Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
897/23.6YLPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA VIEIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP20240208897/23.6YLPRT.P1
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, aplica-se aos contratos de arrendamento para habitação, sucessivamente renováveis, vigentes à data da sua entrada em vigor (13-02-2019), e fixa um prazo imperativo mínimo de três anos para renovação do contrato de arrendamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 897/23.6YLPRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto - JL Cível - Juiz 8
Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Desembargador Dr. Carlos Portela
2º Adjunto Desembargador Dr. Maria Manuela Barroco Esteves Machado
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO

A..., SA intentou no Balcão Nacional do Arrendamento um procedimento especial de despejo contra AA e BB, peticionando o despejo dos requeridos do imóvel que lhes arrendou correspondente ao quarto andar direito frente do prédio situado na Rua ..., com fundamento na cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação.

Os requeridos foram regularmente citados, tendo deduzido oposição pugnando pela improcedência da pretensão da requerente e subsidiariamente pedindo, para no caso de procedência do pedido de despejo, o deferimento da desocupação do imóvel.

A requerente notificada para se pronunciar sobre a oposição deduzida pugnou pela procedência da sua pretensão.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com estrita observância dos formalismos legais.


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Na sentença recorrida foi decidido: «… VI.

Nestes termos, decido:

- julgar procedente a oposição deduzida pelos requeridos e, em consequência, não ordenar a entrega do locado por a oposição à renovação ser intempestiva, absolvendo os requeridos do pedido formulado.


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VII.

Custas a cargo da requerente – art.º 527.º do Código de Processo Civil. Registe e Notifique..…»(sic).


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Inconformada com tal decisão, veio a requerente interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos autos e com efeito suspensivo.

A autora com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:«… II – Conclusões:

A. Celebraram as partes um contrato de arrendamento para habitação permanente, com prazo de duração inicial de 5 (cinco) anos, com início em 1 de janeiro de 2014, renovável por iguais e sucessivos prazos de 1 (um) ano, salvo denúncia das partes.

B. Sendo o arrendamento celebrado por prazo certo, automaticamente renovável pelos períodos contratualmente estabelecidos de um ano.

C. Ficaram ainda estipulado contratualmente, de acordo com a lei, os prazos de denúncia, bem como de revogação do contrato.

D. O contrato esteve vigente oito anos, estando, portanto, ultrapassado o período mínimo de vigência dos contratos de arrendamento urbanos destinados à habitação passíveis de renovação, consagrado no n°3 do artigo 1097° do Código Civil, pelo que a correta interpretação do regime legal vigente impõe considerar que a oposição à renovação do contrato por mais um ano produziu efetivamente efeitos.

 

E. Nos termos da redação conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil estipulava que, salvo estipulação em contrário, o contrato de arrendamento habitacional celebrado com prazo certo renovava-se automaticamente no seu termo por períodos sucessivos de igual duração.

F. A propósito desta norma, aplicável a contratos de arrendamento urbano para fins habitacionais com prazo certo, não existiam dúvidas de que, por um lado, às partes era permitido celebrar um contrato sem renovação automática, isto é que previsse a caducidade do mesmo com o decurso do prazo estipulado. Por outro lado, não tendo as partes excluído o regime da renovação automática, podiam as mesmas estabelecer livremente os prazos aplicáveis a tais renovações (sem prejuízo do limite máximo de 30 anos previsto no artigo 1025.º do Código Civil).

G. As partes admitem e aceitam, tal como já resultava da posição assumida nos articulados, que apesar de celebrado o contrato ao abrigo do regime jurídico previsto na Lei 31/2012 de 14 de agosto, tem imediata aplicação a lei nova, Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil, por se tratar de questão que regula sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento, aplicando-se, assim, às relações de arrendamento já constituídas e que se mantém, por se tratar de contratos de execução duradoura.

H. Interpretando, da forma que nos impõe o artigo 9° do Código Civil, o n°1 do artigo 1096° do mesmo diploma, ensina Jorge Pinto Furtado que "Parece, pois, de pensar de tudo isto que é perfeitamente legítimo estipularem-se renovações de períodos iguais entre si, ainda que diferentes da duração contratual inicial.”

I. O que está em discussão é saber se o disposto no artigo 1096.º do Código Civil tem carácter imperativo ou supletivo e, em consequência, qual o prazo da Renovação em curso: é de 5 anos, de três anos ou de 1 ano.

 

J. Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 24.05.2022, processo 7855/20.0T8LRS.L1-7, in www.dgsi.pt., a redação da norma não é, por si, suficiente para tomar posição nessa questão, «porquanto, na sua parte inicial, ressalva a estipulação em contrário, sem que possa afirmar-se que o faz apenas por referência ao primeiro segmento, ou seja, para estipular apenas a faculdade de as partes afastarem a renovação automática, ou se também abrange o segundo segmento da norma, possibilitando que estas convencionem períodos de renovação de duração inferior ao limite mínimo de três anos aí previsto.

K. Sobre esta matéria, ainda que a propósito dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais (embora a lei remeta para as normas o arrendamento para habitação com prazo certo), refere Jéssica Rodrigues Ferreira, in Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, pp. 82-95[ Revista Eletrónica de Direito, fevereiro 2020, página 82, in https://ciie.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-Jéssica-ferreira 1584.pdf]: “Parece- nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores - dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise – cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas – um pacote de “pegar ou largar”, em que as partes estariam adstritas a optar entre contratos não renováveis ou, optando por um contrato automaticamente renovável no seu termo, com períodos sucessivos de renovação de duração obrigatoriamente igual à duração do contrato ou de cinco anos se esta for inferior, pois ainda que a ratio subjacente a esta alteração legislativa tenha sido reforçar a estabilidade dos contratos, se o legislador deixou ao critério das partes o mais – optar por renovar ou não o contrato – também se deve entender que lhes permite o menos – optando por renovar o contrato, regular os termos dessa renovação.

L. Também Edgar Alexandre Martins Valente (Arrendamento Urbano - Comentários às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente - Almedina - 2019, página 31, em anotação ao artigo 1096. ° do Código Civil) entende que "...as partes, à semelhança do que já sucedia na redação anterior da norma, podem definir regras distintas, designadamente estabelecendo a não renovação do contrato, ou a sua renovação por períodos diferentes dos referidos, atenta a natureza supletiva da norma.

M. Na vigência da versão da norma em apreciação decorrente da Lei n° 31/2012, de 14 de Agosto, onde se previa que "Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração...", também nada impedia que as partes previssem um período para a renovação diferente do período inicial do contrato, vincando a ideia de total supletividade da norma que lhe é dada pela expressão inicial, a qual não sofreu alteração, mantendo-se atualmente o mesmo regime, em que prevalece disposição contratual expressa sobre a matéria ali prevista.

N. Por outro lado, "Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica." (Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 04 de Maio de 2011, processo n° 4319/07.1TTLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt), sendo certo que nenhum destes elementos lógicos permitem que a correta interpretação da norma sub judice seja feita nos termos em que a faz o Tribunal a quo.

O. A interpretação feita pela decisão recorrida parece ter ignorado a dimensão literal da norma e os seus elementos histórico e sistemático, a pretexto de um alegado elemento teleológico que falece por vários motivos, entre os quais o facto de tal norma não constar sequer da proposta de lei, quando foi enunciada a respetiva exposição de motivos, não podendo, portanto, justificar-se a existência daquela com a sua essencialidade para o cumprimento destes.

P. Este argumento é reforçado pela remissão operada no n.º 1 para o regime de oposição à renovação previsto para o arrendamento habitacional, regulado nos art. 1097.º e 1098.º, onde se continuam a prever prazos de oposição à renovação específicos para os casos de duração inicial do contrato ou das suas renovações inferiores a cinco anos (al. b) e c) do n.º 1 do art. 1097.º e al. b) e c) do n.º 1 do art. 1098.º).

Q. No sentido de que o prazo da renovação admite estipulação em contrário, ISABEL ROCHA, PAULO ESTIMA, Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª edição, Porto, Porto Editora, 2019, p. 286 e JORGE PINTO FURTADO, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 2019, p. 579 (para o arrendamento habitacional), onde se lê, a jeito de conclusão, que se pode “validamente estabelecer, ao celebrar-se um contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações de dois, ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender” e pp. 686- 687 (para o arrendamento não habitacional), onde se pode ler que o contrato se pode renovar por “períodos sucessivos e iguais, entre si, de um, dois, três, quatro ou, em suma, os mais anos que se pretendam”.”

R. Assim, ainda que reconhecendo que as normas imperativas previstas na Lei n.º 13/2019 se aplicam também aos contratos celebrados em data anterior à sua entrada em vigor, a autora afasta essa aplicação quanto às normas supletivas, onde integra a nova duração supletiva do prazo de renovação:

“Parece-nos que, regra geral, as normas imperativas previstas na Lei 13/2019 se aplicam não apenas aos contratos futuros, mas também aos contratos celebrados em data anterior à entrada em vigor da lei, nos termos da regra geral sobre aplicação da lei no tempo prevista no n.º 2 do art. 12.º, na medida em que tais normas contendem com o conteúdo de relações jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem.

S. Não nos parece, porém, que as disposições supletivas da nova lei, como por exemplo a nova duração supletiva dos contratos de arrendamento para fins habitacionais e a renovação dos contratos por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, se apliquem aos contratos celebrados antes de fevereiro de 2019, aos quais se continuarão a aplicar as normas supletivas vigentes aquando da sua celebração,

 

solução esta que era, aliás, a consagrada no art. 59.º da Lei 6/2006 e a que decorre do próprio n.º 2 do art. 12.º, pois embora se trate da regulação do conteúdo da relação jurídica, estas normas não se abstraem dos factos que lhe deram origem.

T. Na verdade, ao celebrarem o contrato, as partes nortearam os seus interesses e arquitetaram o equilíbrio das suas relações com base na lei vigente, a qual se deve, por isso, considerar “como incorporada no contrato (lex transit in contractum) por ter sido como que tacitamente acolhida nas suas disposições pela vontade das partes”.

U. Pelo que se entende, que a comunicação de oposição de renovação do contrato por parte da Requerente/Autora, enquanto senhoria é válida, eficaz e tempestiva tendo produzido os seus efeitos, pelo que o contrato de arrendamento cessou em 30/10/2022.

V. Ainda que se entendesse que pela aplicação do artigo 1096º de forma imperativa, interpretação com a qual não se concorda, sempre se diria, no que respeita à aplicação da Lei no tempo que:

A compreensão desta matéria implica uma reflexão sobre a forma como se foi renovando o contrato em apreço, de acordo com o respetivo teor e com a legislação, entretanto, aplicável.

W. De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/01/2023, Processo n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1 (Pedro Lima Gonçalves), a redação do art.º 1096.º, terá aplicação?

Sim, se essa for a primeira renovação.

Não, se a primeira renovação já tiver decorrido anteriormente à entrada em vigor da lei 13/2019.

X. No caso concreto, o contrato iniciou-se em 01/10/2013, tendo tido a sua primeira renovação (por um ano) a 1/11/2018. Como tal, a 30/10/2022, data da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei 13/2019, de 12-02, havia já operado a primeira renovação do contrato, que vigorou até 30/10/2018,

 

Y. Tendo, então, sido renovado sucessivamente a 1 de Novembro dos anos subsequentes, por períodos de um ano, até que a senhoria, ora Recorrente, se opôs à renovação, nos termos legais.

Z. Não tendo entendido e decidido conforme exposto, a douta sentença recorrida fez incorreta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, designadamente do artigo 1096.º do Código Civil.

AA. Devendo como tal ser substituída por outra que, julgando o contrato validamente resolvido, defira a ordem de despejo requerida.

Assim, com o Douto Suprimento do Tribunal ad quem, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão que julgou totalmente improcedente a ação, sendo a mesma substituída por outra que verifique a caducidade do contrato de arrendamento (por oposição à sua renovação pelo senhorio) e, consequentemente condene a R. nos pedidos formulados, fazendo-se assim, inteira e sã

JUSTIÇA…»(sic).


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Os réus juntaram contra-alegações, pugnando em resumo pela manutenção da decisão recorrida e pela improcedência do recurso.


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Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.

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II - DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objecto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

Porque assim, atendendo á estrutura das conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, resulta que a única questão a decidir é saber se à luz do artigo 1096º do código civil, redação da lei 13/2019 de 12.02 a oposição à renovação do contrato de arrendamento objecto dos autos é válida


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III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Nesse contexto, cumpre referir que a sentença recorrida consignou a seguinte matéria de facto : «… II.

Discutida a causa mostram-se provados os seguintes factos:

1. Em 1/10/2013 o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional Solução Arrendamento declarou dar de arrendamento, com prazo certo, aos requeridos que declararam aceitar, para habitação, a fração autónoma designada pela letra “T” correspondente ao 4.º andar direito frente do prédio situado na Rua ..., no Porto, mediante o pagamento da quantia mensal de 200,00euros, no primeiro dia útil do mês  anterior a que dissesse respeito, pelo período de 5 anos, com início em 1/10/2013 e término em 31/10/2018, tendo sido acordado que “renovar-se-á por iguais e sucessivos períodos de 1 (um) ano, salvo se for denunciado por qualquer das partes.”

2. A requerente adquiriu a fração autónoma referida em 1., mostrando-se a mesma inscrita a seu favor na CRP mediante a inscrição AP. ...23 de 2022/01/31, tomando a posição de senhoria.

3. Por cartas registadas com aviso de receção, datadas de 18/3/2022 e recebidas por cada um dos requeridos a 24/3/2022, a requerente comunicou aos requeridos que “(…) não pretendemos renovar o contrato de arrendamento com termo certo (…) respeitando a antecedência prevista na lei (240 dias).

Assim, o referido contrato cessará em 31/10/2022, devendo V. Ex.ª desocupar o locado nessa data, entregando-o livre de pessoas e bens.”

4. Por carta datada de 20/10/2022 os requeridos comunicaram à requerente que em relação à comunicação referida em 3., “Declinamos e teor da vossa referida comunicação;

Com efeito, nos termos do artigo 1096.º n.º 1 do Código Civil o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.

Assim, sendo não obstante o contrato referir que a sua renovação é por períodos de um ano, a verdade é que nos termos da disposição legal supra o contrato terá obrigatoriamente que se renovar por períodos de cinco anos.

Pelo exposto, o contrato de arrendamento encontra-se em vigor pelo menos até 31/10/2023, pelo que, não estão obrigados a entregar o imóvel a 31/10/2022. (…)”.

5. os requeridos candidataram-se junto da CMP, à atribuição de uma habitação social, o que foi deferido encontrando-se em lista de espera.

6. O requerido nasceu a ../../1945 e a requerida a ../../1950.

7. O requerido tem um rendimento anual de 3.776,39 euros a requerida de 1.751,46 euros.

8. Para fazer face às suas despesas os requeridos contam com o auxílio de familiares, nomeadamente da filha e do genro.


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III.

Factos não provados:

Não há.

Inexistem quaisquer outros factos, ainda que instrumentais, com relevo para a apreciação do mérito da questão..»(sic).


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IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO

Nesta fase cumpre analisar o mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito, analisando em resumo se devia a acção ser considerada procedente conforme pugnam os recorrentes.

A sentença recorrida quanto á fundamentação jurídica considerou em resumo o seguinte: «… A redação transcrita do art.º 1096.º do Código Civil apenas entrou em vigor em 13/2/2019 ou seja já depois da data prevista para o termo do contrato celebrado que ocorria a 31/10/2018. Ora, nessa data, o art.º 1096.º, n.º1 do Código Civil estabelecia que “1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”.

É sob a vigência desta norma que o contrato de arrendamento atinge o seu termo e terá de ser em função do nela estatuído que será apreciada a renovação do contrato de arrendamento.

O contrato de arrendamento foi celebrado em 1/10/2013, pelo prazo de 5 anos, ocorrendo o seu término a 30/10/2018, pelo que, tendo em consideração a redação do art.º 1096.º, n.º 1 do Código Civil na redação vigente à data, o contrato de arrendamento renovou-se por mais 5 anos, até 30/10/2023.

A requerente, por carta datada de 18/3/2022, recebida pelos requeridos em 24/3/2022, comunicou não pretender a renovação do contrato, solicitando a entrega do locado em 31/10/2022, data do termo do contrato de arrendamento.

Só que o contrato de arrendamento não terminava, como o afirmou a requerente, a 31/10/2022, mas a 31/10/2023, pelo que a oposição à renovação não poderia produzir os efeitos pretendidos porquanto o contrato ainda tinha vigência, válida, por mais 1 ano.

Assim, a oposição à renovação foi intempestivamente comunicada por pressupor o término do contrato de arrendamento a 31/10/2022, quando o mesmo apenas atingiria o seu termo a 31/10/2023, pelo que a mesma não pode ser considera apta à produção dos efeitos pretendidos.

Deste modo, teremos de concluir não ter a requerente validamente apresentado uma oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado com os requeridos pelo que não estão estes obrigados à entrega no locado em consequência da comunicação de oposição à renovação em apreciação…».

Os recorrentes consideram em síntese que celebraram as partes um contrato de arrendamento para habitação permanente, por prazo certo, automaticamente renovável pelos períodos contratualmente estabelecidos de um ano. Mais referem que o contrato esteve vigente nove anos, estando, portanto, ultrapassado o período mínimo de vigência dos contratos de arrendamento urbanos destinados à habitação passíveis de renovação, consagrado no n°3 do artigo 1097° do Código Civil, pelo que a correta interpretação do regime legal vigente impõe considerar que a oposição à renovação do contrato por mais um ano produziu efetivamente efeitos.

Alegam que as partes admitem e aceitam, que apesar de celebrado o contrato ao abrigo do regime jurídico previsto na Lei 31/2012 de 14 de agosto, tem imediata aplicação a lei nova, Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil, por se tratar de questão que regula sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento, aplicando-se, assim, às relações de arrendamento já constituídas e que se mantém, por se tratar de contratos de execução duradoura.

Consideram que o que está em discussão é saber se o disposto no artigo 1096.º do Código Civil tem carácter imperativo ou supletivo e, em consequência, qual o prazo da Renovação em curso: é de 5 anos, de três anos ou de 1 ano, sendo que entendem que o prazo de renovação admite estipulação em contrário (indicando doutrina e jurisprudência nesse sentido).

Pelo que concluem entendendo que a comunicação de oposição de renovação do contrato por parte da Requerente/Autora, enquanto senhoria, é válida, eficaz e tempestiva tendo produzido os seus efeitos, pelo que o contrato de arrendamento cessou em 31/12/2022.

Por fim, alegam que mesmo a considerar ser imperativa a norma do artigo 1096, teríamos de analisar se o  novo prazo se aplica ou não ao prazo de renovação inferior que estava em curso e consideram no sentido afirmativo se for a primeira renovação e não se  a primeira renovação já tiver decorrido anteriormente à entrada em vigor da lei 13/2019.

Consideram assim, que no caso concreto, o contrato iniciou-se em 01/01/2014, tendo tido a sua primeira renovação (por um ano) a 01/01/2019 e assim a 13/02/2019, data da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei 13/2019, de 12-02, havia já operado a primeira renovação do contrato, que vigorou até 31/12/2019,

Concluem, assim que a decisão recorrida não fez uma correta aplicação da lei e deve ser substituída por decisão que considere o contrato validamente resolvido e defira a ordem de despejo.


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Em resumo a questão invocada pelos recorrentes traduz-se em saber se após a entrada em vigor da lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, se o artigo 1096.º do Código Civil, determina que o contrato de arrendamento em apreço passou a renovar-se por períodos de três anos, por aplicação desta norma, ou continuou a renovar-se por períodos de um ano, face ao teor da clausula contratual.

No presente processo está em causa um contrato de arrendamento habitacional de duração determinada, celebrado pelo prazo de cinco anos, tendo-se acordado na renovação automática pelo período de um ano.

O regime legal da cessação deste contrato veio a ser objeto de alteração com a publicação da Lei 13/2019 de 12.02 que entrou em vigor a 13.02.2019.

O preambulo da Lei n.º 13/2019, de 12-02, estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.

Porque se trata de norma que contende com o “conteúdo de relações jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem” (artigo 12 nº2 do CCivil), as alterações legais relativamente ao prazo de oposição à renovação aplicam-se também aos contratos celebrados em data anterior à entrada em vigor da lei.

Está assente que a lei aplicável à matéria da cessação contratual, é o regime constante da lei 13/2019 de 12.02.

Estabelece o 1096 nº1 do CCivil na redacção da Lei 13/2019 de 12/2, que: «1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte».

A análise deste normativo é controvertida na doutrina e na jurisprudência.

Sobre a interpretação deste normativo estamos a seguir o entendimento de Maria Olinda Garcia (in “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, in revista Julgar online, março de 2019, pág. 11-12, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/03/20190305-JULGAR-Altera%C3%A7%C3%B5es-em-mat%C3%A9ra-de-arrendamento-Leis-12_2019-e-13_2019-Maria-Olinda-Garcia.pdf), que considera que as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano) e assim o  contrato caducará, assim, verificado esse termo. E considera que o legislador, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação de 3 anos.

Assim, considera que o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese do n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau.

Assim, o prazo de renovação contratualmente estipulado no caso dos autos (um ano), deverá nos temos d referido normativo, ser considerado ser de alargado para três anos.

Pelo exposto, concluímos que o artigo 1096 nº1 do CCivil na redacção da Lei 13/2019 estabelece que a renovação é pelo período mínimo de 3 anos, prevalece sobre o teor contratual estabelecido.

Neste sentido, e para outros desenvolvimentos vide a seguinte jurisprudência a titulo exemplificativo (disponível na DGSI):

- Ac do STJ Processo: 3966/21.3T8GDM.P1.S1, Relator: JORGE LEAL, Data do Acórdão: 20-09-2023 Sumário: Na sequência da alteração introduzida ao n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, os contratos de arrendamento habitacionais, com prazo certo, quando renováveis, estão sujeitos à renovação pelo prazo mínimo de três anos;

- Ac da RP  Processo: 944/22.9T8VCD.P1, Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA, Data do Acórdão: 15-06-2023, sumário:«..V - O n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na redacção da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, fixa um prazo imperativo mínimo de três anos de renovação do contrato, pelo que as partes de um contrato de arrendamento para habitação com prazo certo podem acordar a sua não renovação, mas se acordarem a renovação não podem estipular que esta ocorra por prazo inferior a três anos.»;

- Ac da RP Processo: 328/23.1YLPRT.P1 Relator: PAULO DIAS DA SILVA, data 12-10-2023, Sumário: I - A oposição à renovação é um direito potestativo que depende apenas da vontade de quem emite a declaração, sem precisar de invocar qualquer justificação e só opera para futuro. Como única condicionante, impõe-se-lhe apenas que respeite o período de aviso consignado na lei ou no contrato.

II - Dispondo a nova redacção do artigo 1096.º, do Código Civil, introduzida pela Lei 13/2019 de 12.2, sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento, e abstraindo a mesma do facto que lhe deu origem, é de concluir que a situação se enquadra na 2.ª parte do artigo 12.º do Código Civil, sendo a nova redacção aplicável às relações já constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor.

III - A expressão “salvo estipulação em contrário”, contida no nº 1 do artigo 1096º do Código Civil, deve ser interpretada como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, e já não a de poderem contratar períodos diferentes de renovação. Assim, não havendo oposição válida e eficaz, os contratos de arrendamento para habitação renovam-se por mínimos de 3 anos, ou por período superior, caso o período de duração do contrato seja superior a 3 anos.

IV - Assim, o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na nova redacção introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, fixa um prazo de renovação mínimo de três anos, de natureza imperativa não podendo as partes convencionar um prazo de renovação inferior.”

Portanto, consideramos que a alteração introduzida ao artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, tem natureza imperativa e não supletiva.

Assim, tendo as partes acordado na renovação do contrato de arrendamento, a renovação ocorre automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.

Assim, ao contrato dos autos é aplicável o  prazo mínimo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento previsto no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, que entrou em vigor em 13-02-2019, pelo que o novo termo ocorrerá apenas findo o decurso desse prazo de três anos, ou seja em 31-07-2023 e, assim sucessivamente, caso não seja denunciado pelas partes nos termos contratualmente fixados.

Portanto, nos termos do artigo 1096 nº1 do CCivil, as partes têm liberdade para fixar a não renovação do contrato, mas caso estabeleçam a sua renovação, imperativamente a mesma terá de ser por um período de 3 anos, caso seja inferir.

No caso dos autos, o contrato é de 5 anos, é assim, o prazo a ter em conta quanto á renovação é de 5 anos.

Pelo exposto, a disposição contratual não prevalece sobre o disposto no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil na redação da Lei n.º 13/2019 e o contrato em apreço passou com esta alteração a estar sujeito a renovação pelo período de três anos. Logo, a oposição à renovação comunicada pela senhoria não é válida para a data para que foi comunicada (e a nova data em que isso é possível ainda não foi alcançada).

No caso dos autos, e aderindo-se ao referido na sentença recorrida, o contrato de arrendamento, com prazo certo, foi celebrado em 1/10/2013, tendo os contraentes acordado que seria pelo período de 5 anos com início em 1/10/2013 e término em 31/10/2018, e que se renovaria “(…) por iguais e sucessivos períodos de 1 (um) ano, salvo se for denunciado por qualquer das partes.” O contrato de arrendamento foi celebrado em 1/10/2013, pelo prazo de 5 anos, ocorrendo o seu término a 30/10/2018, pelo que, tendo em consideração a redação do art.º 1096.º, n.º 1 do Código Civil na redação vigente à data, o contrato de arrendamento renovou-se por mais 5 anos, até 30/10/2023.

A requerente, por carta datada de 18/3/2022, recebida pelos requeridos em 24/3/2022, comunicou não pretender a renovação do contrato, solicitando a entrega do locado em 31/10/2022, data que considerava como sendo do termo do contrato de arrendamento.

Só que o contrato de arrendamento não terminava, como o afirmou a requerente, a 31/10/2022, mas a 31/10/2023, pelo que a oposição à renovação não poderia produzir os efeitos pretendidos porquanto o contrato ainda tinha vigência, válida, por mais 1 ano.

Assim, a oposição à renovação foi intempestivamente comunicada por pressupor o término do contrato de arrendamento a 31/10/2022, quando o mesmo apenas atingiria o seu termo a 31/10/2023, pelo que a mesma não pode ser considera apta à produção dos efeitos pretendidos.

Pelo exposto, e quanto á fundamentação jurídica, conclui-se que o presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de improceder na sua totalidade.


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III - DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).

 



Porto, 8/2/2024
Ana Vieira
Carlos Portela
Manuela Machado
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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.