sofreu lesões ao nível do pescoço, coluna e pé direito. s) Sofreu ainda várias escoriações por todo o corpo. t) E por via disso foi internado no Hospital de Dinant, na Bélgica. u) Passado um dia e uma noite o A. viu-se obrigado a seguir viagem tendo procedido à entrega da mercadoria que transportava na Holanda. v) Na viagem de regresso da Holanda o camião era conduzido pelo Autor. x) Como o autor sentia dores, designadamente no pescoço e pé direito, foi internado no Hospital de Orleans no dia 4 de Dezembro de 1997. y) E aí foi-lhe diagnosticado traumatismo cervical, contusões cervicais, traumatismo no pé direito e arrancamento da extremidade distal do 1.º metacarpo. z) Em consequências das alegadas agressões, recebeu o autor tratamento: - no A.S.B.L., Centre Hospitalier de Dinant, na Bélgica; - o Centre Hospitalier Regional d'Orleans, na França; - o Hospital Santa Maria Maior em Barcelos; - o Posto Clinico da Seguradora X.........., no Porto. aa) Por via das alegadas lesões o autor teve de usar durante algumas semanas um colar cervical e ainda andou com o pé e perna direitas engessadas durante um mês. ab) Tendo sido submetido a diversos tratamentos e exames nos vários estabelecimentos hospitalares por onde tem passado. ac) Desde o dia 26 de Novembro de 1997 até ao dia 12.08.1998 o A. esteve impossibilitado de exercer a sua actividade profissional. ad) A Ré enviou motoristas para trazer o camião de volta quando o A. esteve internado no Hospital de Orleans, em França. ae) O A. dirigiu-se ao Consulado Português em Orleans onde apresentou a sua situação e elaborou uma relação de todos os objectos e quantias em dinheiro que se encontravam no camião. af) O A. comprou um bilhete de autocarro de regresso a Portugal que lhe custou 570 francos franceses. ag) Chegado a Portugal o A. foi internado no Hospital Santa Maria Maior em Barcelos, onde lhe foi colocado um colar cervical e engessado o pé e perna direitos. ah) E disso deu conhecimento imediato à R. ai) Autor e R. acordaram que a retribuição base mensal ilíquida se cifraria em esc.98.200$00. aj) No camião encontravam-se algumas peças de roupa usada e alguma alimentação e bebidas enlatadas, pertença do Autor. ak) E foi entregue em Espanha, nas instalações de uma empresa associada da R., a um emissário do A. que o foi buscar. O Direito. A única questão a decidir consiste em saber se, tendo o despedimento ilícito sido decretado durante o período de incapacidade temporária derivada de acidente de trabalho, é devida indemnização de antiguidade em dobro. Vejamos. Como se vê das conclusões 4.ª e 5.ª do recurso, pretende o A. que se condene a R. no pagamento de uma indemnização de € 1.469,46, para alem da condenação já constante da sentença pois, ao não fazê-lo, o Tribunal a quo violou o preceituado nos Art.ºs 30.º e 32.º, ambos da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro. Deve dizer-se, em primeiro lugar, que esta Lei se aplica aos acidentes ocorridos depois de 1 de Janeiro de 2000, atento o consignado nas disposições combinadas dos Art.ºs 41.º, n.º 1, alínea a), desta Lei, 71.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril e 1.º do Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro. Ora, tendo o acidente de trabalho dos autos ocorrido em 1997-11-26, é-lhe aplicável a Lei n.º 2127, de 1965-08-03. Nesta, estabelece a sua Base XXXVI: 1. É vedado às entidades patronais fazer cessar sem justa causa a relação de trabalho com os trabalhadores vítimas de acidentes ao seu serviço enquanto se mantiverem em regime de incapacidade temporária. 3. A infracção ao no n.º 1 dá direito a uma indemnização a favor do sinistrado igual ao dobro da que lhe competiria por despedimento sem justa causa [Tal norma surgiu por sugestão da Câmara Corporativa que no ponto 21. do seu Parecer n.º 21/VIII, Projecto de Proposta de Lei n.º 506/VIII, in Actas da Câmara Corporativa, n.º 95, VIII Legislatura – 1965, de 1 de Março, a págs. 1153, refere: Na verdade, o fim prosseguido pela lei pode atingir-se de forma indirecta agravando a indemnização que for devida pelo despedimento sem justa causa para o dobro, por exemplo. Anteriormente, o Art.º 48.º da Lei n.º 1:946, de 1936-07-27, regulava a matéria do seguinte modo: O sinistrado que obtiver decisão do tribunal contrária ao patrão não pode ser despedido senão dois meses depois dessa decisão. § único. Cessa o disposto neste artigo: 3.º Quando o patrão preferir dispensar os serviços do sinistrado, pagando-lhe o salário correspondente ao tempo que faltar para completar o período de dois meses]. Estas normas encontram-se em vigor, contrariamente ao que já foi referido, pois se trata de normas excepcionais, face ao regime regra que proíbe genericamente os despedimentos sem justa causa. Este regime não tem a virtualidade de operar a revogação das regras estabelecidas naquela Base, pois a lei geral não revoga a lei especial, a não ser que ela o determine expressamente [Cfr. o disposto no Art.º 7.º, n.º 3 do Cód. Civil] e tal não ocorreu. Tais normas visam proteger de forma reforçada o sinistrado em situação de incapacidade temporária, prevenindo a possibilidade de desvinculação imotivada durante o período em que ele se encontra numa situação de maior fragilidade, na medida em que o empregador menos interesse pode ter na manutenção do contrato, face à falta de prestação efectiva do trabalho, total ou parcial. Daí o estabelecimento da indemnização em dobro [Cfr. o Acórdão da Relação do Porto, de 1999-01-18, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIV-1999, Tomo I, págs. 245 a 248 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1997-03-05, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano V-1997, Tomo I, págs. 291 a 293]. De resto, tal direito mantém-se para os acidentes ocorridos depois de 1 de Janeiro de 2000, como decorre do disposto no Art.º 30.º, n.º 2 [Que dispõe: O despedimento sem justa causa de trabalhador temporariamente incapacitado em resultado de acidente de trabalho confere àquele, sem prejuízo de outros direitos consagrados na lei aplicável, caso opte pela não reintegração, o direito a uma indemnização igual ao dobro da que lhe competiria por despedimento sem justa causa] da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, norma que apenas atendeu, na sua redacção, à evolução legislativa ocorrida em matéria de despedimentos sem justa causa. Voltando à hipótese concreta dos autos. Como se vê da matéria de facto assente, nomeadamente, da constante sob as alíneas m), ac), ag) e ah), o A. foi despedido pela R., sem justa causa apurada em prévio processo disciplinar, durante o período de incapacidade temporária, consequência de acidente de trabalho, ocorrido ao serviço da mesma entidade. A tal conclusão chegou a sentença da 1.ª instância, não existindo razões para entendimento diferente. Na verdade, do teor da carta [Cujo teor se transcreve: Em virtude de Vs. Ex.ª não mais ter comparecido ao trabalho que, como motorista, prestava a esta empresa, desde 07.10.97 e tão pouco justificar a não comparência até ao presente, comunicamos-lhe, nos termos e para os efeitos do previsto no Art.º 40.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que consideramos a situação relatada como de abandono de trabalho] enviada pela R. ao A., dada como reproduzida sob a alínea m) da matéria de facto, conjugada com os factos dados como provados, não se poderia extrair outra conclusão. Ora, tendo o A. sido despedido sem justa causa, durante o período de incapacidade temporária, consequência directa e necessária de acidente de trabalho, tem direito à indemnização em dobro, como dispõe a Base XXVI, n.º 3 da Lei n.º 2127, de 1965-08-03. O A. não impugnou o montante da indemnização em singelo fixada pelo Tribunal a quo, pelo que bastará agora substituí-lo pelo seu dobro: € 1.469,46 x 2 = €2.938,92. Assim, procedendo a apelação, fixa-se a indemnização por despedimento no seu dobro, ou seja, € 2.938,92. Termos em que se acorda em conceder provimento à apelação, alterando-se a indemnização por despedimento para o montante de € 2.938,92 e mantendo-se, quanto ao mais, a douta sentença recorrida. Custas pela R. Porto, 19 de Abril de 2004 Manuel Joaquim Ferreira da Costa Domingos José de Morais Manuel Joaquim Sousa Peixoto |