Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6870/15.0T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
ESCRITURAÇÃO COMERCIAL
INSPECÇÃO JUDICIAL
PERÍCIA
Nº do Documento: RP201811086870/15.0T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 285, FLS 21-29)
Área Temática: .
Sumário: I - Atento o disposto nos arts. 435º do CPC e 43º do Código Comercial, não pode o tribunal ordenar à ré, a requerimento do autor, para juntar aos autos documentos da sua escrituração comercial, sem o acordo daquela.
II - É, porém, admissível o exame de tal documentação nas instalações da empresa, mediante inspecção judicial ou perícia, para prova dos factos alegados pelas partes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 6870/15.0T8PRT-B.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B..., residente na Rua ..., ..., ..., Porto patrocinado por mandatário judicial, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C..., Lda., D..., Lda., E..., S.A., F..., Lda., todas com sede na Avenida ..., nº ..., Porto, e G..., residente na Rua ..., nº ..., Hab. .., Porto.
Pede a condenação solidária dos réus no seguinte:
1. Julgar-se resolvido com justa causa o contrato de trabalho do A.;
2. Considerar-se provado que entre A. e as 1ª, 2ª e 3ª RR existia uma relação laboral de pluralidade de empregadores, sendo as 3 entidades empregadoras do A e sendo solidariamente responsáveis pelos pagamentos dos créditos deste;
3. Considerar-se provado que a 3ª R é acionista da 4ª R, existindo por conseguinte entre as 4 Rés uma relação de Grupo com participações reciprocas sendo solidariamente responsáveis pelos pagamentos dos créditos do A;
4. Subsidiariamente, levantar-se a personalidade jurídica das 4 Rés e sendo condenado solidariamente o 5º R, juntamente com as 4 Rés;
5. Serem os 5 Réus condenados solidariamente no pagamento ao A dos créditos salariais em atraso, correspondentes aos salários brutos de Novembro, Dezembro de 2014, Janeiro de 2015, 2 dias de Fevereiro de 2015 e subsídios de Natal de 2014, férias e subsídios de férias vencidos a 01 de Janeiro de 2015, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal de 2015, quantias estas que perfazem o montante global de € 9035;
6. Serem os 5 Réus condenados solidariamente no pagamento ao A de uma indemnização por antiguidade de 45 dias por cada ano de trabalho, que se computa em € 12.600;
7. Serem os 5 Réus condenados solidariamente a pagar ao A. a quantia de € 15.141,79 devida a titulo de comissões de vendas que deixaram de lhe ser pagas a partir de 2012;
8. Serem os 5 Réus condenados solidariamente no pagamento ao A dos créditos de formação no montante de € 1750,72;
9. Serem os 5 Réus condenados solidariamente no pagamento ao A dos danos não patrimoniais que este sofreu e sofre, e que desde já se computam em € 10.000,00;
10. Tudo acrescido dos respetivos juros moratórios que se mostrarem devidos desde a data de vencimento até integral pagamento.
Alega, em síntese:
1. O A. e a 1ª R celebraram no dia 5 de Julho de 2010 um contrato de trabalho, auferindo ultimamente uma remuneração base de € 1445, acrescidos de subsidio de alimentação e uma comissão de 2% sobre a comissão auferida pelas 1ª, 2ª e 3ª RR sobre todos os negócios de mediação ou intermediação de vendas das farmácias;
2. A 1ª R deixou de pagar os salários ao A a partir de Outubro de 2014, não lhe pagando os salários de Novembro, Dezembro de 2014 e Janeiro de 2015, bem como o subsidio de Natal de 2014;
3. Consequentemente o A. rescindiu o contrato de trabalho com justa causa no dia 02.02.2015;
4. As 1ª, 2ª, 3ª RR eram na realidade a mesma e única unidade económica, tinham mesma morada e operavam no mesmo espaço físico, tendo como administrador único o 5º R;
5. Impõe-se portanto, concluir que estamos perante um contrato de trabalho celebrado inicialmente com a 1ª R, mas que se transformou ao longo do tempo num contrato vigente com uma tríplice entidade empregadora;
6. A 4ª R é uma empresa da qual o 5º R é administrador e acionista, tendo sede na mesma morada das restantes Rés, sendo ainda uma empresa participada pela 3ª R, detendo cerca de 20% do capital social da mesma;
7. As 1ª, 2ª, 3ª e 4ª R fazem parte de parte de uma estrutura organizativa comum.
Entre outros meios de prova requereu o seguinte:
“B – PROVA POR DOCUMENTO EM PODER DAS RÉS
“Requer-se ainda que sejam notificadas as 3 RR para juntar aos autos os seguintes documentos que estão na sua posse:
“- Faturas dos negócios (mediação, intermediação, avaliações, consultoria etc.) realizados pelas 3 RR entre 2010 e 2014
“-declaração de IES e modelo 22 dos anos de 2010 a 2014
“A referida junção justifica-se para prova dos factos constantes nos Artigos 171º a 192º designadamente negócios descritos nos referidos artigos mediados pelas RR entre 2010 e 2014 e comissões cobradas aos clientes, para comprovar igualmente os montantes das comissões pagas ao A até fim de 2011 e as que lhe deveriam ter sido pagas em 2012, 2013 e 2014. Justifica-se ainda pela circunstância de o A. não ter qualquer possibilidade de por si obter a referida documentação, uma vez que a mesma se encontra na posse exclusiva das Rés sendo-lhe impossível obter a mesma.”
Citados os réus, procedeu-se a audiência das partes, resultando infrutífera a tentativa de conciliação.
Os réus vieram contestar invocando a ilegitimidade das 2ª, 3ª e 4ª rés e do 5º réu e impugnando a matéria da petição inicial, alegando, em síntese, que a relação contratual invocada era apenas com a 1ª ré, inexistindo causa para a resolução do contrato, tendo caducado os créditos por falta de formação profissional.
Termina referindo:
F. DA INADMISSIBILIDADE DO PEDIDO DE JUNÇÃO DE DIVERSOS DOCUMENTOS DA ESCRITURAÇÃO COMERCIAL DAS RÉS
1. Vem o Autor, em requerimento probatório formulado no final da Petição Inicial, requerer a notificação das 3 Rés (supõe-se que se refere às 1ª, 2ª e 3ª Rés) para juntarem aos autos diversos documentos que integram a respectiva escrituração comercial, alegando que a respectiva junção se justifica para prova dos factos constantes dos artigos 171º a 192º da PI.
2. Segundo o disposto no art. 435º do CPC, “a exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos rege-se pelo disposto na legislação comercial”.
3. Este artigo remete-nos para o artigo 42º do Código Comercial (doravante CCom) que dispõe que “[a] exibição judicial da escrituração mercantil e dos documentos a ela relativos, só pode ser ordenada a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de insolvência”.
4. Destas disposições resulta, claramente, que a escrituração comercial apenas pode ser exibida nos casos expressamente previstos no artigo 42º do CCom.
5. Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19 de Janeiro de 2010, processo 7494/06.9TBLRA.C1, disponível em www.dgsi.pt, (…)
6. Visto que não nos encontramos num dos casos expressamente previstos no artigo 42º do CCom, e visto as 1ª, 2ª e 3ª Rés não autorizarem a exibição da escrituração comercial, não deve ser admitido o pedido do Autor de junção aos autos das facturas dos negócios realizados pelas 1ª, 2ª e 3ª Rés e das suas declarações de IES e modelos 22 dos anos de 2010 a 2014.
Deduziu reconvenção pedindo a condenação do autor a pagar à primeira ré a quantia de € 7.500,00, por prejuízos resultantes do facto de o autor ter apagado do computador da ré que usava documentação essencial à actividade da mesma.
O autor respondeu pugnando pela improcedência das excepções e da reconvenção, mais alegando:
1. (...) tanto a declaração de IES e a respetiva fatura (doc. 7) foram juntas pelas RR no Proc. nº 271/14.5TTMTS que correu termos em Matosinhos – Inst. Central – 3ª Sec.Trabalho – J2
2. Processo esse que é público
3. E da mesma maneira que as RR se arrogaram o direito de juntar aos presentes autos uma peça processual do referido processo,
4. O A. arrogou-se em igual direito de juntar documentos constantes do mesmo
5. Documentos esses que são públicos
6. E foram obtidos licitamente
7. O mesmo se diga relativamente aos documentos cuja junção foi requerida pelo A.
8. Em que discriminou os factos que pretendia provar
9. Não tendo aplicação o previsto no Art. 42 do Código Comercial.
Os réus responderam alegando, nomeadamente:
1. Quanto ao alegado pelo Autor nos artigos 58º a 68º da Resposta à Contestação, cumpre dizer que o facto de os Documentos nº 6 e 7 da Petição Inicial e de os documentos cuja junção pelas 1ª, 2ª e 3ª Rés foi requerida pelo Autor no mesmo articulado constarem do processo nº 271/14.5TTMTS nenhuma relevância tem nesta sede.
2. De facto, a circunstância de as 1ª, 2ª e 3ª Rés não terem, no âmbito daquele processo, se oposto ao pedido do Autor e à ordem do Tribunal de junção dos mesmos não impede, naturalmente, que, no âmbito do presente processo, não possam vir os Réus invocar fundamentadamente a inadmissibilidade de tal pedido.
3. Mais se diga que o facto de o processo nº 271/14.5TTMTS ser público não afasta o alegado pelos Réus nos artigos 228º a 245º da Contestação, que se dão aqui por integralmente reproduzidos.
4. Defender o contrário equivaleria, no modesto entendimento dos Réus, a subverter e a consequentemente violar o princípio do valor extraprocessual das provas, previsto no art. 421º do CPC, o qual não inclui a prova documental,
5. Assim como equivaleria a subverter frontalmente o princípio geral do carácter secreto da escrituração comercial, assim violando o disposto nos artigos 435º do CPC e 42º e 43º do Código Comercial.
O autor veio deduzir articulado superveniente com pedido de intervenção principal provocada das seguintes empresas: H..., Lda., I..., Lda., J..., Lda., K..., Lda., todas com sede na Avenida ..., ..., Porto, e L..., Lda., com sede no ..., Av. ..., nº .., 1º, Sala ..., Funchal.
Pede que sejam chamados a intervir nos presentes autos as referidas empresas, levantar-se a personalidade jurídica das rés intervenientes e serem condenados todos os intervenientes e o 5º RR de forma solidária nos pedidos formulados na PI e articulado superveniente, nomeadamente:
1. Julgar-se resolvido com justa causa o contrato de trabalho do A.
2. Considerar-se provado que entre A. e as 1ª, 2ª e 3ª RR existia uma relação laboral de pluralidade de empregadores, sendo as 3 entidades empregadoras do A e sendo solidariamente responsáveis pelos pagamentos dos créditos deste;
3. Levantar-se a personalidade jurídica das 4 Rés e Intervenientes sendo condenado solidariamente o 5º R com as referidas sociedades ao pagamento dos seguintes créditos: € 15.141,79 devida a titulo de comissões de vendas que deixaram de lhe ser pagas a partir de 2012; Créditos de formação no montante de € 1750,72; Danos não patrimoniais que o A sofreu e sofre, e que desde já se computam em € 10.000,00;
4. Salários brutos de Novembro, Dezembro de 2014, Janeiro de 2015, 2 dias de Fevereiro de 2015 e subsídios de Natal de 2014, férias e subsídios de férias vencidos a 1 de Janeiro de 2015, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal de 2015, quantias estas que perfazem o montante global de € 9035.
5. Indemnização por antiguidade de 45 dias por cada ano de trabalho, que se computa em € 12.600.
6. Tudo acrescido dos respetivos juros moratórios que se mostrarem devidos desde a data de vencimento até integral pagamento;
7. Subsidiariamente, caso se entenda que não deve ser desconsiderada a personalidade jurídica, deve considerar-se que houve uma transmissão do estabelecimento para a 4ª R e intervenientes sendo admitida a intervenção principal provocada destas e condenadas solidariamente nos pedidos supra citados
Alega, para o efeito, em síntese:
1. (...) considerar-se que a subsidiariedade da desconsideração da personalidade jurídica advém do facto de a pluralidade de empregadoras não garantir a cobrabilidade do seu crédito porque as 3 empresas em questão, 1º, 2º e 3º RR estão insolventes e não têm quaisquer bens
2. Situação consumada depois da entrada da presente ação judicial
3. Pelo que só a desconsideração da personalidade das referidas RR e outras entidades entretanto criadas e a responsabilização pessoal do 5º R acautelará o direito do A.
4. O A. remete para o vertido na sua PI quanto aos fundamentos da desconsideração da personalidade jurídica.
Requer a final:
B – PROVA POR DOCUMENTO EM PODER DE TERCEIRO (por se tratar de informação que não consegue obter por si, apenas sendo disponibilizada mediante despacho judicial)
1. Para prova dos factos constantes dos artigos 56º a 64º do presente articulado requer o oficio Direção Regional de Segurança Social do Porto para esclarecer se os Reclamantes N... e O..., qual a identificação da sua atual entidade empregadora e qual o valor da sua retribuição que serve de base de cálculo dos descontos, bem como para juntarem os extratos das remunerações auferidas nos últimos 5 anos
2. Para prova dos factos constantes nos artigos 46º a 78º e 105º a 111º do presente articulado, requer o oficio às sociedades F..., S.A., H..., LDA., I..., LDA., J..., LDA., K..., e L..., LDA., para juntarem todas as faturas de negócios emitidas em entre 2013 e 2016, IES de 2013 a 2016, Balanços de 2013 a 2016 e balancetes analíticos de 2013 a 2016.
C – PROVA POR DOCUMENTO DA RÉ MEDIATO (por se tratar de informação que não consegue obter por si, apenas sendo disponibilizada mediante despacho judicial)
3. Para prova dos factos constantes dos Arts. 37 alínea d) do presente articulado, requer o oficio à Ré D... e ao 5º R para juntar os extratos da conta bancária do M... com o nº ........... referentes aos períodos compreendidos entre 22.12.2014 e 31.10.2015.
O réu G..., contestou, defendendo a inadmissibilidade do chamamento e sustentando o alegado na contestação à acção.
Foi admitida a intervenção principal.
Citadas as chamadas, vieram contestar pugnando pela inadmissibilidade do chamamento, defendendo-se nos termos da contestação, e impugnando o alegado no chamamento.
O autor respondeu concluindo pela má fé das intervenientes.
Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pelos réus, relegando-se para final o conhecimento da caducidade de direito invocada, despacho que nessa parte transitou em julgado.
Foi admitida a reconvenção e dispensada a fixação do objecto de prova.
Foi ainda decidido: “Admitindo-se que a prova documental peticionada pelo Autor se encontre na posse dos respetivos administradores de insolvência das sociedades Rés, oportunamente, estando juntas as autos a certidões de teor, com a respetiva identificação, serão os mesmos notificados para esse fim.”
O autor apresentou o seguinte requerimento:
1. O A. apresentou articulado superveniente com pedido de intervenção provocada de várias empresas;
2. A qual foi admitida por despacho proferido em 08-06-2017
3. O despacho saneador é omisso quanto a tal circunstância, bem como à factualidade em causa no articulado superveniente, contestação e respetiva resposta;
4. Pelo que se requer a V.a Ex.a se digne a pronunciar em conformidade, retificando o despacho saneador
Foi proferido o seguinte despacho: “Requerimento que antecede: O Tribunal absteve-se de fixar a matéria assente e controvertida e admitiu a prova das chamadas pelo que mal se compreende a invocada omissão de pronuncia, quanto aos articulados apresentados por tais intervenientes. Deve pois o Autor especificar que questões, em concreto, entende deverem ser apreciadas. Prazo: cinco dias.”
O autor apresentou novo requerimento com o seguinte teor:
1. O A. deduziu articulado superveniente no dia 18.11.2016;
2. Invocou novos factos constitutivos do seu direito e requereu a intervenção provocada das chamadas, a qual foi admitida;
3. Ora, admitindo-se que o Tribunal teve em conta a posição das Chamadas, como ora foi esclarecido, subsiste uma omissão de pronuncia quanto ao articulado superveniente do A, onde foram requeridas diligências probatórias, mormente documentos em poder de terceiro (Segurança social e Chamadas) sobre as quais não existiu qualquer pronuncia no douto despacho saneador;
4. Pelo que, se que se requer que o Tribunal se pronuncie sobre tais diligências probatórias requeridas.
Sobre o mesmo incidiu o seguinte despacho:
“Assiste razão ao Autor, porquanto o Tribunal não se pronunciou sobre os meios de prova indicados no articulado superveniente.
“Suprindo o lapso, e no que concerne à prova por documentos em poder de terceiros, considerando a sua extensão, os conhecimentos específicos à sua análise e interpretação, tendo por referência a matéria de fato a provar, entende o tribunal ser adequada a realização de perícia tendente à aferição dos valores ínsitos nos quadros que constituem o articulado superveniente.
“Em face do exposto, notifique o Autor e os Réus para querendo, se pronunciarem sobre a realização de perícia, com o descrito objeto, manifestando-se, igualmente quanto à singularidade ou pluralidade da perícia a realizar e indicando, se for caso disso, os respetivos peritos.
“Prazo: 10 dias.”
As partes não indicaram peritos e o autor formulou quesitos.
As chamadas I..., Lda., L..., Lda., H..., Lda., J..., Lda., e K..., Lda., apresentaram requerimento com o seguinte teor:
(...) o pedido do Autor diz respeito à junção, aos presentes autos, de documentos em poder de terceiro. Até à presente data, não foi deferido tal pedido. Note-se que, salvo melhor opinião em contrário, caso o Tribunal entenda que deverá ser procedente a junção de prova em poder de terceiro, “o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar”, sendo que, primeiro, há que auferir se tais factos têm interesse para a decisão da causa para, num momento posterior, ordenar, caso seja esse o caso, a notificação (nos termos dos artigos 432º e 429º do CPC).
Ora, até à presente data, não existe uma valoração dos factos que se pretendem provar. Do mesmo modo, não decidiu o tribunal notificar qualquer terceiro para a junção de documentos. Torna-se, assim, incompreensível que o Tribunal determine a realização de uma perícia de documentos em poder de terceiro quando, em primeiro lugar, não se pronunciou quanto ao interesse para a decisão da causa nem notificou qualquer terceiro.
Ou seja, foram as partes notificadas para se pronunciar quanto a uma prova pericial que pretende, desde logo, apreciar documentos em posse de terceiros que não foram sequer requeridos pelo Tribunal nem juntos aos Autos. Deste modo, e salvo melhor opinião, somos a crer que, em primeiro lugar, há que apurar se tais documentos são necessários para a decisão do mérito da causa; em segundo lugar, há que notificar as partes para a apresentação dos documentos (ficando desde já claro que as partes se podem escusar/recusar a apresentar os documentos em questão, nos termos dos artigos 431º e 434º do CPC), e, apenas depois, se poderá auferir a necessidade de se realizar prova pericial.
Pelo exposto, requer-se que o Tribunal se pronuncie, em primeiro lugar, quanto à junção de documentos em poder de terceiro, caso entenda que esse pedido seja parcial ou totalmente procedente, notifique os terceiros para juntarem os documentos em questão, e, apenas depois, notifique para que as partes se pronunciem quanto à necessidade de prova pericial e indicação de perito.
Sendo certo que se não se concebe a relevância do peticionado pelo Autor, nomeadamente no que respeita à junção de documentos referentes a N... e O... – que nem sequer são intervenientes nos autos – uma vez que tal se afigura como desnecessário e roça a invasão da privacidade dos mesmos. Do mesmo modo, não se compreende o alcance do peticionado quanto às chamadas, aqui exponentes, uma vez que já foi apresentada prova documental suficiente, e o que o Autor pretende é obter informação confidencial das Sociedades que não pode nem deve ser deferida levianamente, sem factos que justifiquem a imperatividade de apreciação de tal documentação – no todo ou em parte, que, desde já, não se concede existir.
Foi proferido despacho, na audiência de 22 de Janeiro de 2018, com o seguinte teor:
“Requerimento das Chamadas de 10-01-2018: O Tribunal julga relevante a consulta e análise dos documentos em causa. Tal análise, porém, implica conhecimentos de natureza contabilística que o Tribunal não domina na totalidade.
“Por essa razão foi sugerido às partes a realização de perícia desta natureza, cuidando o Tribunal que a mesma poderia ter lugar na sede de cada uma das chamadas.
“Não obstante, atendendo ao agora argumentado pelo Autor no sentido de que a junção aos autos dos referidos documentos seria relevante para consulta também das partes, o que se compreende e atende, decido notificar as sociedades chamadas, I..., Lda, L..., Lda, H..., Lda, J..., Lda e K..., Lda, para, em 20 dias, juntarem aos autos os documentos requeridos pelo Autor. Consequentemente, decide-se de igual modo ordenar a realização de perícia nos referidos documentos, em ordem a aferir do requerido pelo Autor.
“Para tal fim deve a secção indicar perito da área de contabilidade.
“Ficam ainda as partes, agora, expressamente notificadas para, querendo, em 10 dias, elaborarem quesitos a fim de ser concretizado o objecto da perícia.
“Mais determino que se oficie à Segurança Social, a fim de, em 10 dias, prestar os esclarecimentos solicitados no articulado de intervenção provocada.
“Sem efeito a audiência de discussão e julgamento.”
Inconformadas interpuseram as chamadas H..., Lda., I..., Lda., J..., Lda., K..., Lda., e L..., Lda., o presente recurso de apelação, concluindo a final:
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O autor não apresentou alegações.
Foi fixado à acção o valor de € 48.527,51.
O Ministério Público teve vista nos autos, emitindo parecer pugnando pela improcedência do recurso, parecer a que as partes, devidamente notificadas, não responderam.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 3 e 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas
Questões colocadas pelo recorrente:
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II. Admissibilidade da prova por junção de documentos da escrituração comercial das rés e chamadas;
III. Admissibilidade da prova por perícia colegial de documentos da escrituração comercial das rés e chamadas.

II. Factos provados
Importa considerar a matéria constante do relatório.

III. O Direito
1. Nulidade do despacho recorrido
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2. Admissibilidade da prova por junção de documentos da escrituração comercial
Alegam as recorrentes:
(...), quando se alega e comprova que o Autor é sócio e trabalha na concorrência (cfr. arts. 142º e ss. da contestação apresentada e docs. nº 7 e ss. juntos a mesma peça processual),
Implicará necessariamente uma vantagem para o mesmo no futuro, uma vez que ficará a conhecer, através de um processo no qual ainda nem sequer foi apreciado o pedido principal, ou seja, se o Autor tem ou não direito a qualquer indemnização ou se, pelo contrário, ainda terá que indemnizar as Rés, informação privilegiada sobre quem são os clientes, quais os montantes cobrados a títulos de comissões e quais os negócios efectuados.
Não se vislumbra, nesta fase e sem que haja uma decisão de fundo relativamente à matéria em causa nos presentes autos, qual a relevância da informação a juntar aos presentes autos,
Aliás, o que se pretende é a junção de toda a escrituração comercial das ora Recorrentes, ou seja, balanços, balancetes, IES e contratos.
(...)
Pelo que o despacho em causa, além da nulidade supra identificada, viola o art. 435º do CPC e 42º e 43 do Código Comercial.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta pronunciou-se nos seguintes termos:
“Concordamos na íntegra com tal decisão [acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Setembro de 2016, proferido no processo 1267/15.5T8FNC-B.LI-4, acessível em www.dgsi.pt] pelo que entendemos, também, que o exame judicial pode incidir sobre a escrituração dos chamados, intervenientes que são na acção, relativamente ao litígio judicial.
“Assim, em nome do princípio da descoberta da verdade material, mas com respeito pelo princípio do sigilo mercantil consagrado no art. 42º do C. Comercial entendemos que, muito embora o presente recurso não mereça provimento, deverá o Mmo. Juiz a quo nomear o perito em contabilidade e ser este, em presença da matéria dos arts. 46º a 78º e 105º a 111º do articulado superveniente do A. (o de fls. 166/177), a especificar/definir quais os concretos documentos, da escrituração comercial das chamadas, que deverão ser disponibilizados para a realização da perícia.
“Emite-se parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, com a ressalva constante do § anterior.”
Nos termos do art. 429º, nº 1, do CPC, quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.
Mais se estipula no art. 432º, do mesmo Código, que, se o documento estiver em poder de terceiro, a parte requer que o possuidor seja notificado para o entregar na secretaria, dentro do prazo que for fixado, sendo aplicável a este caso o disposto no artigo 429º.
A escrituração comercial é, em princípio, sigilosa (Miguel Pupo Correia, Direito Comercial, 11ª edição, 2009, pág. 95). Efectivamente, ela permite “conhecer o património e os negócios do comerciante”, conforme referido por António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial,2ª edição, 2007, pág. 363.
No entanto, estabelece-se no art. 42º do Código Comercial (Exibição judicial da escrituração mercantil), que a exibição judicial da escrituração mercantil e dos documentos a ela relativos, só pode ser ordenada a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de insolvência.
Acrescentando-se no art. 43º, nº 1, do mesmo diploma que, fora dos casos previstos no artigo anterior, só pode proceder-se a exame da escrituração e dos documentos dos comerciantes, a instâncias da parte ou oficiosamente, quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.
A propósito considerou-se no acórdão do STJ, uniformizador de jurisprudência, nº 2/98, de 22 de Abril de 1997, processo 87158, publicado no Diário da República, I Serie-A, de 8 de Janeiro de 1998, “A existência do segredo profissional, em geral, apresenta-se como necessária, se se quiser a manutenção de um mínimo de segurança por parte dos profissionais e daqueles com quem eles entram em relação que permita consolidar a confiança que deve existir no funcionamento do respectivo sector de actividade e na sociedade. Embora haja profissões mais exigentes do que outras na discrição ou reserva que impõem – haja em vista, no campo comercial, os bancos e as seguradoras –, o comércio, em geral, não pode constituir excepção, entendendo-se que os comerciantes e seus clientes devem ver protegidos pelo segredo determinados objectos e actuações. Com este segredo procura-se proteger «a privacidade do comerciante de afastar os seus bens da cobiça alheia e de evitar que a sua actividade seja afectada por informações sobre a sua situação e as prespectivas do negócio» (L. Brito Correia, Direito Comercial, I, p. 309).”
Acrescentando-se “A matéria relativa ao segredo da escrituração mercantil e documentos dos comerciantes encontra-se prevista nos artigos 41º, 42º e 43º do Código Comercial, donde resulta que o primeiro proíbe o varejo para exame da arrumação da escrita, o segundo limita a casos restritos a exibição judicial por inteiro dos livros e documentos e o terceiro estabelece as condições em que se pode proceder a exame dos livros e documentos dos comerciantes. Em face destes preceitos, Mário de Figueiredo, in Lições de Direito Comercial, 1928, p. 180, sinteticamente, sustentava que a escrituração mercantil era secreta, só podendo ser ordenada a exibição por inteiro ou a apresentação parcial em favor de interessados. Dispõe, com efeito, e no que ora interessa, isto é, na chamada «apresentação, ou exame judicial limitado», o corpo desse último artigo: «Fora dos casos previstos no artigo precedente [casos limitados em que é permitida a exibição por inteiro dos livros e documentos], só poderá proceder-se a exame nos livros e documentos dos comerciantes, a instâncias da parte ou de ofício, quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.» O que quer dizer que, segundo o artigo 43º do Código Comercial, o exame é permitido apenas quando a pessoa a quem pertençam tais elementos tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida. E não é necessário que o apresentante seja parte no processo, podendo ser terceiro estranho a ele (cf. Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, ed., I, p. 563, e Abel Delgado, «O carácter secreto da escrituração comercial», R. D. E. S., ano XVII, nº 2-3-4, p. 105).”
Concluindo-se no acórdão que “O artigo 43º do Código Comercial não foi revogado pelo artigo 519º, nº 1, do Código de Processo Civil de 1961, na versão de 1967, de modo que só poderá proceder-se a exame dos livros e documentos dos comerciantes quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.”
Esta posição veio a ser acolhida no art. 435º do CPC, que estabelece que a exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos rege-se pelo disposto na legislação comercial.
Face a este quadro normativo, não tem sido pacífica a resposta da jurisprudência à questão aqui em análise.
Assim, para uns o segredo deve ceder ao interesse na realização da justiça, devendo admitir-se a junção aos autos de elementos da escrituração comercial necessários à boa decisão da causa. Argumenta-se no acórdão do STJ de 23 de Outubro de 1991, processo 002987, publicado no BMJ nº 410, pág. 649, e acessível em www.dgsi.pt, “É o dever de cooperação ou de colaboração para a descoberta da verdade que se apresenta de importância tão relevante que o Código de Processo Civil o amplia a todas as pessoas, sejam ou não partes na causa. Não se refere aquele Código expressamente a impulsão processual como dever do Juiz, mas no direito do trabalho, a especial natureza dos interesses em jogo e a situação economicamente débil dos trabalhadores, mais do que no direito comum, exige uma justiça pronta e rápida – (vide Leite Ferreira, Código do Processo do Trabalho, página 123). Assim, o preceituado no artigo [7º] do Código de Processo Civil tem especial aplicação aos Juízes dos Tribunais de Trabalho que terão de remover de imediato e sem hesitações todos os obstáculos que se oponham ao andamento regular da causa, quer removendo o que for inútil, quer ordenando o que for útil para o seguimento do processo. O principio da celeridade processual, assim legalmente consagrado, não deixa de ser coadjuvado, em parte, pelo da requisição oficiosa dos documentos pelo Juiz, a que alude o artigo [436º] do Código de Processo Civil. Face aos referidos deveres de colaboração do impulso processual e da larga procura da base factual da decisão a proferir, por parte do julgador, conforme anteriormente se mencionou, ter-se-á de entender em termos hábeis, a articulação, em especial, do artigo [436º] do Código de Processo Civil com o artigo 43, parágrafo único do Código Comercial. Assim, se o Juiz requisita um documento, tal como no caso dos autos, em que as partes são interessadas, com vista necessariamente, ao esclarecimento da verdade, é evidente que a sua exibição judicial se encontra nos limites do artigo 43 do Código Comercial. O facto de o parágrafo único deste último preceito exigir que o exame do documento terá lugar no escritório do comerciante e na sua presença, deverá ser compreendido, perante os já referidos princípios aplicáveis ao direito laboral e à natureza substantiva e processual da mesma do artigo 43 do Código Comercial por forma mais alargada. Em última análise, a garantia do crédito do comerciante, do segredo e do êxito das operações comerciais, subjacentes ao preceito do artigo 43, parágrafo único do Código Comercial, é não só acautelado pela exigência feita no parágrafo de que o exame aos documentos deverá ser feito no escritório do comerciante e na sua presença, como também pelo sigilo acerca dele que deve ser mantido pelos que nele intervenham ou deles, por razão profissional, tenham conhecimento, ou seja, no caso pelos funcionários do Tribunal, como se referiu. Também é certo, como lembra o Excelentíssimo Representante do Ministério Público, que se os documentos podem ser examinados no escritório, no caso da Ré, os elementos deles constantes podem vir aos autos por via do exame, hipótese que não é posta em causa pelo recurso. Além disto, adianta aquele ilustre Magistrado, que se é o próprio documento que a parte interessada pretende manter na sua posse nada impede que satisfazendo embora o despacho que ordenou a sua junção, exponha tal necessidade, que permita o respectivo desentranhamento em altura adequada com a substituição, se for necessária, por outro que o substitua plenamente. Por conseguinte, no caso em apreço, o Meritíssimo Juiz da 1ª instância usou do poder de apreciação, que lhe assistia, ao ajuizar da necessidade da junção dos documentos e da contribuição industrial e seus anexos, para bem decidir. O despacho então proferido, com o qual não se conforma a recorrente, integra-se, objectivamente no preceito do artigo [436º] do Código de Processo Civil, por observar os seus requisitos e não colidir com o disposto no artigo 43, parágrafo único do Código Comercial, entendido consoante o anteriormente exposto.”
Em sentido semelhante pronunciaram-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Novembro de 2004, processo 9105/2004-6, de 2 de Maio de 2006, processo 1572/2006-7, e de 29 de Janeiro de 2015, processo 313/11.6TVLSB-B.L1-6, e do Tribunal da Relação do Porto de 9 de Outubro de 2012, processo 1570/09.3TBVNG-A.P1, ainda acessíveis em www.dgsi.pt.
Já para outros a prevalência deve ser dada ao segredo comercial, sendo absolutamente inadmissível a junção de tais elementos ao processo. Refere-se, a propósito, no sumário do acórdão do STJ de 10 de Julho de 1997, processo 97B074, igualmente acessível em www.dgsi.pt, “A não ser que exista norma legal nesse sentido, nunca é permitida cópia, reprodução, requisição ou apreensão dos documentos de escrituração mercantil sem o assentimento ou prévia convenção da entidade cuja escrita quer examinar-se.”
Para outros, enfim, a solução está numa posição intermédia que proteja ambos os interesses em conflito e, embora não se aceitando a junção dos documentos ao processo, admite-se a ponderação de tais documentos, nomeadamente mediante perícia, por perito singular independente (alguns admitem mesmo a perícia colegial), ou inspecção judicial (nos termos da lei, “exame da escrituração e dos documentos do comerciante no domicílio profissional ou sede deste”). Conforme referido por Jorge Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. I, 4ª edição, 2003, pág. 176, “pode proceder-se a exame judicial limitado (parcial ou por apresentação) nos livros e documentos dos comerciantes, a requerimento das partes ou oficiosamente”. No mesmo sentido veja-se Lebre de Freitas, J. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2001, pág. 438.
Esta posição, sufragada pela Exma. Procuradora Geral Adjunta no seu parecer, e que aqui se perfilha, é a que melhor se coaduna com a redacção do art. 43º do Código Comercial e merece o apoio maioritário na jurisprudência, conforme, entre outros, os acórdãos do STJ de 3 de Novembro de 1993, processo 084441 (BMJ nº 431, pág. 483), de 16 de Fevereiro de 2000, processo 99S260, de 21 de Abril de 1993, processo 003641, e de 5 de Março de 1996, processo 088450, do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de Janeiro de 2010, processo 7494/06.9TBLRA.C1, e de 12 de Março de 2013, processo 882/09.0TBPMS-A.C1, do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Julho de 2009, processo 15/08.0TBSTR-B.E1, e de 2 de Junho de 2016, processo 907/14.8T8STR-A.E1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Maio de 2005, processo 2431/2005-2, e de 28 de Setembro de 2016, processo 1267/15.5T8FNC-B.L1-4, e do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Fevereiro de 2011, processo 6271/08.7TBBRG-A.P1, e 28 de Novembro de 2011, processo 462/10.8TBVFR-V.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Salienta-se no referido acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de Janeiro de 2010, “parece resultar que o exame a realizar está conexo com a prova por arbitramento ou inspecção judicial. Com efeito, estas diligências permitem conciliar, de forma proporcional, os direitos ao segredo comercial e a descoberta da verdade material. De um lado, os peritos ou o tribunal analisam e avaliam, no escritório do comerciante, o que importa ao apuramento da verdade sem reproduzirem as partes inspeccionadas ou examinadas, de outro lado, assim se evita que a escrita, ou parte dela, estando à disposição do tribunal, possa ficar fora do controle do comerciante e ao alcance de terceiros, como argumenta a agravante dada a publicidade do processo.”
Assim, se conclui como no sumário do mencionado acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2 de Junho de 2016, respondendo à questão concretamente aqui colocada, que “Não podia, assim, a requerimento [do autor], ter o tribunal ordenado à ré para juntar aos autos [os aludidos documentos da sua escrituração comercial].”

3. Admissibilidade da prova por perícia
Pretendem ainda as recorrentes a revogação do despacho recorrido, na parte em que se decidiu: “O Tribunal julga relevante a consulta e análise dos documentos em causa. Tal análise, porém, implica conhecimentos de natureza contabilística que o Tribunal não domina na totalidade. Por essa razão foi sugerido às partes a realização de perícia desta natureza, cuidando o Tribunal que a mesma poderia ter lugar na sede de cada uma das chamadas.”
Como se pode constatar, no despacho sob recurso, a perícia ordenada é singular, uma vez que as partes não indicaram peritos, apenas o autor tendo formulado quesitos. Entende a Exma. Magistrada do Ministério Público que essa perícia singular é admissível, por perito nomeado pelo Tribunal, que dê garantias de independência e respeito pelo sigilo comercial, na medida do possível, face à necessidade da produção da prova e descoberta da verdade material, embora a mesma se devesse destinar a verificar os documentos necessários a facultar aos peritos que realizem a perícia colegial.
Como já referimos, partilhamos este entendimento, sobretudo considerando as preocupações invocadas pelas recorrentes que invocam que o autor trabalha na concorrência, sendo certo porém que, por falta de indicação de peritos pelas partes, tratando-se de perícia singular, ela deve logo preceder à apreciação e resposta aos quesitos formulados pelas partes ou fixados oficiosamente.
Conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Setembro de 2016, citado no parecer do Ministério Público, “Entendemos que deverão ser devida, casuística e rigorosamente ponderados, pesados e avaliados os interesses contraditórios em presença, a natureza dos valores jurídicos em contraposição e os fins perseguidos pelos regimes legais em confronto,” definindo-se o tipo de exame a efectuar em função dos interesses em jogo e a salvaguarda dos direitos das partes.
Nestes termos, tendo sido ordenada a prova requerida por meio de perícia singular, por perito escolhido pelo Tribunal, que garante a independência da mesma, improcede neste ponto a apelação.

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida na parte em que ordenou a junção de documentos constantes da escrituração comercial das recorrentes, mantendo-se a decisão na parte em que ordenou a realização de perícia singular por TOC indigitado pelo Tribunal.
Custas por recorrentes e recorrido em partes iguais.

Porto, 8 de Novembro de 2018
Rui Penha
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes