Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
669/07.5TBOBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20180913669/07.5TBOBR.P1
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 143, FLS 103-117)
Área Temática: .
Sumário: I - Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
II - O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”.
III - A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
IV - O princípio da restituição natural, só é substituído ou completado pela indemnização em dinheiro, em três situações taxativas: quando for impossível a restauração natural, quando esta não reparar integralmente os danos ou quando a restauração natural for excessivamente onerosa para o devedor.
V - O quantum da indemnização por danos não patrimoniais deve ser significativo, visando propiciar adequada compensação quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade e tendo em conta os padrões jurisprudenciais actualizados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº669/07.5TBOBR.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Central Cível de Aveiro
Relator: Carlos Portela (869)
Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes
Des. José Manuel Araújo Barros

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
B..., devidamente identificado nos autos, veio propor a presente acção de processo ordinário contra a Ré Companhia de Seguros C..., S.A., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €25.292,86, por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros moratórios à taxa legal de 4%, desde a citação até integral e efectivo pagamento.
Para tanto e em síntese, alegou o seguinte:
No dia 21 de Julho de 2004, pelas 0h35min., na Auto-Estrada A1, no sentido Sul/Norte, km 230,956, na localidade de ..., ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes o Autor que se encontrava a trabalhar integrando uma equipa de funcionários da empresa D..., que efectuava trabalhos de ensaios de pavimento na hemi-faixa direita da via, ao dito km, e o veículo com matrícula ..-..-SN, propriedade de E..., e conduzido por F..., o qual, à data do acidente, havia transferido válida e eficazmente o seguro automóvel obrigatório, por danos causados a terceiros pela circulação do dito veículo para a Ré através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ...........
Em resultado do acidente de viação dos autos, o Autor sofreu os danos patrimoniais e não patrimoniais indemnizáveis alegados no petitório, cujo teor se reproduzem aqui para todos os efeitos legais.
Devidamente citada, a Ré Companhia de Seguros C..., S.A. deduziu contestação, na qual, começou por reconhecer a culpa do veículo segurado pela produção do acidente de viação, em discussão.
Mais deduziu oposição através de negação directa no que toca aos danos invocados pelo Autor na sua petição inicial, sem prejuízo de acrescentar que alguns dos danos aí invocados advieram aos mesmo do acidente de viação sofrido pelo Autor, em 09/08/1996, sendo por isso certo que tais danos não são indemnizáveis, por inexistir nexo causal adequado entre estes e o acidente de viação dos autos.
Na sequência do despacho proferido no qual o Autor foi convidado a suprir as insuficiências/imprecisões na exposição da matéria de facto contida na petição inicial, veio este apresentar petição inicial, tendo, na sequência da sua notificação que lhe foi feita, vindo a Ré deduzir oposição, na qual e genericamente, reiterou os argumentos de facto e de direito aduzidos na contestação primitiva.
Os autos prosseguiram os seus termos, sendo proferido despacho onde se saneou o processo e se seleccionou a matéria de facto (assente e controvertida).
A Ré reclamou de tal despacho mas a sua reclamação foi indeferida.
Realizadas as diligências instrutórias, com destaque para a junção do relatório médico-legal reportado ao Autor, então elaborado na sequência da ordenada peritagem médico-legal, veio o Autor apresentar articulado superveniente, no qual requereu a alteração do pedido primitivo formulado em a) de modo a que se condene a Ré no pagamento da quantia de €60.331,31, por danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como a quantia a liquidar em incidente próprio, da indemnização de danos patrimoniais devida por lucros cessantes do Autor, por não progressão na carreira e por perda de gratificação extraordinária, cuja liquidação não é possível fazer.
A Ré C... deduziu a resposta, impugnando a factualidade aí aduzida.
Foi proferido despacho no qual se admitiu o dito articulado superveniente, e consequentemente, se seleccionou a factualidade aí alegada.
No âmbito da sessão de audiência final aludida atrás, determinou-se oficiosamente a realização de uma peritagem médico-legal complementar, cujo relatório médico-legal foi entretanto junto aos autos com os esclarecimentos posteriormente prestados pela Sr.ª Perita a fls. 335 e fls. 336.
Na sequência da continuação da mesma audiência, ordenou-se oficiosamente a realização de uma segunda perícia colegial médico-legal, cujo relatório médico-legal consta dos autos e não foi objecto de qualquer reclamação ou pedido de esclarecimentos.
Foi então proferida sentença na qual se julgou a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente, se decidiu condenar a Ré Companhia de Seguros C..., SA, no pagamento ao Autor B..., apenas, da quantia indemnizatória de €6.000, 00, por danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios segundo a taxa legal em vigor aplicável aos juros civis, actualmente de 4%, desde a data da prolação da sentença até integral e efectivo pagamento.
O Autor veio interpor recurso desta decisão apresentando desde logo e nos termos legalmente previstos as suas alegações.
A Ré contra alegou.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso é aplicável o regime processual anterior ao da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo autor/apelante nas suas alegações (cf. artigo 660º, nº2, 684º, nº4 e 685º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor das mesmas conclusões:
A) A sentença recorrida procurou restringir os efeitos das lesões e tratamentos sofridos pelo autor às lesões que lhe advieram imediatamente após o acidente, esquecendo que também são consequência do acidente o agravamento de situações de que o autor já era portador anteriormente, mas que se agravaram com o novo acidente.
B) Entende o autor que deve ser completada o facto 26 da decisão da matéria de facto, deve ser alterada a resposta ao ponto I dos factos não provados e que não tem qualquer sentido, nem sequer corresponde à prova produzida a limitação constante dos factos 45 a 53, como ainda devem ser considerados como provados, os factos julgados não provados sob os números III e IV.
C) Relativamente ao facto 26 da decisão da matéria de facto, o mesmo teve por base o alegado no artº.23º. da petição inicial, onde se alegava que “a mesma era consequência directa das leões que sofreu no acidente dos autos”, mas nesse facto o tribunal omite essa ligação às lesões sofridas no acidente dos autos.
D) Como resulta de diversos documentos juntos aos autos está demonstrada essa causalidade, pois que na informação da G... de 21/7/2004 refere-se que o autor teve várias recaídas, sempre referentes à úlcera varicosa da perna direita e que tiveram início em 1996 e que se agravaram com o acidente de 2004. – Cfr. pág. 3, último § do relatório médico legal e citado documento junto pela G....
E) Desse mesmo agravamento se dá conta a mesma instituição em declaração emitida pelo Dr. H..., em 17 de Outubro de 2005, escrevendo que “o sinistrado acima sofreu agravamento do acidente ocorrido em 09.08.1996 – Infecção aguda do tornozelo e pé direito.” – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial.
F) Foi ouvida a Dr.ª I..., médica de medicina geral e familiar, com domicílio profissional no Centro de Saúde de ... - extensão de ..., desde 1986, que acompanhou o autor como doente, a qual declarou, além do mais, que “qualquer situação que provoque algum tempo de, vá lá, maior estabilidade dos membros inferiores e que dificulte a utilização agrava, agrava já por si a capacidade circulatória do individuo. E sempre que há uma situação de lesão, o membro já está alterado. Como é evidente há sempre mais complicações além daquelas que eram observadas anteriormente” e que “se foi afectado na perna esquerda, não fazia sentido que fosse agravada o problema venoso da perna direita, pois também se deve compreender que estando uma perna imobilizada, onde é que se faz maior pressão? Faz-se maior pressão é precisamente no membro que não está lesionado”
G) Resulta destes documentos e deste depoimento que a úlcera varicosa, embora tenha a ver com uma deficiência circulatória anterior, o certo é que foi agravada e manifestou-se na sequência da imobilização a que o autor foi sujeito em consequência das lesões sofridas nos presentes autos e da maior pressão sobre essa perna por a outra estar imobilizada.
H) No facto 26, ao provado “na ocasião aludida em 25), o Autor foi observado pelo Dr. H..., médico na G..., que lhe diagnosticou uma «úlcera varicosa», deve acrescentar-se que “a mesma também é consequência da imobilização e tratamentos a que o autor foi sujeito em consequência das leões que sofreu no acidente dos autos”.
I) Para o efeito, nos termos a para os efeitos do artº. 640º., nº. 1 do Cod. Proc. Civil actual (antigo artº. 685º.-B) invocam-se os documentos referidos emitidos pelo Instituto de Medicina Legal e G..., bem como o depoimento transcrito a Dr.ª I..., divorciada, médica de medicina geral e familiar, com domicílio profissional no Centro de Saúde de ... - extensão de ..., desde 1986, cujo depoimento se encontra gravado ao longo de 00.20.23 na gravação da audiência de 9 de Março 2015, para que seja alterada o facto 26, nos termos requeridos.
J) Quanto ao ponto I dos factos não provados ele está em contradição com o facto provado nº. 23º., que, por sua vez, está provado pelo documento 3 junto com a petição inicial, pelo que deve ser eliminado dos factos não provados, pois naquele facto 23 é dado como provado, que na sequência de ter sido detectado um novo problema de saúde ao ora A. – “infecção aguda do tornozelo do pé direito”, tal “determinou um novo internamento entre 17 de Agosto e 6 de Setembro de 2005, na G... em Coimbra” e isso mesmo é declarado no doc. 3 junto com a petição inicial.
K) Consequentemente, deve ser eliminado o ponto I dos factos não provados.
L) Não tem qualquer sentido, nem sequer corresponde à prova produzida a limitação temporal constante dos factos 41, 45 a 53, porque resulta da prova testemunhal, nomeadamente da prova produzida pelas testemunhas K..., funcionário da D..., desde 1991, L..., funcionário da D..., desde 1998, e M..., funcionário da D..., em que essas testemunhas foram peremptórias a afirmar que:
-antes do acidente do autos, o autor era uma pessoa bem disposta;
-depois do acidente, o autor começou a aparecer nervoso e chateado;
-tinha medo de andar de ir para a estrada e ficou com trauma;
-o último acidente tinha sido muito traumatizante para ele;
-tornou-se agressivo e andava mais chateado;
-passou a ter mais dificuldade no trabalho sobretudo a subir e descer taludes
M) As referidas testemunhas comprovam a alteração de humor dada como provada nos factos 41, 45 a 53, mas apenas em consequência do último acidente, sendo o mesmo comprovado pela testemunha N..., funcionário da D..., desde 1989, o qual reafirmou o que os seus colegas já haviam dito e pela mãe do autor, O..., a qual afirmou a respeito do autor que “antes do acidente era calmo, não tratava ninguém mal”, mas que depois do acidente dos autos “ficou desnorteado e tratava mal a mulher e o filho, afirmado frequentemente “vou para a morte”, quando ia trabalhar.”.
N) Acresce que, na sentença ora recorrida não se encontra qualquer fundamentação fáctica para que desses factos 45 a 53 com a resposta limitativa que no mesmo se contém, tendo desconsiderado por completo a referida prova testemunhal em favor de uma intuição que o julgador tomou antecipadamente no sentido de excluir do âmbito indemnizatório estas sequelas, apesar de reconhecer que todos estes factos ocorreram depois do acidente dos autos, sendo a limitação temporal constante desses factos é completamente arbitrária, pois nem sequer está provado como ocorreu o acidente em 1996, nem quais foram as lesões que dele resultaram, o que foi afirmado mais uma vez por pura intuição, que se não compadece com a forma como o julgador deve decidir, ou seja, fundamentadamente.
O) Resulta dos depoimentos citados que os danos sofridos pelo A, manifestamente depois do acidente dos autos, são consequência deste, pelo que deve ser dado como provado, nesse sentido, alterando-se os factos 41 e 45 a 53 que devem ter a seguinte redacção:
41-Em consequência do acidente dos autos, o Autor começou a transparecer de uma maior oscilação de humor e maior irritabilidade no relacionamento com a mulher e filho;
………………………………..................................................................................……
45-Este comportamento agrava-se quando vai trabalhar e se depara com situações semelhantes às quais se deu a ocorrência do acidente.
46-Sendo que, o Autor tem muito receio de andar de carro.
47-À data do acidente de viação, o Autor era uma pessoa alegre e pacata (ponto 32) da Base Instrutória).
48-Após o acidente dos autos, o Autor passou a ser uma pessoa triste (ponto 33) da Base Instrutória).
49-Fechada (ponto 34) da Base Instrutória).
50-Amargurado (ponto 35) da Base Instrutória).
51-Deprimido (ponto 36) da Base Instrutória).
52-E no trabalho cansa-se mais facilmente (ponto 37 da Base Instrutória).
53-O trabalho do Autor exige que ele esteja curvado (ponto 38 da Base Instrutória)
P) Para o efeito, nos termos a para os efeitos do artº. 640º., nº. 1 do Cod. Proc. Civil actual (antigo artº. 685º.-B) invocam-se os depoimentos das testemunhas K..., cujo depoimento se encontra gravado em 00.18.20, L..., cujo depoimento se encontra gravado em 00.14.12, M..., cujo depoimento se encontra gravado em 00.08.43, todos na gravação da audiência de 9 de Março 2015, N..., cujo depoimento está gravado em 00.16.30 da gravação da audiência de 20 de Março de 2015 e da mãe do autor, O..., cujo depoimento se encontra gravado em 00.07.18 da gravação da audiência de 20 de Março de 2015.
Q) Por fim, devem ser considerados provados os factos considerados não provados sob as letras III e IV, pois resulta dos depoimentos já referidos das testemunhas K..., cujo depoimento se encontra gravado em 00.18.20, L..., cujo depoimento se encontra gravado em 00.14.12, M..., cujo depoimento se encontra gravado em 00.08.43, todos na gravação da audiência de 9 de Março 2015, N..., cujo depoimento está gravado em 00.16.30 da gravação da audiência de 20 de Março de 2015, que:
-quando se está de baixa não se recebe gratificação;
-que essa gratificação é paga se não houver faltas mesmo por doença ou baixa;
-de 3 em 3 anos sobe-se uma letra na tabela de vencimentos;
-desde o último acidente, o B... não tem subido de letra;
-não tem subido de letra por causa das baixas;
-não tem subido na carreira, por causa dessas baixas.
R) Verifica-se assim que com base nos referidos depoimentos os mencionados factos não provados deviam ter sido considerados provados, pois está sobejamente provado que, por força das frequentes baixas que foi obrigado a dar o ora recorrente ficou impossibilitado de receber gratificações e de progredir na carreira, o que não só o impediu de receber ordenados mais elevados, como até o prejudica em termos de reforma, pelo que tais factos têm de ser considerados provados.
S) Consequentemente, deve ser considerado provado que:
III-O Autor, por força dos tratamentos considerados provados nos números anteriores, faltou justificadamente ao serviço durante mais de 30 dias por ano, e não conseguiu a progressão na carreira (ponto 77) da Base Instrutória).
IV- O Autor perdeu a gratificação extraordinária, por força das faltas ao serviço em consequência dos tratamentos considerados provados nos números anteriores (ponto 79) da Base Instrutória
T) Para o efeito, nos termos a para os efeitos do artº. 640º., nº. 1 do Cod. Proc. Civil actual (antigo artº. 685º.-B) invocam-se os depoimentos das testemunhas K..., cujo depoimento se encontra gravado em 00.18.20, L..., cujo depoimento se encontra gravado em 00.14.12, M..., cujo depoimento se encontra gravado em 00.08.43, todos na gravação da audiência de 9 de Março 2015 e N..., cujo depoimento está gravado em 00.16.30 da gravação da audiência de 20 de Março de 2015.
U) Na sentença recorrida, citam-se as normas certas, mas não se faz a interpretação correcta das mesmas, ou seja, citam-se as normas relativas à determinação da indemnização e que são os artigos 562º., 563º., 564º. e 566º., todos do Cod. Civil e mais ainda o artº. 496º do mesmo diploma legal.
V) Porém, não está demonstrado que antes do acidente dos autos, o recorrente mesmo sofrendo de sequelas em consequência de acidente anterior – cuja verificação, extensão e sequelas não estão provados – tivesse qualquer limitação de trabalho e não está provado que antes do acidente dos presentes autos, o ora recorrente tivesse já consequências tipo “úlcera varicosa”, embora tivesse problemas de circulação.
X) Não está demonstrado também que, antes do acidente dos autos e apesar do acidente anterior, o comportamento do autor já fosse o de uma pessoa que tivesse medo de andar de carro, estando provado que antes do acidente, o Autor era uma pessoa alegre e pacata (ponto 32) da Base Instrutória)., após o acidente dos autos, o Autor passou a ser uma pessoa triste, fechada, amargurado e deprimido e não se provou que, antes do acidente, o autor se cansasse mais sobretudo a subir e descer taludes.
Y) Cabia à R. alegar e provar esses factos que são impeditivos do direito à indemnização pedida pelo Autor. – Cfr. artº. 342º., nº. 2 do Cod. Civil – e essa prova não foi feita, pois que nada se provou sobre a capacidade de trabalho do A. antes do acidente dos autos, nada se provou sobre a existência de qualquer “úlcera varicosa” antes do acidente dos autos e nada se provou sobre a alteração comportamental do ora autor, pois todas as limitações temporais que se reflectem na matéria de facto considerada resulta de intuição do julgador, não alicerçada em provas.
Z) Deste modo, para que se cumpra o legalmente determinado nos artigos do Cod. Civil que se deixam transcritos, tem de se aplicar a teria da diferença, ou seja, o autor tem direito a uma indemnização que seja a diferença entre a situação em que ele hoje se encontra e aquela em que se encontraria se não fosse o acidente.
AA) Se a úlcera varicosa apenas se manifestou após o período de tratamento do acidente dos presentes autos, embora possa ter causas remotas em problemas circulatórios de que o autor padecesse, o certo é que a causa próxima da sua existência, como referiu a médica ouvida, foi o tratamento e as consequências das lesões sofridas que determinaram o seu aparecimento.
BB) Foi essa úlcera varicosa que fez a diferença entre a situação em que o autor se encontrava antes do acidente e em que se encontra hoje e não pode ser usada como factor de exclusão da indemnização, mas deve ser englobado nessa indemnização, o custo do seu tratamento, bem como as perdas de rendimento que acarretou para o autor.
CC) Consequentemente, a reconstituição da situação em que o Autor se encontrava antes do acidente dos autos, não sendo possível in integrum, terá de o ser por indemnização que pague os danos patrimoniais sofridos pelo Autor, que foram as despesas médicas, medicamentosas e outras reclamadas nos autos e consideradas provadas, bem como os rendimentos que perdeu por estar de baixa – é do conhecimento público que a baixa apenas cobre uma parte do salário -,bem como as perdas em sede de prémios e promoções que não pode ver realizadas por força da doença de que padeceu, bem como os reflexos dessas perdas de rendimentos na pensão de aposentação final, não podendo deixar de ser indemnizado o sofrimento do autor ao longo de cerca de 10 anos, até ter conseguido a sua cura, através de adequada pensão por danos não patrimoniais.
DD) Deste modo, os danos patrimoniais a título de despesas médicas e medicamentosas atingem o valor de € 25.331,31, sendo remetidos para incidente de liquidação, o valor dos rendimentos que perdeu por estar de baixa – é do conhecimento público que a baixa apenas cobre uma parte do salário -, bem como as perdas em sede de prémios e promoções que não pode ver realizadas por força da doença de que padeceu, bem como os reflexos dessas perdas de rendimentos na pensão de aposentação final, pois ainda não existem nos autos elementos que os possam comprovar, pois a acção foi proposta em 2007, ou seja, há 10 anos.
EE). Também dever atribuída ao autor uma indemnização por danos não patrimoniais que seja a expressão do seu sofrimento ao longo destes 10 anos, por causa do acidente dos autos, sofreu o autor danos constantes, que manifestamente interferiram em todos os aspectos da vida do lesado e na sua qualidade de vida., tudo em consequência das lesões sofridas com o acidente dos presentes autos, pelo que não é exagerado o pedido de indemnização de € 45000, o qual nem sequer vende juros por ser supostamente actualizado ao momento presente.
FF) Mostram-se violados pela sentença recorrida por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artº. 342º., nº. 2 do Cod. Civil e ainda o disposto nos artigos 562º., 563º., 564º. E 566º., bem como o artº. 496º., todos do Cod. Civil,
GG) Em provimento do presente recurso, deve a presente acção ser julgada procedente e provada, conforme os valores pedidos a título de danos patrimoniais (despesas) e não patrimoniais e remetendo para incidente de liquidação a determinação do valor dos rendimentos que o autor perdeu por estar de baixa – é do conhecimento público que a baixa apenas cobre uma parte do salário -, bem como as perdas em sede de prémios e promoções que não pode ver realizadas por força da doença de que padeceu, bem como os reflexos dessas perdas de rendimentos na pensão de aposentação final, pois ainda não existem nos autos elementos que os possam comprovar, pois a acção foi proposta em 2007, ou seja, há 10 anos, como é de lei e de J U S T I Ç A!
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Quanto à ré/apelada a mesma nas suas contra alegações, pugna no fundo, pela improcedência do recurso quer quanto à decisão de facto quer quanto à aplicação do Direito, com a consequente confirmação integral da decisão recorrida.
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Face ao antes exposto, resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas neste recurso:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A atribuição de indemnização por danos patrimoniais: despesas médicas e medicamentosas e perdas de rendimento em sede de prémios e promoções;
3ª) A alteração (aumento), do montante da indemnização por danos não patrimoniais sofridos.
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Ora estando em causa a decisão proferida sobre a matéria de facto, impõe-se pois recordar aqui qual o seu conteúdo.
Assim:
FACTOS PROVADOS
1-No dia 21 de Julho de 2004, cerca das 0 horas e 35 minutos, na Auto-Estrada A1, no sentido Sul – Norte, ao quilómetro 230,956, na localidade de ... (Concelho de Oliveira do Bairro, Distrito de Aveiro) ocorreu um acidente de viação (al. a) dos Factos Assentes).
2-O local era uma recta (al. b) dos Factos Assentes).
3-Numa altura que fazia bom tempo (al. c) dos Factos Assentes).
4-O Autor encontrava-se a trabalhar integrando uma equipa de funcionários da empresa D... que efectuava trabalhos de ensaios de pavimento na hemi-faixa direita da via, ao quilómetro 230,956, no Sentido Sul-Norte (Zona de ...) (al. d) dos Factos Assentes).
5-Para sinalizar os trabalhos estava no local um “carro seta”, rebocado a um veículo ligeiro de mercadorias, que seguia em marcha lenta no sentido sul/norte, equipado com sinalização luminosa composta à retaguarda de um quadrado com uma seta luminosa indicando a hemi-faixa da esquerda (sempre no sentido sul-norte), para onde o trânsito devia ser desviado, e ainda com sinalização de trabalhos na via e três lanternas (al. e) dos Factos Assentes).
6-O Autor encontrava-se no chão atrás do “carro seta”, manuseando uma raqueta luminosa, que avisava o trânsito para circular pela esquerda (al. f) dos Factos Assentes).
7-E afastado da viatura segurada pela Ré, cerca de 200 metros para sul, encontrava-se um outro trabalhador munido de uma raqueta luminosa para o mesmo efeito (al. g) dos Factos Assentes).
8-O veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-SN era propriedade de E... (al. h) dos Factos Assentes).
9-E era conduzido por F... (al. i) dos Factos Assentes).
10-Circulava no sentido Sul/Norte (al. j) dos Factos Assentes).
11-Aproximou-se do local das obras, circulando pela hemi-faixa da esquerda (al. l) dos Factos Assentes).
12-Aí passou pelo funcionário localizado a 200 metros para sul em relação ao Autor (al. m) dos Factos Assentes).
13-E começou a travar a “fundo”, desviando-se para a direita, e invadindo a hemi-faixa direita (al. n) dos Factos Assentes).
14-Quando, nessa altura, embate no “carro seta” e no Autor que se encontrava logo atrás do dito carro (al. o) dos Factos Assentes).
15-Atirando o Autor para a berma direita do mesmo sentido Sul/Norte, a alguns metros de distância do local do embate (al. p) dos Factos Assentes).
16-À data do acidente, o Autor era e é operário da construção civil de profissão e funcionário da D..., S.A. (al. q) dos Factos Assentes).
17-À data do acidente de viação, E... havia transferido a sua responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo seu veículo automóvel para a ora ré seguradora “Companhia de Seguros C..., S.A.”, por contrato de seguro juridicamente válido ao tempo do acidente e titulado pela apólice n.º. .........., vigente ao tempo do acidente (al. p) dos Factos Assentes).
18-A Ré Seguradora aceita que a responsabilidade pelo acidente de viação em causa pertenceu ao condutor do veículo segurado (al. r) dos Factos Assentes).
19-Por força do acidente de viação dos autos, o Autor sofreu as seguintes lesões:
a)Hematoma na região cervical lateral direita não expansivo justa esternocleidomastoideo;
b)Ferida contusa no couro cabeludo;
c)Fractura do perónio esquerdo, com diversas escoriações;
d)Fractura da bacia iliopúblico-direito;
e)Fractura dos 3.º, 4.º e 5.º arcos costais (Resposta explicativa ao ponto 1) da Base Instrutória).
20-Em virtude das quais o Autor teve que receber cuidados médicos nos hospitais ... (Aveiro); HUC (Coimbra) e P... (...) (pontos 2) e 3) da Base Instrutória).
21-As lesões resultantes do acidente de viação, em causa, demandaram-lhe um défice funcional temporário total (30 dias) e parcial (340 dias), com repercussão temporária na actividade profissional total de 370 dias (Resposta explicativa ao ponto 6) da Base Instrutória).
22-Posteriormente à cura médico-legal das lesões aludidas atrás, em 26/07/2005, o Autor voltou a ter problemas de saúde mais propriamente, uma infecção aguda do tornozelo do pé direito resultante do agravamento da lesão da perna direita derivada do acidente ocorrido, em 9/08/1996 (Resposta explicativa ao ponto 7) da Base Instrutória).
23-O que determinou um novo internamento entre 17 de Agosto e 6 de Setembro de 2005, na G... em Coimbra (ponto 8) da Base Instrutória)
24-Durante o qual, foi sujeito a uma intervenção cirúrgica levada a cabo pelo Dr. H... (ponto 9) da Base Instrutória).
25-Posteriormente, em Novembro de 2006, o Autor começou a sentir alguma comichão naquela zona da perna direita (ponto 10) da Base Instrutória).
26-Na ocasião aludida em 25), o Autor foi observado pelo Dr. H..., médico na G..., que lhe diagnosticou uma “úlcera varicosa» (resposta restritiva ao ponto 11) da Base Instrutória).
27-Que se traduz no aparecimento de uma ferida que demora a cicatrizar, sobretudo no Verão (ponto 12) da Base Instrutória).
28-A qual apenas pode ser minimizada mediante o uso permanente, quer de uma meia elástica, quer de uma caneleira, quer da correspondente medicação (ponto 13) da Base Instrutória).
29-Infecção essa que pode a qualquer momento degenerar e levar, mesmo à amputação da perna direita (ponto 14) da Base Instrutória).
30-O Autor, por causa dessa infecção, teve necessidade de voltar a estar internado na G.... em Coimbra entre 8 de Novembro de 2006 e 2 de Dezembro de 2006 (ponto 15) da Base Instrutória).
31-A fim de aí ser vigiada a cicatrização dessas mesmas feridas (ponto 16) da Base Instrutória).
32-Tendo sido aconselhado a comprar uma meia liga para ser usada diariamente e uma caneleira semelhante à usada pelos cavaleiros no hipismo, porque ali a pele era muito sensível e difícil de cicatrizar (ponto 17) da Base Instrutória).
33-Na compra da caneleira e da meia/liga, o Autor pagou cerca de 40 euros (ponto 18) da Base Instrutória).
34-O processo de convalescença do Autor só findou em 2 de Janeiro de 2007 (ponto 19) da Base Instrutória).
35-…por causa das diversas complicações na recuperação das intervenções cirúrgicas que se traduziram sempre no aparecimento das supra descrita “úlcera varicosa”… (ponto 20 da Base Instrutória).
36-Período esse durante o qual o Autor teve necessidade de recorrer a cremes de hidratação, dado que por força do uso permanente da meia elástica que visa impedir que o pé e as varizes inchem, a pele fica seca (ponto 21) da Base Instrutória).
37-E tomar medicamentos para evitar o aparecimento das “úlceras varicosas” propriamente ditas-cf. docs. 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 juntos com a petição inicial (ponto 22) da Base Instrutória).
38-Na aquisição dos quais o Autor gastou a quantia de 246,71 euros (ponto 23) da Base Instrutória).
39-E teve de recorrer, por três vezes, ao serviço de consulta externa da extensão de ... do Centro de Saúde de ..., mais especificamente em 10 de Abril, 12 de Dezembro e 27 de Dezembro de 2006, onde foi observado pela Dra. Q... (ponto 24) da Base Instrutória).
40-Tendo custeado as correspondentes taxas moderadoras no valor de €6, 15, conforme consta dos docs. 15, 16 e 17 juntos com a petição inicial (ponto 25) da Base Instrutória).
41-Em consequência da complicação da lesão na perna direita do acidente, em 1996, o Autor começou a transparecer de uma maior oscilação de humor e maior irritabilidade no relacionamento com a mulher e filho (Resposta explicativa do ponto 26) da Base Instrutória).
42 -E apresentar dificuldade em dormir (ponto 27) da Base Instrutória).
43-Tendo-lhe sido diagnosticada uma depressão nervosa no serviço de consulta externa da extensão de ... do Centro de Saúde de ... (ponto 28) da Base Instrutória).
44-Onde foi acompanhado durante a recuperação da mesma, num período que durou, cerca, de 9 meses, desde a data da alta (ponto 29) da Base Instrutória).
45-Este comportamento agrava-se quando vai trabalhar e se depara com situações semelhantes às quais se deu a ocorrência do acidente, em 1996 (resposta explicativa ao ponto 30) da Base Instrutória).
46-Sendo que, desde a ocorrência do acidente em 1996, o Autor tem muito receio de andar de carro (resposta explicativa ao ponto 31) da Base Instrutória).
47-À data do acidente de viação, em 1996 o Autor era uma pessoa alegre e pacata (ponto 32) da Base Instrutória).
48-Em consequência das lesões sofridas, em 1996, o Autor passou a ser uma pessoa triste (ponto 33) da Base Instrutória).
49-Fechada (ponto 34) da Base Instrutória).
50-Amargurado (ponto 35) da Base Instrutória).
51-Deprimido (ponto 36) da Base Instrutória).
52-E no trabalho cansa-se mais facilmente (ponto 37 da Base Instrutória).
53-O trabalho do Autor exige que ele esteja curvado (ponto 38 da Base Instrutória).
54-As lesões decorrentes do acidente dos autos evoluíram favoravelmente para a cura, das quais não resultaram quaisquer sequelas, nomeadamente, determinantes da atribuição de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica (Resposta explicativa aos pontos 39) a 42) da Base Instrutória).
55-Em 2 de Julho de 2009, o ora Autor teve de recorrer aos serviços do Hospital da Universidade de Coimbra, por terem infectado as feridas que tinha na perna direita, resultantes da referida úlcera varicosa (ponto 44) da Base Instrutória).
56-Tendo despendido então a quantia de € 12,15 (ponto 45) da Base Instrutória).
57-Em 9 de Julho de 2009, observado pelo médico da D..., sua entidade patronal, Dr. S..., o mesmo entendeu que o ora Autor “por apresentar sequelas cutâneas”, esse facto condiciona significativamente aptidão para o trabalho, como ajudante de obras civil” (ponto 46) da Base Instrutória).
58-Perante novo incidente de infecção das feridas, o Autor dirigiu-se ao Hospital T... em 20/7/2009, para tratamento (ponto 47) da Base Instrutória).
59-Onde despendeu a quantia de € 10,00 (ponto 48) da Base Instrutória).
60-Em 5/8/2009, o Dr. H... considerou o Autor como capaz de integrar a sua actividade profissional a partir de 6/8/2009 (ponto 49) da Base Instrutória).
61-O que implicava que deixasse de receber qualquer prestação por parte da seguradora Ré (ponto 50) da Base Instrutória).
62-Pelo que, em 31/7/2009, o ora Autor, entendendo que não estava capaz de retomar a sua actividade e sabendo que lhe ia ser dada a alta referida no artigo anterior, dirigiu-se à Extensão de Saúde de ..., serviço de assistência médica da sua residência, onde foi consultado pela Dr.ª. I... (ponto 51) da Base Instrutória).
63-A qual lhe passou um certificado de incapacidade temporária para o trabalho, vulgo “baixa”, até ao dia 7/8/2009 (ponto 52) da Base Instrutória).
64-Tendo essa situação sido renovada sucessivamente até ao dia 7 de Setembro de 2009 (ponto 53) da Base Instrutória).
65-No dia 21/8/2009, o Autor, ainda compareceu nos serviços médicos hospitalares G..., SA., informando da sua impossibilidade de retomar o trabalho (ponto 54) da Base Instrutória).
66-Mas não conseguiu que fosse alterada a posição anteriormente assumida, e ao mesmo tempo, tendo-lhe sido dito que o mais natural era o Autor ter de ser amputado na perna direita (ponto 55) da Base Instrutória).
67-No dia 27 de Agosto de 2009, por pedido da Extensão de Saúde ..., o Autor foi observado pelo Dr. V..., por causa da úlcera infectada que tinha no membro inferior direito (Resposta restritiva ao ponto 56) da Base Instrutória).
68-Tendo-se concluído que o paciente repouse, pelo menos, 10 dias e se orientasse o doente em termos de baixa (ponto 57) da Base Instrutória).
69-Em consequência dessa assistência, o Autor despendeu € 22,78 em medicamentos e € 3 em taxa moderadora (ponto 58) da Base Instrutória).
70-No sentido de justificar a baixa do Autor, a médica da Extensão de Saúde de ..., Dr.ª. I..., emitiu a declaração que ora se junta como doc. nº 13 (fls. 238 dos autos), na qual refere expressamente que o Autor:
“… sofre de sequelas pós traumáticas de acidentes em 09/08/1996 e 07/2004, traduzidas por recorrentes tromboflebites e úlcera da perna direita recidivante. Apresenta desde Julho de 2009 úlcera infectada e tromboflebite recidivante do membro inferior direito. Em Agosto foi observado pelo Dermatologista por persistência da lesão (carta anexa1) e vai ser avaliado hoje de novo. Estas complicações exigem sempre repouso absoluto do membro afectado para êxito terapêutico. Deverá manter esse repouso até cura clínica deste episódio” (ponto 59) da Base Instrutória).
71-Por força destas deslocações e consultas na Extensão de Saúde de ..., o Autor despendeu a quantia de € 8,80 (ponto 60) da Base Instrutória).
72-Na sequência do acompanhamento de que estava a ser alvo na Extensão de Saúde de ..., o Autor foi convocado para uma consulta de Cirurgia Vascular nos Hospitais da Universidade de Coimbra, que foi marcada para o dia 19 de Novembro de 2010 às 08:30 (ponto 61) da Base Instrutória).
73-E onde o Autor compareceu e se considerou que a sua situação requer uma intervenção cirúrgica” (ponto 62) da Base Instrutória).
74-O Autor pagou por essa consulta uma taxa moderadora de € 4,50 (ponto 63) da Base Instrutória).
75-Durante esse período e até à operação, o Autor manteve-se de baixa por largos períodos (ponto 64) da Base Instrutória).
76-Dado o atraso da lista dessas cirurgias, no ano de 2011, foi proposto ao Autor realizar a cirurgia em diversos hospitais longe de casa, desde Vila Real a Badajoz… (ponto 65) da Base Instrutória).
77-Acabando por ser conseguido que essa cirurgia fosse realizada no Hospital T... (ponto 66) da Base Instrutória).
78-Onde o Autor foi a uma consulta da especialidade em 1/9/2011 (ponto 67) da Base Instrutória).
79-Tendo sido aí realizado em 14/9/2011 um eco-doppler arterial e venoso dos membros inferiores, preparatório da intervenção cirúrgica (ponto 68) da Base Instrutória).
80-E a operação sido agendada para o dia 12 de Outubro de 2011 (ponto 69) da Base Instrutória).
81-Tendo-se realizado nesse dia com “safenectomia total por stripping à direita com avulsão de múltiplas colaterais e laqueação de comunicantes insuficientes + laqueação da crossa da safena interna esquerda” (ponto 70) da Base Instrutória).
82-O Autor esteve internado nos dias 12 e 13 de Outubro de 2010 (ponto 71) da Base Instrutória).
83-E permaneceu de baixa desde essa data até 23/4/2012 (ponto 72) da Base Instrutória).
84-Em 29/5/2012, a médica da Extensão de Saúde de ..., Dr.ª. I..., que acompanhou a evolução do processo do Autor concluiu que, “desde esse tratamento cirúrgico e até à presente data, não teve episódio de flebite nem reabertura de ferida vascular” (ponto 73) da Base Instrutória).
85-Tendo depois tido alta na Consulta de Cirurgia Vascular dos HUC de Coimbra (ponto 74) da Base Instrutória).
86-Em consequência desse tratamento ineficaz aludido atrás, o Autor sofreu dores, incómodos e aborrecimentos durante mais de 5 anos (ponto 75) da Base Instrutória).
87-Até à intervenção cirúrgica em 2011, o Autor teve o pavor de ser amputado (ponto 76) da Base Instrutória).
88-A D... instituiu, em Março de 2011, uma gratificação extraordinária, cuja atribuição dependia da referida avaliação de desempenho e do absentismo (ponto 78 da Base Instrutória).
*
II-FACTOS NÃO PROVADOS
I-Por força das lesões decorrente do acidente de viação dos autos, o Autor chegou a estar sujeito a um período de internamento hospitalar de 3 meses na G... Coimbra (G...) (ponto 4) da Base Instrutória).
II-Após o dia 16/7/2007 (data da petição inicial), por força da úlcera varicosa decorrente do acidente de viação dos autos, o Autor continuou a ser tratado pela G... (ponto 43) da Base Instrutória).
III-O Autor, por força das lesões sofridas em consequência do acidente dos autos, faltou justificadamente ao serviço durante mais de 30 dias por ano, e não conseguiu a progressão na carreira (ponto 77) da Base Instrutória).
IV-O Autor perdeu a gratificação extraordinária, por força das lesões sofridas em consequência do acidente dos autos (ponto 79) da Base Instrutória).
*
Iniciando a nossa análise e muito naturalmente pelo recurso da decisão de facto, o que cabe salientar é o seguinte:
É consabido que por força da entrada em vigor do D.L. nº39/95 de 15.02, foram significativamente ampliados os poderes da Relação no que toca à alteração da decisão da matéria de facto.
De facto, enquanto na anterior redacção do art.º712º os poderes da Relação quanto á decisão da matéria de facto eram previstos a título excepcional, já a nova redacção do mesmo artigo (agora a do art.º662º do NCPC), representa, na verdade, um claro afloramento da verdadeira natureza de tribunal de instância que se quis atribuir ao Tribunal da Relação.
Por isso se afirma que saíram ampliados os poderes do Tribunal da Relação quanto à matéria de facto, transformando-a, efectivamente, num tribunal de instância e não apenas num tribunal de “revista”, quanto à subsunção jurídica da realidade de facto.
Isto e nomeadamente quando tenha existido gravação da audiência e das provas aí produzidas, situação na qual são mais amplas as possibilidades de modificação da decisão sobre a matéria de facto.
Tudo isto quando depois de se mostrar respeitado o princípio do contraditório, o tribunal superior e depois de fazer uma autónoma apreciação da prova, venha a adquirir uma convicção diversa da obtida pela 1ª instância.
Apesar do acabado de expor, é essencial salientar que a garantia do duplo grau de jurisdição não deve nem pode subverter o princípio da livre apreciação das provas antes previsto no art.º655º, nº1 (e agora no art.º607º, nº5) do CPC.
E também sem esquecer, que na formação dessa convicção entram, necessariamente, elementos que em nenhum caso podem ser importados para a gravação da prova por mais fiel que ela seja das incidências concretas da audiência.
Ora no caso dos autos está comprovado que o autor/apelante deu cumprimento cabal ao disposto no art.º685º-B, nº1, alíneas a) e b) (actual art.º 640º, nº1, alíneas a) e b)) do CPC, razão pela qual cumpre pois apreciar e decidir o seu pedido de impugnação da decisão de facto.
Todos já vimos que neste seu recurso, o mesmo autor/apelante considera incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto:
Considera que deve ser deve ser completado o ponto 26 dos factos provados;
Entende que deve ser alterada a resposta ao ponto I dos factos não provados.
Defende não ter sentido, nem corresponder à prova produzida a limitação constante dos pontos 45 a 53 dos factos provados;
Afirma que devem ser considerados como provados, os factos julgados não provados sob os números III e IV.
Vejamos pois cada uma destas pretensões.
Da análise dos elementos processuais que temos ao nosso dispor o que desde logo se verifica se verifica é que o referido ponto 26 dos factos provados teve por base o alegado pelo autor no artº.23º. da sua petição inicial, no qual e entre o mais, se alegava que “a mesma era consequência directa das lesões que sofreu no acidente dos autos”.
Verifica-se que o tribunal “a quo” omite a referida ligação às lesões sofridas pelo autor no acidente dos autos.
Tem no entanto razão, o mesmo autor agora apelante quando afirma que da prova documental produzida nos autos demonstra a alegada causalidade.
Assim, da informação prestada pela G..., a 21/7/2004 resulta que o autor teve várias recaídas, sempre referentes à úlcera varicosa da perna direita, lesões que se iniciaram em 1996 e que se agravaram com o acidente dos autos (cf. pág. 3, último § do relatório médico legal e referido documento junto pela G...).
Tal agravamento das lesões é também confirmado pela declaração emitida pelo Dr. H..., Director Clínico da Companhia de Seguros W..., SA, em 17 de Outubro de 2005, da qual consta que “o sinistrado acima sofreu agravamento do acidente ocorrido em 09.08.1996 – Infecção aguda do tornozelo e pé direito” (cf. doc.3 junto a fls. 24 com a petição inicial).
A este propósito é também importante considerar o que resulta do depoimento prestado em julgamento pela testemunha Dr. I..., médica de medicina geral e familiar, com domicílio profissional no Centro de Saúde de ... – extensão de ..., desde 1986, cujo depoimento se encontra gravado ao longo de 00.20.23 na gravação da audiência de 9 de Março 2015 e do qual e com mais relevância, resulta o seguinte:
A mesma começou por referir que o autor ia à consulta ao Centro de Saúde de ... para a pôr a par do seu estado de saúde, sendo assim que tomou conhecimento das suas lesões.
Quanto às mesmas lesões e à causa das mesmas, disse recordar-se que as mesmas foram no membro inferior direito.
Declarou saber das complicações que surgiram por força de tais lesões, aludindo a complicações vasculares circulatórias a nível do membro inferior, as que acompanhou mais de perto.
Soube referir que o autor já tinha complicações desta natureza, perturbações da circulação, ainda antes de 2004.
No entanto, não deixou de realçar que qualquer situação que provoque algum tempo de imobilização dos membros agrava os problemas desta natureza.
Identificou os problemas clínicos do autor como uma insuficiência vascular qualificando a mesma como uma situação geral, básica, afirmando que existindo varizes dos membros inferiores, tal facto possibilita a ocorrência de tromboflebites.
Resumiu a situação do seguinte modo:
As complicações que o meu utente manifestou foi precisamente um estado mais agravado da sua situação vascular.
Esclareceu o termo “úlcera varicosa” como uma das complicações da insuficiência venosa, explicando que tal ocorre quando uma variz fica num estado de insuficiência de tal maneira grave que leva muito mais tempo a cicatrização dos tecidos.
Referiu que o autor já antes tinha tido uma lesão varicosa que acabou por ser curada ao fim de relativamente pouco tempo.
Quanto à que agora se discute afirmou que a mesma levou muto mais tempo a curar, dizendo que a mesma tem por vezes agravamentos.
Foi peremptória na forma como afirmou que apesar de não ser especialista, o que podia dizer como médica de medicina geral e familiar é que o estado venoso, o estado vascular do paciente ficou prejudicado e ficou agravado com a situação do acidente, do próprio acidente.
Voltou a referir que a imobilização, só por si já é prejudicial a qualquer situação vascular.
Quanto à forma como devem ser tratadas as úlceras varicosas o que disse foi que em regra o que se aconselha é que o paciente não ande demasiado tempo em cima do joelho lesado.
Falou ainda em “repouso relativo em que deve haver uma deambulação”, defendendo que pode haver mesmo uma suspensão da actividade desse membro, mas não pode andar mais que meia hora em deambulação.
Aludiu igualmente aos tratamentos com medicamentos e aos pensos que é necessário fazer diariamente ou de dois em dois dias.
Disse recordar-se de ter visto o autor no ano anterior (2014) e que nessa altura ele já estava francamente melhor da úlcera varicosa.
E isto apesar de apresentar sempre sinais de insuficiência venosa que continua a ter.
Aceitou a tese de que a úlcera varicosa pode ser tratada pelo de meias elásticas, meias de contenção.
Quando confrontada com o facto de o autor ter sofrido uma lesão no perónio da perna esquerda e apresentar problemas venosos na perna direita, esclareceu a questão da seguinte forma:
“Estando uma perna imobilizada, onde é que se faz maior pressão? Faz-se maior pressão é precisamente no membro que não está lesionado.”.
Quanto ao acidente de que o autor foi vítima em 1990, afirmou não se recordar das lesões então sofridas pelo seu paciente, afirmando só conseguir responder aos factos que ao mesmo possam dizer respeito, com recurso ao seu registo clínico.
Em suma, tem pois razão o autor apelante quando afirma que da prova acabada de referir, documental e testemunhal, se conclui o seguinte:
Que a úlcera varicosa de que padeceu, embora tendo a ver com uma deficiência circulatória anterior, acabou por ser agravada e por se manifestar na sequência da imobilização a que o autor foi sujeito por virtude das lesões sofridas em consequência do acidente dos autos.
Justifica-se pois que ao ponto 26 dos factos provados seja acrescentado que “a mesma (úlcera varicosa), também é consequência da imobilização e tratamentos a que o autor foi sujeito em consequência das lesões que sofreu no acidente dos autos”.
Tem também razão o autor ora apelante quando neste seu recurso afirma que o ponto I dos factos não provados está em contradição com o ponto 23 dos factos provados.
Senão, vejamos.
No referido ponto 23 decorre do que também ficou a constar do ponto 22 ou seja, que na sequência de ter sido detectado um novo problema de saúde ao autor, uma “infecção aguda do tornozelo do pé direito”, se “determinou um novo internamento entre 17 de Agosto e 6 de Setembro de 2005, na G... em Coimbra”.
É o que resulta sem dúvida do exarado no documento 3, constante de fls.24 e ao qual já aqui foi feita expressa referência.
Ou seja, o conteúdo deste documento junto com a petição inicial, infirma o que foi feito constar no ponto I. dos factos não provados, impondo por isso, que seja suprimido.
Por outro lado, a restante prova produzida nos autos não permite manter como provada a limitação temporal que ficou a constar dos pontos 41 e 45 a 53 dos factos provados.
Tal conclusão resulta de forma evidente pelos depoimentos prestados na audiência de julgamento de 9.03.2015, pelas testemunhas K..., funcionário da D..., desde 1991, cujo depoimento se encontra gravado em 00.18.20, L..., funcionário da D..., desde 1998, cujo depoimento se encontra gravado em 00.14.12 e M..., funcionário da D..., depoimento gravado em 00.08.43 e dos quais resulta o seguinte:
- Que antes do acidente dos autos, o autor era uma pessoa bem-disposta;
- Que depois do acidente, o autor começou a aparecer nervoso e chateado;
- Que tinha medo de andar de ir para a estrada e ficou com trauma;
- Que o último acidente tinha sido muito traumatizante para ele;
- Que se tornou agressivo e que andava mais chateado;
- Que passou a ter mais dificuldade no trabalho sobretudo a subir e descer taludes
Tem pois razão o autor ora apelante, quando afirma que dos depoimentos prestados por estas testemunhas resultou provada a sua alteração de humor descrita nos pontos 45 a 53, mas tendo apenas por referência o acidente dos autos.
Tal conclusão também resulta do depoimento prestado em julgamento pela testemunha N..., funcionário da D... desde 1989, gravado em 00.16.30 (na audiência de 20.03.2015).
Assim do mesmo pode retirar-se o seguinte:
- Que antes do acidente dos autos, o autor era uma pessoa bem-disposta;
- Que depois do acidente o autor começou a ser mais pacato e mais fechado;
- Que passou a ter mais dificuldade no trabalho sobretudo a subir e descer taludes;
- Que esta dificuldade se reflectia no seu humor.
Importa ainda referir o depoimento prestado pela mãe do autor, a testemunha O..., gravado em 00.07.18 na mesma audiência de 20.03.2015, designadamente na parte em que a mesma afirmou que “antes do acidente o autor era calmo, não tratava ninguém mal”, mas que depois do acidente dos autos “ficou desnorteado e tratava mal a mulher e o filho, afirmado frequentemente “vou para a morte”, quando ia trabalhar.”.
Assiste assim razão ao autor/apelante, quando afirma que não existe prova suficiente para a “redacção limitativa” que foi dada aos pontos 45 a 53.
E isto quando salienta que não foi produzida prova quanto ao modo como terá ocorrido o acidente de 1996, nem quanto às lesões então sofridas pelo autor.
Em suma, do que aqui se provou impõe-se concluir que os danos sofridos pelo autor após o acidente dos autos são consequência deste e não de qualquer outro.
Existem por isso razões para conceder provimento ao recurso aqui interposto e para alterar do seguinte modo a redacção dos pontos 41 e 45 a 53 dos factos provados:
“41-Em consequência do acidente dos autos, o Autor começou a transparecer de uma maior oscilação de humor e maior irritabilidade no relacionamento com a mulher e filho;
45-Este comportamento agrava-se quando vai trabalhar e se depara com situações semelhantes às quais se deu a ocorrência do acidente.
46-Sendo que, o Autor tem muito receio de andar de carro.
47-À data do acidente de viação, o Autor era uma pessoa alegre e pacata (ponto 32) da Base Instrutória).
48-Após o acidente dos autos, o Autor passou a ser uma pessoa triste (ponto 33) da Base Instrutória).
49-Fechada (ponto 34) da Base Instrutória).
50-Amargurado (ponto 35) da Base Instrutória).
51-Deprimido (ponto 36) da Base Instrutória).
52-E no trabalho cansa-se mais facilmente (ponto 37 da Base Instrutória).
53-O trabalho do Autor exige que ele esteja curvado (ponto 38 da Base Instrutória).”.
Finalmente, o autor/apelante pretende ver como provados os factos vertidos nos pontos III e IV e que são os seguintes:
“III-O Autor, por força das lesões sofridas em consequência do acidente dos autos, faltou justificadamente ao serviço durante mais de 30 dias por ano, e não conseguiu a progressão na carreira (ponto 77) da Base Instrutória).
IV- O Autor perdeu a gratificação extraordinária, por força das lesões sofridas em consequência do acidente dos autos (ponto 79) da Base Instrutória).”.
Para o efeito chama à colação os depoimentos prestados pelas testemunhas K..., cujo depoimento está gravado em 00.18.20, L..., cujo depoimento se encontra gravado em 00.14.12, M..., cujo depoimento se encontra gravado em 00.08.43, todos na gravação da audiência de 9.03.2015 e N..., cujo depoimento está gravado em 00.16.30 da gravação da audiência de 20.03.2015.
Como nos era imposto, procedemos à audição das referidas gravações e perante as mesmas chegamos a conclusões em tudo idênticas às que retirou o autor/apelante.
Assim, da análise ponderada de tais depoimentos o que se extrai relativamente à situação profissional do autor (e dos seus colegas de trabalho), é o seguinte:
- Que quando se está de baixa não se recebe gratificação;
- Que que essa gratificação é paga se não houver faltas mesmo por doença ou baixa;
- Que de 3 em 3 anos sobe-se uma letra na tabela de vencimentos;
- Que desde o último acidente, o B... não tem subido de letra;
- Que não tem subido de letra por causa das baixas;
- Que não tem subido na carreira, por causa dessas mesmas baixas.
Ou seja, o declarado nos referidos depoimentos permite (e impõe) que sejam dados como provados os factos constantes dos aludidos pontos III e IV.
Não vale pois, a fundamentação vertida na decisão recorrida a propósito desta matéria e que foi, recorde-se, a seguinte:
“c) Relativamente ao facto constante dos pontos iii) e iv), deveu-se ao facto de se dar como provado os factos constantes dos pontos 20) a 22) pelas razões aí indicadas na motivação de tais factos, e portanto, se o Autor faltou justificadamente 30 dias por ano, após o términus do período do défice funcional temporário e não conseguiu a progressão da carreira e perdeu tal gratificação, tal não se deveu às lesões decorrentes do acidente de viação dos autos, as quais estavam curadas no términus do período dos danos temporários, e por inerência lógica, não se podia deixar de dar como não provada tal factualidade.”.
Tem pois razão o autor/apelante quando critica esta fundamentação e afirma que o Tribunal “a quo” não podia “resolver em sede de matéria de facto, uma questão que devia resolver-se em sede de direito, ou seja, de interpretação dos artigos 562º e seguintes do Código Civil.”.
Em suma, também aqui procedem os argumentos recursivos aqui trazidos pelo mesmo autor/apelante, impondo-se que seja dada como provada a factualidade constante dos pontos III e IV dos factos não provados.
Concluindo, por estarem verificados os pressupostos previstos no art.º662º, nº1 do Código de Processo Civil, concede-se total provimento ao recurso da decisão de facto aqui interposto e modifica-se a mesma nos termos sobreditos.
E procedendo o recurso quanto a esta matéria, terá que proceder também, pelo menos em parte, o mesmo recurso relativamente às questões de Direito.
Vejamos, pois.
Como todos sabem, na determinação da indemnização a atribuir ao autor importa considerar o seguinte conjunto de normas do nosso direito substantivo:
A do art.º562º do Código Civil, segundo a qual, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Também a do art.º563º onde se dispõe que “a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Mais ainda o art.º564º que afirma que “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”.
Por último, a do art.º 566º, nº1 quando refere que “a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.
Em face de tais normas e nomeadamente a do art.º562º, é importante recordar que o princípio geral que preside à obrigação de indemnizar é o da restauração ou reposição natural, ou seja, o de que a reparação de um dano deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse havido a lesão.
No entanto e agora perante o disposto no art.º566º, nº1, é consabido que tal princípio, o da restituição natural, só é substituído ou completado pela indemnização em dinheiro, em três situações taxativas: quando for impossível a restauração natural, quando esta não reparar integralmente os danos ou quando a restauração natural for excessivamente onerosa para o devedor.
Em suma, a regra é a da reparação natural.
A indemnização em dinheiro é excepcional ou subsidiária, só tendo cabimento quando a restauração natural for impossível, insuficiente ou se revelar excessivamente onerosa para o devedor.
Mais, entre os danos indemnizáveis contam-se para além dos patrimoniais os que tendo natureza não patrimonial, mereçam pela sua gravidade, a tutela do direito.
Aqui o montante da sua indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, atento o disposto no art.º496º, nºs 1 e 3 do CC.
Valendo como valem todas estas considerações de carácter geral importa agora descer ao concreto.
E ponderando o conjunto de factos que no caso temos como provados, cabe concluir que merecem acolhimento os fundamentos nos quais o autor/apelante sustenta este seu recurso.
Assim tem desde logo razão quando afirma ter ficado por provar que antes do acidente dos autos e mesmo sofrendo de sequelas em consequência de um acidente anterior, cuja verificação, extensão e sequelas também não se provaram, tivesse qualquer limitação de trabalho.
Igualmente quando salienta que também está por provar, que antes do acidente dos presentes autos e mesmo tendo problemas de circulação, tivesse padecido de algo semelhante à “úlcera varicosa”, de que veio posteriormente a padecer.
Mais também, que ficou por provar que, antes do acidente dos autos e apesar do acidente anterior, o comportamento do autor já fosse o de uma pessoa que tivesse medo de andar de carro.
E isto quando opostamente se provou que antes deste acidente, era uma pessoa alegre e pacata, passando depois dele a ser uma pessoa triste, fechada, amargurada e deprimida.
Por fim, quando alerta para a circunstância de não ter ficado provado que antes do acidente, se cansasse mais sobretudo a subir e descer taludes.
Por força do que decorre do disposto no nº2 do art.º 342º do Código Civil, cabia à ré, X..., SA., a alegação e subsequente prova de tais factos, o que manifestamente não conseguiu.
É pois sem estes factos que devem ser aplicadas as regras supra citadas, atribuindo ao autor uma indemnização que espelhe a diferença entre a situação em que o mesmo se encontra hoje e aquela em que se encontraria se não fosse o acidente dos autos.
E nesta avaliação não pode deixar de ser tida em conta a úlcera varicosa que se manifestou só depois do período de tratamento do acidente dos autos, mas que não obstante possa ter como causa distante os problemas circulatórios de que padecia, não deixa de ter como causa próxima apurada, o internamento e o período de imobilização a que foi sujeito para tratamento das lesões que sofreu em consequência deste acidente.
Tem assim razão o ora apelante, quando afirma que a mesma “não pode ser usada como factor de exclusão da indemnização, mas deve ser englobado nessa indemnização, o custo do seu tratamento, bem como as perdas de rendimento que acarretou para o autor”.
Também, ao referir que a reconstituição da situação em que se encontrava antes do acidente dos autos, não sendo possível integralmente, terá de o ser através de uma indemnização que pague os danos patrimoniais sofridos, nos quais estão englobadas as despesas médicas, medicamentosas e outras cujo montante se provou ser no total de 361,89 €, mais os rendimentos que perdeu por estar de baixa, bem como as perdas em sede de prémios e promoções que não pode ver realizadas por força da doença de que padeceu, bem como os reflexos dessas perdas de rendimentos na pensão de aposentação final cujo concreto valor não se apurou.
Por fim, quando salienta que não pode deixar de ser indemnizado pelo seu sofrimento ao longo de cerca de uma década e até ter ficado curado.
Ora já todos sabemos que a tal título (pelos danos não patrimoniais), foi arbitrada na sentença recorrida, uma indemnização de 6.000,00 €.
Na mesma decisão, foi referido tal montante espelhava os valores normalmente usados pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.
Aceitando tal entendimento o certo é que a mesma não poderá deixar de ser “acertada” por virtude da modificação agora operada na decisão de facto.
E a ser assim, consideramos que se mostra mais adequado quantificar esta indemnização no montante de 7.000,00 € (a este propósito e com interesse para o caso, quer pelo conteúdo da decisão proferida, quer pela inúmera jurisprudência citada cf. o acórdão do STJ de 17.12.2015, no processo 3558/04.1TBSTB.E1.S1, relatado pela Sr.ª Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza).
Em suma, concedendo parcial provimento ao recurso, deve a presente acção ser julgada parcialmente procedente por parcialmente provada, condenando-se a ré, X..., S.A. no pagamento das quantias indemnizatórias antes melhor apuradas.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso de apelação e altera-se nos seguintes termos a sentença recorrida:
Julga-se parcialmente procedente por parcialmente provada a acção e, em consequência, condena-se a ré, X... SA., a pagar ao autor, B... as seguintes quantias indemnizatórias:
a) A quantia de 361,89 € de despesas médicas, medicamentosas e outras de natureza similar;
b) A quantia de 7.000,00 por danos não patrimoniais sofridos;
c) Relega-se para liquidação em execução de sentença a determinação do valor dos rendimentos salariais perdidos pelo autor durante o período da sua baixa, das perdas em sede de prémios e promoções que não viu realizadas por força da doença de que padeceu, bem como dos reflexos dessas perdas de rendimentos na sua pensão de reforma;
d) Às quantias das alíneas a) e b) acrescem juros de mora à taxa de juros civis legalmente em vigor, contados desde a data desta decisão e até efectivo e integral pagamento.
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As custas em ambas as instâncias são a cargo da ré/apelada e do autor/apelante na proporção do respectivo decaimento (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 13 de Setembro de 2018
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
José Manuel de Araújo Barros