Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
411/14.4PFVNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DONAS BOTTO
Descritores: PERÍCIA
CUSTAS
PAGAMENTO
Nº do Documento: RP20170329411/14.4PFVNG-B.P1
Data do Acordão: 03/29/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTO Nº 15/2017, FLS. 210-211)
Área Temática: .
Sumário: I - O tribunal deve pagar as perícias/exames realizados pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária.
II - Como uma antecipação do pagamento, pois que a final esse valor será tido em regra da custas e a sua liquidação compete ao interveniente processual que vier a ser considerado como responsável pelo pagamento das custas do processo, ou não o havendo, ou delas estando isento, será o mesmo suportado pelo Cofre Geral dos Tribunais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 411/14.4PFVNG-B.P1

Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto

Por despacho constante de fls. 34, foi indeferido o pagamento da nota de debito referente às perícias efectuadas pelo LPC da PJ com base no ofício emanado do Gabinete da Senhora Ministra da Justiça e assinado pelo seu Chefe de Gabinete, datado 13 de Janeiro de 2012, onde se refere expressamente que "no âmbito da investigação criminal a realização de perícias e exames levados a cabo pela Policia Judiciária, enquanto órgão que coadjuva as autoridades judiciárias, são atos praticados na prossecução das suas atribuições, destinando-se as notas de débito emitidas à demonstração dos recursos utilizados e respetivos custos para o erário público".
Entendeu, pois, o tribunal recorrido que daqui resulta claramente que não devem ser pagas tais despesas, pelo que não ordenou o pagamento da citada nota de debito apresentada pela PJ em relação às perícias por esta efectuadas no inquérito.
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Inconformado, veio o MP interpor recurso deste despacho, alegando que em face da Portaria n.º 175/2011 de 28-4, deve o tribunal pagar as perícias/exames realizados pelo Laboratório de Policia Cientifica da Policia Judiciária, quando esta policia coadjuva as autoridades judiciárias na investigação criminal.
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Nesta Relação, a Ex.ma Sr.ª PGA é de parecer que o recurso deve proceder.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Começamos por referir que o Dec. Lei n.º 215/2012, de 28.09, que aprovou a estrutura orgânica da DGRSP, prevê, além do mais, no art. 3.º:
b) Assegurar o apoio técnico aos tribunais na tomada de decisão no âmbito dos processos tutelar educativo e penal;
c) Assegurar a execução de decisões judiciais que imponham medidas tutelares educativas e penas e medidas alternativas à pena de prisão, bem como a execução de penas e medidas com recurso a meios de vigilância eletrónica, prestando a adequada assessoria técnica aos tribunais;
d) Assegurar a execução de decisões judiciais que imponham penas e medidas que devam ser cumpridas no âmbito do sistema prisional e prestar a adequada assessoria técnica aos tribunais.
No art. 29.º, diz-se ainda:
1 - A DGRSP dispõe das receitas provenientes de dotações que lhe forem atribuídas no Orçamento do Estado.
2 - A DGRSP dispõe ainda das seguintes receitas:
a) As transferências do IGFEJ, I.P.;
f) As verbas provenientes das receitas resultantes da elaboração de perícias, relatórios, informações sociais, audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos pelas autoridades judiciárias.
Por sua vez, na Portaria n.º 175/2011, logo no seu preâmbulo, se refere: O n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto, estabelece que, pela realização de perícias e exames, o Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P., recebe as quantias fixadas em tabela aprovada por portaria do Ministro da Justiça.
Também o seu art. 1.º, diz:
1- A presente portaria aprova a tabela de preços a cobrar pela Direcção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I. P., e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais, audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas.
2- A tabela ora aprovada consta do anexo à presente portaria e dela faz parte integrante.
E, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do seu art. 2..º:
3 - O custo das perícias e exames bem como dos instrumentos técnicos elaborados para apoiar as decisões das entidades judiciárias são considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo.
4 - As perícias e os exames realizados pela Direcção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I. P., ou pela Polícia Judiciária são pagos directamente a essas entidades pelos tribunais ou pelas entidades públicas ou privadas não isentas que os requeiram, de acordo com a tabela de preços anexa à presente portaria.

Assim, resulta da Portaria n.º 175/2011, de 28 de Abril, que aprova a tabela de preços a cobrar pela Direcção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I. P., e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, etc., que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas (cfr art. 1º), que o custo das perícias, exames elaborados pela DGRSP, PJ e INML sejam pagos diretamente a essas entidades pelos tribunais ou pelas entidades públicas ou privadas não isentas que os requeiram (cfr nº4 do art. 2ºda citada Portaria 175/2011).
Por isso, a realização destas perícias e exames, constituem encargos processuais, cujo pagamento, de acordo com a condenação, é imputado ao responsável pelo pagamento das custas (cfr. artigos 24°, n°2 e 30, n°3, alínea c), ambos do Regulamento do Código das Custas Processuais e artigo 34°, da Portaria 419-A, de 17 de Abril).
Neste sentido, entre outros, ver Acs. do TRE de 20-10-2015, 2-2-2016 e Ac. TRL de 31-1-2017, todos in www.dgsi.pt.

Relativamente ao citado ofício emanado do Gabinete da Senhora Ministra da Justiça e assinado pelo seu Chefe de Gabinete, datado 13 de janeiro de 2012, onde o despacho recorrido se baseou, convém transcrever o que, a propósito, se diz no Ac. RE de 3-12-2015, in www.dgsi.pt:
«…resulta, aliás, das reações à publicação da mencionada portaria por parte do Ministério Público (veja-se a notícia publicada no “B…” e no “C…” de 21.04.2012) e da posição assumida pela Senhora Ministra da Justiça na sequência dessas reações (quanto aos pagamentos aí previstos relativamente às perícias e exames efetuados pela Polícia Judiciária), no sentido que não seria isso que se pretendia com a publicação da dita portaria - que “não pode existir qualquer cobrança de custos de exames ou de perícias realizadas pela Polícia Judiciária no âmbito da investigação criminal ao Ministério Público, já que esses custos são considerados no orçamento de Estado nas verbas diretamente atribuídas à Polícia Judiciária a título de financiamento das suas despesas de funcionamento” – ou da posição assumida no ofício emanado do Gabinete da Senhora Ministra da Justiça, assinado pelo seu Chefe de Gabinete, datado de 13.01.2012, de que se dá conta na motivação, no sentido de que “as notas de débito emitidas” se destinam “à demonstração dos recursos utilizados e respetivos custos para o erário público”, não ao seu pagamento.
Esta posição colide com o teor da portaria, pelo que não se pode dizer que foi intenção do legislador – ao aprovar tal portaria – dizer, simultaneamente, uma coisa e o seu contrário (e não deve o intérprete, ao fixar o sentido e alcance da lei, presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, face ao disposto no art.º 9 n.º 3 do Código Civil?), por outro lado, mal se compreenderia que esta – a resultante das declarações da Senhora Ministra - fosse a intenção do legislador e, decorrido este tempo, não tenha ainda alterado ou revogado tal portaria, que prevê exatamente o contrário do que se infere de tais declarações.
Não deixará se dizer, como nota final, que isto em nada colide com as competências e atribuições da DGRSP, pois que a sua Lei Orgânica (DL 215/2012, de 28.09) prevê expressamente, no seu art.º 29 n.º 2 al.ª f), que a DGRSP dispõe ainda das seguintes receitas: “f) As verbas provenientes das receitas resultantes da elaboração de perícias, relatórios, informações sociais, audições e outras diligências ou documentos que lhe forem requeridos pelas autoridades judiciárias”.

Ora, concordamos, que embora a interpretação não deva cingir-se à letra da lei, não pode ser considerado o pensamento legislativo que não tenha na mesma um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art. 9.º do Código Civil).
Assim, não se vê que o legislador não tivesse vertido em lei o seu pensamento de forma clara, e que seja susceptível de outra interpretação.
Por isso, repetimos, da referida Portaria mais não resulta que uma antecipação do pagamento, pois, a final, tais valores serão tidos em regra de custas, cuja liquidação compete ao interveniente processual que vier a ser considerado como responsável pelo pagamento das custas do processo, ou, não havendo responsável ou podendo delas estar o mesmo isento, serão suportados pelo Cofre Geral dos Tribunais (cfr. art.514, nº1, CPP).
Procede, pois, o recurso do MP.

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelo MP, devendo, pois, o tribunal proceder ao pagamento das perícias efectuadas pela PJ/LPC, nos termos sobreditos.

Sem custas.

Porto, 29-03-2017
Donas Botto
José Carreto