Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
712/12.6TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PELO TRABALHADOR
RESOLUÇÃO ILÍCITA
INDEMNIZAÇÃO DO EMPREGADOR
DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO PELO TRABALHADOR
AVISO PRÉVIO
Nº do Documento: RP20150223712/12.6TTPRT.P1
Data do Acordão: 02/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – O regime da responsabilidade do trabalhador em caso de resolução ilícita do contrato de trabalho [art. 399º, do Código do Trabalho] é idêntico ao caso de denúncia do contrato de trabalho (pelo trabalhador) sem aviso prévio [art. 401º, do Código do Trabalho], sendo acumulável a indemnização por falta de aviso prévio com a que resultar da prova de outros prejuízos sofridos pelo empregador.
II - Tal indemnização opera automaticamente, como se se tratasse de uma cláusula penal, sem necessidade de alegação e prova de eventuais danos, embora tenha que ser pedida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 712/12.6TTPRT.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B…, residente na Rua …, …, …, com patrocínio judiciário, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, S.A., com sede na Rua …, nº .., Porto.
Pede que a ré seja condenada a: a) A pagar ao Autor a quantia de 50.466,20€, a título de indemnização por resolução do contrato fundada em justa causa devida a comportamentos graves da Ré, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação; b) A pagar ao Autor a quantia de 6.449,52€, a título de créditos vencidos com a cessação do contrato de trabalho, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde 01.05.2012.
Alega, em síntese que era trabalhador da ré, a qual alterou unilateralmente a sua retribuição e, face à reclamação do autor, alterou as suas condições de trabalho, de forma vexatória, subalternizando-o perante os restantes trabalhadores, que eram seus subordinados, motivo pelo qual resolveu o contrato com justa causa.
A ré veio contestar e reconvir, pedindo a condenação do autor a pagar-lhe €5.427,28, por inobservância do prazo de denúncia do contrato.
Foi proferida sentença, que decidiu julgar parcialmente procedente a presente acção, e em consequência, condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia global de € 5.209,23 acrescida dos juros calculados à taxa de 4% ao ano desde os respectivos vencimentos até integral pagamento, absolvendo-a no mais peticionado e julgar improcedente a reconvenção, absolvendo o Autor nessa parte.
Inconformados interpuseram o autor e a ré recurso de apelação.
Por acórdão de 19-5-2014, foi decidido:
- julgar procedente a apelação do recorrente/autor, condenando-se a ré a pagar ao autor indemnização por resolução lícita do contrato de trabalho, no montante de € 33.115,81 (trinta e três mil cento e quinze euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde o trânsito em julgado do presente acórdão e até integral pagamento;
- julgar improcedente a ampliação do objecto do recurso deduzida pela recorrente/ré;
- não tomar conhecimento da apelação da R., por prejudicada.
Inconformada interpôs a ré recurso de revista e recorreu igualmente subordinadamente o autor.
No STJ foi proferido acórdão a 3-12-2014 (fls. 709 a 727), decidindo a final o seguinte:
a) Revogar o acórdão recorrido, na parte em que julgou o contrato de trabalho licitamente resolvido pelo autor, nos termos e com as implicações constantes de supra n.ºs 15 a 20;
b) Determinar a remessa dos autos à Relação, para que seja apreciada a questão aí tida por prejudicada (cfr. supra n.º 21);[1]
c) Manter o mais decidido.
Importa, portanto, proferir acórdão apreciando a matéria da reconvenção, em comprimento do superiormente decidido.
Nas suas alegações: concluiu a ré:
A. A norma ínsita no artigo 399º do Código do Trabalho estabelece a indemnização mínima a que o empregador tem direito caso não se venha a demonstrar a existência de justa causa de resolução do contrato operada pelo trabalhador.
B. Indemnização mínima que a lei estabelece pelos prejuízos que sempre advirão da realidade regulada na norma, sem que sob o empregador impenda o ónus de alegar os prejuízos que sofreu.
C. A interpretação acabada de advogar encontra apoio quer na jurisprudência, quer na doutrina.
D. Assim, permite-se a Recorrente invocar os seguintes Acórdãos (disponíveis em www.dgsi.pt):
a) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11/03/2010, proferido no âmbito do processo 1071/08.7TTCBR.C1, do qual se transcrevem os seguintes excertos:
A R. deduziu reconvenção contra o A. com base em danos/prejuízo que o abandono e falta de conclusão de alguns projectos por banda do reconvindo lhe teriam provocado, danos que, porque ainda incertos, pretendia liquidar em execução de sentença.
Não provou a sua existência, e/ou a sua imputação à atuação causal do A., por qualquer modo, sendo que apenas a falta de elementos para fixar o seu objecto e quantidade justificaria a condenação diferida para posterior liquidação.
Apenas poderá, por isso, subsistir o pedido que formula subsidiariamente para a hipótese de se configurar a relação como um contrato de trabalho com resolução/’denúncia’ sem justa causa.
Procede, pois, nos sobreditos termos, esta sua pretensão.
E ainda, o ponto V do sumário deste Acórdão:
Em caso de resolução ilícita do contrato de trabalho por parte do trabalhador, o empregador tem direito a uma indemnização pelos prejuízos causados, nunca inferior ao valor correspondente à denúncia do contrato com falta de cumprimento do prazo de aviso prévio.
b) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29/11/2010, proferido no âmbito do processo 264/09.4TTMAI.P1, do qual se transcreve o seguinte excerto:
c) O A. que resolveu o contrato de trabalho com fundamento em justa causa cujos factos constitutivos não logrou provar, não adquire direito a indemnização e constitui-se mesmo na obrigação de indemnizar a R. no montante correspondente ao aviso prévio em falta.
E. No que tange a doutrina, invocam-se os seguintes Autores:
a) Professor Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, 2007, página 1064:
Se o tribunal concluir pela ilicitude da resolução, ou seja, pela inexistência de justa causa para a resolução, o empregador terá direito a uma indemnização pelos prejuízos causados não inferior ao montante que resulta do incumprimento do aviso prévio na hipótese de denúncia pelo trabalhador (artigo 448º). A letra do preceito deixa- nos algumas dúvidas quanto à solução dos casos em que o trabalhador tenha resolvido o contrato no momento em que já passaram trinta dias sobre o seu conhecimento dos factos que invoca para justificar a resolução. Numa hipótese dessas, o trabalhador não terá direito à indemnização por resolução com justa causa; resta saber, como já dissemos, se terá automaticamente que pagar ao empregador a indemnização por incumprimento do aviso prévio mesmo que a justa causa efectivamente existisse; a lei confere ao empregador direito a indemnização desde que a justa causa não tenha sido provada em juízo (artigo 446º).
b) Professor António Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, Almedina, 14ª Edição, página 648:
Relativamente às situações de maior prejuízo para a empresa, configura o art. 399º, ainda, a possibilidade de acréscimo da indemnização na medida daquele prejuízo («indemnização dos prejuízos causados»). O valor encontrado por aplicação do art. 401º é o mínimo, ou seja, não depende da existência nem da dimensão dos prejuízos causados.
F. Face ao exposto, e considerando que a douta sentença em crise, na parte com a qual a Recorrente se conforma, julgou ilícita a resolução do contrato de trabalho operada pelo Recorrido, deverá ser revogada a decisão que declarou improcedente o pedido reconvencional, sendo a decisão a quo, nessa parte, substituída por outra que julgue tal pedido procedente, condenando, consequentemente, o Recorrido a pagar à Recorrente a indemnização prevista no artigo 399º do Código do Trabalho, que no caso é de €5.457,25.
G. Ao não ter decidido deste modo, o Ilustre Tribunal a quo violou o disposto no artigo 399º do Código do Trabalho.
Na sua resposta concluiu o autor:
1. O direito da Ré a indemnização por falta de aviso prévio cairá, prejudicado pela revogação da sentença, na parte em que julgou que a resolução do contrato por parte do Autor foi desprovida de justa causa e ilícita.
2. Sem conceder, nesta contra-alegação apenas se prevê a hipótese de se confirmar a decisão de considerar ilícita a resolução do contrato por parte do Réu.
3. Nessa perspectiva, os factos a ter em conta para efeito da decisão deste recurso são os seguintes:
4. § 28: No dia 16 de Dezembro, não foi possível ao Autor aceder, no programa informático de trabalho D…, a fichas de clientes e às tabelas de descontos, tendo sido informado pelo responsável pela área informática que tinha recebido ordens para desactivar o acesso do Autor a essas funções (ponto impugnado no recurso interposto pelo Autor).
5. § 29: Em data não apurada, o Autor foi informado pelo Sr. E…, responsável da facturação, que tinha recebido ordens para não permitir a consulta directa de papéis da facturação pelo Autor, devendo este, caso necessitasse dos mesmos, solicitar-lhe a respectiva entrega (ponto impugnado no recurso interposto pelo Autor).
6. § 30: O recepcionista Sr. F… comunicou ao Autor que recebeu ordens da administração para acompanhar o Autor quando este quisesse mexer em papéis ou tirar fotocópias (ponto impugnado no recurso interposto pelo Autor).
7. § 31: O Sr. G…, chefe da secção de peças, comunicou ao Autor que recebeu ordem da administração para que este lhe solicitasse a consulta de pastas aí existentes, ficando impedido de as consultar directamente (ponto impugnado no recurso interposto pelo Autor).
8. § 32: O Sr. H… transmitiu ao Autor que por ordem da administração estava proibido de entrar no escritório, a não ser por razões profissionais.
9. § 33. O Sr. F… disse ao Autor que tinha recebido ordens para não lhe entregar os plannings da oficina e para o Autor não fazer Inquéritos de Satisfação do Cliente, uma vez que seria a telefonista a executar essa tarefa (ponto impugnado no recurso interposto pelo Autor).
10. § 35: Por carta dirigida ao Autor com data de 04.01.2012, a afirma ter sido alertada por vários funcionários de que o Autor estaria a consultar documentação que não dizia respeito às suas funções, que tirava fotocópias que levava consigo, o mesmo se verificando com o acesso a dados informáticos, o que constituiria ultimamente uma prática reiterada, e que por isso não podia a Ré deixar de “tomar as medidas defensivas necessárias”... atenta a falta de confiança que se instalou... pelo que o Autor “terá as limitações inerentes a ter de reportar tudo à administração, em virtude dos últimos comportamentos que violaram em absoluto a confiança que a empresa lhe depositava”.
11. § 36: Em Fevereiro o Autor foi notificado, por carta datada de 16/02/2012, da instauração de um processo disciplinar, com aviso de que a sanção poderia vir a ser o despedimento com justa causa, e da nota de culpa respectiva, em que lhe é imputado ter andado a munir-se de documentos da empresa para os usar como meio de pressão ou de chantagem, a fim de forçar a empregadora a ceder às suas pretensões, e não cumprir a ordem da administração de apresentar relatórios semanais das actividades levadas a cabo por si.
12. § 38: Por carta com data de 27 de Março, foi notificada ao Autor a decisão do processo disciplinar, com a aplicação da sanção disciplinar de repreensão registada, pelo motivo de o Autor não ter logrado provar que apresentou atempadamente os relatórios de actividade, e a declaração de que, apesar da entidade patronal ter perdido por completo a confiança no trabalhador arguido, não poderá considerar provados os factos perturbadores, por desleais e abusivos, constantes da nota de culpa.
13. § 39: A seguir à comunicação da decisão disciplinar, o pessoal continuou obrigado a cumprir as instruções da administração (ponto impugnado no recurso interposto pelo Autor).
14. § 40: Em carta com data de 02.04.2012 dirigida à Ré, o Autor reclamou a revogação da repreensão registada, o pagamento da despesa suportada com o processo disciplinar, o fim dos bloqueios, desautorizações e proibições postos em prática pela administração e o pagamento da parte em dívida do subsídio de Natal e do subsídio de férias.
15. § 41: Na resposta ao Autor, por carta de 12.04, a Ré afirma que mantém a sanção disciplinar, que o Autor tem as limitações inerentes a ter de reportar tudo ao seu superior hierárquico, devido aos “comportamentos de V. Exa. que abalaram a confiança que a empresa lhe tinha e que deram inclusive origem ao processo disciplinar contra si instaurado”.
16. § 42: Após a recepção da referida carta, as instruções acima referidas da administração mantiveram-se (ponto impugnado no recurso interposto pelo Autor).
17. § 44 – O Autor comunicou à Ré, por carta registada com aviso de recepção remetida a 23/04/2012, a resolução do contrato de trabalho, com efeito a partir de 02 de Maio.
18. O tribunal a quo entendeu que o direito a indemnização previsto no art. 399º do CT impõe a verificação de prejuízos causados ao empregador, observando que, face à falta de confiança no trabalhador, não é minimamente credível que o empregador tivesse sofrido prejuízos resultantes da falta de aviso prévio.
19. A sentença aproxima-se do justo fundamento de rejeição da pretensão da Ré a uma indemnização por falta de aviso prévio por parte do Autor, mas falha na sua identificação: abuso de direito.
20. Tomando Coutinho de Abreu (Do Abuso de Direito, pág. 43) e Heinrich E. Hörster (A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil) como guias da aplicação do direito ao caso concreto, importa antes de mais indagar qual o fim ou função do direito à indemnização reclamado pela Ré: é a protecção contra cessações súbitas de contratos de trabalho que perturbem e prejudiquem a actividade do empregador.
21. Em segundo lugar, importa indagar se a reivindicação da indemnização por falta de aviso prévio, nas circunstâncias do caso, é uma reivindicação honesta.
22. Ora, a atribuição à Ré de indemnização por falta de aviso prévio não protege o empregador contra uma cessação súbita do contrato de trabalho perturbadora e prejudicial da sua actividade, pois a continuidade do contrato de trabalho do Autor é que era vista pela Ré como prejudicial à sua actividade e a relação laboral estava estropiada pelas restrições e limitações impostas pela Ré como reacção à não aceitação pelo Autor da diminuição da retribuição líquida e de ter recorrido ao tribunal.
23. E é uma reivindicação que ofende o sentido de decência das pessoas de bem, um caso bastante tortuoso de venire contra factum proprium. A Ré estabeleceu como meta a alcançar o despedimento do Autor, de uma maneira ou de outra. Chegou mesmo a ensaiar a via do processo disciplinar e do despedimento com justa causa (§§ 36 e 38 dos factos provados). Mas não desistiu do seu objectivo. Prosseguiu-o, como já vinha fazendo, pelo método alternativo do assédio moral até à exaustão do trabalhador. Assim, a resolução do contrato pelo Autor foi o resultado pretendido e forçado pela Ré, pelo que a reclamação de indemnização por falta de aviso prévio excede ainda os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes.
24. Dado o exposto, e sem prejuízo de que a pretensão deve sucumbir por força da revogação da sentença, na parte em que julgou a resolução do contrato ilícita e absolveu a Ré da obrigação de indemnizar o Autor com fundamento em justa causa, a sentença recorrida, ao não julgar a pretensão da Ré à indemnização por falta de aviso prévio improcedente, por abuso de direito, interpretou e aplicou erradamente os arts. 399º e 401º do CT, não aplicando, como devia, o normativo de controle do exercício de direitos constante do arto 334º do CC, aplicável em todos os ramos do direito privado.
25. Sendo assim, o recurso deve ser julgado improcedente, com fundamento na ilegitimidade, por abuso de direito, da pretensão da recorrente.

II. Factos provados:
Para apreciação desta questão importa considerara a seguinte matéria de facto, entre a que se encontra já fixada no anterior acórdão deste Tribunal:
1. Por contrato de trabalho celebrado a 01.01.1999, o Autor foi admitido ao serviço da Ré, para desempenhar funções inerentes à categoria profissional de chefe de departamento de oficina, nas áreas de pós-venda, assistência, oficina e peças.
2. Em Abril de 2010, o Autor auferia as quantias descritas nos documentos de fls. 20 e 21, constando de fls. 20 um recibo emitido pela ré do qual consta um salário ilíquido de € 2.183,46, sendo de € 545,18, os descontos para IRS e segurança social, e de fls. 21 uma nota de lançamento da ré, no valor de € 545,18.
3. O valor de 545,18€ referido no § 2º era um “bónus”, assumido pessoalmente pelo administrador da Ré, Sr. G….
4. A administração da Ré, decidiu incluir no vencimento do autor, a quantia referida no nº 3.
5. Sobre esse montante passariam a ter que incidir os descontos respetivos para o IRS e Segurança Social.
6. O vencimento ilíquido do A. era de 2.183,46 €, sendo que o montante que recebia a mais indicado no documento de fls. 21, se referia ao referido “bónus” específico dado pelo administrador, Sr. G…, que passou a estar incluído no recibo de vencimento, razão pela qual o vencimento líquido, a partir de Maio de 2010, passou a ser de € 1.965,49.
39. O Autor enviou à Ré carta registada com aviso de recepção remetida a 23/04/2012, constante a fls. 160 a 163com o seguinte teor:
Em Maio de 2010, a empresa alterou unilateralmente a retribuição do trabalhador, daí resultando um vencimento líquido inferior em 217,97€ relativamente ao que recebia até então.
Reclamei verbalmente contra essa alteração unilateral e por escrito, através de carta registada que enderecei à empregadora a 15.06.2010.
E já nessa carta me queixei da deterioração das minhas condições de trabalho, designadamente desde o início de Maio de 2010, “coincidindo com a minha insistência n reposição do valor líquido da minha retribuição”.
São exemplos mais relevantes dessa reacção da empresa, e que se mantêm até à data (a) a telefonista tem instruções, para não me transferir chamadas do exterior dos clientes e dos parceiros comerciais sem autorização caso a caso da administração; (b) a um motorista foi dada ordem para não cumprir instruções minhas sem a aprovação da administração; (c) foi-me comunicado verbalmente que ia começar a marcar ponto e que não podia permanecer nas instalações depois das 18H00; (d) foi dada à estação de serviço ordem para não lavar a viatura que me está atribuída sem autorização da admnistração.
A partir de Agosto de 201l, a administração ordenou que eu apresente relatórios semanais da minha actividade, a entregar até às 12 horas da 2a feira da semana seguinte.
Até então, nunca a administração me exigiu a apresentação desse tipo de relatórios, e nem antes nem depois exige tais relatórios a outros trabalhadores da oficina.
A atestar o propósito gerador de matéria disciplinar de tal ordem de serviço, a administração determinou que cada relatório lhe fosse entregue até às 12 horas da 2ª feira da semana seguinte.
Nada justifica tal urgência, praticamente impossível de satisfazer, uma vez que um relatório da minha actividade no decurso de uma semana demora horas a elaborar e a oficina não encerra à 2a feira de manhã para o seu chefe poder cumprir o prazo determinado pela administração para apresentar o relatório da sua actividade na semana anterior.
De resto, várias dezenas de relatórios depois, a administração não debateu comigo um só relatório semanal.
A 02.12.2011 propus uma acção no Tribunal de Trabalho do Porto, reclamando aquela diferença mensal de 217,97€.
A empresa foi citada por via postal a 13.12.2011.
No dia 16 de Dezembro, não me foi possível aceder ao programa informático de trabalho D… após introduzir a chave de utilizador e a password, tendo sido informado pelo responsável pela área informática que tinha recebido ordens para desactivar o me acesso ao programa.
No dia 19 de Dezembro, mal cheguei ao trabalho, fui informado pelo Sr. E…, responsável da facturação, que tinha recebido ordens para não autorizar a minha entrada no seu gabinete e não me permitir a consulta de papéis da facturação.
Pouco depois, os recepcionistas Srs. F… e I… comunicaram-me que receberam ordens para não me deixar mexer em papéis ou tirar fotocópias.
Em seguida, o Sr. G…, chefe da secção de peças, comunicou-me que recebeu ordens da administração de me proibir de entrar no seu gabinete e de consultar pastas aí existentes.
Mais adiante, o Sr. H… transmitiu-me que por ordem da administração estava proibido de entrar no escritório.
Já perto do final da manhã, foi-me sucessivamente transmitido pelo Sr. J…, chefe da oficina mecânica, e pelo Sr. K…, chefe da oficina de colisão, que receberam ordens da administração para não solicitarem nem receberem ordens minhas, e ainda pelo Sr. F… foi-me dito de que tinha recebida ordens para não me entregar os plannings da oficina e para eu não fazer Inquéritos à Satisfação do Cliente.
Reclamei destas medidas, por carta remetida à empresa, a 20/12/2011.
Por carta datada de 04/01/2012, não desmentindo as inibições e proibições enumeradas por mim, a empresa alegou ter sido alertada por vários funcionários de que eu estaria a consultar documentação que não dizia respeito às minhas funções, de que tirava fotocópias que levava comigo, e por isso não poder deixar de “tomar as medidas defensivas necessárias”.
Acrescenta ainda que terei as limitações inerentes a ter de reportar tudo à administração, em virtude dos “últimos comportamentos de V. Exa. que violaram em absoluto a confiança que a empresa lhe depositava”.
No dia 11/01/2012 realizou-se uma audiência de partes no Tribunal de Trabalho do Porto, no processo relativo às diferenças salariais reclamadas por mim.
Nesse mesmo dia foi acordado que eu gozasse duas semanas de férias, de modo a que esse afastamento temporário permitisse restabelecer a normalidade da relação laboral.
Regressado ao trabalho no final de Janeiro, fui confrontado com o mesmo regime de limitações e proibições.
Já em Fevereiro, fui notificado, por carta datada de 16/02/2012, da instauração de um processo disciplinar e da nota de culpa respectiva, sendo avisado que a sanção poderá vir a ser o despedimento com justa causa.
Em suma, fui acusado de ter andado a munir-me de documentos da empresa alegadamente comprometedores, para os usar como meio de pressão ou de chantagem, a fim de forçar a empregadora a ceder às minhas pretensões, não me inibindo de o proclamar abertamente junto de colegas e clientes, e de não cumprir a ordem da administração de apresentar relatórios semanais das actividades levadas a cabo por mim.
Apesar da sua evidente artificialidade, submeti-me ao processo disciplinar, para o que tive de recorrer aos serviços de advogado e pagar esses serviços, refutando ponto por ponto a nota de culpa, na expectativa de ser plenamente ilibado de qualquer responsabilidade disciplinar, que o processo concluísse pela ausência de qualquer falta disciplinar e que, uma vez terminado, fosse restabelecida a normalidade na minha situação e o exercício das minhas funções.
Por carta com data de 27 de Março, foi-me notificada a decisão do processo disciplinar.
Como se infere da decisão, a empregadora bem tentou recolher junto do pessoal da oficina, incluindo aqueles de quem sou superior hierárquico, depoimentos que afirmassem a minha suposta deslealdade e os meus supostos intuitos de chantagem.
O facto de não o ter conseguido não quer dizer que não tenha tornado a minha posição de chefe da oficina ainda mais penosa e insustentável do ponto de vista hierárquico com um processo disciplinar para o qual convidou o pessoal que deve estar directamente, te sob as minhas ordens e seguir as minhas instruções.
A decisão aplica a sanção disciplinar de repreensão registada, pelo único motivo de eu não ter logrado provar que apresentei atempadamente os relatórios de actividade (a já referida obrigação nascida em Agosto de 2011), desatendendo as razões invocadas por mim na resposta à nota de culpa.
É uma decisão arbitrária e persecutória, com origem numa ordem de serviço instituída em Agosto de 2011 apenas para gerar atrito na relação laboral.
Além disso, não obstante não considerar provada a prática de “factos perturbadores, desleais e abusivos”, a decisão afirma que tenho assumido “comportamentos prejudiciais à Entidade Patronal” e que perdeu “por completo a confiança no trabalhador arguido”.
Com efeito, a seguir à comunicação da decisão disciplinar, a política de desautorização e ostracismo a que a empresa me tem sujeitado em nada se alterou, continuando o pessoal obrigado a cumprir e a vigiar o cumprimento das proibições e limitações que me foram impostas.
Isto é, para o pessoal da oficina, eu sou alguém que não chefia nada, a quem foi retirado todo e qualquer poder de direcção na oficina e em relação a quem nela trabalha, devendo o pessoal ignorar-me e receber ordens e instruções directamente da administração.
Constatando que nada se alterou com o encerramento do processo disciplinar, reclamei por carta remetida à empresa a 02/04/2012: (a) a revogação da sanção de repreensão registada; (b) o pagamento da despesa, no montante de 615,00€, suportada por mim com um processo disciplinar manifestamente artificial, mas com nota de culpa acompanhada do aviso da possível aplicação da sanção de despedimento com justa causa; (c) a reposição da normalidade da relação laboral, com o fim dos bloqueios, desautorizações e proibições respeitantes à minha pessoa postos em prática pela administração; (d) pagamento da parte em dívida do subsídio de Natal e do subsídio de férias.
A empresa, que respondeu por carta datada de 12 de Abril, deu apenas satisfação apagamento do subsídio de Natal em falta e insistiu na retórica da sua falta de confiança em mim.
Confirmei, após a recepção da referida carta, que o acesso ao programa informático de gestão da oficina e do stock de peças me continua interdito e que o pessoal da oficina continua instruído no sentido de que se mantêm todas as proibições anteriormente decretadas pela administração.
Assim, se pretender obter uma informação tão trivial como saber quais as viaturas que serão admitidas para reparação na oficina nos dias seguintes, tenho de dirigir-me à recepcionista, que faz o favor de me dizer o trabalho que está programado, consciente que eu não disponho da informação por me ter sido retirado o acesso ao programa informático.
Ora, a resposta da administração à minha última reclamação e a manutenção do tratamento a que tenho estado sujeito demonstram que o mesmo não é conjuntural e temporário, não é susceptível de acabar, não obstante a paciente atitude conciliatória adoptada por mim, nem termina com a conclusão do processo disciplinar.
Tornou-se claro para mim neste último mês que o tratamento que me tem sido reservado nos últimos tempos tem carácter permanente e que é intenção da administração sujeitar-me àquilo a que chama “medidas defensivas necessárias” enquanto durar contrato de trabalho.
Tendo 62 anos e por isso escassas probabilidades de me voltar a empregar, apesar de gostar da minha profissão e de me sentir com energia para trabalhar em condições de dignidade ainda durante largos anos, procurei preservar a relação laboral, não obstante o tratamento persecutório e vexatório a que tenho sido sujeito, na esperança de que fosse temporário e que o bom senso, a decência e o respeito devido à minha idade acabassem por prevalecer.
Porém, continuar a trabalhar indefinidamente nestas condições indignas, que me são impostas com intenção de me vexar e deprimir, é insustentável e insuportável.
Aliás, já ando a tomar antidepressivos por indicação médica.
Por tudo isto, o comportamento de assédio intenso e prolongado da empresa, pela sua gravidade e consequências, torna praticamente impossível a subsistência da relação d trabalho.
Dado o exposto, venho comunicar a V. Exas. a resolução do contrato de trabalho com justa causa, pelos comportamentos aqui descritos, que se enquadram na previsão do art. 394°, nº 2, b), c) e 1) do Código do Trabalho.
O contrato de trabalho cessa no dia 30 de Abril, produzindo a cessação efeitos a partir do dia 01 de Maio, devendo a empresa tratar comigo de todos os assuntos de interesse comum respeitantes ao exercício das minhas funções até ao final do mês.
Com a cessação do contrato de trabalho, a empresa deverá pagar-me todos os créditos vencidos e aqueles que se vencem em virtude da resolução do contrato.
Tenho ainda direito à indemnização por resolução do contrato em virtude dos referido comportamentos assumidos pela empresa, não inferior a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, mais a proporção fracção correspondente à fracção do último ano, atendendo aos danos patrimoniais e não patrimoniais infligidos. Essa indemnização deve ser paga na data da cessação do contrato, sob pena de recurso imediato à via judicial.
A empresa deverá emitir a declaração de situação de desemprego modelo RP5044 no primeiro dia útil do mês de Maio, indicando como motivo de cessação do contrato de trabalho a resolução com justa causa por iniciativa do trabalhador.
A declaração pode ser apresentada on-line pela empresa no sítio da segurança social. Nesse caso, deverão V. Exas, entregar-me uma cópia da declaração. Ou pode ser preenchida em papel e entregue a mim, para a apresentar no Centro de Emprego.
Agradeço que a empresa me informe até à cessação do contrato de trabalho qual a modalidade de apresentação da declaração de situação de desemprego que será adoptada.
40.No dia 30.04.2004 a Ré remeteu uma carta ao Autor, comunicando- lhe que “entende esta empresa que a cessação do contrato de trabalho foi feita por denúncia, sem cumprimento do prazo legal de aviso prévio, a que a lei obriga” e calculou que os créditos laborais do Autor se cifravam em 4.137,07€, mas que este lhe devia 5.457,28€, por incumprimento do aviso prévio, ficando assim “devedor a esta empresa da quantia de 1.320,21€”.
41.O valor ilíquido da retribuição auferida pelo Autor à data da cessação do contrato era de 2.728,64€ e o Autor foi admitido ao serviço da Ré a 01.01.99.

III. O Direito
Alega a ré:
A Recorrente entende que a norma ínsita no artigo 399º do Código do Trabalho estabelece a indemnização mínima a que o empregador tem direito caso não se venha a demonstrar a existência de justa causa de resolução do contrato.
Indemnização mínima que a lei estabelece pelos prejuízos que sempre advirão da realidade regulada na norma – sem que sob o empregador impenda o ónus de alegar os prejuízos que sofreu.
Ónus que apenas existe caso o empregador pretenda que a indemnização seja fixada em valor superior ao montante calculado nos termos do artigo 401º.
O autor respondeu:
A recorrente sustenta que o art. 399º do CT estabelece a indemnização mínima a que o empregador tem direito caso não se venha a demonstrar a existência de justa causa de resolução do contrato, sem que sob o empregador impenda o ónus de alegar (e provar) os prejuízos, salvo se pretender que a indemnização seja fixada em valor superior ao montante calculado nos termos do artigo 401º. E invoca jurisprudência e doutrina a favor da sua impugnação da decisão.
Na verdade, na interpretação do art. 399º do CT e da sua articulação com o art. 401º do CT, a sentença afasta-se do entendimento que vem sendo perfilhado em arestos de tribunais superiores e por alguma doutrina. Além disso, enquanto a interpretação invocada pela recorrente tem inegável apoio na letra da lei, a interpretação sustentada na sentença mostra-se pouco apoiada nos textos legais.
Posto isto, a sentença observa que, face à falta de confiança no trabalhador, não é mini- mamente credível que o empregador tivesse sofrido prejuízos resultantes da falta de aviso prévio. Aqui, a sentença aproxima-se do justo fundamento de rejeição da pretensão da Ré a uma indemnização por falta de aviso prévio por parte do Autor.
Mas falha na identificação desse fundamento, que é o abuso de direito.
(...) importa antes de mais indagar qual o fim ou função do direito à indemnização por falta de aviso prévio da denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador ou pela resolução do contrato sem que se prove a justa causa. Esse fim ou função é a protecção da confiança do empregador na continuidade da prestação de trabalho, isto é, a protecção contra cessações súbitas de contratos de trabalho que perturbem e prejudiquem a actividade do empregador.
Em segundo lugar, importa indagar se a reivindicação da indemnização por falta de aviso prévio, nas circunstâncias do caso, é uma reivindicação honesta, que não agride as regras morais aceites pela consciência social.
Ora, como resulta da matéria de facto relevante aqui enunciada, a atribuição à Ré de indemnização por falta de aviso prévio não cumpre a finalidade de protecção da confiança do empregador na continuidade da prestação de trabalho, nem o protege contra uma cessação súbita do contrato de trabalho perturbadora e prejudicial da sua actividade, pela simples razão de que a continuidade do contrato de trabalho do Autor é que era vista pela Ré como prejudicial à sua actividade e, em coerência com essa perspectiva, a relação laboral estava estropiada pelas restrições e limitações impostas pela Ré como reacção à não aceitação pelo Autor da diminuição da retribuição líquida e do atrevimento de recorrer ao tribunal (a sentença reconhece essa motivação do que chama com suavidade diminuição da liberdade de actuação). Em suma, a pretensão excede os limites impostos pelo fim do direito.
E é uma reivindicação desonesta, que agride as regras morais aceites pela consciência social, que ofende o sentido de decência das pessoas de bem. Na verdade, é um caso bastante tortuoso de venire contra factum proprium. A Ré não se limitou a achar que o que era prejudicial à sua actividade era a continuidade do contrato de trabalho do Autor e a estropiar o conteúdo do contrato de trabalho, atendendo à categoria e às funções do Autor. A Ré estabeleceu como meta a alcançar o despedimento do Autor, de uma maneira ou de outra. Chegou mesmo a ensaiar a via do processo disciplinar e do despedimento com justa causa (§§ 36 e 38 dos factos provados). Mas como não havia deslealdade nem chantagem, mas apenas a sua própria sanha persecutória contra um trabalhador que recorreu ao tribunal de trabalho, retirou prudentemente a justa causa de despedimento. Mas não desistiu do seu objectivo. Prosseguiu-o, como já vinha fazendo, pelo método alternativo do assédio moral até à exaustão do trabalha- dor. Achou que essa táctica era a melhor. E um tribunal de 1ª instância deu-lhe provisoriamente razão. De qualquer modo, a resolução do contrato pelo Autor foi o resultado pretendido e forçado pela Ré, pelo que a reclamação de indemnização por falta de aviso prévio excede ainda os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes (dada a intensidade, neste caso, da ofensa às regras morais aceites na nossa sociedade).
Considerou-se na sentença:
Em reconvenção, a Ré peticionou uma indemnização de € 5.457,28 correspondente a dois salários por falta de aviso prévio, quantia essa a compensar com os créditos do Autor.
Dispõe o artigo 399º do C.Trabalho que “Não se provando a justa causa de resolução do contrato, o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401º.”
Na denúncia, o trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio estabelecido no artigo 400º, nº 1 do C.Trabalho (60 dias se o contrato tiver mais de dois anos de antiguidade) deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondente ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência.
Da comparação dos dois preceitos legais conclui-se que, ao contrário do regime de denúncia em que se prevê uma indemnização (automática) correspondente ao período em falta acrescida de uma indemnização por danos causados ao empregador, na resolução ilícita a lei exige a verificação de prejuízos.
A Ré não alegou quaisquer prejuízos resultantes da falta de aviso prévio, sendo que, face à falta de confiança no trabalhador, não é minimamente credível que os tivesse sofrido, pelo que não tem direito a qualquer indemnização.
Nos termos do art. 399º do Código do Trabalho, não se provando a justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador, o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401º.
Estatui, por seu lado, o art. 401º que o trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência.
Estabelece o art. 400º, nº 1, do Código do Trabalho, que o trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade.
Analisando os preceitos em causa não se vislumbra qualquer distinção de regime entre a resolução ilícita do contrato, ou a denúncia, sem observação do aviso prévio.
Daí que não se sufrague o entendimento expendido na sentença sob recurso.
Entende Pedro Furtado Martins que havendo uma resolução ilícita do contrato de trabalho, os danos a serem ressarcidos ao empregador seriam aqueles que fossem apurados de acordo com o seguinte critério: valor do aviso prévio em falta, acrescido da diferença dos danos apurados se superior ao montante anterior.[2] Ou seja, sem acumulação dos dois valores.
Não obstante a crítica comum à redacção do preceito,[3] a maioria da jurisprudência vem entendendo, porém, que o regime é idêntico em ambas as situações, sendo acumulável a indemnização por falta de aviso prévio com a que resultar da prova de outros prejuízos resultantes para o empregador.[4]
De todo o modo, a divergência referida não invalida o entendimento comum de que a indemnização correspondente à falta de aviso prévio opera automaticamente, como se se tratasse de uma cláusula penal, sem necessidade de alegação e prova de eventuais danos, não obstante a necessidade do pedido.
Este é, aliás, entendimento partilhado pelo próprio autor.
Daí que, contrariando este entendimento, venha o autor invocar o abuso de direito.
Segundo o disposto no art. 334º do C. Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Agir de boa fé é agir com diligência, zelo e lealdade correspondentes aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, numa linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da outra parte, é não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar.[5]
O instituto do abuso de direito, é uma verdadeira “válvula de segurança” para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, é uma forma de anti-finicidade cujas consequências devem ser as mesmas de todo o acto ilícito.
O ordenamento jurídico, ao acolher esses concertos moderadores, compromete-se a assegurar a confiança nas condutas e comportamentos das pessoas responsáveis ou imputáveis. E é assim que, enquanto princípio ético-jurídico fundamental, o princípio da confiança não pode deixar de ser tutelado pela ordem jurídica dando guarida e protecção à “confiança legítima baseada na conduta doutrem”, designadamente quando esta conduta contrária à “fides” causar ou for susceptível de causar danos.[6]
A complexa figura do abuso do direito é uma cláusula geral, uma válvula de segurança, uma janela por onde podem circular lufadas de ar fresco, para obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico inoperante em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido; existirá abuso do direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito.[7]
No caso, improcedeu a final o argumento do autor que sustentava a sua pretensão da verificação do abuso de direito, uma vez que o STJ decidiu que não se provou a existência de um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável na conduta da ré.
Assim, não pode agora este Tribunal considerar demonstrada a existência de abuso de direito por parte da recorrente.
Uma vez que a ré invoca a compensação do valor da indemnização com os créditos salarias em que foi condenada, deverá operar-se a mesma, nos termos do art. 848º, nº 1, do Código Civil.
Procede, pois, a apelação da ré.

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação da ré, condenando-se o autor a pagar à ré indemnização por resolução ilícita do contrato de trabalho, no montante de € 5.427,28 (cinco mil quatrocentos e vinte e sete euros e vinte e oito cêntimos), operando a compensação de tal montante com aquele em que foi condenada por créditos laborais do autor.
Custas em ambas as instâncias na proporção do vencido.

Porto, 23-2-2015
Rui Penha - relator
Paula Leal de Carvalho
Maria José Costa Pinto
________________
[1] A referência que consta nesta parte ao ponto 20º da fundamentação do acórdão deve-se a lapso manifesto, conforme resulta do teor do mesmo e da al. a) da decisão.
[2] Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª ed., Cascais: Principia, 2012, pág. 548.
[3] Veja-se, Leal Amado, Contrato de Trabalho, 3ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2011, págs. 468-469.
[4] Para além da doutrina e jurisprudência invocadas pela ré, vejam-se os acórdãos do STJ de 8-11-2006, 06S2571, relator Sousa Peixoto, e de 29-10-2014, 1930/05.9TTPRT.P1.S1, relator Fernandes da Silva, ambos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.
[5] Vejam-se Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8ª edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, pág. 93, Vaz Serra, no B.M.J. nº 74, pág. 45, e Antunes Varela, na Colectânea, ano XI, tomo 3º, pág. 13, e ano XII, tomo 4º, pág. 28.
[6] Baptista Machado, Tutela de Confiança e Venire Contra Factum Proprium, na Rev. de Legislação e Jurisprudência, ano 117º, pág. 363.
[7] Para além dos já referidos, veja-se Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, com a colaboração de Rui de Alarcão, 3ª edição, Coimbra: Almedina, 1966, pág. 63, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 1984, pág. 298, e Antunes Varela, na Rev. de Legislação e Jurisprudência” ano 114º, pág. 75.