Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3329/16.2T8STS-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: ACÇÃO DE HONORÁRIOS
TRIBUNAL COMPETENTE
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO
Nº do Documento: RP201909123329/16.2T8STS-G.P1
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º181, FLS.407-409)
Área Temática: .
Sumário: I – A denominada competência territorial por conexão prevista no art.º 73.º do C.P.Civil, prevê que o tribunal onde correu a causa e onde foi prestado o serviço só será competente em razão do território para a acção de honorários, se for competente em razão da matéria, correndo a acção por apenso.
II – Mas as regras em função do território só operam depois da definição da competência material.
III – Daí que se não for competente em razão da matéria o tribunal onde correu a causa e onde foi prestado o serviço, então a acção de honorários terá de ser intentada no tribunal de competência genérica ou de competência específica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: TRPorto.
Apelação nº 3329/16.2T8STS-G.P1 - 2019.
Relator: Amaral Ferreira (1253).
Adj.: Des. Deolinda Varão.
Adj.: Des. Freitas Vieira.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO.
1. B…, advogado, instaurou, por apenso aos autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge e incidente de alimentos provisórios que, com o nº 3329/16.2T8STS, correram termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Família e Menores de Santo Tirso, acção declarativa, com forma de processo comum, contra C…, pedindo a condenação desta a pagar-lhe €16.728,94, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 22/5/2018 e vincendos, computando os primeiros em €364,81, e de IVA à taxa de 6%, no montante de €1.003,68, a título de honorários.
Para o efeito, alegou, em síntese, ter sido mandatado, na qualidade de advogado, para intervir em representação da R. no referido processo nº 3329/16.2T8STS e apensos A, B e C, relativos a divórcio sem consentimento do outro cônjuge e incidente de alimentos provisórios, procedimentos cautelares de arrolamento em que a R. foi requerente e requerida e embargos de terceiro ao arrolamento em que era requerente, respectivamente, e bem assim nos processos nºs 565/16.5GCSTS, que corria termos no DIAP, Secção de Santo Tirso e que, posteriormente, continuou com o mesmo número no Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, e nº 157/17.1T9STS, que corria termos na Secção de Santo Tirso da Procuradoria da República da Comarca de Santos Tirso, mandato que cumpriu, estando em dívida os honorários cujo pagamento reclama.

2. Contestou a R., que apresentou defesa por impugnação e por excepção.
Na defesa por excepção, invoca a incompetência relativa do tribunal para apreciar o pedido de honorários reclamados pelo A. dos serviços prestados no âmbito dos processos de natureza criminal, por, relativamente ao mesmo, não se verificaram os requisitos do artº 73º, nº 1, do CPC.

3. Tendo o A., em resposta à matéria de excepção, pugnado pela competência em razão do território do tribunal em que instaurou a acção por força do disposto no artº 73º, nº 1, do CPC, a isso não obstando o facto de os honorários exigidos se reportarem ao exercício do mandato em causas diferentes, sendo que o processo nº 3329 é o processo mais antigo e onde, pela primeira vez, foi junto substabelecimento a seu favor, foi proferida decisão a declarar o tribunal recorrido materialmente incompetente para conhecer do litígio e a absolver a R. da instância.

4. Dela discordando, apelou a R., que, nas respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:
1. O Juízo Central de Família e Menores de Santo Tirso, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, é o competente para dirimir a ação de honorários, intentada pelo recorrido contra a apelante, no tocante aos serviços discriminados nos arts. 6º a 9º da petição inicial;
2. O mesmo juízo, porém, é incompetente em razão do território para decidir a mesma ação, quanto aos serviços aludidos nos arts. 10º a 13º, da mesma peça processual;
3. Violou, a sentença recorrida, o preceituado no artigo 73º, do Cód. Proc. Civil, o qual entendeu não se aplicar à questão em apreço;
4. Deve a sentença colocada em crise ser revogada e substituída por outra que declare o dito juízo competente para conhecer das questões referidas nos arts. 6º a 9º da petição inicial, e incompetente, em razão do território, para se pronunciar sobre as indicadas nos arts. 10º a 13º da mesma peça processual, como é de Justiça.

4. Não tendo o A. oferecido contra-alegações, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
1. Os factos a considerar no conhecimento do mérito do recurso são os que se deixaram relatados, e que aqui se dão por reproduzidos.

2. Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, que nos recursos se apreciam questões e não razões, e não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo teor da decisão recorrida, a questão suscitada no recurso é a de saber se o Tribunal de Família e Menores é competente para conhecer de acção de honorários de mandatário judicial.

Como se retira do que se deixou relatado, o A. instaurou, por apenso aos autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge e incidente de alimentos provisórios que, com o nº 3329/16.2T8STS, correram termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Família e Menores de Santo Tirso, acção com vista ao pagamento de honorários pelos serviços prestados na qualidade de advogado à R., honorários esses relativos aos ditos autos de divórcio e apensos que se enunciaram, bem como a dois processos de natureza criminal.
Tendo invocado a excepção de incompetência em razão do território para apreciar o pedido de pagamento de honorários contra ela deduzido pelo A. apenas quanto aos processos de natureza criminal e a decisão recorrida entendido que o tribunal era materialmente incompetente para apreciar o litígio, dela apelou a R. que sustenta que o tribunal recorrido é territorialmente competente para apreciar o litígio quanto aos honorários reclamados pelos serviços prestados nos autos de divórcio e apensos.
Adiantando-se carecer de razão a apelante, vejamos porquê.

Dispõe o artº 122º, nº 1, da LOSJ (Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei 62/2013, de 26/8), subordinado à epígrafe «competência relativa ao estado civil das pessoas e família», que compete aos juízos de família e menores, que são tribunais de competência especializada [artºs 80º e 81º, nºs 1 e 3, al. g) da LOSJ], preparar e julgar:
a) Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges;
b) Processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum;
c) Acções de separação de pessoas e bens e de divórcio;
d) Acções de declaração de inexistência ou de anulação do casamento civil;
e) Acções intentadas com base no artigo 1647º e no nº 2 do artigo 1648º do Código Civil, aprovado pelo Decreto nº 47344, de 25 de Novembro de 1966;
f) Acções e execuções por alimentos entre cônjuges e ex-cônjuges;
g) Outras acções relativas ao estado civil das pessoas e família”.
E, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, “Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos”.
Face ao disposto no citado preceito legal, não sofre dúvida que a acção de honorários de mandatário judicial não cabe na competência material dos Tribunais de Família e de Menores, enquanto tribunais de competência especializada.
O artº 73º do Código de Processo Civil (CPC), cujo nº 1 estipula que “Para a acção de honorários de mandatários judiciais ou técnicos e para a cobrança das quantias adiantadas ao cliente, é competente o tribunal da causa na qual foi prestado o serviço, devendo aquela correr por apenso a esta”, tem a sua inserção sistemática na parte atinente à competência territorial, nada relevando, assim, quanto à competência em razão da matéria do tribunal.
Prevê tal norma uma competência territorial por conexão. Ou seja, o tribunal onde correu a causa onde foi prestado o serviço só será competente em razão do território para a acção de honorários, se for competente em razão da matéria, correndo a acção por apenso.
Mas só após a definição da competência material é que operam as regras em função do território. Se não for competente em razão da matéria o tribunal onde correu a causa onde foi prestado o serviço, então a acção de honorários terá de ser intentada no tribunal de competência genérica ou de competência específica.
Segundo Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1º, pág. 204, em anotação ao artº 76º, cuja redacção era a mesma do artº 73º do actual CPC, “é manifesto que o art. 76º nada tem a ver com o problema da competência em razão da matéria; tem unicamente por fim resolver o problema da competência territorial, supondo, por isso, já resolvidos os problemas que logicamente estão antes deste, e consequentemente, o problema da competência em razão da matéria. Sendo assim, é bem de ver que se o tribunal perante o qual foi exercido o mandato ou prestada a assistência técnica não é o competente, em razão da matéria, para conhecer da acção de honorários, o preceito do art. 76º não pode funcionar”.
A jurisprudência tem tomado posição na controvérsia, propendendo maioritariamente (em sentido contrário o acórdão da RC, publicado na CJ, Tomo III/2000, pág. 33, e da RL publicados na CJ, Tomo II/1998, pág. 158, e na CJ, Tomo III/1999, pág. 157) para a posição que se deixou sublinhada, na esteira dos ensinamentos de Alberto dos Reis, como resulta, entre outros, dos acórdãos do STJ, de 12/07/00 publicado no BMJ nº 499, pág. 236, e de 28/05/02, acessível in www.dgsi.pt, Proc. nº 02A327, acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto, CJ, Tomo IV/2003, pág. 161, sumariado no BMJ nº 469, pág. 647, de 20/11/2007, Proc. nº 0723996, e de 17/1/2008, Proc. nº 0734977, ambos publicados em www.dgsi.pt, acórdãos da RC, sumariado no BMJ nº 346, pág. 313, e de 17/1/2006, Proc. nº 3831/05, em www.dgsi.pt, e acórdãos da RL sumariado no BMJ nº 413, pág. 598, e de 17/6/2010, Proc. nº 4375/2006.0TBCSC-D.L1-8, e de 27/3/2012, Proc. 262406.5YIPRT.L1-7, ambos em www.dgsi.pt.
Como afirma o citado acórdão da RC de 17/01/2006, se é inegável a vantagem para o julgamento da acção de honorários a directa percepção da causa onde foi prestado o serviço, também nada obsta, e é até recomendável, que seja pedida a remessa deste processo, a título devolutivo, situação que mais se justifica no caso dos autos, em que estão em causa também honorários respeitantes a serviços prestados no âmbito de processos de natureza criminal, assim evitando uma duplicação de processos.
E tendo sido este também o entendimento do tribunal recorrido, sem necessidade de mais amplas considerações, é de concluir não assistir razão à apelante, sendo de confirmar a decisão impugnada, pois que a incompetência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal e é uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que dá lugar à absolvição do réu da instância ou o indeferimento liminar, quando o processo o comportar [artºs 96º, al. a), 99º nº1, 278º, nº 1, al. a), 576º, nº 2, 577º, al. a), e 578º, todos do CPC, podendo também ser conhecida no despacho saneador [artº 595º, nº 1, al. a) do mesmo Código].
Improcede, deste modo, a apelação.
III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela apelante.
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Porto, 12/09/2019
Amaral Ferreira
Deolinda Varão
Freitas Vieira