Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3586/23.8T8OAZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
EMPREITADA
ACEITAÇÃO DA OBRA
INVOCAÇÃO DE DEFEITOS
Nº do Documento: RP202509153586/23.8T8OAZ-A.P1
Data do Acordão: 09/15/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Se o tribunal recorrido não dá como provados nem como não provados factos essenciais alegados pela parte, o que ocorre é uma omissão de pronúncia, uma deficiência sobre determinados pontos da matéria de facto, enquadrável na primeira parte do artigo 662, n.º 2, alínea c) do CPC, e não necessariamente uma indispensável ampliação dessa matéria de facto, então enquadrável na parte final do mesmo normativo.
II – Na empreitada, a inequívoca aceitação da obra – obra cuja execução foi acompanhada positivamente pelo dono – impede a invocação dos eventuais defeitos da mesma.
III – Defeitos que, existindo e podendo ser invocados, sempre implicariam – tal como na compra e venda – a faculdade de o empreiteiro (ou vendedor), antes de outra reação (do dono ou comprador) eliminar os defeitos ou proceder a nova construção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3586/28.8T8OAZ-A.P1

Relator- José Eusébio Almeida

Adjuntas - Carla Fraga Torres e Ana Paula Amorim

Acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório

A..., Lda., AA e BB vieram deduzir embargos na execução que lhe move B... e cujo título executivo é uma letra de câmbio, pedindo que seja declarada a extinção da execução, bem como, previamente, a sua suspensão. Concretamente, peticionam: “(...) devem ser julgados provados e procedentes os presentes embargo de executado, ora pela inexigibilidade, ora pela não certeza do titulo executivo, e por via disso ser declarada extinta a acção executiva; Caso assim não seja entendido, devem os presentes embargos de executado serem dados como julgados provados, por estarmos no âmbito das relações imediatas, e por inexistir qualquer obrigação subjacente à emissão do título, reconhecer-se que não vigoram os princípios da literalidade, abstração e autonomia, e face à inexistência de qualquer obrigação, serem os embargos julgados procedentes, absolvendo-se os Embargantes da instância executiva; ou, Caso assim não seja entendido, devem os presentes embargos de executado serem dados como julgados provados, ante o contracrédito dos Embargantes face à Embargada no montante de 20 013,44 euros, e assim reconhecida não devida qualquer quantia. Atenta a impugnação, deduzida, no âmbito da qual se verifica a não exigibilidade e a não liquidação da obrigação exequenda, seja ordenada a suspensão da instância executiva, quanto aos Embargantes”.

Para tanto, começam por reconhecer que houve negócios entre a sociedade embargante e a exequente, que o título de crédito foi subscrito/aceite pela sociedade, e foi dado o aval pelos demais embargantes. Consideram que “embora o título preencha o requisito da certeza”, carece dos “pressupostos da exigibilidade e da liquidez”. A sociedade embargante é intermediária de negócios, e fornece materiais, design e todos os produtos, dando a fazer produtos finais a sociedades terceiras; teve uma encomenda “de 226 pares de sandálias Daim, cor tabaco, 160 pares de sandálias Daim, cor Cardinal e 126 pares de sandálias Daim, cor Deeble, tudo no montante de 27.652,00 euros”. O valor acordado “tinha suscetível a realização de vários modelos e com qualidade assegurada o que não ocorreu, pois tendo sido remetidos ao cliente os sapatos concluídos, foram prontamente recusados”. Assim, invoca a exceção de não cumprimento do contrato, e face à manifesta inexigibilidade do título executivo, a inidoneidade da pretensão executiva”. Aliás – prossegue - a título de compensação (art. 729, alínea h) do CPC), os valores a reclamar pela embargante “serão muito superiores aos que putativamente fossem devidos”, pois é devido aos embargantes “- A título de solas o total de 5 273,14 euros (Doc. n.º 3); - A título de formas 889,78 euros (Doc. n.º 4); - A título de saltos 3 124,74 euros (Doc. n.º 5); - A título de peles 5 746,43 euros (Doc. n.º 6); - A título de palmilhas 1 509,95 euros (Doc. n.º 7); - A título de caixas 1 494,45 euros (Doc. n.º 8); - A título de tarifas 137,37 euros (Doc. n.º 9); - A título de cortantes 303,82 euros (Doc. 10); - A título de fivelas 1 533,76 euros (Doc. n.º 11), o que perfaz o montante de compensação de 20 013,44 euros, que se invoca como contracrédito”. Contudo, “porquanto não é devido qualquer montante, ante a destruição das matérias primas entregues e a não recuperação de qualquer montante pela Embargante, perdendo material, produto e pagamento, sempre se arroga como titular de crédito de valor, pelo menos igual ao que a Embargada pretende receber”. Sem prescindir: Todo o conteúdo da letra foi preenchido pelo contabilista da embargada, “e de forma aleatória e contra o combinado, por outra mão, com outra letra e ainda sabedores dos problemas surgidos, a embargada preencheu de forma abusiva a letra de câmbio ora dada à execução, no que concerne à data de vencimento”, tendo havido, por isso, “violação do pacto de preenchimento”, uma vez que o sócio-gerente da embargante não deu permissão de preenchimento, para ser recebida uma quantia, indevida, face ao que ocorreu” e, “se inexiste relação cartular a salvaguardar, face à possibilidade da impugnação do negócio subjacente, também os avalistas não podem estar obrigados a um negócio que não se materializa numa emissão de letra “indevida”, como se de uma letra de favor se tratasse”.

A exequente contestou, refutando o alegado. Refere que, desde 2019, as partes desenvolvem negócios comerciais, sendo que o que tem por base a obrigação aqui existente, teve início em meados de março de 2023, onde foi acordada a produção urgente de 512 pares de sandálias; fruto deste negócio, surgiu a letra em execução, que fora avalizada pelos gerentes da executada (doc. 1), nomeadamente, AA e BB, tendo a letra sido emitida a 18.05.2023, na importância de 11.150,66€, com vencimento a 31.07.2023, sendo o valor apurado em função das faturas (docs. 2 e 3). A 30.06.2023, a executada, nas pessoas dos seus gerentes, foi interpelada para proceder ao pagamento das quantias em dívida, pela exequente (docs. 4, 5, 6 e 7), mas não procedeu ao pagamento da dívida. A 8.09.2023, foi interpelada pela segunda vez, para proceder ao pagamento (doc. 8 e 9), o que não o fez. Refuta os valores invocados a título compensatório e, sobre a exceção do não cumprimento, sustenta ter realizado sempre com o maior cuidado e diligência a encomenda, tendo ainda avisado a executada que, por falta dos materiais adequados, a encomenda poderia não ter o resultado esperado, e que não está em causa qualquer mora ou incumprimento. Nega o preenchimento abusivo da letra, tanto mais que a executada, a 1.08.2023, pretendia reformá-la. Por último, sustenta não existir fundamento para a suspensão da execução.

Por convite do tribunal, os embargantes exerceram o direito de resposta à contestação/ oposição, pelo articulado de 19.2.2024, e, mantendo o alegado na petição, reafirmam que a falta de pagamento resultou do incumprimento contratual da exequente.

Em sede de audiência prévia, foram saneados os autos. Fixou-se o valor da causa [11.250,70€], o objeto do litígio [- exigibilidade da obrigação exequenda; - preenchimento abusivo da letra; - possibilidade de compensação] e foram enunciados os temas da prova [. âmbito do acordo celebrado pelas partes e subjacente à letra exequenda e negociações encetadas; . o contexto e o preenchimento da letra exequenda; . existência de pacto de preenchimento da letra; . se a obrigação exequenda é exigível, designadamente falta do cumprimento da obrigação] e foi, ainda, indeferido o pedido de suspensão da execução.

Realizou-se a audiência de julgamento e proferiu-se sentença, onde se decidiu: “Pelo exposto, julgo os presentes embargos totalmente improcedentes consequentemente determino o prosseguimento da execução. Custas a cargo dos executados”.

II – Do Recurso

Os embargantes, inconformados, vieram apelar. Pretendem que seja “alterada a resposta à matéria de facto dada como provada sob os n.ºs 8 e 17, e a alínea a) dos factos não provados e, por via disso, ser reconhecido que houve preenchimento abusivo da letra de câmbio, e por isso considerada nula e sem efeito ou, se assim não se entender, ser verificada a inexigibilidade do título, por verificada a exceção de não cumprimento do contrato e, por via disso, inexistir relação subjacente à dívida cartular”. Para tanto, formula as seguintes Conclusões:

1 – Atenta a vasta prova testemunhal, e a forma como prestados os depoimentos, de forma isenta, imparcial e desinteressada, das testemunhas CC a DD, e a documentação existente à data, é manifesto que houve problemas de fabricação, defeitos e muito maus acabamentos, nomeadamente com a cola utilizada, que não correu e escorreu;

2 – E concatenada, assim, toda a prova produzida, resulta manifesto que teria de alterar-se a resposta dada ao n.º 8 dos factos provados, ante a lógica, regras de experiência, seria inequívoco que o legal representante da recorrente não daria o acordo ou mandou preencher a letra de câmbio, até pela diferente caligrafia que consta da data de vencimento, e os problemas já verificados, sendo pois alterado aquele n.º 8, que passará a ter a seguinte redação: “A letra foi emitida a 18.05.2023, na importância de 11.150,66€, sem data de vencimento, o que seria acordado entre aceitante e sacador, em função do pagamento do fornecimento, o que não ocorreu, face ao não pagamento do cliente francês”;

3 – E da prova documental e testemunhal resultante dos autos, mais deve ser dado como provado o seguinte facto: “Face aos desentendimentos gerados entre recorrente e recorrida, e face ao acordo celebrado no preenchimento ulterior da data de vencimento da letra de câmbio, alguém, sem o conhecimento ou consentimento do legal representante da embargante, preencheu a letra de câmbio, quanto ao vencimento, em 31 de julho de 2023”;

4 – E por toda a prova existente é manifesto que a recorrida não cumpriu a sua parte da obrigação ou serviço, havendo incumprimento da sua responsabilidade, que gera a utilização da exceção do não cumprimento do contrato, prevista nos arts. 428 e ss., e 431 do CC;

5 – Pelo que também ter-se-á de alterar a resposta dada ao n.º 17 dos factos provados, passando a ter a seguinte redação: “tendo a embargante fornecido os materiais, com qualidade, cores e aplicações impostas pelo cliente, e tendo sido fornecidos todos os moldes e outros necessários, a embargada utilizou cola estragada, que escorreu para a pele, estragando a mesma, assim como as palmilhas, os saltos e aplicações descolaram, bem mais sendo feita incorretamente a grifagem da marca”;

6 – E, por inerência, alterada a resposta dada ao n.º 17 dos factos provados, se imporá ser o facto da alínea a) dos não provados ser dado como provado, nos precisos termos em que está redigido;

7 – Atenta a violação, inequívoca, do pacto de preenchimento, pois o próprio contabilista da recorrida o afirmou existir, decidindo-se a data que se aporia, ulteriormente, é manifesto que não havendo boas relações entre as partes, fosse dada ordem de preenchimento;

8 – Incumprida a obrigação subjacente à emissão da letra, e porquanto estamos no âmbito das relações imediatas, inexiste a garantia e segurança da circulação do título, pelo que é oponível, nesta fase, o vício do contrato subjacente à emissão da relação cartular;

9 – E inexistente o negócio subjacente e não verificada a exigibilidade do título, até por ser uma obrigação de sinalagma funcional, a letra de câmbio dada à execução não tem validade jurídica, nem se verifica um dos pressupostos da instância executiva;

10 – Nada deve à recorrida, verificando-se a exceção de não cumprimento do contrato;

11 – Apesar da relação cartular, o certo é que permanecemos no âmbito das relações imediatas (não houve endosso, e os titulares originários são os mesmos) pelo que não se verificam os princípios da autonomia, abstração e literalidade da relação cambiária, que é assim independente da causa que deu lugar à sua assunção;

12 - Inexistente a relação cartular (a salvaguardar), face à possibilidade de impugnação do negócio subjacente também os avalistas não podem ser obrigados a um negócio que não se materializa numa emissão de letra “indevida”, como se de uma letra de favor se tratasse;

13 – Não há razão para a vigência e exigibilidade do título, pelo que não há condições de procedibilidade quanto ao mesmo;

14 – A obrigação exigível é aquela que está vencida ou que se vence com a citação do executado e em relação à qual o credor não se encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação. Assim, o vencimento da obrigação é sempre indispensável à sua exigibilidade, mas esta pode precisar de algo mais do que esse vencimento;

15 – A sentença violou o art. 10.º da Lei Uniforme das letras e Livranças e os artigos 431 e 473 e ss. do Código Civil, e ainda os artigos 655, 466, n.º 1 do Código de Processo Civil.

A exequente respondeu ao recurso, tendo concluído:

I - Nenhuma censura merece a sentença.

II - Porquanto a mesma foi elaborada de acordo com o estabelecido por lei, havendo a devida fundamentação para a decisão da qual os recorrentes recorrem.

III - É pacífico que a letra dada à execução, foi entregue pelos recorrentes à recorrida que preencheu com autorização e conhecimento dos recorrentes praticamente tudo, ficando por preencher por aqueles: a “data de vencimento”, “imposto de selo”, “número do aceite”, o “aceite” e o verso onde consta o “aval” de cada um dos recorrentes avalistas.

IV - Quando a letra foi posteriormente devolvida à recorrida, já se encontrava totalmente preenchida.

V - Os recorrentes sabiam qual era a data de vencimento da letra de câmbio, nunca tendo até aqui, colocado a data de 31.07.2023 em causa, tanto que após o vencimento da letra vieram informar a recorrida que a letra seria para reformar.

VI - Não obstante, os recorrentes foram interpelados para pagamento em 30.06.2023 e em 08.09.2023, com AR assinados pelos próprios recorrentes, nada tendo dito ou pago. VII - Deve assim a pretensão dos recorrentes improceder quanto à alteração da redação do facto provado n.º 8, mantendo-se o mesmo com a redação dada.

VIII - E também não merece qualquer provimento o aditamento aos factos provados da existência de desentendimentos entre as partes e que alguém sem conhecimento ou consentimento dos recorrentes preencheu a letra de câmbio na data de vencimento.

IX - Pois, ficou provado que em maio de 2023, os recorrentes entregaram à recorrida, três letras com aceite e aval, para serem pagas em maio/2023, junho/2023 e 31/julho/2023 – sendo que nesta data, os alegados “desentendimentos” entre as partes já existiam.

X - E a letra dada à execução tem data de emissão de 18.05.2023.

XII - Também em 1.08.2023, por e-mail os recorrentes vieram informar que a letra seria para reformar, assim se provando que eram conhecedores da sua data de vencimento.

XII - Quanto ao demais, sempre diremos que não foi arguida a falsidade ou contestada a veracidade da letra manuscrita quanto à “data de vencimento”, pelo que, não o tendo feito, sibi imputet.

XIII - Também deverá improceder a pretensão dos recorrentes de alteração da redação do facto provado n.º 17 e consequentemente manter-se como não provado o facto A).

XIV - Provou-se que a recorrida cumpriu rigorosamente a sua parte do contrato e foi muito mais além do que lhe era exigido, designadamente ao alertar os recorrentes para a falta de material, para a má qualidade do mesmo e para defeitos existentes, tendo até colocado de lado o respetivo calçado com defeito.

XV - Mais se provou que os recorrentes, acompanharam de perto todo o processo de produção do calçado, deslocando-se várias vezes por dia à fábrica da exequente para fiscalizar o trabalho e quando confrontado com os defeitos mandou sempre avançar.

XVI - Assim, a recorrida realizou e desempenhou o seu trabalho com zelo e diligência, pelo que não se provou qualquer incumprimento contratual da sua parte e consequentemente não tendo qualquer validade ou razão uma eventual verificação da exceção de não cumprimento e a violação da legis artis.

XVII - Por fim, e relativamente à (in)exigibilidade do título, não pode igualmente a pretensão proceder, pois que ficou vastamente demonstrado que os recorrentes aceitaram e conformaram-se com os defeitos, nada tendo exigido quando à eliminação ou substituição dos mesmos, pelo que não pode proceder, como não procedeu perante o tribunal, a exceção de não cumprimento do contrato e que não existiu qualquer mora ou incumprimento do serviço contratado.

XVIII - Assim, cumprida a prestação pela recorrida, era obrigação dos recorrentes pagarem o serviço prestado, o que não fizeram.

XIX - Desta feita, em 31.07.2023 a letra venceu-se, sem que tenha sido a mesma paga, pela que a obrigação tornou-se exigível.

O recurso foi recebido nos termos legais (depois de apreciado e deferido o justo impedimento invocado pelos apelantes) e os autos correram Vistos. Nada se observa que obste ao conhecimento da apelação, cujo objeto, atentas as conclusões dos apelantes, se traduz em saber se a) deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto e b) a sentença deve ser revogada, extinguindo-se a execução.

III – Fundamentação

Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto

A impugnação da decisão relativa à matéria de facto, como decorre do disposto no artigo 640 do Código de Processo Civil (CPC), mas igualmente do artigo 639 do mesmo diploma, impõe ao apelante/impugnante o cumprimento de determinados ónus. Desde logo, a especificação, nas conclusões, dos pontos de facto que se pretendem ver alterados, assim se delimitando o objeto do recurso e, igualmente, ao menos na motivação do recurso, dos concretos meios probatórios e passagens da gravação que sustentam as alterações pretendidas, bem como, por fim, e ainda na motivação, “o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, como ficou definido no AUJ n.º 12/23[1][2].

No caso presente, da leitura das conclusões apresentadas pelos embargantes, bem como da motivação do recursos por eles apresentados, consideramos cumpridos os ónus de quem impugna a decisão relativa à matéria de facto.

Pretendem os recorrentes que, “Atenta a vasta prova testemunhal, e a forma como prestados os depoimentos, de forma isenta, imparcial e desinteressada, das testemunhas CC e DD, e a documentação existente à data” (conclusão 1) deve ser alterada a resposta dada ao ponto n.º 8 dos factos provados [A letra foi emitida a 18.05.2023, na importância de 11.150,66€ (onze mil cento e cinquenta euros e sessenta e seis cêntimos), com vencimento a 31.07.2023 (doc. 1), sendo este valor apurado em função das faturas que juntas em docs. 2 e 3 na contestação aos embargos e cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido] “que passará a ter a seguinte redação: “A letra foi emitida a 18.05.2023, na importância de 11.150,66€, sem data de vencimento, o que seria acordado entre aceitante e sacador, em função do pagamento do fornecimento, o que não ocorreu, face ao não pagamento do cliente francês” (conclusão 2); que deve, ainda, ser dado como provado: “Face aos desentendimentos gerados entre recorrente e recorrida, e face ao acordo celebrado no preenchimento ulterior da data de vencimento da letra de câmbio, alguém, sem o conhecimento ou consentimento do legal representante da embargante, preencheu a letra de câmbio, quanto ao vencimento, em 31 de julho de 2023” (conclusão 3); que a resposta dada ao ponto 17 [A exequente realizou sempre com o maior cuidado e diligência a encomenda que lhe foi feita, tendo ainda avisado a executada que, por falta dos materiais adequados, a encomenda poderia não ter o resultado esperado] deve passar a ter a seguinte redação: “Tendo a embargante fornecido os materiais, com qualidade, cores e aplicações impostas pelo cliente, e tendo sido fornecidos todos os moldes e outros necessários, a embargada utilizou cola estragada, que escorreu para a pele, estragando a mesma, assim como as palmilhas, os saltos e aplicações descolaram, bem mais sendo feita incorretamente a grifagem da marca” (conclusão 5) e “por inerência, alterada a resposta dada ao n.º 17 dos factos provados, se imporá ser o facto da alínea a) dos não provados [Que os defeitos dos sapatos referidos em 4)[3] sejam decorrentes dos serviços de produção e de fabrico prestados pelo exequente] ser dado como provado, nos precisos termos em que está redigido” (conclusão 6).

Na fundamentação da decisão relativa à matéria de facto, o tribunal recorrido deixou dito o que, com síntese, se transcreve e sublinha: “(...) o cerne da matéria a provar incidiu com o conhecimento da responsabilidade pelos defeitos do calçado fabricado (...) Para esclarecermos assim a resposta negativa dada ao facto descrito em A) importa fazer breve resenha da prova por declarações e testemunhal. Vejamos pois.

Começou por ser ouvido em declarações de parte o legal representante da executada – e também executado - AA – que explicou todo o contexto em que ocorreram as negociações das partes e que esteve na base do objeto do litígio. No essencial disse que se tratou de uma encomenda feita por um seu cliente francês – de compra de calçado-, tendo pedido à exequente a execução da obra (calçado) sendo todo o material fornecido pelo executado. Conta que quando o calçado chegou ao destino o cliente verificou que “não estava conforme” e que não aceitou a encomenda pois que o material apresentava defeito. Esclareceu que o seu cliente – “C... - é uma cadeia de lojas que vende a outras lojas multimarcas como as D... – que o material está todo retido em França. Afirma ter acompanhado o processo de produção e descreveu toda a conjuntura em que lhe foi negado o pagamento pelo seu cliente do calçado que fornecera (explicando a intervenção de CC, sua intermediaria em França, de EE secretaria da empresa “C...”) e que culminou com o bloqueio da sua empresa em ulteriores negócios. Atesta que o material era de boa qualidade e quem adquiriu o material foi a A... e foi por indicação do cliente, (quanto às cores e material) tendo gasto cerca de 15 mil euros no material (...) foi confrontado com os emails juntos ao processo, confirmando-os e explicando o seu teor de acordo com a sua versão. Atribui os defeitos à má execução (as palmilhas estarem a descolar e as peles de fora estarem com buracos foi uma má execução do trabalho). Quanto à letra afiança que a mesma era o pagamento do mercadoria do fabrico deles mas se tudo estivesse em condições se o cliente não rejeitasse nada não tendo estado presente na data da preenchimento, faltando a data, tendo acordado com as partes que quando o cliente pagasse e em função do pagamento seria dada ordem para a letra ser paga e que não foi dada autorização por si para a letra ser entregue a pagamento tanto que andavam em litígio com a “first shoes”. Passou-se à inquirição de CC, agente comercial que intermediou o negócio. (...) a testemunha foi intermediaria de negócios entre a executada e “C...” tendo angariado esta encomenda: o Sr. AA da A... comprou o materiais que a C... escolheu (materiais, acessórios e as cores) mas que o calçado que foi produzido apresentava defeitos “descolava, não correspondia a qualidade definida”. Esta testemunha afiança que os defeitos do calçado – que viu - tinha a ver com a execução: descolava a sola dos saltos e visualizou os defeitos dado que abriu caixas na loja constatando não se tratear de material vendável para aquela gama de fornecedor (...). Descreveu as conversas que teve com DD seu cliente francês, do seu descontentamento com o material recebido e confirmou o envio do emails. Confirmou ainda os defeitos dos sapatos por se ter deslocado às lojas onde os mesmos se encontravam. Passou-se à inquirição DD. Disse que o negócio foi feito através da CC que lhe apresentou os sapatos, deslocou-se a Portugal para contratar os modelos mas estavam mal produzidos e não quis fazer negócio. Descreveu os defeitos (que disse serem graves) que os sapatos apresentavam. Disse ter sabido que os sapatos estiveram em venda nas feiras em Portugal. Instado sobre se seriam defeitos de produção/fabrico ou do material fornecido disse que crê que eram defeitos com ambas as origens. Passou-se à inquirição de FF, contabilista da embargada. Disse saber que existe um diferendo entre as empresas. Foi confrontado com a letra dizendo que o preenchimento quase integral foi feito por si, exceto a data de vencimento, número de aceite e as assinaturas. Afiança terem sido entregues um conjunto de 3 letras e que quando a letra objeto dos autos lhe foi entregue já tinham colocado a data e já estava com o carimbo da A... e tinha o aval constituído. Eram um conjunto de 3 letras para pagar o negócio ocorrido entre as partes reportadas a um conjunto de encomendas de março abril de 2023. GG, diretor da “fisrtshoes”, explicou todos os tramites do negócio e vicissitudes ocorridas. No essencial disse que o negócio foi contratado verbalmente, pois que o Sr. AA surgiu na fábrica muito atrapalhado porque precisava de terminar uma encomenda e referiu-lhe que forneceria todo o material e que depois veio a saber que o cliente da executada recusou a receber a encomenda alegando defeitos. Afiança que o executado deslocava-se constantemente à fábrica e que o trabalho da exequente limitou-se a fazer a mão de obra – Corte, costura, montagem e acabamento - sendo que os modelos e moldes cortantes palmilhas era tudo fornecido pelo executado. Defende que os defeitos existentes eram devido aos cortantes que o exequente trouxe e que alertou o executado que lhe dizia “Já não temos tempo, siga é meter em caixa” e descreveu outros negócios havidos com o executado em que surgiram problemas de defeitos por conduta do executado (com umas sapatilhas e com umas sabrinas). Explicou como ocorreu a entrega das letras que foram preenchidas pelo FF e deixaram ao critério do senhor AA as datas, tendo os valores sido apostos pela exequente. HH que é funcionaria da exequente na área do controle da qualidade. Descreveu a sua intervenção no negócio e afiança que os sapatos tinham defeitos mas que foram todos reportados ao executado sendo que quando lhe expunha os problemas (defeitos) ele mostrava sempre muita pressa e dizia “vai assim”. Diz que existiam defeitos da pele sendo material trazido pelo próprio executado. Assevera que fez todo o controle do calçado e que o executado estava presente (inclusive com cola na palmilha e depois verificamos se esta selada) dizendo que é sempre a mesma cola explicou o procedimento que se faz nas palmilhas.

II também acompanhou a confeção das sandálias e também afiança que detetaram defeitos nas peles dos sapatos que eram postas de lado e que quando o Sr. AA era confrontado com os mesmos “mandava seguir a obra (...)e era para fazer o melhor que conseguíamos”. JJ também afiançou que não tinham sido trazidas “formas suficientes” que existiam situações de defeitos de peles e que alertado era o próprio executado a mandar seguir a obra “faz o melhor possível e manda para a frente” e por isso atribui os defeitos existentes ao material. (...) atendendo as regras da experiência que se deu resposta negativa à versão do executado. De facto, o calçado entregue ao terceiro cliente do executado, apresentava defeitos (essa matéria como se disse acaba por ser anuída por ambas as partes, mas resulta das declarações prestadas por DD – que de forma emotiva e revoltada descreve com sinceridade a não concretizada compra pela entrega de produtos defeituosos, defeitos estes confirmados pela testemunha CC). Mas foi também confirmada pelas próprias testemunhas indicadas pela exequente (como sejam as testemunhas II e HH e pelo próprio GG) que de forma que se os afigurou credível admitiram ser possível que alguns dos pares de sapatos não se apresentavam com a qualidade devida. Poder-se-ia ficar, contudo, na dúvida sobre em relação a quem impendia a responsabilidade deste cumprimento defeituoso (...) esta prova para ser adquirida com exatidão impunha a realização de uma perícia que não foi requerida por nenhuma das partes nem oficiosamente pelo tribunal por se entender que iria encarecer imenso o processo e acarretar uma grande morosidade (...) porque se nos afiguraram bastantes as declarações prestadas por GG, HH, II e JJ. De facto, estas testemunhas prestaram depoimentos que se nos afiguraram, sentido sincero e objetivo e foram unanimes contextualizar a forma como esta encomenda foi feita demonstrativa de que “a pressa é inimiga da perfeição”. Ou seja, todas as testemunhas explicaram que perante o material fornecido (solas, moldes, peles) visualizaram alguns pares que não se coadunavam com a perfeição e que avisaram o executado que ignorava esta chamada de atenção e mandou avançar com o trabalho. Mais ... estas testemunhas responsabilizam os erros que confessadamente o calçado detinha ao diferente molde utilizado ao cortante e a elementos que foram trazidos pelo executado limitando-se o serviço contratado a estes o de fabricar o sapato em si. Ademais é o próprio executado que confessa que acompanhou todo o processo de produção (...) quanto à matéria atinente à letra e seu preenchimento atendemos às declarações de FF em relação ao qual não temos razão para duvidar sobre as declarações prestadas e ao próprio executado que atestou que a letra estaria destinada ao pagamento deste negócio, ainda que haja referido não ter dado autorização para o seu preenchimento decorre das regras da experiencia que a mesma tivesse na titularidade do contabilista da exequente por lhe ter sido entregue para pagamento do serviço prestado sendo que o facto de existir um litigio entre as partes não impedia a sua apresentação”.

Ouviu-se toda a prova gravada e analisaram-se os documentos que constam dos autos. Resumimos[4] essa audição e análise do modo que segue.

O legal representante da sociedade embargante, AA, foi ouvido em declarações de parte [Ficheiro n.º 20241104101200]. Reconheceu que trabalha com a exequente há vários anos e, no caso, estava em causa uma “encomenda francesa”. A embargante forneceu os materiais. Foram vistos alguns pares que “estavam razoavelmente bem”, mas o cliente veio a dizer (reclamar) que não estavam conformes à amostra (de confirmação) e veio a rejeitar tudo. Estava em causa, na compra, uma cadeia de lojas multimarca, o material acabou por ficar tido em França, na posse do cliente ou em armazém das lojas dele. O depoente “acompanhou em parte” a produção e o que viu estava razoável. A encomenda em questão era (só) de sandálias. Confirma a fatura, não recebeu nenhum pagamento do cliente e confirma, igualmente, os diversos emails trocados, que leu em audiência[5]. A insatisfação deste cliente francês foi a primeira vez que sucedeu, na medida em que, tendo havido outras reclamações, não o foram “na totalidade”. Não houve “venda dos sapatos” e o cliente bloqueou completamente os negócios com a embargante. O material era de boa qualidade e foi adquirido pela embargante, por indicação do cliente, e a qualidade era “média-alta”. Com a compra do material gastou aí uns quinze mil euros, “a passar”. O material (encomenda) ficou toda em frança, e penso que o querem destruir, “para não prejudicar a marca”. Quanto à letra, estava subjacente que o pagamento do fabrico era “se tudo estivesse em condições”, que era suposto estar, mas não correu bem (min. 24,30). O depoente assinou a letra “um outro dia”, já integralmente preenchida, “menos a data”.[6] A data de 31 de julho não foi preenchida pelo depoente, nem a seu mando. Não disse para preencherem para aquela data, nem o contrário. Acha que também não lhe perguntaram, e já andavam em litígio, “houve uma parte que já nem falávamos”. A embargante tem a ver com o desenho da palmilha, mas o que originou a não aceitação foi a “descolagem das palmilhas” e problemas das peles, de fora. Depois, não voltou a falar com o GG, nem por causa da letra, e não voltou a trabalhar com a empresa (exequente).

Havia outras letras, mas relativas a outros trabalhos. Nas outras letras havia acordo quanto ao preenchimento, mas esta estava em “stand by”... era se o cliente pagasse. Entregou a letra assinada. O email de 1 de agosto não é desta letra[7]; existiam três letras e as anteriores foram reformadas, mas não pode precisar o valor, nem faz ideia quando. Não sabe o porquê de as palmilhas terem descolado e das marcas na pele. Os moldes têm sempre alguma folga, mas depois acerta-se, e não foi disso que reclamaram (47,00). Não foi sendo aviso [dos defeitos] nem tinham de o avisar, pois a palmilha não pode ficar solta, e não foi “normal acontecer o que aconteceu”. O banco devolveu a letra, é normal[8]. Neste caso concreto, mais ou menos 90% (da encomenda) apresentava defeito. Reafirma que o email de 1 de agosto não é desta letra (55,00).

A testemunha CC [Ficheiro 20241104113009] é agente comercial, trabalha em França e faz as encomendas dos clientes franceses ao Sr. AA (embargante) ou a outros, recebendo a respetiva comissão. No caso, o problema foi que o seu cliente não recebeu a encomenda em condições. Era uma encomenda de sandálias, mais ou menos quinhentas, feita, mais ou menos, em abril de 2023. A sociedade francesa que tem a marca ... era a cliente, quem escolheu os materiais e as cores, que o Sr. AA teve de comprar. As sandálias não correspondiam à qualidade pedida e [os defeitos] tinham “a ver com a produção”. Constatou-o, pessoalmente nas lojas e as sandálias foram devolvidas, pelas lojas, ou ficaram em armazém. Não podem ser postas à venda, atenta a imagem da marca. O cliente queixou-se de imediato. Lê o email de 29/04/2023; o cliente não entendia como fizeram este trabalho, que classificava como trabalho de amador (min. 16,30). Toda a produção não estava aproveitável; os modelos não estavam bem feitos e “explicaram-lhe” que a cola tinha passado a validade. Não houve pagamentos, sequer do transporte ou da sua comissão, pois “só ganhei problemas”. Havia produtos em camurça e em pele, como foi ver; havia cola na pele e a pele estava a descolar e até houve, no despacho da encomenda, alguns erros e troca entre lojas (27,00).

DD [Ficheiros ... e ...] é dono da “empresa de sapatos” francesa que fez a encomenda de sandálias aqui em causa, feita “através da CC”. A testemunha começou por se referir a uma produção de sapatos, relativamente à qual se deslocou a Portugal e constatou que os mesmos estavam mal produzidos e referiu que o Sr. AA os vendeu a revendedores e chegou a encontra-los à venda em feiras em Portugal[9], e eram sapatos com a marca da DD. Relativamente às sandálias (“sapatos para mulher” – referiu), confirmou o envio dos emails, a rejeição imediata da encomenda, por os defeitos serem graves, e que lhe causava uma má imagem e prejuízo. Assim que se apercebeu dos defeitos contactou imediatamente a CC; não conseguia vender estes sapatos, nem os revendedores podiam “dar vazão” a esta produção. Não quer dizer, acusar alguém, nem se recorda “vivamente”, mas se os defeitos eram do material ou da produção, acha que “era falta de ambos” (min. 19,00). Deixou de trabalhar com a embargante e não tenciona trabalhar mais com ela; não se recorda se havia outra encomenda em curso, nessa altura das sandálias (26,00).

O depoente AA, atento o testemunho anterior, voltou a ser ouvido [Ficheiro n.º 20241104125149] esclarecendo que aquele cliente francês lhe deu a fazer outros trabalhos e houve um modelo rejeitado na fábrica, esse sim, pode ter sido visto em feiras. Este das sandálias, aqui em causa, é outro. O cliente é “muito de pormenores” e a outra encomenda também correu mal, por haver um erro no fabrico dos saltos e esses sapatos, sim, “ficaram cá” (min. 3,00).

A testemunha FF é contabilista na sociedade exequente [Ficheiro n.º 20241104141223]. Pronunciando-se sobre a letra dada á execução referiu que foi “quase integralmente” feita por si, salvo a data de vencimento, o n.º do aceite e as assinaturas. Eram três letras. A letra (em causa) foi entregue uns dias depois da data do aceite e a data do vencimento, quando da entrega, já estava aposta. Foi o Sr. AA quem ficou em pôr a data do vencimento. Quem a colocou “não fomos nós”. As três letras espeitavam a encomendas; as outras duas foram pagas, entretanto, antes do vencimento desta (min. 6,00) Os negócios foram sendo feitos de muitas maneiras [de pagamento] e, então, não podia ser por cheque. A três letras foram preenchidas “segundo os valores que ele disse”. O email de 1 de agosto, enviado para a testemunha, referindo que a letra era para reformar referia-se a esta letra, a única “que podia reformar-se”. O embargante foi sempre interpelado para pagar, mas não recorda se disse alguma coisa e, entretanto, deixou de falar. A letra não foi paga. É normal preencher a letra “sem estar” o sacador ou o aceitante. Não foi [a aposição] da data do vencimento ou das assinaturas. As letras foram emitidas em 18 de maio, e havia impedimento do Sr. AA, por não poder entregar cheques. Foi-lhe dito que a última encomenda só seria entregue com o pagamento das letras, desta e das outras e essa última encomenda ainda está com a exequente (18,00).

GG é pai do legal representante da exequente e trabalha nesta sociedade como “diretor/orientador” [Ficheiro n.º 20241104143108]. Referiu que o contrato celebrado com a executada foi verbal; o Sr. AA precisava de uma encomenda e foi trazendo os materiais. Foi em março, e a produção em meados de abril. Ele estava atrasado e numa retificou os materiais, mas era ele a trazê-los todos, moldes para os modelos, os cortantes, pele, forro... só faturámos os serviços “e ainda chegámos a comprar alguns materiais” (min. 4,30). Um dia chegava uma pele, outro o forro... “ainda tenho lá cento e vinte pares de sandálias em que ele não entregou os saltos”. Algum material era de qualidade, mas outro não. Acha que é impossível ser verdadeira queixa (constante do email) da C...: a encomenda foi tarde, e eles quiseram arranjar desculpa. O Sr. AA ia lá quatro ou cinco vezes por dia; perante qualquer problema... “siga, é meter em caixa”. Quanto á letra, entregou esta mais outras duas, que foram pagas: entregou as três em 26 de maio. A letra era preenchida pelo FF e o vencimento “fica ao teu critério” (do Sr. AA). Os valores foram preenchidos “por nós”, mas ele tinha conhecimento. Preencheu o vencimento e assinaram, também como avalistas. As outras duas letras foram pagas antes do vencimento desta. Disse-lhe que não reformava a letra, mas ele nunca mais pagou nada. Ele estava sempre lá e dizia que já não tinham tempo. Nunca houve qualquer problema com a cola utilizada pela exequente e era impossível sair da fábrica assim, como depois ficaram. Os defeitos eram dos materiais e não da cola; o produto era dele e, se tivesse aceitado reformar a letra “não estaríamos aqui e estava tudo bem”; nunca alegou que não pagava a letra por causa de defeitos (26,00).

A testemunha HH [Ficheiro n.º 20241104150118] é administrativa na exequente e “ajuda no acabamento/controle de qualidade”. Vê se os sapatos estão em condições para pôr em caixa; verificou várias anomalias que foram comunicadas ao Sr. AA, mas ele mostrava sempre pressa: “se não dá para fazer melhor, vai assim”. O defeito era mais na pele, e ele foi chamado para ver. Defeitos nos saltos, também, mas não foi consigo. A testemunha fez o controle da colagem e não havia problema. Levam uma espuma, para maior conforto e “passamos o dedo: se não levanta, está bem”. Além desta encomenda houve também de sapatilhas e de sabrinas, “sem problema”. Havia defeitos de pele, mas ele [Sr. AA] disse que não ia “estar a comprar mais pele”. Não eram todas más, mas havia defeitos em quase toda [a encomenda]. Disseram-lhe que os saltos também não estavam certos. Da data da letra, não sabe: é com o GG e o contabilista (min. 10,30).

A testemunha II [Ficheiro n.º 20241104151317] trabalha na exequente: cola solas e ajuda nos acabamentos. Conhece o Sr. AA, que ia lá à empresa; esteve no acabamento das sandálias e também na costura. As solas são coladas na montagem e a camurça é limpa: veem se tem excessos e corrigem o material com massa ou tinta. Foram coladas e a cola é sempre a mesma, mas havia alguns defeitos nas peles. O Sr. AA disse-lhes “façam o melhor possível e enviem”. Ia lá bastas vezes ao dia. Retificava e “mandava seguir”, era “o melhor que conseguissem”. Os defeitos comunicados... não tem conhecimento. O Sr. AA ia lá todos os dias, de manhã e à tarde. E... é o fornecedor da cola, de cor amarela (min. 12,00)

Por fim, a testemunha JJ [Ficheiro n.º20241104152813] é funcionário da exequente, estando à frente da linha de montagem. Segundo o Sr. AA, aquilo era “andar para a frente”. Ele nem trouxe formas suficientes, mas “a nossa era compatível”. O Sr. AA ia lá uma, duas, três vezes ao dia e mandava fazer o melhor possível: “eu precisos da obra”. Ainda lá há cento e vinte ou cento e trinta pares, e faltaram os saltos e também faltaram palmilhas, que o Sr. GG teve de mandar fazer. Os defeitos eram dos materiais e ele, Sr. AA, verificava, mas dizia “faz o melhor possível e manda para a frente”. Ainda hoje “estou à espera dos saltos”. A encomenda das sandálias foi de abril para a frente e as sapatilhas foi depois, mas “só saiam se ele se chegasse à frente” (min. 8,30).

Importa, agora, fazer uma análise crítica da prova, repetindo que o apontamento que retirámos dos diversos depoimentos é, essencialmente, coincidente com a fundamentação da primeira instância, precisamente quanto se refere aos diversos depoimentos e os descreve.

Quanto ao ponto n.º 8 da factualidade, aí se dá como assente a letra de câmbio na sua literalidade. Os recorrentes entendem, no entanto, que aí devia ter-se fixado que a letra foi emitida “sem data de vencimento” e que, esse vencimento, “seria acordado entre aceitante e sacador, em função do pagamento do fornecimento”, pagamento esse que veio a não ocorrer, face ao não pagamento do cliente francês. Assim, a pretensão dos embargantes traduz-se em estarmos perante uma letra em branco, quanto ao vencimento, e que foi pactuado, foi acordado (entre sacador e sacada/aceitante), o seu preenchimento, o preenchimento quanto ao vencimento, único aqui invocado como omisso, que tal vencimento era dependente do pagamento do fornecimento pelo cliente francês.

Importa dizer que, na nossa análise dos documentos e, em especial, dos depoimentos prestados, a versão pretendida pelos apelantes não resulta minimamente demostrada. Desde logo, num juízo de verosimilhança e na ponderação dos usos comerciais, não se encontra sentido para que o vencimento da letra ficasse dependente do pagamento de um terceiro, que não intervém no título, e sem qualquer prazo definido. O saque da letra, enquanto garantia cambiária do pagamento da dívida, há de ter, sob pena do seu desvalor de garantia, um prazo de vencimento de certeza mínima, certeza essa incompatível com a sua dependência de um comportamento alheio ao negócio celebrado entre a sacadora e a aceitante. A versão do depoente (em depoimento de parte, note-se, e sem efetiva sustentação noutros elementos probatórios) é desconforme ao giro comercial e contraditada claramente pelo depoimento de GG e, em especial, do contabilista FF que, em pormenor, descreveu o preenchimento do título, na parte em que ele mesmo o fez e na parte em que o não fez, concretamente – e obviamente - nas assinaturas, mas igualmente na data de vencimento, cujo preenchimento imputa ao representante da sacada, enquanto tal, e também como avalista. Não está demonstrado, pois, qualquer acordo ou pacto quanto ao preenchimento da letra, relativamente ao único elemento que se alega em falta, o vencimento do título. Mais, sequer está demonstrado que a letra foi entregue (ou devolvida após assinada) à sacadora sem essa data de vencimento ou, juridicamente definindo, enquanto letra em branco. É certo que, na carta enviada aos devedores cambiários, datada de 30.06.2023, dá-se nota que, não havendo pagamento em cinco dias, a letra seria preenchida segundo o acordado. No entanto, ficamos com a ideia de que se trata de uma “carta proforma” que, aliás, em nada esclarece o que faltaria completar no título, e não se mostra bastante, em nosso entendimento, para afastar o sentido dos dois últimos depoimentos referidos e a literalidade levada ao ponto n.º 8 da matéria de facto. Em suma, entendemos que não há prova capaz de alterar o que se fixou nesse ponto, quer no sentido de se haver estabelecido um pacto de preenchimento (que ficou claramente por provar) quer sequer de que estaríamos perante uma letra omissa – quando assinada pelos obrigados cambiários ou na ocasião em que o foi – quanto ao vencimento. Fica a ideia, por outro lado, em acréscimo ao que se disse, que a sacada – ou, melhor, o seu representante – tinham perfeito conhecimento da data do vencimento, quando, no dia imediato, pretende a reforma do título.

Pretendiam os embargantes, ainda, o aditamento à factualidade provada do seguinte: “Face aos desentendimentos gerados entre recorrente e recorrida, e face ao acordo celebrado no preenchimento ulterior da data de vencimento da letra de câmbio, alguém, sem o conhecimento ou consentimento do legal representante da embargante, preencheu a letra de câmbio, quanto ao vencimento, em 31 de julho de 2023”.

No caso presente, reconhece-se, a questão da data do vencimento da letra e da sua aposição no título em desconformidade ao acordado foi alegada e a questão foi objeto de audiência, ou seja, produziu-se prova, com contraditório, sobre a mesma. Importa salientar, no entanto, que, em rigor não estamos perante uma situação subsumível à previsão da parte final da alínea c) do n.º 2 do artigo 662 do CPC (“ou quando considere indispensável a ampliação desta”), conforme bem explicam Paulo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro[10]: “Em caso algum se pode falar hoje com propriedade de ampliação da matéria de facto. Com efeito, se o julgamento na 1.ª instância não se apoia numa base instrutória, mas sim em toda a matéria de que o tribunal pode conhecer (art. 5.º, n.ºs 1 e 2 ), não tem sentido falar-se de uma ampliação do objeto do julgamento, pois este já teve por objeto toda a matéria adquirida pelo processo – e quod non est in actis non est in mundo. Apenas tem sentido falar-se de uma omissão de pronúncia. A hipótese de omissão de pronúncia não se confunde com a ampliação da matéria de facto, já estando prevista no segmento anterior desta norma – deficiência da decisão sobre pontos determinados da matéria de facto.[11] Não há espaço para uma terceira hipótese. Mesmo quando a relação entende que o tribunal de 1.ª instância não emitiu pronúncia sobre um facto essencial resultante da instrução da causa – art. 5.º, n.º 2, al. b), nunca se está perante a necessidade de ampliação da matéria de facto que constitui o objeto de julgamento da 1.ª instância – o julgamento já tinha por objeto todos os factos referidos no art. 5.º - mas sim perante uma omissão da pronúncia devida”.

Se podemos dizer o mesmo por palavras nossas, salientamos que, perante factos essenciais alegados pelas partes (ou, mesmo outros adquiridos pelo tribunal) a omissão de pronúncia, isto é, não terem sido considerados provados ou não provados pelo tribunal recorrido não corresponde a uma necessidade de ampliação da matéria de facto, mas revela, diferentemente, uma deficiência da decisão, corrigível nos termos da primeira parte da já citada alínea c), havendo nos autos – como naturalmente sucederá – os elementos probatórios bastantes e de que a 1.ª instância, naturalmente, já dispunha.

No caso presente, o que foi dito a propósito do ponto n.º 8 (e que desnecessariamente repetiríamos) afasta, manifestamente, a pretensão de aditamento factual formulada pelos recorrentes, pois não se provou qualquer acordo de preenchimento – e, por esse efeito, o eventual abuso dele – nem sequer que a letra fosse omissa quanto à data de vencimento, aquando da sua assinatura pelos obrigados cambiários. No entanto, porque estamos perante uma deficiência da decisão (o/os facto/os não se deram como provados ou como não provados, não obstante alegados e essenciais) e não perante a necessidade de ampliação, esta matéria há de acrescentar-se, mas no rol dos factos que devem ser dados como não provados.

Finalmente, pretendiam os apelantes que o ponto n.º 17 da matéria de facto passe a ser redigido: “tendo a embargante fornecido os materiais, com qualidade, cores e aplicações impostas pelo cliente, e tendo sido fornecidos todos os moldes e outros necessários, a embargada utilizou cola estragada, que escorreu para a pele, estragando a mesma, assim como as palmilhas, os saltos e aplicações descolaram, bem mais sendo feita incorretamente a grifagem da marca” e, consequentemente, que seja dado como provada a alínea a) dos factos dados como não provados: “os defeitos dos sapatos referidos em 4) sejam decorrentes dos serviços de produção e de fabrico prestados pelo exequente”.

Ora a prova produzida não permite o deferimento da pretensão dos apelados. Efetivamente, se nas suas declarações de parte o legal representante da executada invoca defeitos do (e no) produto final (sandálias), fá-lo apenas na sequência de comunicação do cliente francês, sendo certo que este, uma vez ouvido, não imputou esse mau resultado final apenas à execução, mas igualmente aos materiais usados, estes comprados e entregues pela embargante. Mais relevante, vários testemunhos, relativamente aos quais não há razão para afastar a respetiva credibilidade e, muito menos, a razão de ciência deram conta que o legal representante da sociedade embargante acompanhou diariamente a execução da encomenda, foi sistematicamente informado de várias deficiência, nomeadamente relativas aos materiais entregues e, não se opondo à execução determinou que a mesma prosseguisse, mesmo com as deficiências comunicadas. Não pode, pois, imputar-se à sociedade exequente o resultado deficiente ou, relevantemente, que esse resultado não haja sido aceite pela embargante.

Em conformidade, improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e mantém-se como provados e não provados os factos fixados em primeira instância, mas acrescentando-se à factualidade dada como não provada, “Face aos desentendimentos gerados entre recorrente e recorrida, e face ao acordo celebrado no preenchimento ulterior da data de vencimento da letra de câmbio, alguém, sem o conhecimento ou consentimento do legal representante da embargante, preencheu a letra de câmbio, quanto ao vencimento, em 31 de julho de 2023”.

III.I – Fundamentação de facto

Factos Provados

1 - A exequente é titular e legítima portadora de uma letra, junta aos autos principais, subscrita e aceite pela executada A..., S.A. e avalizada por AA e BB, no montante de 11.150,66€, vencida em 31.07.2023 e que tem o seguinte teor:

“Nome e morada ou carimbo do sacador “B... Lda ...”

Local de pagamento (....) Banco 1... – ... e data de emissão: ... 23.05.18

Importância: 11.150,66

Saque ...

Vencimento: 2023/07/31

Valor “Transação comercial”.

2 - Apresentada a pagamento na data do vencimento, a letra não foi paga, nem então, nem posteriormente.

3 - A embargante é intermediária de negócios, e fornece materiais, design e todos os produtos, dando a fazer sapatos a sociedades terceiras.

4 - À embargante foram encomendados por DD, gerente da empresa “C...” 226 pares de sandálias Daim, cor tabaco; 160 pares de sandálias Daim, cor Cardinal, e 126 pares de sandálias Daim, cor Deeble, tudo no montante de 27.652,00€ – fatura junta nos embargos (Doc. n.º 1).

5 - Desde 2019 que as partes desenvolvem, entre elas, negócios comerciais.

6 - O negócio comercial que tem por base a obrigação aqui existente, teve início em meados de março de 2023, designadamente a fabricação dos sapatos referidos em 4) tendo sido solicitado à exequente e acordada entre as partes a produção urgente de 512

pares de sandálias.

7 - Fruto deste negócio, surgiu a letra que se executa, e que fora avalizada pelos gerentes da executada (doc. 1): AA e BB.

8 - A letra foi emitida a 18.05.2023, na importância de 11.150,66€ (onze mil cento e cinquenta euros e sessenta e seis cêntimos), com vencimento a 31.07.2023 (doc. 1), sendo este valor apurado em função das faturas que juntas em docs. 2 e 3 na contestação aos embargos e cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido.

9 - Para o fornecimento da encomenda referida em 4) a sociedade embargante forneceu peles, forros, aplicações, solas e todos os materiais necessários à feitura dos sapatos, tendo suportados todos os custos inerentes, e tendo contratado com a embagada a execução/produção dos sapatos.

10 - Os sapatos chegaram ao cliente final “C...” com defeitos descritos nos emails descritos em 11) e ss. e não foram comercializados.

11 - Com data de 26.04.2023, pelas 16H15, foi endereçado à embargante um email da empresa “C...” com o seguinte teor: “Pares recebidos pela F... parta a Internet.....absurdo. Peço-vos, por conseguinte, que recolham a totalidade dos pares da F..., não aceitamos esta mercadoria. Faremos rapidamente um ponto da situação sobre o restante. Dois pares foram entregues ao fotógrafo (antes de se poder avaliar o resultado) mas estarão disponíveis rapidamente) Sem comentários. Não se pode de forma alguma colocar estes pares à venda nas lojas. Agradeço que suspendam todas as entregas, caso tal ainda seja possível Sarah Head Office Manager” – documento junto aos embargos.

12 - Com data de 29.04.2023, pelas 10H21, foi endereçado à embargante por DD, gerente da empesa “C...” um email com o seguinte teor: “ Bom dia AA, Irei responder-lhe mais pormenorizadamente durante a próxima semana quando tivermos verificado integralmente todas as encomendas Pelo que vi, infelizmente não se trata de uma “dezena de pares”.... É catastrófico. Diria que bastante mais de metade está muito feia, e o resto não é digno do calçado que colocamos à venda nas nossas lojas. (Há ainda os pares fornecidos às D..., que não poderemos verificar antes da devolução dos artigos não vendidos em Setembro) O nível de acabamento é globalmente mau. Terão de recolher muitos pares. Lamento por vocês, mas não tanto como por nós... Fizeram-nos perder muito dinheiro e a nossa reputação vai sofrer danos significativos junto de todos os clientes das D..., que vão ser esses sapatos com esses maus acabamentos. Sinceramente não percebo como fizeram esse serviço. Nunca tinha visto tantos erros e incompetência a todos os níveis Fabrico, acabamentos, Sinto muito ter que dizer isto, mas é trabalho de amador. Melhores cumprimentos DD”.

13 - Com data de 2.05.2023, pelas 10H45, foi endereçado à embargante por DD um email com o seguinte teor... Outro e-mail enviado pelo sócio gerente da sociedade cliente da aqui embargante, refere: “Bom dia o fornecimento apresenta demasiados defeitos. Em virtualmente todas as caixas que se abrem, encontram-se sapatos que não podem ser vendidos A CC virá verificar e voltaremos a fechar as embalagens. Estarão disponíveis em todas as lojas. DD;

14 - No dia 25.05.2023, e depois de muitos telefonemas, reclamações, e-mails e reenvio das informações provindas de França, o sócio gerente da embargante, endereçou um e-mail às 14H17 ao sócio gerente da exequente com o seguinte teor: “Seguem algumas fotos dos artigos enviados e foram cancelados logo que chegaram às lojas devido aos defeitos apresentados (não são defeitos do material, ver foto em anexo) neste momento (neste momento já foram recolhidos cerca de 300 prs) as sandálias estão num espaço nos arredores de PARIS mas não se pode deixar por muito mais tempo pois o espaço ao fim de duas semanas começa a ser pago, além do prejuízo ainda há o custo dos transportes (ida e volta) Agradeço sugestão para dar fim a este problema”. – documento n.º 12 junto com os embargos.

15 - Nesse mesmo dia e depois de já ter produzido e enviado a mercadoria, o sócio gerente da embargada disse que o material não tinha qualidade e que não fora enviado o cortante.

16 - O gerente da exequente respondeu à sociedade executada em email datado de 2.05.2023 com o seguinte teor: “Olá AA, Já espectava que agora iriam acontecer os problemas. Quanto aos renteados, normalmente existem moldes para pele e para forro para ficar margem para se poder rentear, só entregaste o mesmo molde para as duas situações, pelo que conseguimos fazer milagres.”

17 - A exequente realizou sempre com o maior cuidado e diligência a encomenda que lhe foi feita, tendo ainda avisado a executada que, por falta dos materiais adequados, a encomenda poderia não ter o resultado esperado,

18 - A 12.04.2023, a exequente endereçou um email ao executado a dar conta, “Quando puder passe por cá para ver se o grifo para as palmilhas esta bom, ou não. Para este modelo falta: tapa pregos; talonetes de espuma; papel de enchumaçar; pictogramas”, - documento n.º 10 junto com a contestação.

19 - A 26.04.2023, após reclamação relativa a palmilhas, foi endereçado pela exequente à executado um email com o seguinte teor; “(...) as palmilhas foram todas cortadas com um cortante errado que entregaste e tiveram que ser todas acertadas com o cortante correto quando entrou no acabamento, o que levou que possa ter acontecido em algumas não ficarem tão redondas, para aproveitar as palmilhas, uma vez que foi um engano vosso.” documento n.º 11 junto com a contestação.

20 - A 2.05.2023, a exequente endereça um email ao executado a explicar que “quanto aos renteados, normalmente existem moldes para pele e para forro para ficar margem para se poder rentear, só entregaste o mesmo molde para as duas situações”, Explicando ainda que, “foste alertado para algumas dúvidas que apresentamos no acabamento e devido à tua urgência, mandaste seguir, inclusive os packings acabaste por fazer tu os últimos embalamentos pois nada batia certo”. . .” - documento n.º 11 junto com a contestação.

21 - A 25.05.2023, e por email explicou ainda a exequente à executada que: “(...) reiteramos que não facultou cortante diferenciado para forro e pele, como deve ser feito”; -“o cortante das palmilhas que nos facultou era quadrado, tendo nós cortado e grifado; ao colocar nas sandálias verificamos que as mesmas eram redondas, tendo alertado sobre o problema que tínhamos em mãos. Entregou cortante redondo, pedindo que fizéssemos o melhor que conseguíssemos, aproveitando as palmilhas já cortadas e grifadas. Com o resultado obtido, que a nós não satisfazia, foi por si indicado para seguir conforme tinha ficado”; -“também não foi fornecido formeiros suficientes para esta produção, tendo sido por si solicitado que adaptássemos um formeiro nosso, mesmo que não ficasse perfeito”; -“esta produção foi efetuada com os materiais por si fornecidos, tendo por diversas ocasiões sido alertado que esses materiais não apresentavam a qualidade necessária para que os resultados fossem satisfatórios”; -“no acompanhamento que foi realizando, fomos alertando para prováveis defeitos, mais ou menos visíveis, devido aos diferentes materiais que nos foi fornecendo”; -“aquando do controlo da obra, no momento do embalamento, que também foi acompanhado por si, foi sendo alertado para alguns defeitos já visíveis, tendo o setor de acabamento recebido ordem sua para embalar e enviar como estava, tendo parte do embalamento sido feito por si”. - documento n.º 13 junto com a contestação.

22 - Além destas trocas de emails, existiram ainda diversos telefonemas, no sentido de fornecer aos executados um constante acompanhamento do estado da encomenda.

23 - A 30.06.2023, a executada, nas pessoas dos seus gerentes, foi interpelada para proceder ao pagamento das quantias em dívida relativas a serviços prestados e fornecimentos efetuados, especificamente, o negócio respeitante aos 512 pares de sandálias, pelo exequente - documento n.º 13, junto com a contestação.

24 - Em 08.09.2023, a executada, foi interpelada, pela segunda vez, para proceder ao pagamento das quantias em dívidas (doc. 8 e 9), o que não o fez.

25 - A executada foi alertada pela exequente que os materiais não apresentavam a qualidade necessária para um resultado satisfatório e o cortante não era o adequado e ainda assim o executado solicitou que prosseguissem com a execução do calçado conforme tinha ficado, mesmo que não ficasse perfeito.

“Fez-se ainda prova de que”:

26 - Que o executados efetuaram compra dos itens descritos no artigo 34.º da petição de embargos perfazendo um montante de 20.013,44€.

Factos não provados

A - Que os defeitos dos sapatos referidos em 4) sejam decorrentes dos serviços de produção e de fabrico prestados pelo exequente.

B - Face aos desentendimentos gerados entre recorrente e recorrida, e face ao acordo celebrado no preenchimento ulterior da data de vencimento da letra de câmbio, alguém, sem o conhecimento ou consentimento do legal representante da embargante, preencheu a letra de câmbio, quanto ao vencimento, em 31 de julho de 2023.

III.II – Fundamentação de Direito

Com síntese e sublinhados nossos, transcrevemos a fundamentação jurídica da decisão apelada, para melhor compreensão da validade – ou insubsistência – da censura que lhe é feita em sede de recurso. Escreveu-se na sentença: “(...) No caso, o título executivo apresentado consiste numa letra de câmbio (...) é entendido que o caráter literal e autónomo da letra só produz efeito depois do título entrar em circulação e se encontrar em poder de terceiros de boa-fé, pois se assim não for é lícito discutir e apreciar a “causa debendi”. Por outro lado, importa ainda considerar o estatuído no art. 10.º (...) Para haver uma letra em branco, a assinatura que dela constar deve ter sido feita com intenção de contrair uma obrigação cambiária (...) No contrato de preenchimento, as partes estabelecem os termos em que a letra de câmbio deve ser completada, nomeadamente o seu montante, a data de vencimento e juros devidos, visto que, como sucede, em regra, no momento da sua subscrição a dívida não se mostra apurada ou vencida. Vencida e não cumprida a obrigação causal é preenchida a letra, a qual deverá ser paga na data do vencimento. Mas sendo a letra entregue em branco ao beneficiário e com as assinaturas dos seus subscritores (sacador, sacado, avalista) para em momento posterior a preencher, fica com a obrigação de o fazer nos precisos termos acordados, ou seja, estabelecer a quantia efetivamente em dívida e o respetivo prazo de pagamento. (...) estando a letra no âmbito das relações imediatas, pode o aceitante defender-se contra o sacador invocando o preenchimento abusivo, ficando a cargo do aceitante o ónus de provar esse abusivo preenchimento. É que nas relações imediatas não funciona as características da obrigação cambiária – literalidade e abstração, como parece entender o Exequente. E a mesma regra vale para o avalista, isto é, pode invocar, perante o sacador, o abusivo preenchimento da letra, desde que tenha tido intervenção no acordo de preenchimento, como também acontece no caso dos autos. Dito de outro modo, e como é jurisprudência uniforme, desde que o avalista faça parte do pacto de preenchimento, tal como o subscritor, podem opor ao beneficiário (sacador) a exceção material de preenchimento abusivo (...) no caso concreto os executados podiam defender-se, como o fizeram (...) é alegado que as partes celebraram um contrato de prestação de serviços nos termos do qual a exequente fabricaria calçado para os executados venderem a terceiro, sendo os executados a aprovisionar todo o material e componentes de produção e o Exequente a fornecer a mão de obra para a execução do fabrico. Nos embargos, os executados defendem-se com a exceção de não cumprimento do contrato alegando que o calçado fabricado pelo exequente apresenta defeitos cuja responsabilidade tem que ser assacada ao fabricante (...). Acontece que como decorre da matéria de facto, provou-se que o material fabricado apresentava defeito mas ainda que o executado foi alertado pela exequente que os materiais não apresentavam a qualidade necessária para um resultado satisfatório e o cortante não era o adequado e, ainda assim, o executado solicitou que prosseguissem com a execução do calçado conforme tinha ficado mesmo que não ficasse perfeito. (...) não procede a exceção arguida pelos executados. Ademais a exequente é legitima detentora da letra com todas as qualidades e características que este título de crédito possui e já acima referidas e que a mesma teve na base o negócio celebrado entre as partes pelo que não se verifica qualquer preenchimento abusivo dada o acordoado entre as partes de que a letra serviria para pagar os valores dos serviços prestados. Ademais, a 30.06.2023 a Executada, nas pessoas dos seus gerentes foi interpelada para proceder ao pagamento das quantias em dívida relativas a serviços prestados e fornecimentos efetuados, especificamente, o negócio respeitante aos 512 pares de sandálias, pela Exequente e a Executada não procedeu ao pagamento da dívida”.

Vejamos.

Da manutenção da factualidade dada como provada (e não provada, também) pela 1.ª instância, factualidade contrária à pretensão dos apelantes e que se vê reforçada pelo (acrescentado) facto não provado constante do ponto B, podemos antecipar a improcedência do recurso, claramente alicerçado na intenção primeira de se ver alterada – em sentido favorável ao entendimento dos embargantes – a matéria de facto que impugnaram.

Convém acrescentar, ainda assim, em reforço dessa improcedência, e ainda que nem sempre em sentido coincidente com a 1.ª instância, o que, necessariamente com síntese, ora realçamos:

1 - Dos factos levados à sentença não resulta (sequer) que estejamos perante uma letra em branco, ou seja, e como esclarece José Engrácia Antunes, um “documento que, não contendo todas as menções obrigatórias essenciais que se encontram elencadas no art. 1.º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças (LULL), possua já a assinatura de, pelo menos, um dos signatários cambiários, acompanhada de um acordo expresso ou tácito de preenchimento futuro das menções em falta”[12]. Assim o é – como esclarece o citado autor – quando, perante um modelo normalizado do qual conste “já a palavra “Letra” suscetível de traduzir a intenção de assumir uma obrigação cambiária” ela contém “a assinatura de, pelo menos, um dos obrigados cambiários” e se os subscritores em branco firmaram “com o sujeito a quem a letra foi entregue uma autorização ou acordo destinado a fixar os termos do preenchimento futuro das menções em falta”[13].

2 – Uma letra em branco pressupõe um pacto de preenchimento, cuja eventual violação pode ser invocada pelos obrigados cambiários intervenientes nesse pacto; invocada e por estes demonstrada (provada). Não se provando a existência do pacto, óbvio será que a sua eventual violação se mostra prejudicada.

3 – Mas importa dizer, em acrescento, que os embargantes/avalistas, podendo opor, nas relação imediatas, a violação do pacto de preenchimento, este pacto ou acordo não se confunde com a relação subjacente, o negócio causal que esteve na origem da obrigação cambiária: este negócio – ou os seus vícios, melhor dizendo-, pode ser invocado pela aceitante e, com relevo, a sociedade (parte do negócio subjacente) não se confunde com os seus sócios, que assinam em qualidades diferentes enquanto representantes (vinculantes) da sociedade ou como avalistas, enquanto, no caso, pessoas singulares.

Do que decorre, sempre haveria de concluir-se pela improcedência dos embargos relativamente aos embargantes avalistas.

Mas, podendo a aceitante, porque nas relações imediatas, invocar o negócio subjacente e opor os vícios deste, ou seja, não estando limitado pela abstração do título de crédito, importa passar à segunda questão que os embargos e o recurso suscitam. Também aqui sempre seria de improceder a apelação. Dizemo-lo igualmente com síntese:

1 – Os embargantes invocam repetidamente a exceção de não cumprimento do contrato. Essa exceção corresponde à faculdade de um dos contraentes, num contrato sinalagmático, recusar o cumprimento, perante o incumprimento da outra parte: como decorre do disposto no artigo 428, n.º 1 do Código Civil (CC) “Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.

2 – Sucede que o que verdadeiramente invocam os embargantes é o cumprimento defeituoso por parte da exequente. No entanto, o tribunal não está vinculado às alegações das partes “no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (artigo 5.º, n.º 3 do CPC) e é admissível a invocação da exceção do não cumprimento no cumprimento defeituoso[14], nomeadamente nos casos em que “a prestação efetuada prejudique a integral satisfação do interesse do credor”[15], e desde que a exceção seja exercida “após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, que a prestação fosse substituída ou realizada de novo, que o preço fosse reduzido ou que fosse paga uma indemnização pelos danos”[16], o que, porém, não vemos suceder no caso presente.

3 – Sucede que, mesmo atendendo apenas à eventual relevância jurídica do cumprimento defeituoso (ou seja, independentemente da exceção invocada[17]) a pretensão dos embargantes, e tal como se decidiu, não podia proceder.

4 – Qualificado o contrato como prestação de serviço (artigo 1154 do CC), estamos necessariamente a perspetivar o contrato de empreitada[18]. E, como clarifica o artigo 1219 do CC, o empreiteiro não responde pelos defeitos da obra, se a mesma foi aceite sem reserva, sendo certo que os defeitos aparentes se presumem conhecidos, mesmo que não tenha havido verificação.

5 - No caso presente, a sociedade embargante (através do seu representante legal, naturalmente) acompanhou a obra, tomou direito conhecimento de vários defeitos da obra e sempre a aceitou. Mais, o dono da obra só pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato (se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina) se os defeitos não forem eliminados ou (não for) construída nova obra (artigo 1222, n.º 1 do CC), o que no caso não foi exigido pela embargante. Ao contrário, aceitou a obra, cuja execução acompanhou.

Assim, também os alegados vícios da obra, ou seja o cumprimento defeituoso do contrato que constituiu o negócio subjacente à letra, não são impedimento à validade do título, e a decisão recorrida deve ser confirmada, ainda que com os fundamentos que aqui se acrescentaram.

Diga-se, por fim, que não é linear, na jurisprudência e na doutrina que o negócio celebrado entre sacador e aceitante seja uma empreitada[19]. As suas semelhanças com a compra e venda (comercial ou civil) de coisa futura são flagrantes[20]. No entanto, irreleva seguir outro caminho dogmático quando a questão é controversa e o resultado é idêntico[21]. No caso, qualquer que seja a qualificação, sempre improcederia a pretensão dos embargantes, pois não foi pedida à exequente a eliminação dos defeitos[22] e tendo a obra (ou a coisa vendida) sido aceite com conhecimento das suas imperfeições, sempre seria abusivo e contrário à boa-fé a posterior invocação dos defeitos que se aceitaram.

Em conformidade, o recurso revela-se improcedente.

Atento o decaimento, as custas são devidas pelos apelantes – artigo 527 do CPC.

IV – Dispositivo

Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e, em conformidade, confirma-se a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes.


Porto, 15.09.2025
José Eusébio Almeida
Carla Fraga Torres
Ana Paula Amorim
________________
[1] Que fixou jurisprudência conforme ora se cita: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 8.ª Edição Atualizada, Almedina, 2024, pág. 233.
[3] “4 - À embargante foram encomendados por DD, gerente da empresa “C...” 226 pares de sandálias Daim, cor tabaco; 160 pares de sandálias Daim, cor Cardinal, e 126 pares de sandálias Daim, cor Deeble, tudo no montante de 27.652,00€ – fatura junta nos embargos (Doc. n.º 1)”.
[4] Resumimos, porquanto, como se verá, a fundamentação da decisão de facto constante da sentença – e que transcrevemos – dá uma imagem bastante completa e rigorosa dos depoimentos prestados e em moldes que não podemos deixar de acompanhar.
[5] Não apenas no caso do depoente, mas no depoimentos das testemunhas procedeu-se à leitura (pelo depoente ou pelas testemunhas) do conteúdo dos documentos, mormente emails, que vieram a constar da matéria de facto provada, o que, salvo o devido respeito, não é propriamente produção de prova, antes nos parece, no contexto, um ato inútil, porque desnecessário.
[6] O depoente tem alguma deslembrança sobre o preenchimento da letra e responde “sim” a esta “pergunta” que lhe é feita (min. 26,00): “acordaram que depois, em função do pagamento do senhor francês seria dada uma ordem sua para o dia X ser metida a pagamento, era isso?”
[7] Documento de fls. 485 do processo eletrónico (p.e): “Bom dia. Como informado e acordado esta letra é para reformar, ainda hoje informo qual o valor para a reforma”.
[8] A letra foi devolvida a 3.08.2023. Ainda que, durante o depoimento se tenham suscitado dúvidas (concretamente pelo ilustre mandatário dos embargantes) sobre qual a letra devolvida, atenta a celeridade da devolução, o documento de fls. 489 do p.e., emitido pelo Banco 1... e datado de 3.08.2023, refere-se inequivocamente (desde logo, atendendo ao valor e à data de vencimento, que se identificam) à letra em causa nestes autos.
[9] Concluiu-se, em conjugação com o depoimento seguinte (ainda do legal representante da embargante) que a testemunha não se referia à encomenda das sandálias, aqui em causa.
[10] Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume II, Almedina, 2014, págs. 104/105
[11] Os autores referem-se, naturalmente, à primeira parte do mesmo normativo.
[12] “A letra em branco”, in. Diálogos com Coutinho de Abreu, Almedina, 2020, págs. 525/537, a pág. 525.
[13] “A letra em branco”... cit., págs. 528/530.
[14] Mas - como refere João Cura Mariano (Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7.ª Edição Revista e Aumentada, Almedina, 2020, págs. 175/178) – desde que “a obrigação de pagamento de preço não seja de vencimento anterior ao da entrega da obra e que a parte do preço, cujo pagamento se recusa, seja proporcional á desvalorização da obra provocada pela existência do defeito”. [15] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.09.2016 [Relator, Conselheiro Garcia Calejo, Processo n.º 6514/12.2TCLRS.L1.S1, dgsi].
[16] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.02.2018 [Relator, Desembargador Luís Cravo, Processo n.º 131004/16.4YIPRT.C1, dgsi].
[17] Note-se que a “procedência da exceptio invocada em juízo não permite a absolvição do réu do pedido ou da instância (em sentido contrário, cgr. Ac. RL 27.05.2001), mas deve conduzir à condenação do réu a cumprir a obrigação contra a realização da contraprestação” – Ana Taveira da Fonseca, Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Universidade católica Editora, 2018, pág. 126.
[18] Como refere Luís Manuel Teles de Menezes Leitão [Direito das Obrigações, Volume III, 13.ª Edição, Almedina, 2019, págs. 504 e 508/510] , “o elemento distintivo do contrato de empreitada é a prestação caraterística do empreiteiro, que corresponde à realização de uma obra” e “a obra tem de ser realizada mediante um preço”. A empreitada é um contrato “nominado e típico”, um “contrato não formal”; é “um contrato consensual”, “oneroso, uma vez que gera sacrifícios económicos para ambas as partes” e é “também um contrato sinalagmático, uma vez que faz surgir obrigações recíprocas para ambas as partes, sendo a do empreiteiro a de realizar a obra e a do dono da obra a de pagar o preço”. A empreitada “é um contrato comutativo e não aleatório, uma vez que tanto a atribuição patrimonial do dono da obra como a do empreiteiro se apresentam como certas” e é, ainda, um contrato “de execução instantânea”, uma vez que “apenas interessa ao credor a execução da obra. Mesmo que essa execução se possa prolongar no tempo, este nunca é visto como relevante em termos de delimitação do conteúdo da obrigação, sendo apenas um prazo de execução da obrigação do empreiteiro, que é assim considerada de execução instantânea, ainda que prolongada”
[19] Citando diversa jurisprudência que qualifica contratos com semelhanças ao realizado entre embargante e exequente, João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual... cit., págs. 39/42, nas notas de rodapé 69 e 75.
[20] A este propósito, António Menezes Cordeiro dá nota que, face à empreitada, a compra e venda “suscita problemas clássicos, ainda em aberto” - Código Civil Comentado, III – Dos Contratos em Especial, Coordenação António Menezes Cordeiro, CIDP/ Almedina, 2024, págs. 792/793.
[21] Nem relevarão, no caso, as razões de interesse prático [“(... assume particular relevo a que se verifica na regulamentação relativa à transferência de propriedade dos materiais fornecidos por um dos contraentes (...) as regras relativas aos prazos para a realização da denúncia dos defeitos (...) Outra diferença importante entre o regime dos dois contratos consiste no facto de o dono da obra ter a possibilidade de desistir do contrato a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a execução da obra. Porém, caso exerça esse direito, o dono da obra tem o dever de indemnizar o empreiteiro dos seus gastos, do trabalho despendido e do proveito que poderia tirar da realização da obra (artigo 1229.º)] de que dá nota José Manuel Vilalonga -“Compra e Venda e Empreitada, contributo para a distinção entre os dois contratos”, Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, Ano 57 (1997), n.º 1, págs. 183/228, em especial págs. 194/197 e 200/201.
[22] Como se refere no acórdão do tribunal da Relação de Évora de 14.10.2021 [Desembargador Manuel Bargado, dgsi], “IV - No sistema jurídico português há uma espécie de sequência lógica: em primeiro lugar, o devedor está adstrito a eliminar os defeitos ou a substituir a prestação; frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço ou a resolução do contrato. A regra que impõe este seguimento está patente no artº 1222º, nº 1, do Código Civil em relação ao contrato de empreitada, mas, apesar de não haver norma expressa neste sentido no contrato de compra e venda, ela depreende-se dos princípios gerais [arts. 562º, 566º, nº 1, 801º, nº 2 e 808º, nº 1, todos do CC] além de ser defensável a aplicação analógica do nº 1 do artº 1222º, no que se refere à imposição desta sequência, às hipóteses de compra e venda. V - Sendo possível a eliminação dos defeitos ou a nova realização da prestação, ao comprador só cabe escolha entre resolver o contrato e reduzir o preço, caso a contraparte tenha recusado qualquer das prestações de cumprimento ou depois de decorrido um prazo suplementar fixado, nos termos do artigo 808º do Código Civil, para a sua efetivação”.